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Cânones da interpretação jurídica e o alcance da norma de decisão

2.3 PARÂMETROS HERMENÈUTICOS E INTEGRATIVOS PARA A CORRETA APLICAÇÃO DO

2.3.2 Cânones da interpretação jurídica e o alcance da norma de decisão

Compactuando com EROS GRAU71, a interpretação do Direito parte da compreensão

dos textos normativos que devem ser ponderados para a resolução do caso, findando com a

escolha de uma determinada solução, consignada na norma de decisão – o pronunciamento judicial de cunho decisório – v.g., decisões interlocutórias, sentenças, decisões monocráticas e acórdãos.

Ao contrário do que possa parecer, a interpretação e aplicação do direito não são etapas estanques do processo de criação da norma de decisão. Equivoca-se pensar a primeira como mera operação de subsunção para se chegar à segunda. O intérprete discerne o sentido do texto a partir de um determinado caso dado, consistindo sua tarefa – a interpretação – na concretização da lei – a aplicação. Trata-se, portanto, da mesma operação72.

Em outras palavras, a decisão judicial é, simplesmente, uma moldura do texto normativo em face do caso concreto, inexistindo soluções previamente estruturadas, como

produtos semi-industrializados em uma linha de montagem, para os problemas jurídicos73. Partindo do abstrato ao concreto, o intérprete opera a inserção da lei (dever ser) na realidade (ser), escolhendo uma entre as várias possibilidades de interpretação. Por sua vez, esta não deve, necessariamente, conduzir a uma única solução como sendo a correta, mas, possivelmente, a uma pluralidade de resoluções de igual valor. Dizer que uma decisão judicial é fundada na lei significa que aquela se contém dentro da moldura que esta representa, e não que se trata da única decisão possível. Trata-se, tão-somente, de uma das normas de decisão que podem ser produzidas dentro da moldura da norma geral, em face dos fatos trazidos a Juízo74.

71 (GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito 2009, p. 26-28.) 72

(GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito 2009, p. 35.)

73 Nesse sentido, pondera EROS GRAU:“O trabalho jurídico de construção da norma aplicável a cada caso é

trabalho artesanal. Cada solução jurídica, para cada caso, será sempre, renovadamente, uma nova solução. Por isso mesmo - e tal deve ser enfatizado -, a interpretação do direito realiza-se não como mero exercício de leitura de textos normativos, para o quê bastaria ao intérprete ser alfabetizado”(GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito 2009, p. 36.)

74 (KELSEN 1999, p. 247.) Discorda-se, aqui, da opinião de Eros Grau, que nega, peremptoriamente, a

existência de uma única resposta correta para o caso jurídico, ainda que o intérprete esteja, através dos princípios, vinculado pelo sistema jurídico. (GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito 2009, p. 108-109.) Entende-se que a possibilidade de haver várias soluções corretas – diferentes normas de

decisão – para os casos submetidos à análise jurisdicional coexiste com a de haver uma única resposta

factível. Exemplificando, imagine-se a constituição de uma sociedade limitada cujo objeto social seja a

prestação de serviços de execução de pessoas malqueridas. Negada a inscrição na Junta Comercial, os sócios pleiteiam a tutela jurisdicional a fim de proteger a sua livre iniciativa. Não há, absolutamente, como tolerar interpretação diferente da que negue os pedidos autorais (resposta), seja em virtude do patente objeto ilícito constante do negócio jurídico, seja pela extrapolação da área de proteção da liberdade de associação (justificativas).

Isso não significa, definitivamente, haver discricionariedade judicial na aplicação do direito, afinal, esta se baseia em um juízo de conveniência (onde as opções são indiferentes, escolhidas, subjetivamente, pelo intérprete), e não em juízo de legalidade (no qual se busca a solução com base no texto normativo e nos fatos). Difere-se, portanto, o livre-arbítrio e a

liberdade de pensar o sistema jurídico.

Nesse sentido, é imperiosa a definição de métodos que ordenem o uso dos cânones hermenêuticos, para que eles não venham a funcionar como justificativas a legitimar os resultados que o intérprete se predeterminara a alcançar75.

No campo da hermenêutica constitucional, por exemplo, os princípios da supremacia e da interpretação conforme agigantaram a importância do fator político, empobrecendo a consistência jurídica da lei maior76.

Para PAULO BONAVIDES, há uma desorientação por parte dos aplicadores do direito,

que, frequentemente, se arredam do texto para abraçar, em face das peculiaridades de cada

situação, um sentido concreto da norma, ou uma valorização da regra normativa pelo

sistema, ou, ainda, uma pretensa interpretação “conforme a Constituição”, teto debaixo do

qual se abrigam todas as soluções possíveis e imprevisíveis77.

Na tentativa de parametrizar o alcance da norma de decisão, EROS GRAU entende que

algumas pautas devem ser valorizadas na aplicação do direito, quais sejam, (i) a interpretação sistemática, (ii) a finalidade e (iii) os princípios.

Daí a precisão da máxima não se interpreta o direito em tiras, isto é, fora do seu contexto sistemático, à luz dos fundamentos constitucionais que lhe dão validade. Nas palavras de GERALDO ATALIBA, nenhuma norma jurídica paira avulsa, existe em si, sem escoro ou apoio, afinal, ou estas fazem parte de um sistema, ou não existem juridicamente78.

Um sistema supõe ordenação e unidade (ordenação interior e unidade de sentido). No direito, a ideia de ordenação conduz à de adequação: tanto o legislador como o juiz devem tomar, adequadamente, os dados axiológicos e normativos postos79.

Nesse sentido, adota-se a concepção de sistema jurídico formulada por JUAREZ DE

FREITAS, definido como uma rede axiológica e hierarquizada topicamente de princípios

75 (GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito 2009, p. 108.) 76 (BONAVIDES 1999, p. 484.)

77 (BONAVIDES 1999, p. 484.)

78 (GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito 2009, p. 132.) 79 (GRAU, O direito posto e o direito pressuposto 2008, p. 22.)

fundamentais, regras e valores jurídicos cuja função é a de dar cumprimento aos objetivos justificadores do Estado Democrático, assim como consubstanciados na Constituição80.

Para o citado jurista gaúcho, a interpretação sistemática demanda o seguimento de alguns preceitos81, entre eles:

os princípios são a base e o ápice do sistema;

sacrifício do mínimo para a preservação do máximo dos direitos fundamentais; dever de garantir a maior tutela jurisdicional possível;

maior otimização possível do discurso normativo;

articulação a partir de uma fundamentação racional, objetiva e impessoal das

premissas eleitas;

ver os direitos fundamentais como uma totalidade indissociável, restringindo-

se, ao máximo, suas limitações, e dando-lhes eficácia direta e imediata; preservação dos princípios constitucionais, ainda quando em colisão;

Quanto à finalidade, o sistema jurídico traça normas-objetivo, determinadoras dos processos de interpretação do direito, na medida em que reduzem a amplitude da moldura do texto e dos fatos, de modo que nesta não caibam soluções que não sejam absolutamente adequadas àquelas. Objetiva-se, com isso, a escolha da solução a ser dada pela norma de

decisão82.

De fato, sendo a livre iniciativa fundamento republicano e da ordem econômica, alçada ao grau de direito fundamental, não se pode olvidar que se trata de uma das normas-

objetivo existentes no sistema jurídico. Na aplicação do direito, caberá ao intérprete buscar a sua concretização, considerando-se os princípios consagrados no art. 170 da Carta Magna, conferindo-lhe máxima efetividade.

Parafraseando as lições de ANDRÉ ELALI, servindo o sistema jurídico para a

realização da livre iniciativa, ele deve possibilitar a ocorrência das relações e atividades econômicas, outorgando condições propícias aos agentes econômicos. Consequentemente, sendo a economia uma ciência pautada pela racionalidade, devem as normas jurídicas ser examinadas considerando-se os seus efeitos sobre o fenômeno econômico83.

Há de se ter em vista, por fim, os princípios explícitos (postos) e implícitos (princípios gerais de direito; pressupostos), considerando-se estes últimos como aqueles existentes no ordenamento, embora não alcunhados pelo legislador, explicitamente, como

80 (FREITAS 2004, p. 54.) 81 (FREITAS 2004, p. 189-221.)

82 (GRAU, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito 2009, p. 133-134.) 83 (ELALI 2007, p. 41-42.)

princípios84. É o caso, por exemplo, da vedação ao enriquecimento sem causa que, muito embora não esteja formalizada como princípio, o é, uma vez que representa valor imanente ao ordenamento jurídico, extraído de um sem-número de disposições nos âmbitos civil, penal, administrativo e tributário.