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A TEIA DA CORPOREIDADE: ORGANIZANDO OS GRÃOS DA AREIA

2.5 DA EDUCAÇÃO TRANSDICIPLINAR

Nosso processo de construção de conhecimentos passou por várias fases ou paradigmas que foram mudando à medida que o tempo passava e de acordo com o contexto cultural. Weil, D´Ambrósio e Crema (1993, p. 15), descrevem a fase que antecede a fase disciplinar, onde o conhecimento era despertado “através de um equilíbrio entre [...] a sensação, o sentimento, a razão e a intuição”. Para os autores esta fase “continua presente ainda hoje em cada um de nós, a cada fração de segundo. Está apenas escotomizada, escondida por um véu, o da separatividade entre sujeito e objeto”. Para os autores o conhecimento fragmentado em disciplinas teve a influência do paradigma newtoniano-cartesiano onde predominava o racionalismo. Este paradigma é baseado no raciocínio lógico, linear, sequencial, onde a sensibilidade e a ludicidade estão fora do processo, ou seja, o sujeito que aprende é diferente do sujeito que sente. E este modelo ainda é aplicado na maioria das escolas brasileiras, como afirma Moraes (2005, p. 51), as nossas escolas ainda continuam “fragmentando o todo em partes, separando o corpo da cabeça, tronco e membros, as flores em pétalas, a história em fatos isolados, sem se preocupar com a integração, a interação, a continuidade e a síntese”.

Nossas escolas são lugares aonde o aluno vai por obrigação, sem vontade de estar nela, pois a beleza da produção de conhecimento está na vida vivenciada fora dela. Antunes (2000, p. 11, 12), ao fazer um relato sobre a forma como aprendeu o conteúdo sobre o planeta Terra, revela:

Estudei a Terra como se estivesse dissecando uma barata. Conheci suas camadas, sua origem, suas características [...] nunca tive na escola a oportunidade de plantar uma árvore, de colher os legumes de uma horta, de chupar deliciosamente uma manga colhida do jardim da escola, de observar atentamente a beleza da joaninha. Ouvi, escrevi, pouco senti. Vivenciei menos ainda.

Este relato reforça que nossas escolas e nosso processo de ensino- aprendizagem não tem a beleza do aprender na vivência e experiencialidade, uma vez que estudar o planeta é muito mais que disseca-lo em camadas, partes e estruturas. Como afirmam Moraes e La Torre (2004, p. 7) “existe um divórcio considerável entre o que o alunado vive e aprende na vida e os modelos curriculares utilizados em classes”.

Nossa produção de conhecimento não ocorre somente dentro dos muros da escola. Para D´Ambrósio (1997, p. 28) “no comportamento, na prática, no fazer é que se avalia, redefine e reconstrói o conhecimento”. Somos seres em construção e estamos sempre nos transformando em nossa vida diária, como afirma Paulo Freire (2001, p. 155) “Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho, por causa do qual a gente se pôs a caminhar”. Caminhamos sempre, dentro e fora da escola. Mas devemos reconhecer que muito desse caminhar está associado ao nosso processo educacional que acontece dentro de nossas escolas, onde passamos grande parte do tempo e onde acontecem muitas de nossas interações sociais.

Como podemos romper com este ensino dicotomizado que impera em nossas escolas, se nossos professores foram formados neste modelo e eles formam outros professores que estarão em nossas escolas negando-se e tendo a dificuldade de reconhecer a completude de seus alunos que trazem de suas vidas fora dos muros da escola, um saber e uma produção de conhecimento que naturalmente integra os diferentes saberes. Neste sentido Moraes (2005, p. 16) reforça:

A grande maioria dos professores ainda continua privilegiando a velha maneira como foram ensinados, reforçando o velho ensino, afastando o aprendiz do processo de construção de conhecimento, conservando um modelo de sociedade que produz seres incompetentes, incapazes de criar, pensar, construir e reconstruir o conhecimento.

Estes alunos chegam às escolas e precisam aprender a colocar cada conhecimento em um conjunto separado, sem intersecção entre eles. A aula de matemática termina no momento que o professor sai da sala de aula e novo

conhecimento entra com o professor de português, como se não houvesse ligação entre os diferentes conteúdos e sem a compreensão que “o mundo e a vida nada mais são do que uma grande teia de relações e conexões, e o ser humano, um fio particular dessa teia” (MORAES, 2005, p. 26).

Da disciplinaridade até a transdisciplinaridade há um caminho trilhado por diferentes autores que discutem e pesquisam o modelo mais adequado ao mundo e a realidade que se desenha a nossa volta, como reforça Paulo Freire (2005, p. 51) “a partir das relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai ele dinamizando o seu mundo”.

A palavra transdisciplinaridade apareceu pela primeira vez na França, em 1970, na fala de Jean Piaget, em um seminário internacional, onde ele questionou a disciplinaridade e propôs a transdisciplinaridade. Porém Piaget somente lança a ideia e em sua concepção de transdisciplinaridade (NICOLESCU, 2005).

Mas a transdisciplinaridade só ganha corpo com a “Carta da Transdisciplinaridade” em 1994, elaborada por Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu, com os princípios fundamentais da transdisciplinaridade. A carta alerta que o ser humano não pode ser reduzido a uma definição e nem dissolvido em estruturas formais, mas deve ser visto como um ser de histórias de vida, multicultural vivendo em um mundo globalizado e interconectado pelas tecnologias de comunicação, possibilitando um salto quântico nas interações.

Não se trata de um novo modelo que desconsidera o que está posto e construído, ao contrario, a transdisciplinaridade não nega a disciplinaridade, nem tampouco a multi e à interdisciplinaridade, mas cria um espaço onde as disciplinas se encontram e transcendem suas barreiras imaginárias, funcionando como uma ligação entre as disciplinas, ocupando-se com o que está ao mesmo tempo entre, através e além das disciplinas. . Para Moraes (2008, p. 119, grifos da autora), “a transdisciplinaridade é reconhecida como um princípio epistemológico que implica uma atitude de abertura do espirito humano ao vivenciar um processo que envolve uma lógica diferente”.

Para Nicolescu (2005) a educação transdisciplinar, baseada na metodologia transdisciplinar, permite-nos estabelecer ligações entre pessoas, fatos, imagens, representações, campos de conhecimento e ação, para descobrir o amor pela aprendizagem permanente. Uma aprendizagem que levamos para a vida e que nos torna atores principais no palco da educação para a alegria, sensibilidade e amor.

Esta convivência com a realidade nos oferece inúmeras possibilidades, uma vez que um dos pilares da transdisciplinaridade é representado pelos níveis de realidade. Vivemos em um mundo em que diferentes níveis de realidade se apresentam constantemente à nossa vivência e estão sob a ação de transformações dependentes de inúmeros fatores, como a escala e o tipo de percepção do observador (NICOLESCU, 1999).

Ainda de acordo com Nicolescu (1999), a passagem de um nível de realidade para outro acontece quando ocorre mudança de percepção e Moraes (2008, p. 123) afirma que são nestas mudanças de percepção que “a consciência humana manifesta sua capacidade evolutiva e transformadora” e a autora afirma ainda que somos seres “transdisciplinares em nosso sentipensar e atuar no cotidiano da vida”.

O Relatório Delors, produzido pela Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI, da UNESCO, proclama os quatro pilares para a educação do século XXI. Para Delors et al. (1999, p. 89/90) “a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais: aprender a conhecer [...] aprender a fazer [...] aprender a viver juntos [...] e aprender a ser”.

Estes são os quatro pilares de sustentação de uma educação que leva em conta o ser em sua totalidade e visam à formação plena do ser humano. Os quatro pilares são precedidos pelo verbo aprender que conferem aos diferentes saberes uma dinamicidade de participação no processo. Assim, aprender a conhecer relaciona-se ao processo de construir o conhecimento e não somente conhecer o que está posto ou construído. Da mesma forma o aprender a fazer que ultrapassa o mecanicismo de aprender como é feito, mas de construir a forma de fazer. O aprender a conviver é principalmente focado na convivência harmônica entre os seres na aceitação das diferenças (DELORS, et. al., 1999).

A Carta da Transdisciplinaridade (1994), em seu artigo 11 enfatiza que “A educação transdisciplinar revaloriza o papel da intuição, do imaginário, da sensibilidade e do corpo na transmissão dos conhecimentos”, ou seja, há o fortalecimento da subjetividade humana na transmissão de conhecimentos.

Para Cavalcanti (2008, p. 05) “na formação do espírito transdisciplinar há subjacentemente um alicerce lúdico, criativo e sensível, onde o brincar, o criar e o sentir se fundem na alegria de viver a vida com sentido humanescente”.

É o sentipensar e este espirito transdisciplinar que devem ser fortalecidos em nossos ambientes escolares e em nossas vidas. Precisamos corporalizar os nossos

aprenderes em uma teia onde os saberes da corporeidade estejam entrelaçados aos quatro pilares da educação e permeados pelos quatro elementos poéticos de Bachelard. O elemento água, com seu espírito brincante e lúdico favorecendo o conviver, entrelaçado pela sensibilidade do elemento ar fortalecendo o ser, alimentados pelo fogo da criatividade no fazer e a reflexividade do elemento terra no conhecer. Este entrelaçamento favorece a formação do espírito transdisciplinar.