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A BELEZA DO JOGO DOS GRÃOS E SEU DESENHO NO MUNDO

4.7 SÉTIMO ENCONTRO A LIBERDADE NO JOGO DE AREIA: O FLUIR DA CRIATIVIDADE

4.8.2 O desabrochar da autoterritorialidade

A noção de territorialidade é complexa e tem sido discutida por muitos autores, principalmente Milton Santos (1988), Lefebvre (1969) entre outros. O território é um local demarcado por diversas razões e onde os seres vivos interagem. A territorialização ocorre quando há uma interação vivencial do sujeito, propiciando-o a concretização dos desejos e expressão de si mesmo, por si mesmo e onde se instalam as relações. Milton Santos (1988, p. 83) ao falar da territorialidade e da cultura afirma que:

[...] cultura e territorialidade são, de certo modo, sinônimos. A cultura, forma de comunicação do indivíduo e do grupo com o universo, é uma herança, mas também um reaprendizado das relações profundas entre o homem e o seu meio, um resultado obtido através do próprio processo de viver [...] O território em que vivemos é mais que um simples conjunto de objetos, mediante os quais trabalhamos, moramos, mas também um dado simbólico, sem o qual não se pode falar de territorialidade.

Assim, o território e a territorialidade estão intimamente relacionados com o viver e o conviver dos sujeitos no espaço, não necessariamente um espaço físico delimitado, mas o espaço vivencial, que pode também se configurar pelo espaço virtual. Neste sentido concordamos com Saquet (2007, p. 73), quando afirma que o território é “espaço de vida, objetiva e subjetivamente; significa chão, formas espaciais, relações sociais, natureza exterior ao homem; obras e conteúdos”.

Para Lefebvre (1969), o espaço pode ser observado por meio de três feixes entrelaçados que se configuram como as práticas espaciais (percebido – físico), as representações do espaço (concebido - mental) e espaços de representação (vivido - social), ou seja, o próprio espaço da autoterritorialidade no conviver, viver, emocionar- se.

A pétala da autoterritorialidade se refere ao local onde se está e onde ocorre uma interação vivencial do sujeito propiciando-o a concretização dos desejos e expressão de si mesmo e por si mesmo, ocorrendo em um espaço-tempo autodelimitado (CAVALCANTI, 2008).

Somos sujeitos territoriais, demarcamos nossos espaços a todo momento. Espaços físicos e emocionais são onde interagimos com o meio e com os outros, em um processo contínuo de demarcações. Assim, é importante que fiquemos atentos aos diferentes territórios que se desenham no processo educacional. Cada pessoa traz em si a demarcação de sua territorialidade, por vezes impressa em sua corporeidade através da forma de falar, de vestir, cantar, comer, se emocionar. Por vezes a autoterritorialidade se desenha de forma sutil, porém sempre presente, e é preciso estar atento a essas sutilezas. Inicialmente identificamos a autoterritorialidade nos processos vivenciais junto à natureza e na companhia do outro. No viver e conviver se cria um território de relações afetivas e amorosas, como configurado no depoimento a seguir: “escolhi esta foto [...] de uma trilha que fiz na Pedra da Boca com a turma do curso [...] pelo fato de minha vida nesse momento estar muito mais ligada ao curso e aos meus colegas de curso do que a qualquer outra coisa” (AMETISTA, 2009).

Esta é uma relação muito importante na autoterritorialidade, que é a ocorrência do fenômeno em um espaço-tempo autodelimitado. Isso fica evidente quando a participante define que, naquele momento, o território das suas vivências e emoções está ligado aos colegas de curso. Isso evidencia a flexibilidade e temporalidade da autoterritorialidade, que se centra no emocionar uma vez que, de acordo com Moraes (2004, p. 16) “todas as ações humanas estão fundadas no emocional, independente do espaço em que surgem”. Portanto, o local onde acontecem as interações emocionais e onde se instala o território das vivências ludopoiéticas e humanescentes, é delimitado pelo próprio sujeito e seu contexto vivencial, como se pode observar no depoimento a seguir sobre a representação de si no mundo: “representa meu lar – que é o local em que eu me sinto segura e feliz (coisas que eu considero em falta no mundo atual). Assim,

penso que se todos pudessem ter esse simples bem [...] haveria um mundo melhor e mais humano” (LEPIDOLITA, 2009).

Sobre a casa Bachelard (2003) revela que sua função primordial é abrigar e proteger, constituindo-se, na vida do homem, em um abrigo que cria em si uma esfera ordenada, um cosmos, onde não existe o caos e a desordem do mundo exterior. O autor afirma ainda que, ao se sentir bem e confortável no calor de sua casa, o homem será invadido pela felicidade do habitar, criando seu território existencial, acompanhado pelo sentimento completamente elementar de se sentir.

Muitas vezes o lócus físico do corpo é onde se configura a autoterritorialidade em suas diversas interações e é, também, onde ocorre mais intensamente o fenômeno da desterritorialização. O corpo se transforma fisicamente e emocionalmente pelas vivencialidades, onde a corporeidade aflora, expandindo o campo energético que se configura o viver bem. As mudanças emocionais se refletem no corpo, como afirmam Bertherat e Bernstein (2003, p. 3) “nosso corpo somos nós. Somos o que parecemos ser. Nosso modo de parecer é nosso modo de ser”. Esse fato pode ser observado no depoimento de Turmalina (2009) “Essa foto atualmente representa a mudança de uma menina sonhadora para uma mulher decidida que já sabe o que quer da vida e com a sensualidade aflorada”. A sensualidade aflora no momento em que ela se percebe mulher, quando sai do território da menina sonhadora e adentra o território da mulher decidida.

No espaço da caixa de areia, território onde se constroem os cenários, acontecem interações sensoriais que permitem que possamos ser remetidos a outros espaços e tempos, ao território das lembranças, onde as memórias estão localizadas, não estáticas ou congeladas, mas à espreita de um fio condutor para que retornem com força e, novamente, preencham nossa alma com os sentimentos que elas conduzem. São os territórios imaginários carregados de emoções e sentimentos, como afirma Bachelard (2003, p. 75): “o mundo real apaga-se de uma só vez, quando se vai viver na casa da lembrança”.