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A penhora frente às quotas não sujeitas à execução

4.2 PENHORA DE QUOTAS SOCIETÁRIAS

4.2.4 A penhora frente às quotas não sujeitas à execução

Pelo visto até aqui, não há dúvidas de que o ordenamento jurídico brasileiro vigente contempla a possibilidade de penhora de quotas societárias. Interessa, nesse momento, pormenorizar a possibilidade de o contrato social fazer restrições a este ato.

160 LOCAÇÃO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA DE QUOTAS. SOCIEDADE LIMITADA.

POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. PRETENSÃO DE PREQUESTIONAR DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ESPECIAL. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que é possível a penhora de cotas de sociedade limitada, seja porque tal

constrição não implica, necessariamente, a inclusão de novo sócio; seja porque o devedor deve responder pelas obrigações assumidas com todos os seus bens presentes e futuros, nos termos do art. 591 do Código de Processo Civil.

(...). Grifou-se. (Agravo Regimental no Agravo n.º 1164746/SP, Relatora: Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, Publicação: DJ, em 26-10-09).

PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA DE COTAS DE SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO. DESATENDIMENTO DA GRADAÇÃO LEGAL. NÃO COMPROVAÇÃO DA EXPRESSÃO ECONÔMICA. ÔNUS DO DEVEDOR. (...) II - No que se refere à alegação de que os demais sócios do empreendimento são contrários à venda das cotas, sendo ainda essa iniciativa vedada pelo contrato social, asseverou o acórdão recorrido não ter o recorrente se desobrigado do ônus da sua prova, "eis que sequer juntou aos autos cópia do mesmo", de modo que, superar essa conclusão demandaria incursão no acervo fático-probatório da causa, o que é vedado em âmbito de especial (Súmula 7/STJ).

III - Ademais, a despeito de haver restrição contratual à alienação das cotas, esta não pode ser admitida

como válida, à mingua de qualquer previsão legal. Deve-se apenas facultar à sociedade, na qualidade de

terceira interessada, a possibilidade de remir a execução, ou então, conceder-se a ela e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, em consonância com os artigos 1.117, 1.118 e 1.119 do estatuto processual civil. Precedentes. Recurso especial não conhecido. Grifou-se. (Recurso Especial n.º 712747/DF, Relator: Ministro Castro Filho, Terceira Turma, Publicação: DJ, em 10-4-06).

SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. PENHORA DAS COTAS SOCIAIS. CONTROVÉRSIA DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL. 1. As cotas sociais podem ser penhoradas,

pouco importando a restrição contratual, considerando que não há vedação legal para tanto e que o contrato não pode impor vedação que a lei não criou. 2. A penhora não acarreta a inclusão de novo sócio,

devendo ser "facultado à sociedade, na qualidade de terceira interessada, remir a execução, remir o bem ou conceder-se a ela e aos demais sócios a preferência na aquisição das cotas, a tanto por tanto (CPC, arts. 1.117, 1.118 e 1.119)", como já acolhido em precedente da Corte. 3. Recurso especial não conhecido. Grifou-se. (Recurso Especial n.º 234391/MG, Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, Publicação: DJ, em 12-2-01).

161 PROCESSO CIVIL. PENHORA DE QUOTAS SOCIAIS. As quotas sociais podem ser penhoradas, sem

que isso implique a admissão do arrematante como sócio; a sociedade pode valer-se do disposto nos artigos

1.117 e seguintes do Código de Processo Civil. Agravo regimental não provido. Grifou-se. (Agravo Regimental no Agravo n.º 347829/SP, Relator: Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma, Publicação: DJ, em 1.º-10-01).

O STJ se posicionou, por quase dez anos, respeitando a legítima restrição

associativa e contratual, entendendo que havendo cláusula contratual prevendo a impenhorabilidade, deveria ser respeitada a vontade societária.

Tal posição tem como grande precedente o Recurso Especial n.º 148947/MG162. No referido julgamento, prevaleceu o entendimento dos Ministros COSTA LEITE, EDUARDO

RIBEIRO e WALDEMAR ZVEITER, fundado em remansosa jurisprudência daquela Corte

Superior163, sendo vencida a tese dos Ministros CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO e

NILSON NAVES.

Com a promulgação do Código Civil de 2002, a posição contrária do Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO ganhou força junto aos seus pares, tornando-se

dominante na jurisprudência pátria. No voto proferido junto ao Recurso Especial n.º 148947/MG, o jurista paraense apontou não haver vedação legal para a penhora, mesmo

quando o contrato possui cláusula vedando a cessão das cotas, pois a cláusula contratual não poderia alcançar o direito do credor, sob pena de abrir-se possibilidade de uma

convenção particular impor limitação que a lei não impõe. Continuou o Ministro: “ademais,

o art. 591164 do Código de Processo Civil comanda que o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros, e a ressalva das restrições estabelecidas em lei, por certo, não tem o condão de incluir a restrição contratual.”

No mesmo voto, MENEZES DIREITO reproduziu165 as considerações do Ministro

CLÁUDIO SANTOS, proferidas em voto-vista no Recurso Especial n.º 21.223/PR.

162 “SOCIEDADE DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. DÍVIDA DE SÓCIO. PENHORA DE QUOTAS.

As quotas, em princípio, são penhoráveis. Havendo, entretanto, cláusula impediente, cumpre respeitar a vontade societária, preservando-se a affectio societatis, que restaria comprometida com a participação de um estranho não desejado. Recurso conhecido e provido. (Recurso Especial n.º 148947/MG, Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, Publicação: DJ, em 29-4-02).

163 Recurso Especial n.º 34882, Relator: Ministro Eduardo Ribeiro, Terceira Turma, Publicação: DJ, em 18-10-

93; Recurso Especial n.º 16540/PR, Relator: Ministro Waldemar Zveiter, Terceira Turma, Publicação: DJ, em 8- 3-93, entre inúmeros outros julgados.

164

“Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei.”

165 “É princípio geral, entretanto, que, na conformidade do disposto Código de Processo Civil, art. 591, o

devedor responde com todos seus bens, presentes e futuros, para o cumprimento de suas obrigações, com as ressalvas legais, nas quais não se inclui a impenhorabilidade das cotas de sociedade de responsabilidade limitada. As cotas, por outro lado, ainda que não corporificadas ou transmissíveis, com liberdade, são bens de conteúdo econômico. O clássico Carvalho de Mendonça já, a seu tempo, no Tratado, vislumbrava na cota dois direitos, um de natureza patrimonial, outro, de natureza pessoal. O problema da quebra da affectio societatis não é de tal monta que acarrete uma impenhorabilidade não prescrita em lei. Por outro lado, não pode a questão acobertar para sempre devedores relapsos que viessem a carrear para uma sociedade por cotas todos seus bens, livrando-se de suas dívidas. A questão do rompimento da affectio societatis pode ser resolvida com a aquisição pelos demais sócios da cota penhorada, com a apuração de haveres e o pagamento do valor correspondente a cota ou, com a dissolução da sociedade, na falta de alternativa. (...)”.

De fato, é possível a restrição à penhora de quotas por ato voluntário. Basta, para tanto, que os sócios as declarem, no contrato social ou em qualquer outro instrumento levado a registro público, como bens não sujeitos à execução, tornando-as, legal e absolutamente,

impenhoráveis, nos termos do art. 649, I166, do CPC.

A expressão por ato voluntário, erigida no CPC, é demasiadamente abrangente. O legislador brasileiro não definiu, processualmente, em que consistiria o ato voluntário, tampouco o alcance desta limitação à penhora. Difere, portanto, da legislação francesa, que, em princípio, aceita a impenhorabilidade de bens assim declarados, voluntariamente, por

testadores ou doadores167.

O entendimento dos Ministros CLÁUDIO SANTOS e MENEZES DIREITO, seguido até

hoje pelo STJ e pela jurisprudência majoritária dos Tribunais Estaduais, carece de

congruência sistemática, ante a possibilidade conferida pelo próprio diploma adjetivo civil de uma declaração voluntária ter força de lei para fins de impenhorabilidade,

possibilitando-se a insubordinação de determinados bens a quaisquer constrições executivas. No sentido ora defendido, já julgou o TJSC168, em franca divergência da jurisprudência majoritária.

Poder-se-ia pensar que a adoção de tal tese, prevista, inclusive, pelo art. 180169, do PL n.º 1.572/11, abriria uma válvula de escape aos burladores legais.

Imagine-se, por exemplo, que o contrato social da PPGD LTDA. não previsse, originalmente, qualquer cláusula de impenhorabilidade ou vedação à transferência de quotas a terceiros. Após a constituição e o funcionamento do agente econômico, João, um de seus

166 “Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução; (...).”

167 Lei n.° 91.650, de 9 julho de 1991, artigo 14, § 3º. (ARAÚJO, Alessandra Vasconcellos de; PINTO FILHO,

Francisco Bilac Moreira 1997, p. 66.)

168 AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. SOCIEDADE LIMITADA. PENHORA DE QUOTAS

SOCIAIS. CLÁUSULA DE IMPENHORABILIDADE POR DÍVIDAS PARTICULARES DE SÓCIOS.

ENTIDADE FAMILIAR. SOCIEDADE INSTITUÍDA INTUITU PERSONAE. POSSIBILIDADE DE QUEBRA DA AFFECTIO SOCIETATIS. EXEGESE DO ART. 1.026 C/C ART. 1.053, AMBOS DO NOVO CÓDIGO CIVIL. INTELIGÊNCIA DO ART.591 C/C ART. 648 E ART. 649, I, TODOS DO CPC. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. Havendo cláusula expressa apontada em contrato social, há mais de 25 anos,

acerca da impenhorabilidade das quotas da sociedade de responsabilidade limitada por dívidas particulares dos seus sócios, máxime em se tratando de entidade de caráter familiar, impossível recair sobre elas penhora judicial, sob pena de violação dos princípios da livre estipulação e da boa-fé. Admitir a penhora em hipótese como esta significa nada menos do que proferir decisão manifestamente contrária à regra de exceção insculpida no art. 649, I, do CPC, permissiva de gravame através de cláusula de impenhorabilidade por ato voluntário dos interessados.

(...). Grifou-se. (Agravo de Instrumento n.º 226324 /SC, Relator: Desembargador Joel Dias Figueira Junior, Primeira Câmara de Direito Civil, Julgamento: 31-1-06).

169 “Art. 180. As quotas são penhoráveis por dívida do sócio, salvo se o contrato social as gravar com a cláusula

sócios, passa a se endividar ao limite da insolvência, descobrindo, por acaso, que um de seus credores ajuizou demanda executiva contra si, indicando à penhora suas quotas societárias. Precavendo-se, João diligencia, junto aos demais quotistas, a confecção de um aditivo ao contratual social, pelo qual as quotas societárias passam a ser impenhoráveis. Citado para integrar a relação processual, João alega, em sua defesa, a incidência do art. 649, I, do CPC, almejando, com isso, livrar suas quotas da responsabilidade patrimonial para com o credor.

Não é o caso.

Naturalmente, para a validade do ato declaratório, este não pode estar inquinado de má-fé170 ou dolo171, por total incompatibilidade com os valores do sistema jurídico brasileiro, sob pena de anulabilidade ou, até mesmo, da categorização de fraude à execução172, crime punível com detenção de seis meses a dois anos, além de multa.

Sendo assim, a eventualidade do desvirtuamento do instituto não pode igualá-lo a um

ardil maquinado. A proteção processual ao ato de declaração de vontade de quotistas nada mais é que um prestígio à livre iniciativa, preservando-se as liberdades de associação e contrato constitucionalmente asseguradas. Manobras ludibriosas e falcatruas devem ser combatidas casuisticamente, respeitando-se, em qualquer hipótese, a liberdade de iniciativa enquanto fundamento republicano e da ordem econômica pátria.