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Vivências ludopoiéticas no jogo de areia: a tatilidade na autoformação humanescente

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Academic year: 2017

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CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E APLICADAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

NARLA SATHLER MUSSE DE OLIVEIRA

VIVÊNCIAS LUDOPOIÉTICAS NO JOGO

DE AREIA: A TATILIDADE NA

AUTOFORMAÇÃO HUMANESCENTE

(2)

NARLA SATHLER MUSSE DE OLIVEIRA

VIVÊNCIAS LUDOPOIÉTICAS NO JOGO DE AREIA: A

TATILIDADE NA AUTOFORMAÇÃO HUMANESCENTE

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, junto à linha de pesquisa Corporeidade e Educação, como requisito para a obtenção do grau de Doutora em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Edmilson Ferreira Pires

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FOLHA DE APROVAÇÃO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, como parte dos requisitos para a obtenção do grau de Doutora em Educação.

Aprovada em: ___/___/2011.

_________________________________________________ Prof. Dr. Edmilson Ferreira Pires - Orientador

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

_________________________________________________ Prof.ª. Drª. Maria Antonia Teixeira da Costa

Universidade do estado do Rio Grande do Norte – UERN

________________________________________________ Prof.ª Drª Tereza Luiza de França

Universidade Federal de Pernambuco - UFPE

_________________________________________________ Prof.ª Drª Erika dos Reis Gusmão Andrade

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

________________________________________________ Prof. Dr. Francisco de Assis Pereira

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

_________________________________________________ Prof. Dr. Jefferson Fernandes Alves

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

_________________________________________________ Profª Drª Beatriz Judith Lima Scoz

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AGRADECIMENTOS

Quando nos entregamos a um processo de doutoramento, passamos por uma ruptura em nossa vida. Na verdade embarcamos em uma viagem que dura muito tempo e nos marca para sempre. No início é muito agradável, com muitas novidades, novas rotinas, novas descobertas. São os momentos em que nosso olhar aguçado fotografa tudo, percebe de forma intensa o espaço vivencial. Com o tempo começamos a sentir saudades de nossa casa, de nossa rotina anterior, temos vontade de chorar por qualquer coisa e nossa família e amigos não aguentam mais a nossa “tese”, pois só falamos nela, só pensamos nela e ela se torna o centro de nossa vida. É a paixão pela tese. E são nestes momentos em que necessitamos de nossos companheiros de viagem, que nos acolhem e nos mostram que além da tese, existe vida.

Muitos destes companheiros ficarão somente em minhas boas lembranças e fotografias. Outros, porém, me marcaram tão profundamente que os levarei eternamente no coração, e outros são companheiros eternos de muitas viagens e com os quais ainda pretendo continuar embarcando em novas aventuras.

Ao meu companheiro e eterno amor Barão, parceiro de mim e de minha vida, pela paciência, leitura amorosa da tese, sintonia, camaradagem e amorosidade.

Aos meus filhos Luara e Felipe pelo carinho, por me darem tanta alegria, paz, amor, afetividade e sinceridade. Por me fazerem ser verdadeiramente uma mãe. Ser mãe de vocês é uma dádiva. Tenho orgulho de vocês.

A minha mãe pela presença constante, pelo olhar e o ouvido atento às minhas aflições.

A minha irmã Rosane, pela dedicação, pelo amor, pelo silêncio no momento certo e pela presença sempre protetora, me amparando sempre.

A meu irmão Neif, por todos os outubros partilhados, pela sintonia amorosa e pela leitura carinhosa e repleta de lembranças do primeiro capítulo de minha tese.

A meu irmão Fernando por ter se transformado em um anjo que esteve presente em dois momentos cruciais desta minha viagem, e por ser o irmão-menino que acolhe e protege.

(6)

A minha amiga-irmã-companheira-confidente Lígia. Você foi um presente que levarei para sempre em minha vida. Sua presença em minha viagem foi essencial.

A minha querida amiga Hunaway pela presença constante, pela leitura cuidadosa e amorosa da tese, pela parceria no momento crucial da ruptura.

A Edileuza, Rita e Luciane, com quem partilhei inúmeros momentos desta jornada e de quem ganhei colo tantas vezes.

Com Ligia, Hunnaway, Edileuza, Rita, partilhei amorosamente meu “cafofo”, onde escrevi minha tese. Ali vivemos muitas emoções e aventuras regadas a doce de frango, pão de queijo duro e chá. Sem esquecer nossas pamonhadas de domingo. Jamais esquecerei.

A Siomara, Maristela, Ellen, Sonia, Kalina, que em vários momentos estiveram presentes nesta jornada, assim como Evanir, Dorinha, Massilde e Artemisa. Companheiras de ateliês, descobertas e muitos momentos de alegria e fluxo.

Ao meu orientador, prof. Edmilson Pires, que me acolheu amorosamente em um momento em que me encontrava fragilizada e, com seu olhar atento e eficaz, conduziu-me ao final da jornada.

À Professora Beatriz Scoz por ter entrado nesta jornada em um momento importante de definição e reorganização da tese. Sua leitura atenta e competente, no Seminário de Formação Doutoral II, deu novo colorido a ela.

Aos professores Francisco Assis e Erika Gusmão pela disponibilidade e carinho em participar da banca de defesa da tese, pela leitura profissional e carinhosa de minha tese. A professora Tereza França pela força e pelo carinho ao ler a tese e contribuir para seu aperfeiçoamento.

Aos meus colegas do IFRN, Jonas, Margareth e Jomar, pelo acolhimento, amorosidade e abertura para ouvir meus lamentos e me darem ânimo para prosseguir.

Aos participantes de minha pesquisa, pela disponibilidade, abertura, carinho e parceria e por acreditarem em uma educação humanescente pela via da tatilidade.

A professora Marluce, coordenadora do PPGEd, e a Milton, secretário do PPGEd pela sensibilidade, competência e disponibilidade.

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RESUMO

Este estudo apresenta as vivências ludopoiéticas no Jogo de Areia e a expressão da tatilidade na autoformação humanescente de futuros professores de Geografia. O objetivo geral foi analisar e interpretar como a tatilidade nas vivências ludopoiéticas com o Jogo de Areia facilita o sentipensar e impulsiona a autoformação humanescente. A pesquisa de abordagem qualitativa segue os princípios da pesquisa-ação existencial, numa perspectiva etnofenomenológica, que considera os estudos da etnografia e da fenomenologia com a etnometodologia. Neste estudo utilizamos a rocha sedimentar denominada de arenito e seus grãos minerais como operadora cognitiva para dinamizar as discussões das vivências ludopoiéticas no Jogo de Areia. Participaram da pesquisa alunos da Licenciatura em Geografia do IFRN. Para alcançar os objetivos da pesquisa foram organizados encontros vivenciais presenciais e encontros virtuais. As vivências ludopoiéticas no Jogo de Areia revelaram a repercussão da tatilidade para a autoformação humanescente, evidenciando a importância do tocar para o apreender e vivenciar o mundo com beleza, alegria e sensibilidade. Estas vivências evidenciaram as propriedades do sistema ludopoiético, os fios da corporeidade e o significado do sentipensar da tatilidade como fenômeno que impulsiona a autoformação humanescente, evidenciado pela etnofenomenologia. Os dados foram obtidos por meio do Jogo de Areia, da escuta sensível, do diário vivencial, do registro fotográfico e de filmagens. No processo de análise dos dados desvelaram-se os princípios etnofenomenológicos da experiencialidade, indicialidade, reflexividade, auto-organizabilidade, filiabilidade, arquetipalidade e humanescencialidade. O Jogo de Areia favorece, por meio da tatilidade, a conscientização da condição do ser, retoma histórias de vida, proporcionando a construção do conhecimento de forma significativa e contextual.

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ABSTRACT

This study presents the ludopoietic experiences in Sandplay and the expression of tactility in humanescente self-training of future teachers of geography. The overall objective was to analyze and interpret as the tactility in the ludopoietic experiences with Sandplay facilitates the sentipensar and boosts the humanescent self-training. The qualitative research approach follows the principles of existential research-action into the etnofenomenologic perspective, that considers studies of the ethnography and the phenomenology with ethnomethodology. In this study we used the sedimentary rock called sandstone and your mineral grains as cognitive operator to stimulate the discussions of the ludopoietic experiences in Sandplay. The members of research were students of the Geography degree of IFRN. To achieve the research objectives were organized experiential meetings and virtual meetings. The ludopoietic experiences in Sandplay revealed the impact of tactility to humanescente self-training, indicating the importance of touch for apprehend and experience the world with beauty, joy and tenderness. These experiences showed the ludopoietic system properties, the threads of embodiment and the meaning of the sentipensar of tactility as a phenomenon that drives the humanescent self-training, evidenced by etnofenomenologie. Data were obtained through Sandplay, sensitive listening, experiential diary, photographic and movie records. In the process of data analysis were revealed the of etnofenomenological principles of experientiality indiciality, reflexivity, self-organizability, filiability, archetypality and humanescencialidade. Through the tactility, the Sandplay favors the awareness of the condition of being, takes life stories, providing the construction of knowledge in a meaningful and contextual way.

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RESUMÉ

Cette étude présente les expériences ludopoiéticasdans le jeu de sable et l‟expression de la tactilité dans l‟autoformation humanescente de futurs enseignants de Géographie. L‟objectif général était d‟analyser et d‟interpréter comment la tactilité dans les expériences

ludopoiéticas avec le jeu de sable facilite le sentipensar et stimule l‟autoformation

humanescente. La recherche qualitative suit les principes de la recherche-action existentielle, dans une perspective ethnophénoménologique, qui considere les études d‟ethnographie et de phénoménologie avec l‟ethnométhodologie. Dans cette étude nous avons utilisé la roche sédimentaire, appelée grés, et des grains minéraux comme opérateur cognitive pour dynamiser les discussions des expériences ludopoiéticas dans le jeu de sable. Les étudiants de géographie du IFRN ont participé à cette recherche. Pour atteindre les objectifs de recherche ont été organisées des réunions viventielles présentielles et virtuelles. Les expériences ludopoiéticas dans le jeu de sable ont révélé l‟impact de la tactilité pour l‟autoformation humanescente, en soulignant l‟importance du toucher pour apréhender et profiter de la beauté, de la joie et de la sensibilité du monde. Ces expériences ont montré des proprietés du système ludopoiético, les fils de la corporeidade et la signification du sentipensar de la tactilité comme um phénomène qui entraîne l‟autoformation humanescente, remarqué pour l‟ethnophénoménologie. Les données ont été obtenues au moyen du jeu de sable, d‟écoute sensible, du journal expérientiel, de l'enregistrement photographique et cinématographique. Dans le processus d'analyse des donnéesse sont dévoilésles principes ethnophénoménologiques de l’expérimentalité

,indexicalité, réflexivité, auto-organisabilité, filialité,archétypalité e

humanescencialidade. Le jeu de sable facilite, par la tactilité, la prise de conscience de la condition d‟être, prend des histoires de vie, fournissant la construction de connaissances de façon significative et contextuelle.

Mots-clés: Tactilité. Jeu de sable. Corporeidade. Expériences ludopoiéticas.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura de abertura do capítulo 1 – Detalhe da rocha arenito. 12 Figura de abertura do capitulo 2 – Chaminés de fada em arenito 39 Figura 1 – Desenho esquemático do sistema ludopoiético 65 Figura de abertura do capítulo 3 – Arenito com anéis de Liesegang 87 Figura 2 – Caixa de plástico com dimensões de 55 x 35 x 8 cm 108 Figura 3 – Caixa de plástico com dimensões de 10 x 5 x 2 cm. 108 Figura 4 – Substratos para a caixa de areia 111 Figura 5 – Miniaturas utilizadas no Jogo de Areia 114 Figura de abertura do capítulo 4 – Arenito aflorando na areia de praia 127 Figura 6 – Fotografia do participante Topázio para representar a si mesmo 133 Figura 7 – Participantes da pesquisa no Parque Estadual da Pedra da Boca – PB. 135 Figura 8 – Fotografia da manta com os elementos: água, fogo, terra e ar. 136 Figura 9 – Mãos com luvas de látex tocando a areia. 142 Figura 10 – Os participantes da pesquisa com os olhos vendados. 145 Figura 11 – Momento de escolha das miniaturas. 148 Figura 12 – Cenário com as representações de si no espaço vivencial. 150 Figura 13 – Retroalimentação sensorial do Jogo de Areia 153 Figura 14 – Cenário construído na caixa de areia com duas miniaturas. 155 Figura 15 – Cenário construído na caixa de areia sem o uso de miniaturas. 158 Figura 16 – Cenário construído na caixa de areia com o uso de muitas miniaturas. 159 Figura 17 – Sequência e interação do fenômeno da tatilidade no Jogo de Areia. 174 Figura 18 – Cenário construído por um dos participantes da pesquisa. 181 Figura 19 – Representação na areia, da emoção amor. 191

Figura 20 – Representação do mundo enrugado. 195

Figura 21 – Cenário no Jogo de Areia, simbolizando caminhos distintos. 200 Figura 22 – Momento de escolha das miniaturas para construção dos cenários 201

Figura 23 – Cenário na caixa de areia. 204

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SUMÁRIO

1 ENCONTRANDO O JOGO DE AREIA 12

1.1 SER BRINCANTE DA TERRA 15

1.2 BRINCANDO E JOGANDO NA AREIA: O REENCANTO 25

1.3 O JOGO DE AREIA: CENÁRIO DA PROBLEMÁTICA 28

1.4 OBJETIVO GERAL 30

1.5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 31

1.6 JUSTIFICANDO AS TRANSFORMAÇÕES NA AREIA 31

1.7 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS 37

1.9 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO 38

2 A TEIA DA CORPOREIDADE: ORGANIZANDO OS GRÃOS

DA AREIA 39

2.1 CHAMINÉS DE FADA: SUSTENTAÇÃO TEÓRICA 40

2.2 DO CORPO A CORPOREIDADE 41

2.2.1 Criando e recriando-se: a autopoiese do ser. 53

2.3 DA LUDICIDADE A LUDOPOIESE 59

2.4 DO HUMANO A HUMANESCENCIA 66

2.5 DA EDUCAÇÃO TRANSDICIPLINAR 73

2.6 DO TATO À TATILIDADE 77

3 O MOVIMENTO DOS GRÃOS DE AREIA NA FORMAÇÃO

DA ROCHA 87

3.1 ANÉIS DE LIESEGANG: REESCRITA DAS AREIAS 89

3.2 O AMBIENTE DEPOSICIONAL: A ABORDAGEM ETNOFENOMENOLÓGICA 89

3.2.1 Princípio etnofenomenológico da Experiencialidade 92 3.2.2 Princípio etnofenomenológico da Indicialidade 93 3.2.3 Princípio etnofenomenológico da Reflexibilidade 93 3.2.4 Principio etnofenomenológico da Auto-organizalidade 94 3.2.5 Princípio etnofenomenológico da Filiabilidade 94 3.2.6 Princípio etnofenomenológico da Arquetipalidade 95 3.2.7 Princípio etnofenomenológico da Humanescencialidade 96 3.3 OS GRÃOS DE AREIA E O AMBIENTE DEPOSICIONAL –

O LUGAR DA PESQUISA 96

3.4 A SELEÇÃO DOS GRÃOS – OS PARTICIPANTES DO PROCESSO 98 3.5 A INTERAÇÃO COM OS GRÃOS: ORGANIZANDO A

SEDIMENTAÇÃO 100

3.5.1 O Jogo de Areia 100

3.5.1.1 A caixa: local onde se criam os cenários 107

3.5.1.2 O substrato da caixa: areia e grãos 109

3.5.1.3 A areia 110

3.5.1.4 As miniaturas e suas possibilidades 113

(12)

3.5.3 O diário vivencial 118

3.5.4 O registro fotográfico 119

3.5.5 As Filmagens com som 120

3.6 INTERAÇÃO E MOVIMENTAÇÃO DOS GRÃOS 121

3.7 ANALISANDO A ROCHA E OS GRÃOS 125

4 A BELEZA DO JOGO DOS GRÃOS E SEU DESENHO

NO MUNDO 127

4.1 PRIMEIRA VIVÊNCIA: UM OLHAR SOBRE SI 131

4.2 SEGUNDA VIVÊNCIA - PEDRAS, AREIA E ESPAÇOS:

O LUGAR DO CUIDADO E DAS EMOÇÕES. 135

4.3 TERCEIRA VIVÊNCIA - O JOGO DE AREIA COM AS MÃOS

ENCOBERTAS: A TATILIDADE SENDO REVELADA 140

4.4 QUARTA VIVÊNCIA - A PERCEPÇÃO TÁTIL MEDIADA

PELA FALTA DE VISÃO 144

4.5 QUINTA VIVÊNCIA - AS CRIAÇÕES SIMBÓLICAS DE SI,

DO OUTRO E DO UNIVERSO VIVENCIAL. 146

4.6 SEXTA VIVÊNCIA – SIMBOLISMO NO JOGO DE AREIA:

O VER, O FAZER E O SENTIR 151

4.7 SÉTIMO ENCONTRO - A LIBERDADE NO JOGO DE AREIA:

O FLUIR DA CRIATIVIDADE 157

4. 8 O FENÔMENO DA LUDOPOIESE DESABROCHANDO

NO JOGO DE AREIA 160

4.8.1 O desabrochar da autotelia 160

4.8.2 O desabrochar da autoterritorialidade 163

4.8.3 O desabrochar da autoconectividade 165

4.8.4 O desabrochar da autovalia 167

4.8.5 O desabrochar da autofruição 169

5 A EMERGÊNCIA DA TATILIDADE NO JOGO DE AREIA 171

5.1 EXPERIENCIALIDADE: A ENTREGA AO TOCAR 172

5.2. A INDICIALIDADE NO TOCAR 179

5.3 A REFLEXIBILIDADE: A EXPRESSÃO DO JOGO NO TOCAR 185 5.4 A AUTO-ORGANIZALIDADE DAS AÇÕES VIVENCIAIS 187

5.5 A FILIABILIDADE NAS RELAÇÕES AMOROSAS 191

5.6 A ARQUETIPALIDADE: A REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA

DO SENTIPENSAR 196

5.7 A HUMANESCENCIALIDADE 206

6 A TATILIDADE DESVELADA NA AUTOFORMAÇÃO

HUMANESCENTE 212

REFERÊNCIAS 221

GLOSSÁRIO 240

(13)

Fonte: MUSSE, 2010

Todo o conhecimento é uma resposta a uma pergunta

Gaston Bachelard (2006, p. 21)

Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem

fazer cultura, sem “tratar” sua própria presença no mundo,

sem sonhar, sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face o mistério, sem aprender, sem ensinar, sem ideias de formação, sem politizar não é possível.

Paulo Freire (2006, p. 58)

CAPÍTULO 1

(14)

Uma imagem abre este capítulo e mostra uma formação rochosa chamada arenito, que é formada por grãos de areia de diferentes tamanhos e variadas cores. Esse tipo de substrato é formado pela ação das águas de rios, que carregam os grãos por rolamento, arraste ou suspensão e que, ao diminuir a energia, deposita-os em uma sequência onde os grãos maiores ficam na parte de baixo e os menores na parte de cima, formando uma estrutura de granodecrescência ascendente.

Por minha formação em Geologia, optei por trazer uma rocha sedimentar, mais especificamente a rocha denominada de arenito que, por suas especificidades de formação, composição e interação com os quatro elementos da natureza, pode nos levar a compreender, de maneira poética e metafórica, a autoformação humanescente. Esta autoformação é compreendida como um processo cíclico onde os sujeitos aprendem vivendo e vivem aprendendo, fazem conhecendo e conhecem fazendo, realizando uma reflexão contínua sobre si, sobre seu estar no mundo e sobre suas ações no e sobre o mundo (MATURANA, 1995; GALVANI, 2002; FREIRE, 2006).

Esta opção está ligada ao substrato do Jogo de Areia, que é constituído por areia e que é também o constituinte da rocha sedimentar arenito. O transporte e deposição dos grãos que formam esta rocha são realizados pelos elementos ar (vento) e a água, elementos brincantes da natureza, que criam, se movimentam, convivem e se organizam para a deposição final. Mesmo após a deposição final, as transformações não cessam, estando sempre em constante alteração química e física, assim como os seres humanos em seu processo autopoiético. Os sujeitos da pesquisa serão tratados como grãos minerais que formam a rocha e trazem em si suas histórias de vida, suas marcas corporais obtidas nas interações vivenciais no planeta.

Essa rocha aflora no litoral do Rio Grande do Norte, em um local denominado Barreira do Inferno, distante 12 km de Natal. O local é formado por grandes falésias1com coloração avermelhada, que sob a luz do sol toma o aspecto de fogo, o que serviu para dar nome ao lugar. Aos olhos menos atentos, a rocha pode dar a impressão de desorganização, mas ela é formada por camadas de grãos que se depositaram em uma ordem cronológica, das mais antigas para as mais novas, da base para o topo.

O aspecto atual da rocha mostra grandes transformações pelas quais ela passou. Está impressa nela a sua história no planeta, e os geólogos conseguem fazer uma leitura

1Falésia é uma forma geográfica litorânea, caracterizada por um abrupto encontro da terra com o mar.

(15)

detalhada dessa história, podendo, inclusive, posicionar cada etapa de formação em um espaço temporal. São transformações químicas e físicas que atuam sobre os grãos, imprimindo colorações e desenhos típicos de um intemperismo2 químico.

Optei por colocar essa imagem no início deste trabalho, para mostrar meu encontro com a problemática de minha pesquisa, porque considero que ela representa muito bem as transformações que vão ocorrendo em nós, desde os primeiros momentos de vida e como nossa corporeidade vai sendo transformada pela força de nossas emoções e de nosso ser e estar no mundo, como dizem Assmann e Mo Sung (2000, p. 230) “falar da corporeidade viva e historicamente situada significa englobar no próprio conceito de corporeidade [...] os demais fluxos comunicativos de energia, que nos mantêm em processo de vitalidade ativa”.

Assim como a rocha que abre esse capítulo, eu também me encontro, como filha da terra, em processo de autoformação, sendo moldada pelas emoções, em contato com a natureza e como ser brincante de Gaia3, aberta às transformações inerentes ao processo do viver e conviver, educar e ser educado, aprendendo a conhecer, fazer e ser, evidenciando a complexidade da formação integral. Para Freire (2005, p. 51), é a partir das relações do homem com a realidade “resultantes de estar com ela e estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo [...] vai humanizando-a”.

Esta interação mais íntima com o mundo e com as coisas do mundo é o que falta em nossa educação. É o reencantamento com a natureza e com a compreensão do processo dialógico natural presente na produção de conhecimento. Necessitamos de uma educação e de educadores que se permitam vivenciar e experimentar o mundo natural de forma livre e alegre, compreendendo que a formação é permanente, como afirma Pineau (2003, p. 163) “o que é permanente é a mudança, é o movimento perpétuo”.

A curiosidade e a interação vivencial com o mundo levam à produção de conhecimento, mediado pela emoção, sensibilidade, criatividade e pela ludicidade. É necessário vivenciar o mundo e a vida com inteireza e neste viver e conviver fecundam

2 Intemperismo é o conjunto de fenômenos físicos, químicos e biológicos que leva à alteração

das rochas sobre a superfície terrestre.

3No início de todas as coisas, a mãe Terra (Gaia) emergiu do Caos e pariu seu filho Urano (Céu)

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as questões, indagações e curiosidades, tornando os sujeitos reflexivos. Ao procurar as respostas, vamos conhecendo, aprendendo, ensinando e nos autoformando enquanto sujeitos autopoiéticos, capazes de nos adaptar, mudar, ressignificar e viver plenamente em nossas experiências vivenciais.

1.1 SER BRINCANTE DA TERRA

Para compreender o encontro com a problemática desta pesquisa é necessário conhecer um pouco de minha história de vida, e ressaltando para aqueles que defendem o distanciamento do pesquisador de sua pesquisa, que usarei, neste primeiro momento, a primeira pessoa na oratória.

No desafio de pesquisar a autoformação humanescente, a tatilidade e o jogo de areia, tive que resgatar minhas memórias e compreender este percurso epistemológico pela minha história de aprendizagem e vivencialidade, e neste sentido Freire (2006, p. 28) afirma que “uma das bonitezas de nossa maneira de estar no mundo e com o mundo, como seres históricos, é a capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo”.

Desde muito cedo me percebi parte da terra. Adorava sentir o cheiro da terra molhada pelas primeiras chuvas do ano. Por morar no interior de Minas Gerais, sempre conseguia perceber as mudanças das estações através dos cheiros exalados pela natureza e admirar as flores que nasciam nos campos próximos a minha casa. Entre as brincadeiras de criança, estava a de colher flores silvestres, em cada estação do ano, subir nas árvores, brincar e me lambuzar na terra. Eu sempre fui de tocar para sentir. Somente a inspeção dos olhos não me bastava para compreender e me apropriar do mundo que eu vivia. Era necessário vivenciá-lo de corpo inteiro, com todos os meus sentidos.

(17)

A casa que me abrigou, juntamente com minha família durante a infância e adolescência, foi construída por meu pai, que entre suas inúmeras habilidades destacava-se a de ser construtor de casas. A criatividade e sensibilidade estavam presentes em sua vida em quase todos os momentos e ele partilhava conosco, seus filhos, a forma simples, porém sensível e criativa de lidar com as coisas do mundo. Ele era um homem de várias facetas e muitos humores, mas era principalmente um homem da terra, dos minérios: bauxita, cristal de rocha, malacacheta. Esses termos acompanharam minha vida, bem antes meu ingresso na universidade, para estudar Geologia, talvez, já talhando e moldando meu destino.

A cidade onde nasci, chamada Caratinga, se parece com tantas outras cidades mineiras: cidade construída dentro de vales e se espalhando pelas montanhas. Lá, quem tinha boas condições financeiras, morava nos vales. Aqueles com menor poder aquisitivo, que era o caso de minha família, moravam nas encostas e no alto dos morros. E para construir nos morros, era preciso cavar a terra, moldar o terreno, acertar o plano. E para isso, uma grande quantidade de terra era removida, com a ajuda das picaretas, pás e enxadas. Trabalho duro para meu pai e minha mãe. Mas alegria e brincadeira para nós, seus cinco filhos e, eventualmente, alguns primos e vizinhos. Eram momentos de ludicidade aonde a sensibilidade ia sendo aguçada, o devaneio era companhia assídua, e a criatividade aflorava.

À medida que se escavava a rocha alterada, um monte de terra ia surgindo. Ela era colocada em pedaços de lona, amarradas na ponta com uma corda, que colocávamos na cintura e saíamos puxando até a beirada do barranco. Ao se aproximar da beirada, acelerávamos o passo e dávamos um grande pulo, caindo e rolando pela terra, que era vermelha, cheirosa, macia. Uma mistura de quartzo, feldspato e argila, fruto do intemperismo das rochas graníticas e gnáissicas. Aquela terra era um abrigo e, muitas vezes, eu deixava meu corpo escorregar por ela, me deliciando com sua carícia, como um refúgio, um repouso, assim como afirma Bachelard (2003, p.144) sobre os abrigos naturais: “percebe-se bem que o menor abrigo natural é assim a causa ocasional de um imediato devaneio com as imagens do repouso”.

(18)

tempo. O tempo de ficar brincando e rolando na terra já havia passado. Era uma nova etapa em minha vida, um novo corpo se desenhava em mim e eu tinha que assumi-lo, independentemente de meus sentimentos, eu não podia mais ser criança e, como afirma Bachelard (2006, p.97) “a criança enxerga grande, a criança enxerga belo”, me doía a necessidade de deixar de ser criança e enxergar grande, de deixar de devanear sem pecado.

Eu carregava aquele corpo de menina-mulher e deveria me responsabilizar pelo processo de amadurecimento, sem deixar aflorar os sentimentos e emoções, como era nos ensinado “o corpo é morada do demônio”. Mas, mesmo assim, o perfume da terra durante as primeiras chuvas de verão me acompanhava e me trazia as lembranças e os devaneios de minhas brincadeiras e do ser brincante que eu nunca deixei de ser, pois não aceitei nunca ser somente um corpo a carregar, mas um corpo-espírito a experimentar o mundo sem negar minha ludicidade como um fenômeno dos seres vivos, que se expressa espontaneamente através da alegria em ser e estar no mundo, vivenciando-o de forma criativa e possibilitando o fluxo energético de emoções, sensações, imaginação e criatividade (HUIZINGA, 2005).

Fui crescendo, cercada de natureza, animais, família, alegrias, percepções olfativas, auditivas, visuais, gustativas e táteis. Muitos mundos e destinos se desenhavam em minha imaginação e eram aceitos de bom grado, ocupando meus pensamentos por vários dias e semanas, pois sempre fui sonhadora e, como diz Bachelard (2006, p.99) “a imaginação matiza desde a origem os quadros que gostará de rever”. Concomitantemente, havia um mundo que se desenhava para mim e que era rejeitado de forma enfática. Minhas primas, que gostavam de estudar, assim como eu, faziam o curso de Magistério para se tornarem professoras, onde a vida se resumia em “lecionar”, cuidar da casa, dos filhos, do marido. Eu não queria aquela vida de forma alguma. Meu anseio era conhecer o mundo, viver muitas aventuras, ter uma profissão diferente. Não ser professora.

E foi assim que, aos 15 anos de idade, saí de minha casa em Caratinga e vivenciei a loucura dos cursinhos pré-vestibulares em uma cidade maior, onde o aluno era algo secundário. Nesse tipo de escola, decorar, memorizar e guardar por um ano era a meta. Afinal, depois de passar no vestibular, nenhum daqueles conhecimentos iria nos valer – esta era a tônica dos cursinhos e que, infelizmente, permanece até hoje.

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havia tomado um rumo distinto daquele que eu tanto temia: o da docência. E, finalmente, me reconciliei com ele e aceitei carinhosamente aquela caminhada e aquele horizonte que se desenhava diante de mim. Uma escola tradicional, onde o peso da história de alunos ilustres que passaram por ali nos pesava nas costas, e os professores eram tão tradicionais que tinham um ajudante para apagar o quadro negro. Isto em meados de 1981. Mas a magia da cidade, do ambiente acadêmico me deixava feliz e acolhida.

Hoje penso que a escolha do curso de Geologia já estava desenhada em minha alma. Afinal eu era uma pessoa do toque, do pegar e vivenciar corporalmente o mundo que me cercava. A alegria de vivenciar as entranhas da terra e partilhar de sua intimidade vinha de muito longe e hoje, tenho a percepção que a Geologia começou a tomar conta de mim desde aqueles mergulhos na terra cheirosa e macia de minha infância. Ali, minha ternura e respeito por minhas percepções táteis começaram a aflorar, pois como diz Merleau-Ponty (2006, p.94), “o corpo sabe, o corpo compreende e é nele que o significado se manifesta”. O corpo deve ser visto como fonte de sentidos, marcado pelos sentimentos na relação do sujeito com e no mundo, ou seja, é a corporalização humana (CAVALCANTI, 2006).

Neste sentido, Gonçalves (2005, p.13) reforça esta relação quando diz: “o homem vive em um determinado contexto social com o qual interage de forma dinâmica, pois ao mesmo tempo em que atua na realidade, modificando-a, esta atua sobre ele influenciando-o”. Esta influência no mundo se dá pela via dos sentimentos e pela forma como nos relacionamos amorosamente com o mundo que nos rodeia e que nos proporciona uma grande quantidade de experiências sensoriais e emocionais. Nessa mesma direção, Damásio (2000, p. 94), analisando os sentimentos, nos diz que “um sentimento é uma percepção de um certo estado do corpo, acompanhado pela percepção de pensamentos com certos temas e pela percepção de um certo modo de pensar”.

Passei pouco tempo na Cidade de Ouro Preto, pois me casei e mudamos para a Cidade de Natal-RN, onde continuei e conclui o curso de Geologia, mas de uma forma diferente, uma vez que estava casada e logo vieram meus dois filhos.

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(2008c, p. 26) “de imediato a imaginação material nos abre os porões da substância, nos entrega riquezas desconhecidas”. A terra aqui é um livro aberto, um corpo nu sob o sol escaldante. Nas regiões quentes como o nordeste brasileiro, o intemperismo físico sobrepõe o químico. As rochas tomam novos rumos e tecem outras relações com os quatro elementos que, de acordo com Bachelard (2008a, p. 1), são aqueles que a “filosofia e as ciências antigas, seguidas pela alquimia, colocaram na base de todas as coisas”. A água, escassa, o ar em ventos fortes, dançantes e brincalhões e o fogo na figura do sol escaldante, presente o ano todo, queimando a terra nua que, interagindo com estes três elementos configura novas estruturas, novos arranjos, novos desenhos e relações com o homem, a vegetação e os animais.

O ser e estar das pessoas no mundo vivencial é influenciado pelo campo vibracional4 gerado pela energia das emoções e também pelo contexto cultural em que estão inseridos. Nascemos com todas as possibilidades de sermos criativos e sensíveis.

Nas aulas de campo, durante a graduação em Geologia, tínhamos contato com as rochas, os minerais, os ambientes deposicionais. Era um contato físico direto, onde pegar, tocar, cheirar, provar, fazia parte da produção de conhecimento. Não se aprende Geologia sem o tato, sem a interação íntima com as rochas. Quebrá-las com martelo não era vandalismo, ao contrário, mostrava intimidade com o assunto. Devanear era primordial para fazer uma leitura daquelas rochas e seu contexto histórico, que na maioria das vezes remonta a milhões de anos.

Ali, sentados sobre as rochas, éramos levados a imaginar aquele ambiente há milhões de anos. Imaginar o rio que corria ali, o magma que derramou do interior da terra. Aquelas rochas falavam conosco e deveríamos saber ouvi-las, como disse Goethe (1998, p. 97) “as pedras são mestres silenciosos”. E as pedras, aqui simbolizando as rochas e o elemento terra, nos contavam silenciosamente muitas histórias, principalmente se fôssemos observadores atentos e sensíveis aos elementos primordiais. Devemos levar em conta que estamos aptos a ver aquilo que conhecemos.

Após algum tempo de estudos entre as teorias e as práticas com os elementos que constituem a Terra, graduei-me em Geologia pela Universidade Federal do Rio

4É o campo formado pela energia do fluir das emoções, sentimentos, desejos, intuição e

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Grande do Norte em 1989. Logo em seguida, me especializei na área de Gemologia5 na Universidade Federal de Ouro Preto e, antes mesmo de terminar a especialização, iniciei o mestrado, também na área de Geologia, na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Como Geóloga não atuei em empresas de mineração, que é o anseio e destino da maioria dos graduados e pós-graduados em Geologia, sendo que a educação era um campo que eu não queria atuar.

Porém, o destino tem formas sutis de agir e nos coloca em caminhos distintos de nosso querer racional, mas ansiados por nosso querer emocional e por nossos desejos mais íntimos. Assim, após retornar a Natal e, por razões e escolhas pessoais, fui trabalhar como professora em uma instituição de ensino técnico. A princípio, muito receosa e com toda a história de minhas primas professoras me espreitando a cada passo, e cada ação me lembrando de que a educação não era minha meta profissional.

Contrariamente ao que pensei em toda minha vida sobre a docência, me vi feliz e realizada já nas primeiras semanas como professora, pois, surpreendentemente, o trabalho, como afirma Csikszentmihalyi (1999), também produz o fluxo, que é o estado de total envolvimento por meio de atos, sentimentos e pensamentos, com uma atividade, fenômeno ou sensação, onde ocorre um desligamento momentâneo com o entorno e não se percebe nada além da própria atividade em que se está imerso.

Iniciei uma nova fase em minha vida onde, com a alegria pura e verdadeira, típica das crianças, esperava com grande ansiedade os momentos de ir para a escola, preparando minhas aulas com entusiasmo e, o mais importante, os alunos expressavam contentamento e alegria em participar delas. Eram momentos de fluxo e devaneio, em que eu nem me lembrava mais que tinha passado parte de minha vida negando a docência.

Meu processo de ensinar e aprender teve uma grande influência dos professores das universidades pelas quais passei, e também dos meus primeiros alunos. Logo no início de minha atuação profissional como docente, recebi em minha sala de aula alunos com deficiências físicas, sensoriais e intelectuais, e ensiná-los foi um grande desafio que aceitei abertamente e sem muitos rodeios.

Para trabalhar com esses alunos são necessários professores sensíveis, que possam entender a leitura de mundo de uma pessoa que não dispõe de todos os seus

5Gemologia é uma especialidade da Geologia que estuda o caráter físico e químico dos materiais

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sentidos e que usam seus sentidos remanescentes de forma muito diferenciada em relação às outras pessoas.

É necessário um professor capaz de se abrir ao novo sem medo, e despido do imaginário e de representações sociais que relacionam as pessoas com deficiências a sujeitos incapazes de aprender e interagir com o meio.

Como eu estava iniciando minha prática pedagógica e dando continuidade à minha autoformação, deixei-me guiar pelos sentimentos, pela intuição e por minha corporeidade, sem os preconceitos, sem a rigidez, sem a estagnação e sem os paradigmas educacionais clássicos que permeiam o fazer da maioria dos docentes, como diz Moraes (2003, p. 184): “apesar de muitos professores utilizarem em seus discursos princípios pedagógicos inovadores [...] a realidade revela que tais pressupostos entram em choque com as atuais estruturas escolares e com a formação docente [...] impregnada pela estagnação”.

Com meus alunos com deficiências aprendi a realizar aulas mais dinâmicas, alegres, participativas e, principalmente, abrir-me para a crítica enquanto estratégia de crescimento e aperfeiçoamento dos processos de ensinar e de aprender. Eu estava sempre atenta e aberta para o fluxo emocional que permeava o processo, como destaca Moraes (2004, p. 16) “o fluxo das emoções é o que modela o nosso dia-a-dia, o nosso viver/conviver e influencia tudo aquilo que realizamos”. Esta mesma estratégia pedagógica eu utilizava com meus alunos sem deficiências, nas aulas de mineralogia do curso técnico.

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prática comum na sala de aula e também nas aulas de campo. A teorização servia como base para a prática.

Essa abordagem pedagógica era criticada pelos colegas de profissão. Para eles faltava teoria e, diziam: - nossos alunos precisam de formação mais “séria” para atuar nas empresas. Não era uma combinação adequada para uma formação técnica. Assim o tradicionalismo era perpetuado de um professor ao outro, com as mesmas práticas, o mesmo olhar para o planeta Terra como um local a ser explorado. Nas mesmas aulas excessivamente teóricas e, na maioria das vezes, desvinculadas das aulas práticas o aluno era o sujeito a ser treinado e a prática era reduzida ao ato de depositar, transferir e transmitir valores e conhecimentos, como reforça Paulo Freire (1987, p. 58, grifo do autor), “em lugar de comunicar-se, o educador faz comunicados e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem”.

A postura pedagógica e metodológica adotada pela maioria dos meus colegas de profissão era parecida com a de meus professores da universidade. Eram fechados, não queriam ouvir falar em didática, em teóricos da educação. Tudo era insignificante para eles, pois o que importava era somente o conhecimento técnico que eles traziam e que ensinavam a seus alunos. A docência era o trabalho deles e não tinha envolvimento com a alegria ou amorosidade. Para ensinar só era preciso ter conhecimento técnico de Geologia ou Mineração.

Esse ambiente educacional era de rigidez acadêmica imperativa, onde os alunos deviam ser formados para a empresa. Nesse espaço, a maioria dos educadores tem formação em Engenharia e Geologia, foram formados em escolas tradicionais, onde a formação não é voltada para a docência, em que o pensamento cartesiano prevalecia e devia estar enquadrado em normas e padrões pré-estabelecidos. Cada professor deveria ficar com suas próprias disciplinas, onde fazer referência ao conhecimento da disciplina de outro colega, ou procurar fazer relações entre os diferentes conhecimentos, era “afrontar” o outro. Cada um em seu conhecimento específico, sem diálogo com os diferentes conhecimentos.

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frequentes e eu a me sentir desconfortável com tal situação, pois eu queria trabalhar uma educação mais sensível e voltada para os sentimentos, uma vez que “[...] os seres humanos não são constituídos somente de racionalidade e de técnica, mas também de poesia, de prosa, de estética de beleza, de admiração e emoção” (MORAES, 2008, p. 166).

Vale ressaltar que o ensino de Geologia tem um caráter diferenciado, com aulas práticas e de campo, em contato direto com o objeto de estudo, que são as rochas, os minerais e o espaço geográfico. A Geologia está associada com um fazer pedagógico prático, onde o aluno constrói sua subjetividade, fortalecida pela imaginação e do devaneio para compreender a formação das rochas, dos relevos e das mineralizações. Gonzalez Rey (2003, p. 108), afirma que a subjetividade é “a organização dos processos de sentido e significação que aparecem e se organizam de diferentes formas e em diferentes níveis do sujeito e na personalidade, assim como nos diferentes espaços sociais em que o sujeito atua".

Neste sentido, como identificar uma Halita6 senão pelo toque, pelo sabor? Como identificar outros minerais senão pelo tato? Não pelo simples tocar com as mãos, mas o tocar com todos os sentidos, onde os alunos são convidados ao deleite de conhecer mais amplamente aquilo que geralmente nos é dado a possibilidade de conhecer somente pelo sentido da visão, sem considerar o sentipensar. Moraes e La Torre (2004) adotaram o sentipensar como sendo o processo pelo qual trabalham juntos sentimento e pensamento, razão e emoção.

Compreender a formação dos minerais e das rochas e entender o seu contexto na vida dos homens é um conhecimento primordial para a formação dos alunos. Esses alunos, na maioria das vezes, irão atuar em empresas de mineração, articuladas com o modelo imperante de explorar o minério até seu esgotamento. Neste sentido, afirmam Maturana e Varela (2005, p. 8, grifo dos autores) “a ideia de extrair recursos de um mundo-coisa, descartando em massa os subprodutos do processo, estendeu-se às pessoas que assim passaram a ser utilizadas e, quando se revelam inúteis, são também descartadas”.

Em contraponto a esse modelo, é necessário que os alunos sejam sujeitos sensíveis, criativos, em harmonia com o planeta, de forma a usar seus bens minerais em

6Halita é um mineral formado por sódio (Na) e cloro (Cl), que geralmente se cristaliza por um

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uma relação simbiótica de troca e relação vantajosa para todos, não de forma exploratória e destrutiva para que eles também não sejam descartados pelo mercado e pelo próprio planeta que se degrada.

Essa imagem me incomodava bastante, afinal aqueles alunos são seres humanos, com sentimentos, histórias de vida, sensíveis, criativos. Eu não podia pactuar com a formação de meros “tiradores de minério”, sem respeito e compreensão da dinâmica poética de nosso objeto de estudo - a Terra - sem utilizar todos os sentidos na produção do conhecimento, em um ambiente pedagógico frio e sem encantamento. Para Assmann (1996, p. 29), o ambiente pedagógico “tem de ser lugar de fascinação e inventividade. Não inibir, mas propiciar aquela dose de alucinação consensual entusiástica requerida para que o processo de aprender aconteça como mixagem de todos os sentidos”. É primordial que a educação se faça através do diálogo entre nossos sentidos. É necessário ver, ouvir, tocar, sentir os cheiros e sabores do conhecimento que trazemos e aquele que construímos com a inteireza de nosso Ser. Não podemos pensar em uma educação onde só se ouve e só se vê.

Ampliando a responsabilidade com a educação no Brasil, em 1999 as Escolas Técnicas Federais se transformaram em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET). Em 2008, estes centros se transformam em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, cujos desafios incluíram a oferta de educação profissional nos técnico, tecnológico e bacharelado. Sua atuação no ensino de 3º grau iniciou com a oferta de cursos de graduação tecnológica, ampliando-se, posteriormente, para os cursos de formação de professores, as denominadas licenciaturas, os bacharelados e as pós-graduações.

Assim, migrei para os cursos de formação de professores, trabalhando conteúdos de Educação Inclusiva e Cartografia nas licenciaturas, até que me desliguei completamente da área de Mineração e iniciei um processo de distanciamento com a minha formação primordial: a Geologia.

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tecnologias modificam significativamente o papel do professor no processo de aprendizagem”.

E essa era uma nova e envolvente forma de atuar na educação e, mais uma vez, também criticada, pois a maioria dos atores, nos mais diferentes e distintos cenários de atuação é reativa ao novo. Trabalhar pedagogicamente com as novas tecnologias digitais é um grande desafio para a maioria dos professores e também para a escola tradicional, inicialmente por estar equivocadamente associada a uma relação fria entre máquina e homem, onde não existe afetividade, depois porque a exclusão digital é muito grande dentro das próprias instituições de educação e, também, devido à resistência da maioria dos professores às mudanças.

O mergulho nesse mundo digital mostrou-me inúmeras facetas e possibilidades de interações emocionais e afetivas com meus alunos e com o mundo, evidenciando a possibilidade de se criar campos emocionais de acolhimento que propiciaram a produção de conhecimento. Porém, a maioria dos professores se apropriou das novas tecnologias para fortalecer o sentido da visão e da audição nas estratégias pedagógicas. O aluno vê e escuta as aulas em multimídia. Sentado, em ambiente escurecido, o aluno passa horas a “ver” a aula do professor. Mais uma vez se fortalecia a negação do sujeito completo na produção de conhecimento. Nessa visão, o aluno precisava ver e ouvir o professor. Assim, o processo de aprender estava instalado, sugerindo que seu corpo, sua corporeidade, suas emoções, criatividade, ludicidade e sensibilidade não são parte do processo de aprender.

Minha formação e entrada na docência, apesar de meu esforço, ainda não me possibilitavam a interação total com meus alunos, o reconhecimento do sujeito pleno, capaz de produzir seus conhecimentos intermediados pela emoção. O processo dialógico com os outros conhecimentos encontrava-se tolhido pelo sistema ao qual eu estava inserida e eu tinha muito que caminhar para a minha autoformação.

1.2 BRINCANDO E JOGANDO NA AREIA: O REENCANTO

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deixam de estarem presentes e que não deixam nosso interior sossegado. Eu tinha abandonado a Geologia, porém ela continuava pulsando dentro do meu ser.

Como estava inteiramente voltada para a formação de professores, resolvi procurar a academia para verticalização de meus estudos na área de Educação e deparei-me com uma situação que por pouco não deparei-me levou a desistir. A prideparei-meira disciplina cursada, como aluna especial, evidenciou-me uma universidade fechada, rígida, olhando para seu interior. Aulas parecidas com as que eu tivera na infância em uma cidade do interior de Minas Gerais: a professora arrumando todas as carteiras, umas atrás das outras, antes de nos sentarmos, o conteúdo transcrito no quadro negro com giz branco, que era apagado logo que chegava ao final do mesmo, pois se supunha que todos estavam atentos a copiar.

A aula transcorria de forma monótona, de forma disciplinar, sem possibilidade de interação, onde somente a professora falava e nós, alunos, ouvíamos e copiávamos. Nossas intervenções eram logo reprimidas e havia os momentos certos para falar, ouvir, copiar. Como uma universidade, onde se supõe está o âmago das discussões epistemológicas, metodológicas e ontológicas de uma educação revolucionária, progressista e humana poderia apresentar tal quadro? Como poderia se perpetuar esta formação racionalista, cartesiana, na pretensão de separar a mente do corpo? E mais grave ainda, em um programa de pós-graduação em educação?

Aquela experiência me deixou muito incomodada, pois encontrar uma situação muito mais ultrapassada em uma instituição superior que deveria formar pessoas para atuar na educação, em um Programa de Pós-Graduação em Educação de uma universidade pública, uma situação que eu questionava em minha prática pedagógica e na prática pedagógica de meus pares. Isso representou um grande choque para mim.

Porém, ali era o local onde eu poderia estar em contato com os mentores intelectuais da educação brasileira. E assim, optei por continuar participando de alguns ateliês em diferentes linhas de pesquisa.

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de Pesquisa Corporeidade e Educação, do Programa de Pós-graduação em Educação da UFRN.

O encontro com essa linha de pesquisa tem uma história de envolvimento, de valores pessoais, de prazer em educar e atuar na educação, de abertura às percepções de mundo, da crença em uma educação mais amorosa e de que a escola pode ser um espaço de brincadeiras, de ludicidade, onde se pode aprender brincando e, principalmente, de remodelamento espiritual, como diz Paulo Freire (2006, p. 45) “nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se [...] sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação”.

A partir das vivências e convivências com os pesquisadores e as pesquisas dessa linha de pesquisa, rompi definitivamente com as práticas pedagógicas tradicionais, nas quais os alunos são vistos como pessoas sem histórias de vida, emoções, vontades e conhecimentos prévios e, como Paulo Freire (2006, p.30) diz, a escola deve “respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela”.

Mais que isto, aprendi a ir até meus alunos e brincar com eles, possibilitar-lhes que construíssem seus conceitos e se apropriassem do conhecimento por meio da ludicidade, da alegria, da brincadeira, através do contato direto com os minerais, as rochas e os mapas. Iniciei um processo de interlocução com os diferentes conhecimentos, levando os alunos a pensarem de forma transdisciplinar, e compreender que vivemos em um mundo complexo, com inúmeras conexões entre os diferentes conhecimentos que configura a complexidade que Morin (2007a, p.13) afirma ser “o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem nosso mundo fenomênico”.

Meus canais sensoriais se abriram para o novo e, ouso dizer, redesenhei a

persona que sou, tornando-me mais alegre, livre, confiante e leve, deixando minhas emoções aflorarem e minha corporeidade se expandir. Mas minhas inquietações não me abandonavam. Não me faziam sofrer ou impediam minha autoformação, mas estavam ali, presentes e pulsantes.

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energética e vibracional do ambiente, anima quem está por perto, expande e revigora todo o ambiente, em função da qualidade de sua frequência vibracional e sabedoria interna”.

O primeiro ateliê que participei nessa linha de pesquisa foi relacionado à corporalização do pensamento de Bachelard e se intitulava “Corporeidade, Lazer e Educação”. Nele, precisávamos exercitar nossa criatividade, trazendo nossa leitura sobre os quatro elementos poéticos trabalhados por esse autor e, nesse ponto, minha formação em Geologia levou-me a trabalhar com o elemento terra.

1.3 O JOGO DE AREIA: CENÁRIO DA PROBLEMÁTICA

Com os ensinamentos de Bachelard redescobri a poética dos quatro elementos primordiais no processo geológico e que norteiam a dinâmica do nosso planeta: o ar, a água, o fogo e a terra. Os dois primeiros elementos são os fluxos que modelam a superfície do planeta em que vivemos. É um processo contínuo, na maioria das vezes em um referencial de tempo muito distante da marcação temporal a que estamos acostumados.

Afinal, são milhões de anos que a água e o ar levam para permear e desenhar a superfície da terra através dos rios, mares, geleiras e ventos. O fogo interno da terra manifesta-se através da formação de montanhas, erupções vulcânicas e terremotos. É este mesmo fogo que metaforicamente aquece nossa alma, nos faz ferver de alegria ou de raiva, nos possibilitando vibrar em uma frequência mais elevada.

O processo de transformação do planeta terra é extremamente dinâmico e pode ser vivenciado através do fogo, nas rochas vulcânicas; do vento, no transporte das areias nas dunas e das argilas nos redemoinhos das estradas; da água, na erosão, transporte e deposição dos sedimentos. Essas transformações ocorrem também dentro de nós, refletindo-se no nosso corpo que carrega em si nossa história de vida e se revela em nossa corporeidade, como revela Moraes (2004, p. 16) “o fluxo das emoções é que modela o nosso dia-a-dia, o nosso viver/conviver e influencia tudo aquilo que realizamos”.

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permite ao modelamento, desde que ele seja efetuado pela força de transformação dos sentimentos. Eu nunca havia visto ou sentido a poética e os devaneios da Geologia. Ela estava ali, aberta, batendo em minhas portas e janelas da alma. Conheci o Jogo de Areia e, principalmente, comecei a trabalhar a terra (areia) em espaço reduzido e com limites demarcados. Esse recurso metodológico promoveu em mim uma transformação. A caixa com areia foi capaz de me lançar para a alegria de reviver, de brincar, de voltar a ser criança sem medo, de pesquisar novas possibilidades para reencantar a educação e os educadores.

Trabalhar com a areia, brincar com a terra, sentar no chão fresco e cheiroso dos campos, sentir o fluir das areias entre os dedos, mergulhar as mãos na terra. Pude sentir a importância do lúdico na minha vida e em meu fazer pedagógico, como fenômeno referenciado no brincar consigo, com o outro e no contexto de vivência e convivência, de forma livre, espontânea, despreocupada e sem restrição de idade (HUIZINGA, 2005).

Percebi a poesia das areias que se entregam ao ar e se deixam levar mansamente, parando aqui e ali, em eterno movimento, ou que se entregam às águas e rolam mansamente até encontrar um repouso em alguma margem ou praia. Essa areia, que carrega impressa em sua forma a história de milhões de anos, onde a água e o ar imprimem sua presença e modelam sua forma, é o substrato do Jogo de Areia, que me foi revelado nessa linha de pesquisa.

A história do Jogo de Areia tem a contribuição de vários estudiosos que trabalhavam o jogo e a ludicidade nas abordagens terapêuticas. Foi a partir dos estudos de Margaret Lowenfeld, psiquiatra freudiana da Inglaterra, autora do World Techniques

ou Técnicas do Mundo, que vários estudiosos da área de psicologia iniciaram suas pesquisas e estudos. Ela trabalhava, na década de 1920, com o que chamava de Wonder Box (caixa-surpresa), que continha material com cores e formas variadas, pequenos brinquedos, caixinhas e outros materiais.

Entre todos os pesquisadores influenciados por Margaret Lowenfeld, destaca-se Dora Kalff, reconhecida como a mãe do sandplay. Kalff conheceu Margaret Lowenfeld e a World Techniques em 1954, em Zurique e, influenciada por Jung, seu mentor e amigo, foi para Londres estudar com Lowenfeld (WEINRIB, 1993; MITCHELL e FRIEDMAN, 1994; KALFF, 2003).

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Jogo de Areia. Na formalização de seu método de terapia, usou o termo "espaço livre e protegido". A criança deve sentir-se livre para expressar o que for necessário no processo de tratamento. Ela acreditava na capacidade inata de cura da psique e considerou o processo do Jogo de Areia como um método pelo qual o sujeito pode redescobrir e reintegrar partes cindidas de si mesmos, o que foi reprimido, o que se temia. O conceito de "espaço protegido" tem o significado da aceitação incondicional, sem a emissão de julgamentos, deixando fluir a intervenção terapêutica somente por suas próprias observações e intuições. A fundamentação junguiana do Jogo de Areia é que todo ser humano tem um movimento fundamental em direção à totalidade e à cura desde que encontre um espaço favorável (MITCHELL e FRIEDMAN, 1994; KALFF, 2003; AMMANN, 2004; BRADWAY, 2006).

Na abordagem investigada na Base de Pesquisa Corporeidade e Educação da UFRN – BACOR – e adotada neste trabalho, utilizamos a caixa de areia e as miniaturas nas construções dos cenários. Para cada problemática se constrói um cenário e a verbalização é incentivada em todo o processo que envolve a reflexão – construção – socialização – reflexão. Portanto, neste trabalho, utilizaremos o termo Jogo de Areia (sandplay) para as práticas vivenciais nos espaços com areia ou outro substrato.

A vivência com o Jogo de Areia no contexto educacional, com a possibilidade e experienciação de se aprender tocando os materiais e manuseando os objetos representativos do mundo vivencial, trabalhando sensorialmente com a areia, permeada pelo fluxo energético do reencantamento com a Geologia e pelas novas descobertas inquietaram-me e levaram-me ao problema que norteia esse trabalho:

Como o sentipensar da tatilidade nas vivências ludopoiéticas no Jogo de Areia contribuem para a autoformação humanescente de futuros professores?

1.4 OBJETIVO GERAL

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Analisar e interpretar como a tatilidade nas vivências ludopoiéticas com o Jogo de Areia facilita o sentipensar e impulsiona a autoformação humanescente.

1.5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

a) Compreender e interpretar as vivências ludopoiéticas no Jogo de Areia.

b) Interpretar os processos ludopoiéticos no fenômeno da tatilidade a partir das vivências no Jogo de Areia.

c) Analisar a repercussão da tatilidade e do sentipensar nas vivências ludopoiéticas para a autoformação humanescente de futuros professores.

1.6 JUSTIFICANDO AS TRANSFORMAÇÕES NA AREIA

Durante milhões de anos a história de nosso planeta tem apenas as rochas como testemunhas. São elas que contam as histórias dos climas, das condições físicas e químicas de nossa atmosfera e das transformações por que passou nosso planeta até o acolhimento da vida.

Ser e estar nesse planeta, enquanto seres pulsantes e parte de uma grande teia, onde se interconectam emoções, sentimentos, história de vida, produção de conhecimento e tecnologia, nos faz muito semelhantes à rocha que abre esse capítulo, pois somos parte de uma grande estrutura, aparentemente caótica, mas repleta de beleza e história e aberta à leitura. Como disse o personagem de Monteiro Lobato, Visconde de Sabugosa7explicando seu sorriso diante de um barranco semelhante ao que ocorre na Barreira do Inferno: “Esse barranco é para mim um livro aberto, uma página da história da Terra, na qual leio mil coisas interessantíssimas”.

Para ele, as ravinas, os barrancos, as areias e as montanhas são páginas de um livro aberto, que contam pedaços da vida da Terra. Mas só aquele que sabe ler o livro da natureza é capaz de compreender a beleza e o conhecimento que eles trazem e, muito

7Visconde de Sabugosa é um personagem do Sítio do Pica-Pau Amarelo, criado pelo escritor

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mais, é capaz de ler através do contato direto com o mundo, se permitindo vivenciar e aprender através de todos os sentidos.

Assim somos nós, sujeitos de convivências, fazeres, saberes e abertos para o conhecimento. Assim como o arenito que se transforma, nós também passamos por processos que expandem nossa corporeidade, mudam nossas cores e formas. Somos seres em constante transformação que experienciam o mundo e interagem a cada momento com outros seres e com a força modeladora das emoções, como sujeitos ludopoiéticos imprimindo em nós a história de nossas vidas.

Nossa educação está cada vez mais centrada no processo auditivo e visual (MINOGUE e JONES, 2006), na posição estática dos corpos dos alunos diante dos computadores ou das telas de projeção. O professor fala e mostra imagens estáticas ou móveis. O aluno, sentado na cadeira ouve e vê, como “mero espectador, de simples receptor, presenciador e receptor” (MORAES, 2005, p. 17). A maioria das vezes ele vê muito mais do que ouve, pois o que se projeta nas telas são palavras e como afirma Mousquer (2004, p. 102, grifo da autora) “O olhar nas escolas está centrado em palavras”, quando discute o uso das imagens na escola. As imagens são importantes, assim como a oralidade.

Bosi (2006, p. 65) afirma que “os psicólogos da percepção são unânimes em afirmar que a maioria absoluta das informações que o homem moderno recebe lhe vem por imagens [...] oitenta por cento dos estímulos seriam visuais”. Mas a imagem não se forma somente pelo sentido da visão. Precisamos avançar, ir além de um corpo que só ouve e/ou vê. Somos sujeitos plurisensoriais e nossos sentidos dialogam no processo de produção de conhecimento. A imagem fala, traz em si o discurso, mas este discurso é construído pelo processo cultural e pela forma de ser e estar no mundo de cada um, e não está ligado somente ao sentido da visão, mas se forma pela mixagem de nossos sentidos.

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Não se pode pensar em uma autoformação humanescente sem considerar o sujeito que aprende e que ensina em sua inteireza no sentipensar. É preciso avançar em prol de sua capacidade de fazer uso de todos os seus sentidos e sentimentos fazendo desabrochar sua corporeidade. Como discute Probyn (2004), o desafio é usar a imaginação para despertar a curiosidade, o intelecto e as emoções dos alunos. Para Paulo Freire (2004, p. 150) “a curiosidade é motor da produção de conhecimento”.

A corrente social da autoformação tem em Dumazedier (2001, p. 265) seu maior representante, que compreende o lazer como um tempo voltado para a satisfação do indivíduo, gerando uma possibilidade de autoformação permanente, de ruptura com a vida cotidiana. Para o autor “o tempo de lazer, enquanto um tempo de fruição, torna-se também um tempo de aprendizagem, aquisição e integração, diverso dos sentimentos, conhecimentos, modelos e valores da cultura”.

A vertente existencial da autoformação inaugurada por Gaston Pineau, com seguidores como Marie-Christine Josso e Galvani, considera que na autoformação o aprendente é a peça fundamental na construção dos conhecimentos e dos sentidos produzidos.

Galvani (2001, p. 2) define autoformação como sendo “um processo cotidiano, humano, vital, que permite a cada pessoa produzir uma forma pessoal, a partir do conjunto de suas interações com o meio ambiente”, acontecendo a todo o momento e em todas as situações a que está inserida em seu processo vivencial, envolvendo a produção de uma forma e de um sentido pessoal.

O grande desafio é reencantar a educação e implantar novas práticas pedagógicas, levando a experiencialidade para o ambiente escolar, possibilitando a interação entre os sujeitos no processo do ensinar e aprender, resgatando e compreendendo as implicações do corpo e a corporeidade na dinâmica educacional.

Pouco se pesquisa sobre a importância do tocar no processo de ensino e aprendizagem. Ao se pesquisar sobre o tato na educação, encontramos muitos trabalhos voltados ao uso deste sentido na aprendizagem de pessoas cegas, porém o desenvolvimento do tato em pessoas que não tem o sentido da visão é muito diferenciado daquelas que tem todos os sentidos e onde o tato dialoga muito intensamente com o sentido da visão e os outros sentidos (GARDINER; PERKINS, 2005; THOMPSON; CHRONICLE, 2006).

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apareceram 41 artigos. Destes 25 foram na área da Saúde, sete na área de ciências humanas e os outros nas de Agricultura, Linguística e Arquitetura. Muitos destes artigos relacionam o tato no sentido figurado de ter habilidade nas relações humanas. Ao pesquisar as palavras tato e educação, somente três artigos abordam a temática, dois no sentido figurado da palavra e um no tato das pessoas cegas.

Na biblioteca da Universidade de São Paulo, somente dois trabalhos tratam do tato na educação e eles são direcionados para as pessoas cegas. Alguns autores discutem o uso das maquetes em sala de aula, desde sua elaboração até seu uso, porém a abordagem é voltada para a percepção de conteúdos técnicos, sem referências ao tocar como possibilidade de brincar, criar e sentir (LOMBARDO; CASTRO, 1997; SILVA, RIBAS; FREITAS, 2008). As maquetes devem ser tocadas e manuseadas pelos alunos, ajudando-os a desenvolver suas habilidades muscular, perceptiva e psicomotora proporcionando-os experiências concretas com conceitos intangíveis e ideias (ROSS; KURTZ, 1993).

O tato, conforme Minogue e Jones (2006) é inerentemente multidisciplinar, envolvendo pesquisa na engenharia, robótica, psicologia experimental, ciência cognitiva, ciência da computação, e, muito discretamente na tecnologia educacional. Os autores realizaram uma revisão bibliográfica sobre o tato na educação. Eles realizaram uma pesquisa em duas bases de dados eletrônicas, ERIC8 e PsycINFO9. Inicialmente utilizaram o termo háptico como a única palavra-chave, o que mostrou 1151 resultados (187 do ERIC e 964 do PsycINFO). Posteriormente, utilizaram os termos tátil e aprendizagem como palavra-chave e encontraram 279 referências, 185 do PsycINFO e 94 de ERIC. A próxima pesquisa empregou o termo háptico e educação. Surpreendentemente, isso resultou em apenas 126 referências, 90 de ERIC e 36 de PsycINFO. Os resultados duplicados foram eliminados, restando somente 144 artigos para serem examinados. Destes trabalhos eles selecionaram aqueles que investigavam o desenvolvimento de tato e seu papel na cognição; os que tratavam especificamente das interações da visão com as percepções táteis e os trabalhos que investigavam diretamente o uso do tato no contexto de ensino e aprendizagem.

8ERIC - Education Resources Information Center, ERIC oferece acesso ilimitado a mais de 1,3

milhões de registros bibliográficos de artigos de periódicos e outros materiais relacionados com a educação.

9PsycINFO é um banco de dados abstratos que proporciona uma cobertura sistemática da

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Figura  1  –  Desenho  esquemático  do  sistema  ludopoiético,  concebido  metaforicamente  como  uma flor de cinco pétalas, representando cada uma delas uma propriedade específica: autotelia;  autoterritorialidade;  autoconectividade;  autovalia  e  autof
Figura 2  – Caixa de plástico usualmente utilizada nas montagens dos cenários no Jogo de Areia
Figura 4  – Outras possibilidades para colocar nas caixas além da areia. Em (a) grãos de feijão  cru; em (b) farelo de milho e em (c) grãos de arroz cru
Figura 5  – Miniaturas utilizadas no Jogo de Areia pedagógico, para a construção dos cenários
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Referências

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