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A constitucionalidade abstrata da intervenção judicial nominativa

4.4 NOMEAÇÃO DE ADMINISTRADORES JUDICIAIS

4.4.2 A constitucionalidade abstrata da intervenção judicial nominativa

A nomeação de administradores judiciais apresenta-se como uma das formas mais gravosas de intervenção judicial sobre o funcionamento das sociedades limitadas, convindo indagar a sua constitucionalidade.

De fato, já se verificou que a livre iniciativa dos quotistas, facetada na liberdade de empreender economicamente, envolve a franca escolha do objeto, da forma, do lugar e do tempo do exercício de empresa, permitindo-se a livre articulação dos fatores de produção. Entre esses, sem dúvida, está a escolha de quem exercerá a administração da sociedade

limitada.

Entretanto, há casos em que a manutenção do exercício da administração por qualquer um dos sócios potencializa a consecução de prejuízos irreparáveis para o próprio agente econômico, ente autônomo e dissociado da figura de seus quotistas. Aqui, a intervenção do Poder Judiciário deve se resguardar de todas as cautelas possíveis para não causar à sociedade limitada um dano maior que o aparentemente alegado pelas partes.

Explique-se.

O aplicador do direito, ao criar a norma de decisão nominativa provisória, precisa indagar-se: é possível, em cognição sumária, atribuir razão a algum dos quotistas-

administradores?

Sendo a resposta positiva, a nomeação do administrador judicial será despicienda, solucionando-se a querela, provisoriamente, com a destituição do encargo administrativo unicamente do quotista cometedor da justa causa.

Sendo negativa, o que é natural ante as complexidades da atividade empresarial e a unilateralidade das provas produzidas, restará ao magistrado sanar suas dúvidas ao longo da instrução processual. Apesar disso, convém haver uma certeza: o desentendimento dos

sócios-administradores pode levar a sociedade à ruína.

Nesse caso, não há dúvidas que um bem de maior valência estará sob a tutela jurisdicional. A eventual derrocada da sociedade limitada não atingiria somente os direitos

individuais dos quotistas envolvidos, afinal, sua função social extrapola esse limite, repercutindo na coletividade com a disponibilização de mercadorias, prestação de serviços, geração de empregos e pagamento de tributos.

As consequências frutuosas da existência da sociedade limitada dão concretude a valores constitucionalmente protegidos que aderem à própria livre iniciativa. Bem se sabe, a

valorização do trabalho é fundamento da ordem econômica e do próprio Estado Democrático de Direito, nos termos do art. 1º, IV, da Lei Maior. Buscando-se o pleno emprego, a Constituição considera o trabalho como algo maior que um mero fator de produção patrimonialista, tendo nele um instrumento apto a consubstanciar a própria dignidade da pessoa humana.

A subsistência da comercialização dos próprios serviços ou mercadorias que compõem o objeto da sociedade limitada é de relevância constitucional, na medida da contribuição para um ambiente competitivo. Não por acaso, a livre concorrência é um dos princípios da ordem econômica constitucional.

Ademais, o funcionamento regular da sociedade limitada contribui com a arrecadação de tributos – interesse público secundário – que possibilitam a realização dos objetivos fundamentais da República229, quais sejam, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; o desenvolvimento nacional; a erradicação da pobreza; a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem comum. Isso é factível, por exemplo, com a realização de políticas públicas voltadas à saúde, educação, segurança e assistência social – interesses públicos primários inscritos ao longo da Carta Magna230.

229 Constituição Federal

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

230 A despeito da indeterminação, deve-se compreender o interesse público como um somatório de interesses

individuais coincidentes em torno de um bem da vida que lhes signifique um valor, proveito ou utilidade de ordem moral ou material. Os primários são o próprio fundamento do Estado, isto é, o oferecimento de justiça,

Por essas razões, a intervenção judicial nominativa temporária, no seio das

sociedades limitadas, configura-se como medida legítima e constitucional, preservando-se

um ente que, malgrado privado, gerencia diversos interesses públicos primários e secundários, como vem contemplando a jurisprudência pátria231.

A legitimação dessa intervenção, embora não expressa, pode ser extraída pelo conteúdo do art. 461, § 5º; 461-A, § 3º; e 798232, do CPC, que conferem ao magistrado um amplo poder de cautela para a efetivação de tutelas específicas referentes a obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa.

segurança e bem-estar social. Os secundários, por sua vez, são aqueles que possibilitam a realização dos primários, representados, genericamente, pelos interesses do erário público (A. G. BORGES 2006, p. 143-148.). “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

(...).”

231 AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de dissolução parcial de sociedade comercial e apuração de haveres -

Decisão que nomeou interventor judicial, afastando provisoriamente os administradores dos atos de gerenciamento da sociedade - Inconformismo - Desacolhimento - Inviabilidade de administração conjunta das partes - Nomeação de interventor judicial medida de rigor - Documentação contábil da empresa em desordem - Ausência de prova que ponha em dúvida a lisura do interventor no desempenho de seu mister - Decisão mantida - Recurso desprovido. (TJSP, Agravo de Instrumento n.º 0022730-25.2011.8.26.0000, Relator: J. L. Mônaco da Silva, Quinta Câmara de Direito Privado, Publicação: DJ, em 22-9-11).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE MERCANTIL - DECISÃO SINGULAR QUE ANTECIPOU OS EFEITOS DA TUTELA PARA DETERMINAR O AFASTAMENTO DO RÉU DOS QUADROS SOCIETÁRIOS - PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO, POR AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS ESSENCIAIS AO DESLINDE DA CAUSA - REJEIÇÃO - MÉRITO: SUPOSTA PRÁTICA DE ATOS CONTRÁRIOS AOS INTERESSES DA SOCIEDADE - EXISTÊNCIA DE INTERESSES DIVERGENTES - AFFECTIO SOCIETATIS INEXISTENTE - POSSIBILIDADE DE NOMEAÇÃO DE INTERVENTOR JUDICIAL PELO JUIZO AD QUO, A FIM DE PRESERVAR A PRÓPRIA CONTINUIDADE DA ATIVIDADE COMERCIAL - CONHECIMENTO E PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. (TJRN, Agravo de Instrumento n.º 137449, Relator: Desembargador Aderson Silvino, Segunda Câmara Cível, Julgamento: 26-4-11).

232

“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

(...)

§ 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.

(...)

Art. 461-A. Na ação que tenha por objeto a entrega de coisa, o juiz, ao conceder a tutela específica, fixará o prazo para o cumprimento da obrigação.

(...)

§ 3º Aplica-se à ação prevista neste artigo o disposto nos §§ 1° a 6° do art. 461. (...)

Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”

Por derradeiro, é relevante mencionar que o art. 123233, do PL n.º 1.572/11, prevê a codificação de um regramento-base para a intervenção judicial nominativa, o qual, se aprovado, auxiliará os aplicadores do Direito na criação de suas normas de decisão.