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A BELEZA DO JOGO DOS GRÃOS E SEU DESENHO NO MUNDO

4.7 SÉTIMO ENCONTRO A LIBERDADE NO JOGO DE AREIA: O FLUIR DA CRIATIVIDADE

4.8.1 O desabrochar da autotelia

As experiências autotélicas foram discutidas por Csikszentmihalyi (1992) em seus estudos sobre as experiências máximas. O autor faz uma reflexão sobre as

características das atividades autotélicas e, através de diferentes exemplos, mostra as sutilezas entre o que pode ser considerado autotélico ou não. Para o autor (CSIKSZENTMIHALYI, 1992, p. 104) “ensinar crianças para torná-las bons cidadãos não é autotélico, porém ensiná-las pela satisfação de interagir com elas, é”. Portanto, a atividade ou experiência autotélica deve ter um fim em si próprio e não nas consequências dela.

Como seres autopoiéticos inseridos em um contexto vivencial, necessitamos fazer escolhas a cada momento. São escolhas emocionais, sociais, educacionais, entre outras, fortemente centrada na subjetividade e em olhar para dentro de si próprio, como diz Paulo Freire (2006, p. 102) “não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo”.

Assim é nossa vida e nossa autoformação, depende de nossas escolhas, de nossa realização, que vem de dentro de nós e se orienta para um fim que o próprio sujeito institui e define como sendo importante para si.

A pétala da autotelia se refere à capacidade do sujeito para fazer escolhas pessoais. Reflete autonomia e autodeterminação dos seres humanos possibilitando-os a escolha, refletindo uma finalidade em si própria (CAVALCANTI, 2008).

A autotelia foi desvelada em diferentes momentos nos encontros e ateliês realizados nessa pesquisa, algumas vezes de forma bastante explícita e outras vezes mais discretamente. Como são as escolhas que farão desabrochar a autotelia, os primeiros indicativos de seu desabrochar apareceram no momento de escolher as imagens representativas de si. Em suas escolhas observa-se a satisfação de estar no mundo, estar feliz e vivenciá-lo com alegria e prazer: “eu escolhi esta foto por me representar melhor na atualidade - uma pessoa mais feliz - aproveitando a natureza em companhia dos meus amigos trilheiros da turma de geografia (PLAGIOCLÁSIO, 2009). Ou ainda: “Eu escolhi essa foto porque ela é uma foto atual e está nítida. Ela é importante para mim, porque me lembra um período importante no meu curso técnico de enfermagem” (LEPIDOLITA, 2009).

É importante destacar que muitas atividades que podem ser entediantes, monótonas e sem interesse para algumas pessoas, podem, ao contrário, serem experiências onde a alienação dá lugar ao envolvimento, a satisfação substitui o tédio, reforçando que a autotelia reflete a autonomia de escolha, como nos revela o depoimento abaixo:

[...] escolhi uma foto que representa o que sou hoje: uma mãe que, em tudo o que pensa, em tudo o que faz é com o propósito de alcançar um padrão de vida que possa garantir um bom futuro para minha linda e preciosa filha [...] Representa também o nível de alegria que hoje com certeza é bem melhor em minha vida, afinal filhos são para deixar nossas vidas mais alegres e termos mais vontade de viver intensamente. (ÁGUA MARINHA, 2009)

Para muitas pessoas as atividades de cuidar da casa e dos filhos são entediantes e realizadas por necessidade ou conveniência e, muitas vezes, são insuportáveis. Mas percebemos, pelo depoimento, que a maternidade e a luta por uma vida melhor para a filha se constituem em uma atividade prazerosa e de crescimento interno, como afirma Csikszentmihalyi (1992 p. 134) “as características que marcam uma personalidade autotélica se revelam com mais nitidez naqueles que parecem ter satisfação com situações que as pessoas comuns consideram insuportáveis”.

As emoções é que definem nossa relação com o mundo e determinam a forma como vivemos nossa vida e a importância que cada atividade adquire em nosso viver e conviver, como afirmam Maturana e Verden-Zöller (2006, p. 29) “a vida humana, como toda vida animal, é vivida no fluxo emocional que constitui, a cada instante, o cenário básico a partir do qual surgem nossas ações”.

Os participantes deixaram evidente que muitas situações possibilitaram a eles evidenciarem sua personalidade autotélica. O fato de participar desta pesquisa ofereceu a alguns a possibilidade de vivenciar novas emoções e sensações e, no caso do participante Diopsídio (2009), ele se entrega à atividade acreditando que será capaz de fluir e se sentir bem trazendo alegria e sentido para sua vida:

[...]uma nova oportunidade de uma atividade interessante [...] capaz de mexer com sentimentos, sensações e prazeres me aparece, eu assumo um compromisso de me render a tão prazerosa vontade de servir, ajudar e fazer, com o intuito de melhorar relações interpessoais, profissionais e individuais. .

Sobre a qualidade da vida, e o que fazemos e sentimos quanto a isto, é determinado, de acordo com Csikszentmihalyi (1999, p. 14) “por nossos pensamentos e nossas emoções; pelas interpretações que damos a processos químicos, biológicos e sociais”. Ou seja, somos nós quem definimos a qualidade de nossas emoções, mesmo

que o meio circundante possa ser desfavorável, se a alma é livre, alegre e ludopoietica a autotelia se revela.

Uma característica importante nas personalidades autotélicas é a criatividade, o que faz com que eles encontrem caminhos e saídas para as várias situações que aparecem na vida diária. Isto foi possível observar na vivência onde os participantes deveriam montar cenários em um tempo reduzido, com poucas miniaturas e em uma caixa de areia pequena. Esse foi um momento de expansão e expressão das personalidades autotélicas: “vi lançado o desafio ao ser pega de surpresa e instantaneamente ter que usar minha criatividade em cima daquilo que precisava ser trabalhado” (ÁGUA-MARINHA, 2009), ou ainda no depoimento de Plagioclásio (2009): “vi muita criatividade por parte dos colegas de projeto que representaram bem a problemática mesmo com os recursos limitados das miniaturas”.