REVISTA
BRASILEIRA
DE
ANESTESIOLOGIA
PublicaçãoOficialdaSociedadeBrasileiradeAnestesiologia www.sba.com.brINFORMAC
¸ÃO
CLÍNICA
Bloqueio
intermitente
de
ramo
esquerdo
---
reversão
para
conduc
¸ão
normal
durante
anestesia
geral
Ana
Maria
Oliveira
Correia
da
Silva
∗e
Emília
Alexandra
Gaspar
Lima
da
Silva
CentroHospitalardeEntreoDouroeVouga,Servic¸odeAnestesiologia,SantaMariadaFeira,Portugal
Recebidoem3deagostode2016;aceitoem23denovembrode2016 DisponívelnaInternetem21dedezembrode2016
PALAVRAS-CHAVE Defeitosdaconduc¸ão cardíaca;
Arritmia;
Bloqueiocompleto deramoesquerdo; Anestesiageral
Resumo
Justificativaeobjetivos: Alterac¸õestransitóriasdaconduc¸ãocardíacanointraoperatóriosão
poucofrequentes.Foramreportadosraroscasosdedesenvolvimentoouremissãodebloqueio completo deramoesquerdosobanestesia (geralelocorregional), associadosaisquemiado miocárdio, hipertensão, taquicardiae fármacos. O bloqueiocompleto deramo esquerdo é uma manifestac¸ãoclínica importanteem algunshipertensos crônicos,podetambém signifi-cardoenc¸aarterialcoronária,doenc¸avalvularaórticaoucardiomiopatiasubjacentes.Embora habitualmente permanente,podeocorrernaformaintermitente dependente dafrequência cardíaca(quandoafrequênciacardíacaexcededeterminadovalorcrítico).
Relatodecaso:Este éum casode bloqueiocompleto deramo esquerdoregistradono
pré--operatório de cirurgia urgente que reverteupara conduc¸ão normal nointraoperatório sob anestesiageralapósdiminuic¸ãodafrequênciacardíaca.Ressurgiu,deformaintermitentee dependentedafrequênciacardíaca, nopós-operatórioimediato, acaboupor reverter nova-menteàconduc¸ãonormaldeformasustentadadurantevigilânciaemunidadesemi-intensiva. Oestudocommarcadoresdenecrosemuscularcardíacosfoinegativo.Adordoquadrocirúrgico urgenteepós-operatórioimediatopodeterestadonaorigemdasubidadafrequênciacardíaca atéaovalorcríticoecausadobloqueio.
Conclusões:Emboraodesenvolvimentoouaremissãodessebloqueiosobanestesiasejam
inco-muns,oanestesiologistadeveráestaralertadoparaapossibilidadedasuaocorrência.Podeter caráterbenigno,contudoodiagnósticocorretoémuitoimportante.Asmanifestac¸ões eletro-cardiográficaspodemserconfundidascomouencobririsquemiamiocárdica,fatosdeespecial importâncianumpacientesobanestesiageralincapazdereferirsintomatologiacaracterística deisquemia.
©2016SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Este ´eum artigoOpen Accesssobumalicenc¸aCCBY-NC-ND( http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:ana.maria.silva@sapo.pt(A.M.Silva). http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2016.11.002
KEYWORDS Cardiacconduction defects;
Arrhythmia;
Completeleftbundle branchblock; Generalanesthesia
Intermittentleftbundlebranchblock---reversaltonormalconductionduringgeneral anesthesia
Abstract
Backgroundandobjectives: Transientchangesinintraoperativecardiacconductionare
uncom-mon.Rarecasesofthedevelopmentorremissionofcompleteleftbundlebranchblockunder generalandlocoregionalanesthesiaassociatedwithmyocardialischemia,hypertension, tachy-cardia,anddrugshavebeenreported.Completeleftbundlebranchblockisanimportantclinical manifestationinsomechronichypertensivepatients,whichmayalsobeasignofcoronaryartery disease,aorticvalvedisease,orunderlyingcardiomyopathy.Althoughusuallypermanent,itcan occurintermittentlydependingonheartrate(whenheartrateexceedsacertaincriticalvalue).
Casereport: This is a case of complete left bundle branch block recorded in the
preope-rative period of urgent surgery that reverted to normal intraoperative conduction under generalanesthesiaafteradecreaseinheartrate.Itresurfaced,intermittentlyandina heart--rate-dependent manner, inthe earlypostoperative period, eventually reverting to normal conductioninasustainedmannerduringsemi-intensiveunitmonitoring.Thetesttoidentify markersofcardiacmusclenecrosiswasnegative.Painduetotheemergencysurgicalcondition andintheearlypostoperativeperiodmayhavebeenthecauseoftheincreaseinheartrateup tothecriticalvalue,causingblockage.
Conclusions: Although the development or remission of this blockade under anesthesia is
uncommon,theanesthesiologistshouldbealerttothepossibilityofitsoccurrence.Itmaybe benign;however,thecorrectdiagnosisisveryimportant.Theelectrocardiographic manifesta-tionsmaymaskorbeconfusedwithmyocardialischemia,factorsthatareespeciallyimportant inapatientundergeneralanesthesiaunabletoreportthecharacteristicsymptomsofischemia. ©2016SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.Publishedby ElsevierEditoraLtda.Thisisan openaccessarticleundertheCCBY-NC-NDlicense( http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/).
Introduc
¸ão
Odesenvolvimentoouaremissãodebloqueiocompletode
ramoesquerdoempacientessobanestesiasãoincomuns.1---4
Aformadebloqueiointermitentedependenteda
frequên-cia cardíaca pode ter um carácter benigno,5,6 contudo o
diagnóstico corretoé muitoimportante. Asmanifestac¸ões
eletrocardiográficaspodemserconfundidascomouencobrir
umaisquemiamiocárdica,5,7fatosdeespecialimportância
numpacientesobanestesiageralincapazdereferira
sinto-matologiacaracterísticadeisquemiamiocárdica.
Esteéumcasodebloqueiocompletoderamoesquerdo
pré-operatório que reverteu para conduc¸ão normal após
diminuic¸ão da frequência cardíaca no decorrer de uma
cirurgia sob anestesia geral e que ressurgiu, de forma
intermitenteedependentedafrequênciacardíaca,no
pós--operatórioimediato.
Caso
clínico
Uma paciente de 73 anos com suspeita de perfurac¸ão
iatrogênica do cólon sigmoide durante colonoscopia com
polipectomia foi proposta para laparotomia exploratória
urgente.A avaliac¸ão pré-anestésica revelouantecedentes
médicos de asma brônquica, hipertensão arterial,
diabe-tes melito tipo 2, gastrite, hérnia do hiato, obesidade e
síndromedepressiva.Osantecedentesanestésicosincluíam
anestesia geral para histerectomia e locorregional para
cirurgiadevarizes,semcomplicac¸õesconhecidas.Doexame
físicodestacava-seapenas quadrode dorabdominal,sem
sinaisdeirritac¸ãoperitoneal nemdisfunc¸õessignificativas deoutrosórgãosousistemas.Oestudolaboratorialmostrava leucocitose(21.100 mm3), semoutrasalterac¸ões,
notada-mentenohemograma, nasfunc¸õesrenalehepáticaouno
ionograma.A gasometria arterial não tinhaalterac¸ões. O
ECGmostravaritmosinusalcom82bpmepadrãocompatível
comBloqueioCompletodeRamoEsquerdo(BCRE)(fig.1).
Desdeaadmissãohospitalaratéaadmissãonasala
opera-tóriaapacientemanteve-sesemdortorácicaecomvalores
depressãoarterialedeFrequênciaCardíaca(FC)dentroda
normalidade.
Dados o carácter urgente da cirurgia e a
estabili-dadehemodinâmica, decidiu-senãoadiaro procedimento
cirúrgicoparaestudoadicionaldasalterac¸ões eletrocardio-gráficas.
Naadmissãoà salaoperatóriaa paciente apresentava:
pressãoarterial123/69mmHg,FC83bpm,saturac¸ão
peri-féricadeoxigênio96%eBCRE.Sobmonitorac¸ãostandardda
AmericanSocietyofAnesthesiology,foiefetuadainduc¸ãode anestesiageralcombólusdepropofol(2mg.kg−1)eperfusão deremifentanil(0,5g.kg−1duranteumminuto,seguidode
0,1g.kg−1.min−1)ebloqueioneuromuscularcomrocurônio
(0,6mg.kg−1), após a qual se procedeu à intubac¸ão
oro-traquealcomtubo 7,5mmde diâmetrointernocom cuff,
sem intercorrências. Seguiu-se episódio de broncospasmo
II I
III
aVR
aVL
aVF
V1
V2
V3
V4
V5
V6
Figura1 ECGde12derivac¸õespré-operatóriocompadrãocompatívelcomBCRE.
(40g) por câmara expansora. Na manutenc¸ão da
anes-tesia usou-se mistura de oxigênio, ar e sevoflurano (FiO2
35%,sevofluranoexpirado1,8%)eperfusãoderemifentanil
(0,1-0,2g.kg−1.min−1),aventilac¸ãofoicontrolada
meca-nicamente. Foi feita analgesia com 1g de paracetamol e
150mg de tramadolendovenosos e profilaxia antiemética
com4mgdedexametasonaendovenosa(nainduc¸ão)e4mg
deondansetronnofimdacirurgia.
Duranteointraoperatório,apóscercade30minutosde
anestesia,oBCREreverteuparaconduc¸ãonormal,alturaem
queaFCatingiu74bpmapósumareduc¸ãogradualeassim
se manteve durante as duas horas de cirurgia. A pressão
arterialmédiavariouentre73e80mmHgeaFCentre65e
74bpmduranteesseperíodo.Nofimdacirurgia,masainda
antesdareversãodaanestesia,fez-seECGde12derivac¸ões queconfirmouausênciadeBCRE(fig.2).
Apacientefoientãodespertada,reverteu-seobloqueio
neuromuscularcomsugamadex(200mg).
À chegada à Unidade de Recuperac¸ão Pós-Anestésica
a monitorac¸ão mostrava pressão arterial125/66mmHg;
FC86bpmeECGcompadrãodeBCRE,oqualsemantevede
formaintermitenteedependentedeFC≥75bpmaolongo
deduashorasdevigilância.Nesseperíodoforam
administra-dosdoisbólusde2mgdemorfinaendovenososparacontrole
dador.Duranteosperíodosdebloqueionãoseverificaram
alterac¸õesnapressãoarterial.
Apósavaliac¸ãoconjuntadoanestesiologistadaUnidade
de Recuperac¸ão Pós-Anestésica e do médico responsável
pelaUnidadeSemi-Intensiva,decidiu-seinternamentonessa
unidade para vigilância clínica, laboratorial e
eletrocar-diográfica. A paciente permaneceu assintomática do foro
cardíaco durante toda a estadanessa unidade,os
marca-doresdenecrosemuscularcardíacosforamnegativoseos
ECGsseriadosrevelaramausênciadebloqueio.Foiefetuada
avaliac¸ãopelo cardiologistade urgência, queestabeleceu
o diagnóstico de BCRE intermitente, sem necessidade de
cuidadosparticulares. Apaciente foi então levadapara o
internamento deCirurgia Geral e o restante período
pós--operatórionãorevelouquaisquerintercorrências.
Discussão
e
conclusões
Obloqueioderamocondutordireitoouesquerdoestá
rela-cionadocomocomprometimentodaconduc¸ãoeatrasoda
propagac¸ãodoimpulsoelétriconoramocorrespondentedo
FeixedeHis.8
II I
III
aVR
aVL
aVF
V1
V2
V3
V4
V5
V6
O bloqueio deramo podeocorrer em várias situac¸ões.
OBCREé umamanifestac¸ão clínicaimportante em alguns
hipertensoscrônicos,podetambémsignificardoenc¸a
arte-rial coronária, doenc¸a valvular aórtica ou cardiomiopatia
subjacentes.9 No adulto jovem é frequentemente um
achado benigno,6,10 mas no idoso pode representar uma
degenerac¸ão miocárdica progressiva que afeta o sistema
condutor.9 Atrasos na conduc¸ão intraventricular também
podemsercausadosporfatoresextrínsecosquediminuama
conduc¸ãocomoahipercalemiaoufármacos(antiarrítmicos,
antidepressivostricíclicosefenotiazídicos).
Ocomprometimentodaconduc¸ãonosramosdoFeixede
Hisétraduzidoemníveleletrocardiográficoporum
prolon-gamento dointervalo QRS (≥120ms nobloqueiode ramo
completo), o vetor QRS é dirigido para a região
miocár-dica em que a despolarizac¸ão se encontra atrasada.8 O
bloqueioderamoesquerdoalteraasfasesinicialetardiada despolarizac¸ão ventricular.A despolarizac¸ão septalocorre
anormalmente da direita para a esquerda e o vetor QRS
principalapresenta-sedirigidoparaaesquerdaeparatrás.8
Assim,oBCREgeranoECGcomplexosQSalargados
predo-minantemente negativos nas derivac¸ões precordiais
direi-tasecomplexosRinteiramentepositivos(ausênciadeondas
Q fisiológicas) na derivac¸ão V6.8 Além dessas alterac¸ões
dadespolarizac¸ão,o bloqueio tambémse caracteriza por
alterac¸õessecundáriasdarepolarizac¸ãoventricular.Embora nonívelcelularadespolarizac¸ãoearepolarizac¸ãocausem
deflec¸ões depolaridade oposta, em condic¸õesnormais, o
complexo QRS e a onda T têma mesma polaridade, uma
vezqueasondasdedespolarizac¸ãoederepolarizac¸ãotêm, pelomenosemparte,direc¸õesopostasnoníveldocorac¸ão.7
NoBCREassequênciasdedespolarizac¸ãoederepolarizac¸ão
estão alteradasdeforma queasduas ondastêmdirec¸ões
quase paralelas.7 Adicionalmente, o atraso na conduc¸ão
noramoesquerdoassociadoàsalterac¸õesnasequênciada
despolarizac¸ãoerepolarizac¸ãofazcomqueoperíodo
refra-táriodamaioriados miócitosnãoocorraem simultâneoe
permitequeadespolarizac¸ãoatrasadadaparedelateraldo
ventrículoesquerdoearepolarizac¸ãoprecocedoventrículo direitoocorramnomesmoperíodo.7NoECGessasalterac¸ões
manifestam-sepeladiscordânciadocomplexoQRSeondaT
(a ondaT tipicamente apresenta polaridade oposta à da
últimadeflec¸ão doQRS) e pelaelevac¸ão oudepressão do
segmentoST.7Essasalterac¸õessecundáriasdarepolarizac¸ão
causadaspeloBCREpodemserconfundidascomouencobrir
alterac¸õesprimárias darepolarizac¸ão como asdoEnfarte
AgudodoMiocárdio(EAM).5,7
Normalmenteobloqueioépermanente,maspode
ocor-rer nas formas transitória, quando reverte a conduc¸ão
normal mesmo que temporariamente, ou intermitente,
quando o bloqueio e a conduc¸ão normal são observados
num mesmo trac¸ado de ECG.1,3 Grande parte dos
doen-tes com bloqueio intermitenteacaba pordesenvolver um
bloqueio permanente.5,11 Acausa desse bloqueio
intermi-tentepodeserorgânicaoufuncional.Omecanismo exato
dobloqueiointermitentenãoestáclaramentedefinido,mas
parece resultar de interrupc¸ões anatômicas ou
fisiológi-cas numramocondutor, quer porhipertrofia oudilatac¸ão
ventricular,3,9 quer por depressão funcional ou
neurogê-nica,comousemlesõessubjacentesdotecidocondutor.3,9
A forma intermitente foi também associada a alguns
fármacos2,4,5etaquicardia.1
O bloqueio de ramo intermitente dependente da FC
é o mais comumente reportado. Relaciona-se com um
defeito na conduc¸ão intraventricular que ocorre apenas
quando a FC excede um determinado valor crítico, valor
esse que se encontra habitualmente dentro dos valores
‘‘fisiológicos’’.5,12 O aumento da FC e a diminuic¸ão do
intervaloRRpodemfazercomque impulsoselétricos
des-cendentesencontrem um dos ramos condutores ainda no
seu período refratário e originem o bloqueio.9 Esse
per-siste até que a FC seja mais lenta do que aquela crítica
causadora do bloqueio, o intervalo RR em que ocorre o
bloqueio é 80-170 ms mais curto do que aquele em que
a conduc¸ão retorna à normalidade (zone of linking).5 A
transic¸ão de conduc¸ão normal para bloqueio de ramo é
súbitaepodeocorrermesmocomvariac¸õesdeFCde
ape-nas 1 ou 2bpm5,9 e o valor crítico está dependente da
velocidadedevariac¸ãodaFC:acelerac¸õesrápidascausam
bloqueiocom FCmaisbaixas,desacelerac¸õesrápidas
cau-samreversãocomFCmaisaltas.5,9Estudoseletrofisiológicos
mostraramqueascélulasdosramoscondutoresde
pacien-tescom BCREdependentedaFC têmperíodos refratários
prolongados.5ComFCmaisaltas,oseupotencialde
mem-brana não diminui normalmente e a hipopolarizac¸ão que
apresentamcondicionaumatraso daconduc¸ãodoimpulso
elétrico.5
Alterac¸õestransitóriasdaconduc¸ãocardíaca duranteo
intraoperatório são incomuns.1---4 Foram reportados raros
casosdedesenvolvimentoouremissãodeBCREsobanestesia
(geralelocorregional), osquais foramassociadosa
isque-miadomiocárdio,hipertensão,taquicardia,variac¸õesdaFC
semtaquicardiaefármacos(lidocaína,trimetafano,lítioe
atropina).1,2,4,5,9Emcertoscasosnãofoipossívelidentificar
acausadobloqueiointermitente.3
Adoragudaoriginaumarespostaneuroendócrinatípica,
proporcional à sua intensidade, mediada pelos sistemas
endócrinoe nervoso simpático,tem como principais
efei-tos cardiovasculares a vasoconstric¸ão generalizada com
aumentodaresistênciavascularperiféricaeoaumentoda
contratilidadeedafrequênciacardíacas.
Nocasodescrito, apaciente,embora nãoapresentasse
históriaconhecidadedoenc¸aarterialcoronária,doenc¸a
val-vularaórticaoucardiomiopatia,referiacomoumdosseus
antecedentesumahipertensãoarterialcomváriosanosde
evoluc¸ão.Dada a dorabdominalaguda intensaprovocada
peloquadro deperfurac¸ãode víscera ocaque a paciente
apresentava pré-operatoriamente, bem como uma dordo
pós-operatórioimediatoinicialmentededifícilcontrole,é
provávelqueosvaloresdeFCmedidos,emboradentrode
valores normais, se situassem acima do seu valor basal.
Nointraoperatório, adiminuic¸ão dotónussimpáticopelos
fármacosanalgésicos eanestésicos fezdiminuir osvalores
de FC, os quais se mantiveram entre 65 e 74bpm,
pos-sivelmente para um valor semelhante ou mesmo menor
do que o basal da paciente. Na Unidade Semi-Intensiva,
a dor pós-operatória estava já controlada e a FC
esta-ria provavelmente perto dos valores basais da paciente.
Assim,colocamosahipótesedeaFCpoderterestado
inter-mitentemente acima da FC crítica (75bpm) da paciente
capazde desencadear umBCRE num corac¸ão com
prová-veis alterac¸ões causadas pela diabetes e hipertensão. A
investigac¸ão cardiológica feita não demonstrou condic¸ão
Pensamos, portanto, estar perante um caso de BCRE
intermitentedependentedaFC,combloqueiopresenteno
préepós-operatórioimediatoeconduc¸ãonormalno
intra-operatório.
EmborafrequentementeassociadoaEAM,certosestudos
apontam para um carácter benigno desse tipo de
blo-queio,nãoassociadoaisquemianemalterac¸õesdafunc¸ão ventricular.5 No entanto, as alterac¸ões
eletrocardiográfi-cas de ST-T associadas ao BCRE podem ser confundidas
com ou encobrir alterac¸ões devidas a EAM,5 uma vez
que a interpretac¸ão eletrocardiográfica do gradiente de
repolarizac¸ãoentremiocárdionormaleanormalmente
per-fundidoéa baseparao diagnósticoEAM.7 Esseé umfato
especialmente importante para o paciente sob anestesia
geral,umavezqueseencontraincapazdereferir
sintoma-tologiacaracterísticadeisquemiamiocárdica.Odiagnóstico
de EAM nesse contexto, embora desafiante, é possível.
Atualmente,osinaleletrocardiográficomaisprecisoe
con-fiável para o diagnóstico de EAM na presenc¸a de BCRE
é o desnivelamento do segmento ST, o qual, representa
o somatóriodas alterac¸ões de repolarizac¸ão primárias do
enfarteàssecundárias ao bloqueio.7 Em 1996 Sgarbossa13
descreveuumsistemadepontuac¸ãovalidadoparao
diag-nósticoeletrocardiográficodeEAMempacientescomBCRE.
O diagnóstico é considerado positivo se forem atingidos
3pontosbaseadosnostrêscritériosseguintes:elevac¸ãode
pelomenos1mmdosegmentoSTnumaderivac¸ãocom
com-plexoQRSe ondaTconcordantes (5pontos);depressãode
pelomenos1mmdosegmentoSTnasderivac¸õesV1,V2ou
V3(3pontos);elevac¸ão depelomenos5mmdosegmento
STnumaderivac¸ãocomcomplexoQRSeondaT
discordan-tes(2pontos).13Em2012Smithetal.14desenvolveramuma
modificac¸ãoaoscritériosdeSgarbossa,baseadanoratiodo
desviodosegmentoSTcomamplitudedaondaSouR
dis-cordante.OsistemadeSgarbossaéaltamentepreditivode
EAMnapresenc¸adeBCRE.Oscritériosmodificadosparecem
seruteisnodiagnóstico,contudoocálculomanualdeST/S
ouST/Rémoroso.7
OBCREdependentedaFCtambémjáfoiconfundidocom
taquicardiaventricularlentaeinapropriadamentetratado.1
Assim, o diagnóstico correto dessa alterac¸ão particular
daconduc¸ãocardíacaassumeespecialimportância.Foram
descritasmanobrasfeitasnointraoperatórioque,ao
desen-cadearouinterrompero bloqueioatravésdaalterac¸ão da
FC(valsalva,massagem carotídea, administrac¸ãode
atro-pina,neostigminaoupropranolol),auxiliaramodiagnóstico
de BCRE dependente de FC.5 As manobras provocativas
devem, no entanto, ser usadas com cuidado em
pacien-tescomdoenc¸acardiovascular,cerebrovascularoudonodo
aurículo-ventricular.
Emboraodesenvolvimentoouaremissãodessebloqueio
sob anestesia sejam incomuns, o anestesiologista deverá
estaralertadoparaapossibilidadedasuaocorrência.Além
do recurso aos critérios de Sgarbossa e/ou das manobras
acima descritas, aconselha-se a feitura de estudo Holter
apósacirurgia.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
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