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A REFLEXIBILIDADE: A EXPRESSÃO DO JOGO NO TOCAR

A EMERGÊNCIA DA TATILIDADE NO JOGO DE AREIA

5.3 A REFLEXIBILIDADE: A EXPRESSÃO DO JOGO NO TOCAR

O princípio etnofenomenológico da reflexibilidade foi proposto pela BACOR em substituição ao termo reflexividade adotado na etnometodologia, e se relaciona com as práticas que os sujeitos realizam cotidianamente descrevendo e construindo a sociedade em que vivem (COULON, 1995). O termo reflexividade relaciona-se ao caráter do que é reflexivo, enquanto o termo reflexibilidade refere-se à propriedade de um corpo que é susceptível de reflexão ou a intensidade daquilo que reflete. Assim, a reflexibilidade está nas coisas ou nos seres e relaciona-se com a visibilidade ou percepção. No caso dos seres vivos, relaciona-se com a capacidade de mostrar sua própria luz ou pensamento. Como trabalhamos com fenômenos que partem de dentro para fora do ser, como a humanescência, optou-se pelo termo reflexibilidade.

Coulon (1995) adverte que a reflexividade não significa reflexão, pois os sujeitos não têm consciência do caráter reflexivo de suas ações uma vez que eles não prestam atenção que, ao falarem, descrevem e, ao mesmo, tempo constroem a realidade.

Por se tratar de um recurso metodológico de caráter lúdico e sensorial, o Jogo de Areia oportuniza aos participantes criarem cenários a cerca de suas concepções de mundo, permitindo que eles explorem o eu interior perante suas reflexões consigo e com o outro. A reflexibilidade permeia o processo de autoformação humanescente, possibilitando o fluir do processo criativo e lúdico, fortalecendo o desabrochar da ludopoiese, de forma natural sem a intencionalidade da reflexão, uma vez que “os membros não tem evidentemente consciência do caráter reflexivo de suas ações” (COULON, 1995, p. 41).

A reflexibilidade é evidenciada quando o participante Topázio (2009) fala sobre a foto escolhida para lhe representar no momento inicial da pesquisa: “a foto foi escolhida porque atualmente tenho me sentido exatamente como me encontro na foto: espremido, pressionado pelos compromissos do trabalho, da faculdade, da busca interior, da superação, da família”. O mundo atual com tantas possibilidades tecnológicas e com um fluxo intenso de informações transformou nossa vida em uma constante corrida contra o tempo. Dedicamo-nos a uma grande quantidade de atividades e nos esquecemos de que nosso corpo necessita de atenção e cuidado, uma vez que é ele o “instrumento de mediação de nossas relações com o mundo, através do qual vivenciamos o processo de construção do conhecimento” (MORAES, 2004, p. 17).

O participante deixa evidente que as pressões da vida moderna deixam-no desconfortável e é seu corpo quem padece com tantas atribuições refletindo o seu estar no mundo (BERTHERAT; BERNSTEIN, 2003). Sobre as pressões cotidianas o participante Diopsídio (2009) também relata que “os prazos para entregas de trabalhos, as provas, o emprego e as obrigações cotidianas estão conflitando em minha mente, causando intermináveis choques nos meus neurônios”. Neste sentido Maturana e Verden-Zöller (2006, p. 221) nos alerta que “nós, seres humanos modernos do mundo ocidental, vivemos numa cultura que desvaloriza as emoções em favor da razão e da racionalidade”, e assim, aparecem os conflitos uma vez que as emoções ficam em um campo secundário na vida das pessoas.

No quadro 1 observa-se os dados referentes ao princípio etnofenomenológico da reflexibilidade dos participantes em relação ao Jogo de Areia e também ao uso de uma caixa de areia com dimensões reduzidas. Usando somente uma palavra eles expressaram seus sentimentos em relação às vivencias no Jogo de Areia.

Pela análise das palavras utilizadas percebe-se que o Jogo de Areia se configura como uma possibilidade pedagógica ludopoiética dinâmica e atraente. Todos os participantes utilizaram palavras que avaliaram positivamente o Jogo de Areia e o uso de uma caixa com dimensões reduzidas, como revela Muscovita (2009): “a caixa pequena foi uma aprendizagem, pois trouxe a ideia de disciplina, trabalhar as ideias em um pequeno espaço, organizar os elementos, foi muito bom”.

A experiência de usar um espaço pequeno para a montagem dos cenários revelou o fio da criatividade, no saber fazer, como ressalta o participante Plagioclásio (2009): “foi uma ótima experiência, já que desta vez a escala de representação foi reduzida, o que nos levou a adaptarmos a nova situação, fato que não limitou a criatividade do grupo”. Pode-se observar que o participante faz uma referência não somente à sua criatividade, mas à criatividade do grupo.

A criatividade é um dos fios da Teia da Corporeidade, associada ao saber fazer e que tem o elemento fogo como metáfora para seu aprimoramento. As discussões atuais mostram que a criatividade é intrínseca a todos os seres humanos (CSIKSZENTMILHALYI, 1988; LA TORRE, 2005, GARDNER, 2005) e que necessitamos exercitá-la constantemente, uma vez que ela é fruto da interação com o meio e não pode ser compreendida como um fenômeno individual.

Quadro 1 – Jogo de palavras usadas pelos participantes para expressar o sentimento em relação ao Jogo de Areia e ao uso da saboneteira como base para a montagem dos cenários.

O Jogo de Areia Uso de uma caixa de areia com tamanho reduzido

Rutilo Possibilidades Novo

Turmalina Didático Organização

Muscovita Aprendizagem Disciplina

Monazita Dinâmico Fácil

Quartzo Oportunidade Estranho

Topázio Ludicidade Normal

Plagioclásio Criatividade Imaginação

Zircão Sinceridade Saudade

Ortoclásio Liberdade Oportunidade

Córindon Diversidade Responsabilidade

Lepidolita Conhecimento Proveitoso

Caolinita Experiência Construtivo

Ametista Ludicidade Conforto

Fonte: Musse (2010).

Para Winnicott (1975) é somente no brincar que o indivíduo pode ser criativo, sendo o brincar uma forma básica de viver. Desta forma acreditamos que o Jogo de Areia tem o potencial de despertar e aflorar a criatividade nas suas diferentes possibilidades e situações promovidas durante o jogo.