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A TEIA DA CORPOREIDADE: ORGANIZANDO OS GRÃOS DA AREIA

2.4 DO HUMANO A HUMANESCENCIA

O planeta Terra tem 4,5 bilhões de anos. Há 544 milhões de anos uma explosão de vida invade os oceanos e a partir daí temos uma melhor compreensão da vida na Terra a contar do estudo dos fósseis. Um percurso de quatro milhões de anos, separa o

para que pudéssemos descer das árvores, caminhar em pé, e colher as primeiras sementes.

Assim o homo sapiens surge sobre o planeta entre 100.000 e 50.000 anos e inicia sua trajetória sobre o planeta Terra. A humanidade inicia-se no momento em que ele percebe que necessita acolher e proteger sua cria, se fixar em um local, proteger seus iguais, como afirmam Maturana e Yáñez (2009, p. 33) “a origem do humano surge na origem espontânea da família como um modo próximo permanente de conviver”.

Esta distinção do humano se encontra também na forma de lidar e processar o ritual da morte, que se encontra registrada em sítios arqueológicos com enterramentos. Para Serres (2003, p. 10) “tornamo-nos os homens que somos porque, indubitavelmente, aprendemos que iríamos morrer, mesmo que jamais soubéssemos como”. E esta característica nos diferencia dos animais irracionais, que mesmo enterrando seus mortos, não deixa com eles artefatos que lhes pertencia em vida. Estes rituais de enterramento estão muito bem registrados em diferentes partes do planeta, e que vem à luz em uma escrita imagética, mostrando-nos ossadas que um dia tiveram vida e carregaram um corpo, enterradas com diferentes objetos, demonstrando o ritual de sepultamentos que são característicos dos humanos. Na realidade, estes enterramentos representam uma forma de linguagem de nossos antepassados e um costume humano que perpassa o espaço e o tempo, uma vez que todas as nações guardam três costumes humanos “todas possuem alguma religião, todas contraem matrimônios solenes, todas sepultam seus mortos [...] as mais requintadas cerimônias e mais consagradas solenidades residem nas religiões, matrimônios e sepulturas” (VICO, 1999, p. 132). Estes três costumes apontados pelo autor representam formas de linguagem distintas.

Outra característica importante dos humanos está na sua capacidade de comunicação por meio de diferentes formas de linguagem. Uma das primeiras formas de linguagem que se tem registro é a pintura rupestre. Em várias partes do mundo encontram-se pinturas sobre as pedras que revelam o mundo vivencial de nossos antepassados: seus rituais, sua fé e crença, seu meio ambiente e muitas outras revelações que ainda hoje os pesquisadores se entregam a entender e revelar.

É nesta forma de linguagem que também nos tornamos humanos, como afirma Maturana (2009, p. 19): “o peculiar do humano não está na manipulação, mas na linguagem e no seu entrelaçamento com o emocionar”. Neste mesmo pensamento Maturana e Verden-Zöller (2006, p. 31) afirmam que “todo o viver humano consiste na convivência em conversações e redes de conversações” e reforçam ainda que qualquer

atividade ou afazer de um homo sapiens que se faz fora do conversar não pode ser considerado tipicamente humano, pois: “caçar, pescar, guardar um rebanho, cuidar das crianças, a veneração, a construção de casas, a fabricação de tijolos, a medicina [...] são diferentes classes de conversação”. Ou seja, tudo que o homem faz sozinho ou com o outro representa uma forma de conversação.

E assim, na linguagem, no emocionar, no relacionar-se, no cuidar e no conviver nos separamos dos animais irracionais e construímos nossa evolução como seres humanos complexos. Sobre isto afirma Morin (2007b, p. 17, grifo do autor) “o termo

humano é rico, contraditório, ambivalente; de fato, é demasiado complexo para os

espíritos formados no culto das ideias claras e distintas”.

Iniciamos, portanto, nossa caminhada humana que ao longo de vários milhões de anos nos separou dos outros primatas, permitindo-nos uma singularidade de aprimoramento intelectual e sensitivo, imersos em um emaranhado complexo de emoções e interferências de um meio onde ocorrem interações que Maturana e Varela (2005, p. 107, grifo dos autores) afirmam ter “uma dinâmica estrutural própria,

operacionalmente distinta daquela do ser vivo”. Neste meio ocorrem estas interações e

os acoplamentos estruturais, ou seja, interações que desencadeiam mudanças estruturais no sistema meio – ser vivo, conservando assim sua autopoiese, sendo que o meio e o ser vivo sofrem transformações (MATURANA; VARELA, 2005). Estas interações e transformações nos seres humanos são fortemente intermediadas pelos sentimentos.

Para Damásio (2004, p. 16) “compreender o que são os sentimentos, a forma como funcionam e o seu significado humano são passos indispensáveis para a construção futura de uma visão dos seres humanos”.

Esta compreensão passa necessariamente pelo caminho da linguagem, como afirmam Maturana e Varela (2005, p. 32) que toda reflexão sobre o humano “ocorre necessariamente na linguagem, que é nossa maneira particular de ser humanos e estar no fazer humano” e os autores ainda atentam para o papel da reflexão como “um fazer humano realizado por alguém em particular num determinado lugar”.

O corpo humano é um dos mais expressivos receptáculos desta linguagem. Nele e por ele realizamos escritas e leituras do mundo vivencial e de nossas interações emocionais neste viver.

Maturana e Yáñez (2009, p. 65, grifos dos autores), reforçam que “o humano ocorre no viver no linguajear, e tanto o viver consciente como o viver inconsciente do viver humano surgem do viver no linguajear”. Maturana em várias de suas obras utiliza

o termo “linguajar” e não “linguagem”, para enfatizar seu caráter de atividade e de comportamento para evitar a associação com a linguagem enquanto faculdade própria da espécie humana.

As mudanças corporais que acontecem na interação da linguagem muitas vezes são sutis e se associam a outra característica do humano que é a transcendência. Para Boff (2000) somos seres de enraizamento e abertura ao mesmo tempo, uma vez que não nascemos prontos e estamos em constante mudança e procura. Característica discutida por outros autores como Paulo Freire (2006, p. 50) que ressalta “onde há vida, há inacabamento, Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se tornou consciente” e Serres (2003, p. 21) quando reconhece que “o humano não constrói referências para si mesmo. Somos nós que o construímos no tempo por nossos atos e pensamentos”.

Continuamos sempre a procura de desbravar novas fronteiras da tecnologia, do espaço físico, das possibilidades do corpo e da mente, nos entregando a novas e diferentes emoções e vivências. É uma eterna busca por uma completude que sabemos ser impossível de encontrar, pois esta é uma característica do humano.

Boff (2000, p.7,8) mostra que temos características de enraizamento, ou seja, nossa imanência uma vez que “nascemos numa determinada família, numa língua específica, com um capital limitado de inteligência, de afetividade, de amorosidade”. O autor evidencia nossas características de seres de abertura uma vez que:

Ninguém segura os pensamentos, ninguém amarra as emoções. Elas podem nos levar longe no universo [...] ninguém nos aprisiona [...] Então, possuímos essa dimensão de abertura, de romper barreiras, de superar interditos, de ir para além de todos os limites. É isso que chamamos de transcendência. Essa é uma estrutura de base do ser humano.

Nossa transcendência está em nossa capacidade de abertura, de não ter medo de experimentar o novo, o inusitado, o diferente. É nossa capacidade de interagir emocionalmente com o entorno, modificando-o e tudo que está inserido nele, mas também se possibilitar e se abrir às mudanças e alterações que certamente advém destas interações. Somos seres de energia interna e nossa energia interage com o meio irradiando energia e captando energia das interações. Pierrakos (1990, p. 146) discute sobre os campos energéticos de cada pessoa. Diz-nos o autor: “se o campo é formado de energia positiva, o corpo é equilibrado e harmonioso. Quando o campo é negativamente carregado, o corpo fica fora de equilíbrio e bloqueado”.

Portanto, somos capazes de modificar nossa própria biologia por meio de nossa intencionalidade de pensamento entrelaçado com nosso emocionar. Chopra (2009) reforça que pensamentos positivos podem operar importantes transformações em nosso corpo físico e espiritual e, em contrapartida, pensamentos tristes e sombrios podem tornar nossa alma e nosso corpo doentes. O autor em seu livro “a cura quântica” apresenta vários exemplos de pessoas com doenças muito graves como câncer que conseguiram reverter o quadro para a cura adotando estilo de vida diferenciado e cultivando pensamentos e emoções boas o que proporcionou o fortalecimento do sistema imunológico.

Nesta mesma linha de pensamento, Goswami (2010, p. 97) ao tratar das emoções e sua influência no corpo e na mente das pessoas afirma que “a única técnica para lidar com a tirania das emoções negativas consiste em equilibrá-las com a produção de circuitos cerebrais emocionais positivos”. Ou seja, cada ser humano tem a potencialidade de modificar seus campos vibracionais e assim operar mudanças significativas em si e no entorno. Pierrakos (1990) em sua “Energética da Essência” afirma que toda cura do ser humano reside em seu interior e na forma como o movimento de sua energia se processa. Para o autor, independente do que aconteça na periferia da pessoa, a vibração energética adequada sempre irá restabelecer a harmonia necessária para uma vida feliz.

Para tanto é preciso compreender que o indivíduo humano “comporta o todo da humanidade sem deixar de ser a unidade elementar da humanidade” (MORIN, 2007b, p. 73), uma vez que a substância básica de uma pessoa é sua energia. São nossos campos energéticos que nos faz vibrar, viver, brilhar, sermos felizes, iluminar ou obscurecer nossa vida e a vida dos outros e nosso espaço vivencial. Reconhecer-nos como sujeitos com potencial para luminescer, exige coragem, como afirma Cavalcanti (2007, p. 14) para “nos reconhecer como Seres Luminescentes, geradores de luz que ilumina não só a própria caminhada, mas também compartilha intencionalmente ou não, com a sua irradiação luminosa, da caminhada do outro”.

Em 1911, Walter Kilner, publicou o livro “A aura humana”, onde descreve as radiações ao redor dos corpos das pessoas, registradas por equipamentos e filtros óticos. Ele observou que este campo não era estático e variava de pessoas para pessoa e também variava em uma mesma pessoa. (PIERRAKOS, 1990). Posteriormente foi desenvolvido pelo pesquisador russo Kirlian, uma técnica para fotografar os objetos na presença de um campo elétrico de alta frequência, alta voltagem e baixa amperagem,

que ficou conhecida como fotografia Kirlian ou bioeletrografia (GERBER, 2007). Estas fotografias mostram que existe um campo de luz ao redor dos seres vivos e também de seres inanimados quando tocados ou em contato com os seres vivos.

Sobre este campo energético que envolve os seres, Tiret (1993, p. 29), depois de 30 anos de pesquisas revela “adquirimos a certeza de que esta aura que circunda o corpo é uma exteriorização das radiações [...] do nosso campo magnético interior; veículo da alma, da personalidade, do valor próprio de cada individualidade”. Portanto, há a compreensão que nossa energia interna pode irradiar para fora de acordo com nosso contexto vivencial e emocional.

Somos constituídos de energia e os avanços da física quântica comprovam isto, como revela Gerber (2007, p. 30) “a física quântica e as experiências realizadas no campo da física de partículas de alta energia nos mostram que, no nível das partículas, toda matéria é na verdade energia”.

Se somos feitos de matéria e se a matéria é energia, então somos seres de energia e nosso contato com outros seres implicam necessariamente uma troca energética, por vezes imperceptível, mas dependendo da sensibilidade de cada pessoa pode-se envolver troca de energia refletida como alegria, afeto, tranquilidade ou sensações de incômodo, irritação e raiva, entre outros.

Para Boff (2000), cada um de nós encontra em nossas vidas pessoas iluminadas, que com sua luz interior é capaz de transformar nossas vidas e nos possibilitar vivenciar experiências espirituais únicas e marcantes.

Mas nós também podemos irradiar luz, pois somos seres humanos e luminescentes, uma vez que o metabolismo celular de nossos corpos faz com que muitas substâncias químicas sejam liberadas e muitas delas são exaladas na forma gasosa. Estas substâncias produzem um espectro de cores, invisíveis ao olho nu pela maioria das pessoas, mas detectável por equipamentos próprios (PIERRAKOS, 1990; LOWEN, 1984). Como humanos e vivos, irradiamos nossa luz e vivenciamos nossa corporeidade e humanescência.

O fenômeno da humanescência está sendo pesquisado pela BACOR, nos diferentes laboratórios vivenciais a partir dos estudos de Cavalcanti (2006), que investiga o fenômeno da essência do ser humano na sua relação com o mundo. Todos os seres humanos possuem a capacidade de humanescer, porém a forma de ser e estar no mundo vai determinar a qualidade e quantidade de seu fluxo energético humanescente.

Muitos estudos evidenciam a existência de campos energéticos que são inerentes aos seres vivos. Porém, somente o ser humano é capaz de interferir neste campo energético promovendo mudanças em si e no outro. Este é o campo fenomenológico da humanescência, que pode mudar e transformar o entorno e este campo é influenciado pelas emoções, pensamentos e os sentimentos. São as emoções que sentimos e partilhamos as responsáveis pela intensidade e qualidade de nossa humanescência.

George (2000) investigou o papel das emoções e o efeito dos sentimentos de pessoas que assumem papéis de liderança em seus ambientes de atuação. Para a autora os efeitos dos sentimentos dos líderes ou os seus humores e emoções e, mais geralmente, o papel das emoções na liderança desempenham um papel central nos processos cognitivos e de comportamento.

Ainda investigando o papel das emoções nas relações humanas, Rimé (2009) afirma que as consequências da emoção estão longe de ser limitados ao indivíduo que as vivenciou. Pelo contrário, as experiências emocionais individuais podem contribuir para melhorar a inserção social e a coesão social dentro da comunidade maior. São as emoções que darão o tom da vida que deve ser vivida com alegria, beleza, ludicidade, sensibilidade e criatividade, onde a reflexividade torna-nos capazes de humanescer. Sobre isto nos fala Moraes (2003, p. 118) “as nossas emoções fluem de acordo com as vibrações do campo energético e vibracional que caracterizam o nosso entorno e que influenciam a qualidade de nossos pensamentos, sentimentos, ações e reflexões”.

Humanescer é principalmente saber vivenciar nossa condição humana, entendendo-nos como parte do planeta e não separado dele, ou seja, usufruir do planeta como fonte de vida e como referência planetária e lugar no universo. (MORIN, 2000). E nossa condição humana nos coloca em contato com os quatro elementos que regem nosso planeta, mas é nossa condição humanescente que nos coloca em comunhão com eles e muito mais intimamente com o elemento terra.

Bachelard (2003; 2008c), afirma que o elemento terra apresenta as características da sobriedade e da permanência, tão incomuns aos elementos fogo, ar e água. A Terra é antiga, é berço da vida e é também quem acolhe a água, o ar e o fogo, alguns em suas entranhas e outros em sua superfície ou envolvendo-a. A terra se mostra maleável e flexível ao homem, que necessita dela para manter sua vida e o acolhe. A terra acolhe e recolhe o homem em seu ciclo sobre o planeta e esta sintonia é fortalecida no contato direto com este elemento. Aquele que se permite vivenciar sua

humanescência pode desfrutar com mais intensidade da energia e força que o elemento terra, em consonância com os elementos água, fogo e ar propicia aos seres que a habitam.

Ao vivenciar o Jogo de Areia, possibilitamos que toda a inteireza do humano se revele na interação energética com a areia, no brincar e criar reflexivamente despertando em cada um a sensibilidade das emoções e sentimentos que fazem aflorar nossa humanescência. Como afirma Cavalcanti (2008, p. 12) “O Jogo de Areia como um jogo de construção de imagens é um jogo que afeta, que cria afeto”. E o afeto é um dos mais importantes elementos propulsores da humanescência.