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Livro Proprietário - Redação Instrumental

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Academic year: 2021

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autoras do original

MARIA TEREZA DE MOURA LEITE

VALQUÍRIA DA CUNHA PALADINO

1ª edição SESES

rio de janeiro 2016

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Conselho editorial rafael m.iório filho, camille guimarães, roberto paes, gladis linhares

Autoras do original tereza moura, valquiria paladino, Projeto editorial roberto paes

Coordenação de produção gladis linhares Projeto gráfico paulo vitor bastos

Diagramação bfs media Revisão linguística bfs media

Revisão de conteúdo camille guimarães

Imagem de capa robyn mackenzie | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2016.

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Sumário

Prefácio 5

1. Narrativa Jurídica

7

1.1 Narração 10

1.1.1 Narrativa Jurídica e seus Elementos Constitutivos:

O Quê? Quem? Como? Onde? Quando? Por quê? 15

1.1.2 Narrativa Jurídica: Raciocínio lógico na seleção e

organização dos fatos. 21

1.1.3 Narrativa Jurídica: Ordem Linear ou Cronológica 22

1.2 Aspectos Linguísticos: Narrativa Jurídica 24

1.2.1 Modos de Narrar o Texto Jurídico: Discurso Direto e Indireto 25 1.2.2 Passagem do Discurso Direto para Discurso Indireto 27

1.2.3 Função dos Tempos Verbais: Narrativa Jurídica 29

1.2.4 Paráfrase: Discurso Indireto 35

1.2.5 Polifonia: Discurso Jurídico 37

2. Narrativa dos Fatos e Construção de Versões

49

2.1 Construção: Fatos e Versões 51

2.2 Descrição a Serviço da Narrativa: Circunstâncias do Fato 54

2.3 Modalização da Linguagem: Seleção Vocabular 59

2.4 Narrativa a Serviço da Argumentação: Função Persuasiva 63

2.5 Disposição da Narrativa Jurídica: Petição Inicial 66

3. Argumentação Jurídica 3

81

3.1 Características: Argumentação Jurídica 83

3.2 Tese e Argumentos: Argumentação Jurídica 89

(5)

3.4 Planejamento: Argumentação Jurídica 97 3.5 Operadores ou Conectores Argumentativo –

Discursivos: Argumentação 100

3.6 Tipos de Argumentos 109

3.6.1 Argumento por Vínculo Causal ou Causa e Consequência 110 3.6.2 Argumento de Concessão: Coordenativo e Subordinativo 112

3.6.3 Argumento de Autoridade 114

3.6.4 Argumento de Prova 115

3.6.5 Argumento a Simili ou por Analogia 117

3.6.6 Argumento a Fortiori 118

3.6.7 Argumento a Contrario Sensu 119

3.6.8 Argumento por Senso Comum 120

3.6.9 Argumento por Modelo 121

3.6.10 Argumento por Antimodelo 122

3.6.11 Argumento Pelo Absurdo e Pelo Ridículo 123

3.7 Discurso Jurídico: Descritivo, Valorativo e Normativo 125 3.7.1 Silogismo Retórico ou Entimema: Raciocínio Indutivo e Retórico 128 3.8 Raciocínios: Dedutivo, Indutivo, Dialético (Ou Jurídico) 131

3.9 Lógica Jurídica: Lógica dos Juízos de Valor 137

3.9.1 Nascimento da Retórica 142

3.9.2 Retórica Aristotélica 144

3.9.3 Algumas questões teóricas da argumentação

de Chaim Perelman 147

3.9.4 Auditório Como Construção do Orador 154

(6)

5

Prefácio

Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que haviam se zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por que haviam se zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso dessa dupla existência da verdade.

Fernando Pessoa

Prezados(as) alunos(as),

A narrativa jurídica é o relato de todos os fatos importantes, que auxiliam na compreensão do caso concreto e dos relevantes juridicamente, porque deles advêm consequências jurídicas, por isso a seleção dos fatos é de fundamental relevância no discurso jurídico, uma vez que esses fatos selecionados que se transformarão em argumentos na argumentação jurídica (ou fundamentos ju-rídicos do pedido).

Além da importância da narrativa jurídica, é sabido que a prática do Direito se torna bem realizada à medida que se tem em mãos, o poderoso instrumento da argumentação. Nosso cotidiano forense é repleto de situações que confir-mam essa hipótese. Daqueles que narram e expõem os seus pedidos judicial-mente, por escrito ou oraljudicial-mente, da defesa ou acusação nos tribunais do júri, da atuação do magistrado ao fundamentar sua decisão.

Como se vê, a prática do Direito consiste não só em narrar, mas também em argumentar. A prática forense do advogado segue sempre estes três pilares: narrar, argumentar e pesquisar embasamento legal no ordenamento jurídico para a sustentação do pedido a ser apreciado pelo judiciário.

Para um estudo do tema, torna-se importante também apresentar os ele-mentos da argumentação, visualizados nos conceitos de orador, discurso (argu-mentação) e auditório, que são, inclusive, pressupostos para o entendimento da Nova Retórica, do filósofo-jurista Chaim Perelman.

(7)

O conceito perelmaniano de auditório universal é imprescindível para o de-senvolvimento da argumentação, bem como para a definição das estratégias argumentativas pautadas na persuasão.

Essas estratégias, em razão de sua importância, serão objeto de uma discus-são, tendo em vista a ligação intrínseca que possuem com os auditórios a que são direcionadas.

E esses, portanto, serão os temas principais deste livro Redação Instrumental: Narrativa Jurídica e Argumentação Jurídica: o narrar para expor os fatos e o narrar para argumentar, de modo a fornecer o conhecimento básico sobre a argumentação jurídica, permitindo aumentar a capacidade de persua-são do aluno, futuro advogado.

Por fim, o livro Redação Instrumental oferece as ferramentas necessárias para quem está ingressando no mundo forense e quer entender a narrativa jurí-dica, a argumentação jurídica e a produzir textos jurídicos mais claros, coeren-tes e persuasivos, porque trata desses assuntos de maneira segura, clara, coesa e extremamente didática, tornando os temas bem prazerosos e acessíveis ao aluno do Direito.

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Narrativa Jurídica

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O capítulo 1 procura fazer uma abordagem teórica da narrativa jurídica, com o objetivo de ressaltar a importância que a seleção dos fatos ostenta tanto para uma boa produção da narrativa jurídica como para uma melhor argumentação, além de trabalhar com os aspectos linguísticos fundamentais para a produção de uma narrativa jurídica com qualidade e consistência.

Mostrar que até um texto produzido com o objetivo informativo, como exemplo, a narrativa jurídica, revela intencionalidades discursivas por parte do advogado quando escolhe certa maneira de relatar fatos, certos usos de estrutu-ras sintáticas, ou seleção de palavestrutu-ras que revelam o seu posicionamento e que dá uma feição ao que é dito diferentemente do que se outra pessoa o fizesse. Tal fato não pode, em momento algum, ser desconsiderado e, por isso, Ducrot (1987), em vários de seus textos, aborda a ideia de que argumentar seria a essên-cia de todos os tipos de discursos produzidos.

Enfatiza-se neste capítulo, no entanto, que as partes (acusação e defesa) têm inteira liberdade de interpretar fatos e provas e de tirar as conclusões que entenderem; o que não podem é falsear a “verdade”, narrando o que não acon-teceu ou o que não foi dito ou relatado pelas partes, respeitando-se sempre a lealdade processual.

Neste capítulo são citados também alguns casos concretos, cujo objetivo é demonstrar que a ideia aqui defendida é de enorme importância não só teórica, mas também para a prática jurídica futuramente.

Ao final, tem-se a parte prática com o objetivo de fixar os conteúdos traba-lhados e para melhor aprimoramento da produção escrita da narrativa jurídica.

OBJETIVOS

•  Compreender o conceito de narrativa jurídica.

•  Identificar os elementos que compõem a narrativa jurídica. •  Reconhecer as etapas/estágios do processo narrativo.

•  Selecionar os fatos relevantes e os juridicamente relevantes em busca de clareza textual. •  Ordenar os fatos cronologicamente, segundo a sua ocorrência na linha do tempo. •  Compreender a importância da seleção vocabular e da sua intencionalidade na elaboração da narrativa.

(10)

capítulo 1

 •

9

•  Compreender que o tempo verbal informa, de uma maneira geral, se o verbo expressa algo que já aconteceu, que acontece no momento da fala ou que ainda irá acontecer.

(11)

1.1 Narração

Othon Garcia (2012) define narrativa como o relato de um episódio real ou fic-tício que implica interferência de elementos, como: fato ou ação [o quê]; perso-nagens [quem]; o modo como a ação/fato é desenvolvido [como]; o momento em que o fato ocorreu [quando]; o lugar do ocorrido [onde]; o motivo do acon-tecimento [por quê]; e o resultado da ação [por isso].

No entanto, de acordo com Garcia (2012), nem sempre todos esses elemen-tos estão presentes na narrativa, mas, segundo ele, os elemenelemen-tos indispensá-veis para que haja narração são quem e o quê. O autor informa, ainda, que a narração gira em torno do fato, isto é, de “qualquer acontecimento de que o homem participe direta ou indiretamente” (GARCIA, 2012, p. 254).

Garcia (2012, p.254) explica ainda que há três ou quatro estágios progressi-vos no enredo. O primeiro é a exposição, na qual o narrador explica certas cir-cunstâncias da história, situando o fato em época e ambiência, e onde se faz a apresentação/introdução de algumas personagens. O segundo estágio é a com-plicação – fase em que o conflito é iniciado. Logo após aponta o clímax (ápice da história) como fator progressivo da narração. Finalmente, o quarto estágio é o desfecho/desenlace, no qual se dá a solução do conflito.

Leia, agora, o conto “A moça Tecelã”, de Marina Colasanti e perceba como a narrativa literária é construída, apresentando os quatro estágios ensinados por Garcia (2003), para depois dessa análise, ser iniciado o estudo da narrativa jurídica, que muito se assemelha àquela:

Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol chegando atrás das beiradas da noite. E logo sentava-se ao tear.

Linha clara, para começar o dia. Delicado traço cor da luz, que ela ia passando entre os fios estendidos, enquanto lá fora a claridade da manhã desenhava o horizonte. Depois lãs mais vivas, quentes lãs iam tecendo hora a hora, um longo tapete que nunca acabava.

Se era forte demais o sol, e no jardim pendiam as pétalas, a moça colocava na lançadei-ra grossos fios cinzentos do algodão mais felpudo. Em breve, na penumblançadei-ra tlançadei-razida pelas nuvens, escolhia um fio de prata, que em pontos longos rebordava sobre o tecido.

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capítulo 1

 •

11

Mas se durante muitos dias o vento e o frio brigavam com as folhas e espantavam os pássaros, bastava a moça tecer com seus belos fios dourados, para que o sol voltasse a acalmar a natureza.

Assim, jogando a lançadeira de um lado para outro e batendo os grandes pentes do tear para frente e para trás, a moça passava os seus dias.

Nada lhe faltava. Na hora da fome tecia um lindo peixe, com cuidado de escamas. E eis que o peixe estava na mesa, pronto para ser comido. Se sede vinha, suave era a lã cor deleite que entremeava o tapete. E à noite, depois de lançar seu fio de escuridão, dormia tranquila.

Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado.

Não esperou o dia seguinte. Com capricho de quem tenta uma coisa nunca conhe-cida, começou a entremear no tapete as lãs e as cores que lhe dariam companhia. E aos pouco seu desejo foi aparecendo, chapéu emplumado, rosto barbado, corpo aprumado, sapato engraxado. Estava justamente acabando de entremear o último fio da ponta dos sapatos, quando bateram à porta.

Nem precisou abrir. O moço meteu a mão na maçaneta, tirou o chapéu de pluma, e foi entrando em sua vida.

Aquela noite, deitada no ombro dele, a moça pensou nos lindos filhos que teceria para aumentar ainda mais a sua felicidade.

E feliz foi, durante algum tempo. Mas se o homem tinha pensado em filhos, logo os esqueceu. Porque tinha descoberto o poder do tear, em nada mais pensou a não ser nas coisas todas que ele poderia lhe dar.

— Uma casa melhor é necessária — disse para a mulher. E parecia justo, agora que eram dois. Exigiu que escolhesse as mais belas lãs cor de tijolo, fios verdes para os batentes, e pressa para a casa acontecer.

Mas pronta a casa, já não lhe pareceu suficiente.

— Para que ter casa, se podemos ter palácio? — perguntou. Sem querer resposta, imediatamente ordenou que fosse de pedra com arremates em prata.

Dias e dias, semanas e meses trabalhou a moça tecendo tetos e portas, e pátios e escadas, e salas e poços. A neve caía lá fora, e ela não tinha tempo para chamar o sol. A noite chegava, e ela não tinha tempo para arrematar o dia. Tecia e entristecia, enquanto sem parar batiam os pentes acompanhando o ritmo da lançadeira.

(13)

Afinal o palácio ficou pronto. E entre tantos cômodos, o marido escolheu para ela e seu tear o mais alto quarto da mais alta torre.

— É para que ninguém saiba do tapete — ele disse. E antes de trancar a porta à cha-ve, advertiu: — Faltam as estrebarias. E não se esqueça dos cavalos!

Sem descanso tecia a mulher os caprichos do marido, enchendo o palácio de luxos, os cofres de moedas, as salas de criados. Tecer era tudo o que fazia. Tecer era tudo o que queria fazer.

E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. E pela primeira vez pensou em como seria bom estar sozinha de novo.

Só esperou anoitecer. Levantou-se enquanto o marido dormia sonhando com novas exigências. E descalça, para não fazer barulho, subiu a longa escada da torre, sentou-se ao tear.

Desta vez não precisou escolher linha nenhuma. Segurou a lançadeira ao contrário, e jogando-a veloz de um lado para o outro, começou a desfazer seu tecido. Desteceu os cavalos, as carruagens, as estrebarias, os jardins. Depois desteceu os criados e o palácio e todas as maravilhas que continha. E novamente se viu na sua casa pequena e sorriu para o jardim além da janela.

A noite acabava quando o marido, estranhando a cama dura, acordou, e, espantado, olhou em volta. Não teve tempo de se levantar. Ela já desfazia o desenho escuro dos sapatos, e ele viu seus pés desaparecendo, sumindo as pernas. Rápido, o nada subiu-lhe pelo corpo, tomou o peito aprumado, o emplumado chapéu.

Então, como se ouvisse a chegada do sol, a moça escolheu uma linha clara. E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.

COLASANTI, Marina. Doze reis e a moça no labirinto do vento. Ilustração, Ana Peluso. Global: Rio de Janeiro, 2000.

EXPOSIÇÃO OU

APRESENTAÇÃO

“Acordava ainda no escuro, como se ouvisse o sol che-gando atrás das beiradas da noite.” até “Tecer era tudo o que queria fazer.”

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capítulo 1

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13

COMPLICAÇÃO

“Mas tecendo e tecendo, ela própria trouxe o tempo em que se sentiu sozinha, e pela primeira vez pensou em como seria bom ter um marido ao lado. ” até “Tecer era tudo o que queria fazer.”

CLÍMAX

“E tecendo, ela própria trouxe o tempo em que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros. ” até “E pela primeira vez pensou em que como seria bom estar sozinha de novo.”

DESFECHO

“Só esperou anoitecer. ” até “E foi passando-a devagar entre os fios, delicado traço de luz, que a manhã repetiu na linha do horizonte.”

Leia, agora, o poema narrativo de Manuel Bandeira e perceba mais uma vez como a Literatura pode auxiliar na compreensão do Direito, proporcionando resultados mais satisfatórios na compreensão do fenômeno jurídico.

Tragédia Brasileira

Misael, funcionário da Fazenda, com 63 anos de idade,

conheceu Maria Elvira na Lapa, - prostituída, com sífilis, dermite nos dedos, uma alian-ça empenhada e os dentes em petição de miséria.

Misael tirou Maria Elvira da vida, instalou-a num sobrado no Estácio, pagou médico, dentista, manicura... dava tudo quanto ela queria.

Quando Maria Elvira se apanhou de boca bonita, arranjou logo um namorado. Misael não queria escândalo. Podia dar uma surra, um tiro, uma facada. Não fez nada disso: mudou de casa.

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Viveram três anos assim.

Toda vez que Maria Elvira arranjava namorado, Misael mudava de casa.

Os amantes moraram no Estácio, Rocha, Catete, Rua General Pedra, Olaria, Ramos, Bonsucesso, Vila Isabel, Rua Marquês de Sapucaí, Niterói, Encantado, Rua Clapp, outra vez no Estácio, Todos os Santos, Catumbi, Lavradio, Boca do Mato, Inválidos... Por fim na Rua da Constituição, onde Misael, privado de sentidos e de inteligência, matou-a com seis tiros, e a polícia foi encontrá-la caída em decúbito dorsal, vestida de organdi azul.

Como se nota, toda narração transmite uma história que, organizada em um enredo, evolui no tempo e no espaço. Os acontecimentos de uma narrativa se organizam em uma linha temporal. Logo, ao se ler o poema do poeta Bandeira, embora feito em versos, vê-se que se trata de um poema narrativo, por possuir todos os elementos da narrativa, como: enredo, personagens, espaço, tempo. O poema responde às seguintes perguntas essenciais da narrativa:

•  O quê? Romance conturbado, que resulta em crime passional. •  Quem? Misael e Maria Elvira.

•  Como? O envolvimento de um homem de 63 anos com uma prostituta. •  Onde? Lapa, Estácio, Rocha, Catete e vários outros lugares.

•  Quando? Duração do relacionamento: três anos. •  Por quê? Promiscuidade de Maria Elvira.

Em síntese, o poema narrativo relata um assassinato e suas causas e as per-sonagens dessa Tragédia Brasileira têm nome e características sociais bem de-finidas, a saber: personagem de classe média, Misael, e de classe baixa, Maria Elvira, apresentando todos os elementos da narrativa jurídica.

Por fim, a definição de narrativa é sintetizada por Garcia da seguinte forma: “toda narrativa consiste em uma sequência de fatos, ações ou situações que, en-volvendo participação de personagens, se desenrolam em determinado lugar e momento, durante certo tempo” (GARCIA, 2012, p. 258). E é a partir desse con-ceito clássico que será desenhada uma teoria para a Narrativa Jurídica, tema

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capítulo 1

 •

15

MULTIMÍDIA

Filme: Narradores de Javé

O filme brasileiro intitulado “Narradores de Javé” foi produzido em 2001 e foi dirigido por Eliane Caffé. Rodado no interior baiano, na cidade de Gameleiro da Lapa, o longa-metragem narra a história de um distante vilarejo chamado Javé que estava prestes a ser destruído por causa da construção de uma Usina Hidrelétrica. Seus habitantes, ao saberem da notícia, logo procuraram uma alternativa para que a pequena vila não fosse destruída.

LEITURA

DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Ronald Dworkin em um os capítulos do seu livro intitulado “De que maneira o Direito se assemelha à Literatura (2005)” desenvolve a sua metáfora do romance em cadeia como uma forma de se analisar o Direito. Imagina que um número de romancistas ficaria incumbido de escrever um livro. Mediante um jogo de dados, estabelecer-se-ia a ordem de cada um. O primeiro começa o romance com as informações que possui, quais sejam, a tarefa de iniciar uma obra e que, posteriormente, será entregue a outro para que este a continue. A partir do segundo, cada romancista, além de se responsabilizar pela criação de seu capítulo, precisará interpretar o anterior para que o romance tenha certa integridade. Ou melhor, para que cada capítulo esteja integrado aos demais e a obra não se torne, por exemplo, um livro de contos (DWORKIN, 2005, p. 237).

1.1.1 Narrativa Jurídica e seus Elementos Constitutivos: O Quê?

Quem? Como? Onde? Quando? Por quê?

Toda narrativa refaz os fatos a partir do ponto de vista do autor. Uma das carac-terísticas da “verdade” jurídica é construir uma narrativa dos fatos, que podem ser descritos, por exemplo, por um tipo penal – da infração penal – que nada mais é do que a descrição do crime. Para construir a verdade de que determina-do fato é crime, o caso passa por uma transformação progressiva, daquilo que no início era uma "trama de vida" para um "fato jurídico".

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O tempo e narrativa encontram-se imbricados, pois tudo aquilo que pode ser contado em forma de histórias sucede-se no tempo, arraiga-se no próprio tempo, desenvolve-se temporalmente; e o que se desenvolve temporalmente pode ser narrado.

Assim, ao se contar uma história, reordena-se o tempo, articulam-se os eventos em uma sucessão, dando contorno ao vivido de forma a garantir que o narrador se identifique ao contá-la e que o leitor se reconheça ao interpretá-la.

Não é sem propósito que a narrativa rearticula, no presente, as imagens do passado de modo que possam impulsionar e guiar nossa ação na construção do futuro.

Nesse contexto, a narrativa só poderá ser entendida como a arte de tecer in-trigas (enredo), o que significa dizer que contar uma história é “agenciar fatos”, compondo junto o que está separado. “Agenciar fatos” é organizar sucessiva-mente os eventos da experiência temporal humana de forma a dar sequência à história e, por isso, fazer surgir o tempo.

Pois bem, na Petição Inicial, por exemplo, a narrativa jurídica não poderia fugir ao que já foi posto, e é produzida no elemento denominado DOS FATOS, iniciando-se sempre pelo autor dessa peça processual, fazendo-se uso do pa-drão culto da língua portuguesa.

A narrativa jurídica tem como ponto de partida a narração dos fatos que ge-raram a situação fática, começando sempre pela causa de pedir mais remota (origem do negócio jurídico/relação com Direito material) e terminando com a causa de pedir próxima (descumprimento da obrigação pelo réu), indicando o porquê de seu pedido.

Sendo assim, o advogado do autor deverá narrar e descrever, primeiramen-te, os fatos que originaram o seu direito (causa de pedir remota/ nascimento do Direito material). Exemplo:

“O autor celebrou contrato de locação com o réu, em 29 de setembro de 2014, por prazo indeterminado, do imóvel localizado na Rua Francisco Rocha, nº 49, em Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro, pagando aluguel de R$2000,00 (dois mil reais) com vencimento todo dia 20 de cada mês (doc.1). ”

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capítulo 1

 •

17

Em seguida, o advogado deverá narrar que houve violação ou ameaça de violação ao direito do autor (causa de pedir próxima), descrevendo os fatos e encerrando a sua narrativa jurídica. Exemplo:

“O réu deixou de pagar os aluguéis dos meses de abril, maio e junho de 2015, perfazen-do o total de R$ 6.000,00 (seis mil reais), conforme demonstrativo em anexo (perfazen-doc.2).”

Nos parágrafos apresentados, podem ser destacados os seguintes elemen-tos da narrativa, tão essenciais ao contexto jurídico ou ao mundo real:

•  O quê? Contrato de locação

•  Quem? Partes processuais: Autor Réu

•  Como? Modo como os fatos aconteceram: narrativa propriamente dita •  Onde? Angra dos Reis, Estado do Rio de Janeiro

•  Quando? 29 de setembro de 2014 •  Por quê? Inadimplência do réu

Verifique, mais uma vez, o movimento do raciocínio lógico cronológico a ser apresentado quanto ao ato de narrar, orientando-se pelo que já foi posto: partindo-se primeiramente da causa remota (nascimento o Direito com a reali-zação do contrato - direito de crédito) em direção/fechamento à causa de pedir próxima (Inadimplência e violação de direito patrimonial do credor):

O credor é titular de um direito de crédito em face do devedor. O contrato foi feito e pactuado entre as partes: o credor teria direito ao pagamento de R$ 1.000,00 (mil) reais, em 7 de outubro de 2015 (dia do vencimento).

O contrato foi firmado, em 7 de outubro de 2014, e o credor já dispõe do crédito no dia do vencimento, mas o devedor nega-se a cumprir a sua obrigação.

Contata-se que o direito de crédito nasceu com a realização do contrato, em 7 de outubro de 2014 (causa remota). No dia do vencimento, em outubro de 2015, o devedor negou-se a cumprir a sua obrigação. Tornou-se, portanto, ina-dimplente, violando o direito patrimonial do credor de obter a satisfação do seu crédito (causa de pedir próxima).

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Neste exato momento, por conseguinte, violado o direito, surge para o cre-dor a legítima pretensão de poder exigir, judicialmente, que o devecre-dor cumpra a prestação assumida (pedido).

O advogado não pode se esquecer de que da narrativa lógica dos fatos que advém a conclusão, ou seja, dos fatos narrados decorre logicamente o pedido.

Leia a narrativa jurídica a seguir (OAB-FGV-2014) para melhor compreensão de suas características estruturais ou metodologia:

O autor comprou um aparelho de ar condicionado fabricado pela ré “G” S. A., empresa sediada no Rio de Janeiro, em função da chegada do verão, em15 de janeiro de 2015. Contudo o referido produto, apesar de devidamente entregue, desde o momento de sua instalação, passou a apresentar problemas, desarmando e não refrigerando o ambiente.

Em virtude dos problemas apresentados, o autor entrou em contato com o fornecedor, em 25 de janeiro de 2013, que prestou devidamente o serviço de assistência técnica. Nessa oportunidade, foi trocado o termostato do aparelho; todavia, apesar disso, o problema persistiu, razão pela qual o autor, por diversas outras vezes, entrou em con-tato com a ré “G” S. A. a fim de tentar resolver a questão amigavelmente.

Porém, tendo transcorrido o prazo de 30 (trinta) dias sem a resolução do defeito pelo fornecedor, o autor requereu a substituição do produto; mas, para a surpresa do autor, a empresa negou a substituição do aparelho, afirmando que enviaria um novo técnico à sua residência para analisar novamente o produto.

A assistência técnica informou ao autor, ainda, que a troca do produto só poderia ser realizada após 15 (quinze) dias, devido à grande quantidade de demandas naquela empresa no período do verão.

Note-se que, no corpo da narrativa jurídica, basta identificar as partes como autor e réu, não havendo, pois, necessidade de escrever os seus nomes e pre-nomes, pois já constam do início da Petição Inicial no elemento chamado Qualificação das Partes.

A narrativa jurídica deve ser clara em relação ao pedido e a causa de pedir, pois, somente, assim, o réu terá condições de compreender qual é a exata

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pre-capítulo 1

 •

19

Muitos fatos importantes constantes da narrativa têm pouca importância jurídica, mas lá estão para fornecer um contexto aos fatos jurídicos mais rele-vantes, pois sem aqueles o restante não faria sentido. É preciso, então, distin-guir fato importante de fato jurídico: fato jurídico são os fatos fundamentais dos quais decorre o direito de que pensa ter o autor; importante são os fatos secundários que compõem o fato jurídico ou que auxiliam na comprovação da sua existência, propiciando maior clareza à situação fática.

Na narrativa jurídica é de grande importância a seleção dos fatos e a orde-nação do tempo, antes de eles serem narrados; lembrando-se sempre de que a narração dos fatos deve ser concisa e eficaz, seguir sempre a ordem linear ou cronológica (= calendário, relógio), deter-se apenas no essencial, em um racio-cínio lógico, coeso e coerente.

A narrativa dos fatos tem o conteúdo informativo porque assume a função de esclarecer uma situação sobre a qual ainda se vai tirar o processo argumen-tativo, mas é certo que esse conteúdo informativo não é imparcial, porque está contaminado pela constante vontade do representante legal da parte (advoga-do) de persuadir; razão por que traz sempre um ponto de vista implícito no ato de narrar que será a baliza de sustentação dos fundamentos jurídicos do pedi-do, daí afirmar-se que a narrativa jurídica é sempre marcada pela parcialidade de ambas as partes nestas peças: Petição Inicial, Contestação, Queixa-Crime, dentre outras similares.

A narrativa jurídica tem estrutura que oscila entre a narração e a descrição, por narrar e descrever os fatos, conforme apresentados pela parte, ou seja, aqui-lo que é significativo para o mundo jurídico e que merece análise e julgamento do judiciário.

A narrativa jurídica apresenta fatos em sequência e decorrentes de uma re-lação de causa consequência, isto é, um fato causa uma consequência que dá origem a outro fato, e assim por diante. Isso significa dizer que entre uma ação e outra, entre um fato e outro, há um lapso temporal, e é a indicação de trans-curso do tempo a tarefa principal do autor da narrativa, depois de selecionar os fatos narrados.

No caso concreto, percebe-se que todos os fatos julgados relevantes pelo advogado foram narrados linearmente em uma linha lógica e coerente de ra-ciocínio, em uma progressão temporal, respeitando-se anterioridade e poste-rioridade dos fatos e presentificam-se todos os elementos da narrativa em seu corpo textual, como:

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•  O quê? Contrato de compra e venda

•  Quem? Partes processuais: Autor e Ré “G” S. A., •  Onde? Rio de Janeiro

•  Quando?15 de janeiro de 2015.

•  Por quê? Vício de qualidade do produto

•  Como? Modo como os fatos aconteceram: narrativa propriamente dita.

A narrativa se iniciou pela causa remota – contrato e compra e venda - e ter-minou com a causa de pedir próxima: sem a resolução do defeito pelo fornece-dor, o autor requereu a substituição do produto.

Percebe-se uma organização específica da narrativa jurídica em questão, pois o seu objetivo não é só levar o caso ao judiciário para julgar a questão jurí-dica submetida à apreciação, mas também de apresentar a indignação gerada no autor quanto a uma questão ético-profissional da empresa e aos maus servi-ços prestados ao consumidor. Esse objetivo subjacente aparece nas entrelinhas do texto, mas não deverá escapar à análise do julgador, visto que a organiza-ção sintático-semântica da narrativa jurídica é que conduz ao efeito de senti-do desejasenti-do.

Os parágrafos da narrativa jurídica são dinâmicos, pois os acontecimentos são narrados em uma linha lógica de raciocínio, não havendo, sequer, uma quebra de raciocínio no curso do discurso narrativo.

Nota-se que as formas verbais usadas nas afirmações do autor têm, na sua maioria, sujeito agente (“comprou”, “entrou”, “requereu”), o que torna as fra-ses todas dinâmicas, característica esta essencial da narração.

É fundamental a diferenciação entre o ato de argumentar e o ato de narrar, porque a argumentação feita no momento em que se busca uma compreensão do caso concreto é fator que pode vir a confundir e prejudicar a compreensão da narrativa jurídica.

É muito comum o aluno de Direito ler o caso concreto e já partir para a argu-mentação, em vez de atentar para o ato de narrar. Não é incomum, o professor solicitar aos alunos uma narrativa jurídica, e, no momento da correção, depa-rar-se com um texto misto, em que o aluno narra e argumenta ao mesmo tem-po, sem perceber que está se posicionando diante do caso dado e formulando

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capítulo 1

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21

Deve-se ficar bastante atento a essa postura diante desse tipo de texto por-que a narrativa dos fatos (“Dos Fatos”) precede à argumentação jurídica (“Do Direito”) e só traz a situação fática: fatos, provas e as circunstâncias em que o fato ocorreu.

COMENTÁRIO

As partes processuais no discurso jurídico são sujeitos, seres, indivíduos de carne e osso (reais) e não personagens, já que estes são fictícios, são construções de/no papel. Logo, a nomenclatura personagens não deve ser usada nos textos jurídicos.

1.1.2 Narrativa Jurídica: Raciocínio lógico na seleção e organização

dos fatos.

Os fatos devem ser narrados em um raciocínio lógico, coeso e coerente, na ordem linear ou cronológica (= calendário, relógio), pois é da narrativa lógica dos fatos que advém a conclusão, ou seja, dos fatos narrados decorre logicamente o pedido.

Em outros dizeres, começa-se a narrar da causa de pedir mais remota (con-trato de compra e venda entre A e B – relação com Direito material) e fecha-se esse texto com a narrativa da causa de pedir mais próxima (lesão do direito do autor/ descumprimento da obrigação pela empresa G.S.A.).

Não basta a mera descrição de fatos de forma aleatória, sendo indispensável uma coerência lógica e verossímil entre os fatos narrados. O advogado deve se-lecionar os fatos que justificarão o pedido, portanto antes de se iniciar a narra-tiva, é importante que se tenha claro o pedido que será formulado.

A narrativa dos fatos contém as causas de pedir da parte autora da Inicial- são os fatos que expressarão ao juiz, se, de fato, o autor é detentor do direito subjetivo que ele considera possuir. Caso da narrativa dos fatos não se extraia a razão de pedir, a Inicial será declarada inepta, isto é, não apta para dar pros-seguimento ao processo, em virtude de haver ausência de correlação entre fun-damentos fáticos e jurídicos expostos e o pedido final formulado, julgando-se extinto o processo sem exame de mérito.

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ATENÇÃO

Ementa: HORAS EXTRAS E REFLEXOS. INTERVALO INTRAJORNADA. AUXÍLIO ALIMEN-TAÇÃO. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. MANTIDA. Se, ao deduzir suas pretensões, o autor não o faz de forma clara, trazendo aos autos os elementos mínimos necessários para a aná-lise do mérito dos pedidos, impõe-se a declaração da inépcia da inicial. Apelo não provido.

Ementa: Apelação Cível. Ação de indenização por serviços prestados na constância da união estável Indeferimento da petição inicial Incoerência entre a narrativa dos fatos e os pedidos deduzidos. Inépcia da petição inicial mantida. Nega-se provimento ao recurso.

1.1.3 Narrativa Jurídica: Ordem Linear ou Cronológica

A estrutura da narrativa é uma sequência de fatos relacionados entre si de for-ma coerente, em que há ufor-ma ordem temporal e ufor-ma causal. A ordem temporal trata da cronologia dos fatos, sucessão de acontecimentos no decorrer do tem-po, e a causal estabelece a relação de causa e consequência (conduta humana) ou causa e efeito (fenômeno da natureza).

Na narrativa jurídica prioriza-se sempre a sequência lógica e linear de tem-po e espaço, em que os fatos se passam em um determinado temtem-po e lugar, segundo a ordem cronológica ou linear- tudo conforme ou enquanto o tempo passa (antes-durante- depois).

Narra-se, portanto, a situação fática na ordem rigorosamente linear (= reló-gio, calendário), ou seja, na ordem natural do tempo: começo, meio, fim.

Leia a narrativa jurídica abaixo (OAB-RJ 2008.1) e observe o transcurso do tempo entre os fatos, os quais se apresentam, rigorosamente, na ordem linear:

A autora, vendedora domiciliada na cidade de São Paulo – SP, alegou ter engravidado, após relacionamento amoroso exclusivo com o réu, representante de vendas de empre-sa sediada em Porto Alegre – RS.

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capítulo 1

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No entanto, o réu se negou a reconhecer a paternidade ao argumento de que tem dúvidas acerca da fidelidade da mãe, já que ele chegava a ficar um mês sem ir a São Paulo durante o relacionamento que teve com a autora.

O réu recebe o salário bruto de R$ 5.000,00 mensais e arca com o sustento de uma filha, estudante de 22 anos, e ele não tem domicílio fixo em razão de sua profissão demandar deslocamentos constantes entre São Paulo – SP, Rio de Janeiro – RJ e Porto Alegre – RS.

A autora ganha, no presente momento, cerca de dois salários mínimos e as despesas mensais de João totalizam R$ 1.000,00.

Como se nota, houve uma seleção prévia dos fatos relevantes que compõem a narrativa jurídica e eles foram, em seguida, ordenados cronologicamente (= relógio). Assim, a narrativa se apresenta na ordem linear (fato anterior/causa x fato posterior/consequência), partindo da causa de pedir remota para a causa de pedir próxima, em uma linha de raciocínio lógica, clara, concisa e objetiva, sem nenhuma alusão às normas jurídicas, trazendo somente a narração dos fatos e a descrição das circunstâncias em que ocorreram (fato, prova, circuns-tância) e as provas.

Observa-se, também, que a cada parágrafo foi narrado e descrito apenas um fato.

Os fatos são narrados e situados no tempo, isto é no passado, as datas têm também como referência um marco temporal, fixado no próprio texto.

Destaca-se que os advérbios e as expressões adverbiais são também fatores importantes para situar a narração no transcurso do tempo.

Por conseguinte, pode-se afirmar que a narrativa se desenvolve da seguinte forma: ações determinadas, em ordem preferencialmente linear, havendo um lapso temporal entre um fato e outro, indicando o transcurso do tempo e com precisa marcação de tempo, seja pelo uso do tempo verbal, seja por outras mar-cações, como os advérbios ou as expressões adverbiais.

COMENTÁRIO

A coerência narrativa apresenta os fatos de forma cronológica, linear e progressiva, possibi-litando que o receptor, no caso o juiz, acompanhe de forma lógica e sequencial o raciocínio do profissional do Direito. A coerência narrativa evita, assim, a retomada de passagens já

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narradas e orienta de forma cronológica a exposição dos fatos sem registrá-la fora de ordem, proporcionando ao juiz melhor entendimento sobre a situação fática e, consequentemente, maior justeza em seu julgamento.

Narrativa

Características Elementos Organização

Dinâmica: evolui da X para Y O quê – fato/ação

Quem – partes envolvidas: autor e réu

Como – modo como o fato/ação é desenvolvida Onde – momento em que o fato ocorreu Por quê – motivo dos acontecimentos Seleção dos fatos

Ordenação dos fatos lógica – linear

Fatos juridicamente relevantes – exprimem o direito que pensa ter o autor

Fatos secundários – compõe o fato jurídico ou auxiliam a comprovação de sua existência Sequência de fatos relacionados entre si – da causa à consequência

Ordem temporal cronológica – indicação do transcurso do tempo

Quadro esquemático 1

1.2 Aspectos Linguísticos: Narrativa Jurídica

O advogado utiliza-se de vários procedimentos linguísticos na elaboração da narrativa jurídica para exercer a persuasão, como: terceira pessoa do singular, que é mais um recurso verbal que provoca efeito de distanciamento do advo-gado em relação aos fatos narrados, fazendo com que pareçam narrar-se a si mesmos, causando um efeito de objetividade, o transcurso do tempo e a pre-ferência pela ordem cronológica ou linear em busca de maior clareza textual.

O transcurso do tempo (ou lapso temporal) entre uma ação e outra, pratica-da pelos sujeitos envolvidos na situação fática, é o eixo principal pratica-da coerência narrativa, pois a progressão da narrativa é sempre temporal. A ordem da narra-tiva dos fatos (linear); marcos temporais, advérbios ou locuções adverbiais de tempo referências a datas, horas – são todos elementos que orientam de modo

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capítulo 1

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25

Todos esses elementos descritos fazem parte da estratégia de persuasão por-que produzem no auditório os efeitos de realidade, de “verdade”, ou melhor, de verossimilhança e, portanto, de maior confiabilidade nos fatos narrados.

1.2.1 Modos de Narrar o Texto Jurídico: Discurso Direto e Indireto

O discurso relatado caracteriza as vozes do discurso alheio, isto é, a presença do outro no discurso. Na descrição de algumas formas de discurso relatado estão o discurso direto e discurso indireto, que são modos de relatar o discurso de outrem, que variam no grau de ênfase em que se delimitam as fronteiras entre discurso citado e discurso citante – ainda que nos dois modos seja bastante ex-plícito que aquilo que é dito provém de um outro enunciador.

Há diversos mecanismos linguísticos que servem para registrar o discurso alheio no interior de um texto, como o discurso direto, o indireto, a modaliza-ção no discurso.

Para se compreender esse procedimento linguístico, é preciso estar cons-ciente de que há, sempre, um discurso citante, o discurso de quem está produ-zindo o texto e um discurso citado, aquele discurso utilizado para complemen-tar ou ilustrar o discurso citante.

No corpo textual da narrativa jurídica, muitas vezes, é importante atribuir uma fala ou comentário a uma das partes. Nessas situações, pode-se recorrer a diferentes modos de organização da linguagem para informar o que foi dito por alguém, fazendo uso do discurso direto e indireto.

Sempre que o narrador apresenta a fala integral das partes, sem qualquer interferência, diz-se que ocorreu o uso do discurso direto.

As narrativas costumam marcar o discurso direto com o uso de travessões (-) ou aspas (“”) para identificar a fala da personagem. Para introduzir o discurso direto, emprega-se o dois pontos no final da frase anterior.

[...] o jornalista Clóvis V. disse, em 13/1/2010, em seu blog pessoal na Internet: “ele não tem condições de gerir o clube porque é um burro, de capacidade intelectual infe-rior à de uma barata" e, por isso, levou o clube à falência e está com os bolsos cheios de dinheiro do clube e dos torcedores".

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O discurso direto caracteriza-se, assim, pela presença de verbos dicendi, aqueles que servem para introduzir a fala da outra pessoa (dizer, afirmar, res-ponder, declarar, definir), de verbos da área semântica de perguntar (indagar, adquirir, questionar, interrogar) e de verbos sentiendi, os que expressam es-tado de espírito, reação psicológica da pessoa que fala, emoções (gemer, sus-pirar, lamentar (-se), queixar-se, explodir). Esses verbos podem vir implícitos ou explícitos.

ATENÇÃO

O discurso direto – que é uma citação direta – se faz muito presente, em busca da argumen-tação por autoridade para alcançar convencimento ou persuasão. Para fundamentar suas razões, no campo jurídico, citam-se doutrinadores e jurisprudências, muitas vezes, ocupando tais estratégias a maior parte do corpo do texto produzido.

No entanto, deve-se evitar o uso do discurso direto na narrativa jurídica por-que o advogado deve mostrar, em seu texto, a sua competência linguística por meio de uma linguagem própria, autônoma, narrando e descrevendo com sua própria linguagem o que a parte lhe relatou sobre o caso concreto, buscando maior veracidade para os fatos narrados.

Contudo, quando o advogado, em lugar de apresentar a fala da (s) parte (s) em seu texto, as reconstrói por meio da sua linguagem, tem-se a ocorrência do discurso indireto.

Na audiência de instrução e julgamento, realizada em 29/08/2013 (quinta-feira), fo-ram ouvidas duas testemunhas de acusação que, cada uma a seu turno, dissefo-ram ter visto Diogo pular o muro da residência da vítima e de lá sair, cerca de vinte minutos após, levando uma mochila cheia.

O discurso indireto resulta em uma produção híbrida das palavras do su-jeito que cita com as palavras do susu-jeito citado. Em outras palavras, o discurso

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capítulo 1

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27

discurso citado é apropriado pelo enunciador do discurso citante e é apresen-tado sob a forma de uma oração subordinada substantiva objetiva, introduzida por um verbo de dizer.

Sendo assim, o discurso indireto caracteriza-se, geralmente, pela presença de verbos dicendi e sentiendi, pela conjunção integrante que ou se e pela alte-ração de tempos verbais, advérbios e pronomes.

1.2.2 Passagem do Discurso Direto para Discurso Indireto

DISCURSO DIRETO DISCURSO INDIRETO

1ª pessoa 3ª pessoa

eu, me, mim, comigo ele (s), ela (s), se, si, consigo, o (s), a (s), lhe (s) nós, nos, conosco eles, elas, os, as, lhes

meu, meus, minha, minhas, nosso,

nossos, nossa, nossas seu, seus, sua, suas, dele (a) (s)

Tabela 1.1 – Mudança das pessoas do discurso.

DISCURSO DIRETO DISCURSO INDIRETO

Presente do indicativo Todos disseram: -- Não votamos nele.

Pretérito imperfeito do indicativo Todos disseram que não votavam nele. Pretérito perfeito do indicativo

O moço perguntou:

-- Ele assinou o requerimento?

Pretérito mais-que-perfeito do indicativo O moço perguntou se ele não assinara o requerimento.

Futuro do presente do indicativo O mecânico garantiu:

-- Eu consertarei a moto.

Futuro do pretérito do indicativo

O mecânico garantiu que consertaria a moto. Presente do subjuntivo

Duvido que a assembleia aprove a proposta – disse-lhe o sindicalista.

Pretérito imperfeito do subjuntivo

O sindicalista disse-lhe que duvidava que a as-sembleia aprovasse a proposta do governo. Futuro do subjuntivo

A garota disse:

--Só sairei daqui quando ele chegar.

Pretérito imperfeito do subjuntivo A garota disse que só sairia quando ele chegasse.

Imperativo

Passe-me o sal – pediu-me ela.

Pretérito imperfeito do subjuntivo Ela pediu-me que passasse o sal.

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DISCURSO DIRETO DISCURSO INDIRETO

Ontem No dia anterior

Hoje e agora Naquele dia e naquele momento Amanhã No dia seguinte

Aqui, aí, cá Ali e lá

Este, esta e isto Aquele, aquela, aquilo

Tabela 1.3 – Mudança dos advérbios e adjuntos adverbiais.

DISCURSO DIRETO DISCURSO INDIRETO

Frases interrogativas, exclamativas e imperativas Frases declarativas

Tabela 1.4 – Mudança na pontuação das frases.

RESUMO

Discurso Direto: Nesse tipo de discurso os sujeitos/personagens literários ganham voz. É o que ocorre normalmente em diálogos. Isso permite que traços da fala e da personalidade das partes/personagens literários sejam destacados e expostos no texto. O discurso dire-to reproduz fielmente as falas das partes. Verbos como dizer, falar, perguntar, entre outros, servem para que as falas das partes sejam introduzidas e elas ganhem vida, como em uma peça teatral.

Travessões, dois pontos, aspas e exclamações são muito comuns durante a reprodução das falas. Podem ser mantidas interjeições, frases de tipo exclamativo, vocativos, uso afetivo dos determinantes, vocabulário e frases próprias da oralidade.

Discurso Indireto: O narrador conta a história e reproduz fala, e reações das partes/ personagens por meio da paráfrase, usando as formas verbais, na terceira pessoa. Nesse caso, o narrador se utiliza de palavras próprias para reproduzir aquilo que foi dito pela parte/ persona-gem literário. Esse tipo de discurso indireto que deve ser priorizado na narrativa jurídica.

COMENTÁRIO

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capítulo 1

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29

No discurso jurídico, as vozes não se confundem, porque são individualizadas, e cada um será responsável pela informação trazida aos autos e responderá por ela juridicamente.

1.2.3 Função dos Tempos Verbais: Narrativa Jurídica

Na narrativa jurídica, a atividade verbal é constante e os fatos se transformam. Os sujeitos que desenvolvem as suas ações no tempo e no espaço caracterizam os elementos principais de um texto narrativo. Ocorre uma progressão tem-poral, o texto se desenvolve no tempo, um fato se sucede a outro fato, como sequências temporais, as quais podem ser realizadas por verbos nos tempos pretéritos do modo indicativo.

Os tempos verbais situam o leitor ou o ouvinte no processo comunicacional da linguagem. O pretérito perfeito, o imperfeito e o mais-que-perfeito indicam o que está sendo narrado.

A estrutura do texto narrativo mantém relação com determinados tempos verbais do modo indicativo, especialmente os pretéritos perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito. A utilização desses tempos verbais é muito importante para a progressão do texto, para que ele se constitua em um encadeamento linear ou cronológico de acontecimentos.

Estudar verbos significa estar diante de uma das classes gramaticais com maior ocorrência de itens lexicais de nossa língua - as outras são os substantivos e os adjetivos. É estar diante de elementos estruturais do verbo, como desinên-cias modo - temporais e desinêndesinên-cias número-pessoais, vozes dos verbos, con-jugações, modo e tempos verbais, sobretudo, a semântica dos tempos verbais.

Para melhor compreensão da semântica verbal, há necessidade de se estu-dar as definições do verbo e dos tempos verbais do modo indicativo encontra-das em gramáticas.

Para Bechara (2006, p.209), o verbo é “a unidade de significado categorial que se caracteriza por ser um molde pelo qual se organiza o falar seu signifi-cado lexical”. Destaca-se que o papel do tempo está expresso na primeira defi-nição do verbo, enquanto a segunda não menciona o tempo, mas apresenta o verbo como o organizador do falar.

Em relação aos modos dos verbos, Bechara (2006, p.196) ressalta que os mo-dos ocorrem, conforme a posição do falante entre a ação verbal e seu agente.

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Ele acrescenta (2006, p.213) que o falante pensa nessa ação e pode considerá-la de cinco formas, a saber: como algo feito, verossímil (modo indicativo - canto, cantei, cantava e cantarei); como um fato incerto (modo subjuntivo - talvez eu cante, se cantasse); como um fato dependente de uma condição (modo con-dicional – cantaria); como uma ação desejada pelo agente (modo optativo – “E viva eu cá na terra sempre triste”); e, por último, como um ato que se exige do agente (modo imperativo - cantai).

Os tempos verbais são (BECHARA, 2006, p.195) estes: presente – referência a fatos que passam ou estendem ao momento em que se fala (eu canto); pre-térito- referência a fatos anteriores ao momento em que se fala e subdividido em imperfeito (cantava), perfeito (cantei) e mais-que-perfeito (cantara); e futu-ro – referência a fatos ainda não realizados e subdividido em futufutu-ro do presente (cantarei) e futuro do pretérito (cantaria).

Bechara (2006, p.212) apresenta a seguinte figura 1.1 para ilustrar o tempo, também chamado por ele de nível temporal:

Presente

Passado Futuro

Figura 1.1 –

Na figura 1.1, nota-se que é destacada a relação temporal do acontecimento comunicado com o momento da fala. O presente encerra esse momento, o pas-sado é anterior e o futuro acontecerá depois desse momento.

No pretérito, “a concomitância do momento do acontecimento em relação a um momento de referência pretérito pode exprimir-se tanto pelo pretérito perfeito quanto pelo pretérito imperfeito” (FIORIN, 2010, p.155) e a diferença entre eles está no fato de que cada um tem um aspecto. Enquanto o perfeito marca algo limitado, acabado, dinâmico e pontual, o imperfeito marca algo não limitado, inacabado, estático e durativo. E o pretérito mais-que-perfeito

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capítulo 1

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31

afirmações sobre o pretérito são apresentadas na figura 1.2 – Momento de refe-rência pretérito – MR pretérito – (FIORIN, 2010, p. 154):

MR pretérito concomitância não-concomitância limitado acabado dinâmico pontual pretérito perfeito não-limitado inacabado estático durativo pretérito imperfeito anterioridade posterioridade pretérito

mais-que-perfeito imperfectivo perfectivo futuro do pretérito simples futuro do pretérito composto Figura 1.2 –

Observe um exemplo e atente para as explicações dadas sobre os tem-pos verbais:

Gustavo ajuizou, em face de seu vizinho Leonardo, ação com pedido de indenização por dano material suportado em razão de ter sido atacado pelo cão pastor alemão de propriedade do vizinho. Segundo relato do autor, o animal, que estava desamarrado dentro do quintal de Leonardo, o atacara, provocando-lhe corte profundo na face. Em consequência do ocorrido, Gustavo alegou ter gasto R$ 3 mil em atendimento hos-pitalar e R$ 2 mil em medicamentos. Os gastos hoshos-pitalares foram comprovados por meio de notas fiscais emitidas pelo hospital em que Gustavo fora atendido, entretanto este não apresentou os comprovantes fiscais relativos aos gastos com medica-mentos, alegando ter-se esquecido de pegá-los na farmácia. Leonardo, devidamente citado, apresentou contestação, alegando que o ataque ocorrera por provocação de Gustavo, que jogava pedras no cachorro. Alegou, ainda, que, ante a falta de compro-vantes, não poderia ser computado na indenização o valor gasto com medicamentos.

Para exemplificar a relação dessas variáveis, Azeredo (2004, p. 129) propõe a seguinte figura 1.3 em uma formulação esquemática.

(33)

Ponto de referência (PR) Intervalo de tempo (IT) Passado

Anterior Contemporâneo Posterior

Presente

Anterior Contemporâneo Posterior

Futuro

Anterior Contemporâneo Posterior Momento da

Enunciação (ME)

Figura 1.3 –

Azeredo (2008, p. 358) apresenta uma descrição dos tempos verbais simples no modo indicativo. O presente representa um fato não concluído situado em um intervalo de tempo do qual faz parte o momento da enunciação (ME). O pretérito perfeito representa um fato concluído e se situa em um intervalo de tempo anterior ao ponto de referência presente, compondo uma ação situada em uma época anterior ao ME.

O pretérito imperfeito indica um fato não concluído que se situa em um in-tervalo de tempo simultâneo a um ponto de referência passado ou ainda ante-rior a um ponto de referência futuro. Esse tempo verbal é muito usado no texto descritivo. O pretérito mais-que-perfeito apresenta um fato concluído que se situa em um intervalo de tempo anterior a um ponto de referência passado.

O futuro do presente representa um fato não concluído em um intervalo de tempo posterior ao presente ou simultâneo ao momento da enunciação. E, por último, o futuro do pretérito representa um fato não concluído em um inter-valo de tempo posterior ao passado, simultâneo ao passado ou relativamente hipotético em um intervalo simultâneo. Dessa forma, descrevem-se questões essenciais para a compreensão semântica dos tempos verbais.

Desse modo, o tempo verbal pretérito imperfeito é um assinalador de fatos contínuos ou ações frequentes, quando há repetição, pode apresentar a causa e a consequência no texto. Usa-se esse tempo quando se quer expressar que a ação está em curso ou que as ações foram interrompidas.

O pretérito perfeito exprime um fato concluso e o mais-que-perfeito é usa-do quanusa-do o narrausa-dor retoma um acontecimento ainda mais anterior aos fatos que narra, pois trata-se de um passado remoto.

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capítulo 1

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33

COMENTÁRIO

Deve-se evitar o pretérito imperfeito não só por indicar um fato intermitente, contínuo, mas também por ser a forma verbal muito usada na ficção, e Direito trabalha com o real. Contudo, em determinadas situações, poderá ser utilizado como recurso estilístico para prolongar a conduta; enaltecer ou denegrir, atenuar ou agravar a conduta da parte processual desejada, como: o autor espancava a criança ou batia na criança; a mãe sempre telefonava ao filho quando viajava a trabalho; reiterando a conduta com intencionalidade positiva ou negativa, trabalhando-os com a semântica verbal.

Evita-se o pretérito mais-que-perfeito, por se tratar de um tempo passado muito remoto, distante. Afinal, o Direito é lento, mas um processo não leva mais de cinquenta anos para ser julgado. Logo, esse tempo verbal deve ser usado em circunstâncias especiais que trazem fatos ao caso concreto de tempo bem distante, como ocorre na regularização de documentos em casos de doação feita em um passado muito distante, direito a usucapir ou regularização de documentos em testamento, dentre outros.

ATENÇÃO

Flexão Verbal: Pessoa, Número, Tempo e Modo

O verbo pode se flexionar de quatro maneiras, a saber: pessoa, número, tempo e modo. É a classe mais rica em variações de forma ou acidentes gramaticais. Por meio de um morfema chamado desinência modo temporal, são marcados o tempo e o modo de um verbo. Observe mais detalhadamente esse tema:

O modo verbal caracteriza as várias maneiras de como se pode utilizar o verbo, depen-dendo da significação que se pretende dar a ele. Rigorosamente, são três os modos verbais: indicativo, subjuntivo e imperativo.

A maioria dos gramáticos denomina particípio, o gerúndio e o Infinitivo como formas nominais do verbo, e não como modos verbais, porque existem algumas particularidades em cada uma dessas formas que podem impedir de serem consideradas modos verbais. Observe:

Infinitivo: tem características de um substantivo, podendo assumir a função de sujeito ou de complemento de um outro verbo, e até ser precedido por um artigo.

Gerúndio: assemelha-se mais a um advérbio, já que exprime condições de tempo, modo, condição e lugar.

Particípio: possui valor e forma de adjetivo, pois além de modificar o substantivo, apre-senta ainda concordância em gênero e número.

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Volta-se, agora, para os modos verbais, propriamente ditos:

Modo Indicativo: o verbo expressa uma ação que, provavelmente, acontecerá, uma cer-teza, trabalhando com reais possibilidades de concretização da ação verbal ou com a certeza comprovada da realização daquela ação.

Modo Subjuntivo: ao contrário do indicativo, é o modo que expressa a dúvida, a incerte-za, trabalhando com remotas possibilidades de concretização da ação verbal.

Modo Imperativo: apresenta-se na forma afirmativa e na forma negativa, dirigindo-se diretamente a alguém, em segunda pessoa, expressando o que se quer que esta (s) pessoa (s) faça (m). Pode indicar uma ordem, um pedido, um conselho, dependendo da entonação e do contexto em que é aplicado.

Já o tempo verbal informa, de uma maneira geral, se o verbo expressa algo que já acon-teceu, que acontece no momento da fala ou que ainda irá acontecer. São essencialmente três tempos: presente, passado ou pretérito e futuro.

Os tempos verbais são estes:

Presente (amo) – expressa algo que acontece no momento da fala.

Pretérito Perfeito (amei) – expressa uma ação pontual, ocorrida em um momento an-terior à fala.

Pretérito Imperfeito (amava) – expressa uma ação contínua, ocorrida em um intervalo de tempo anterior à fala.

Pretérito mais-que-perfeito (amara) – contrasta um acontecimento no passado ocor-rido anteriormente a outro fato também anterior ao momento da fala.

Futuro do presente (amarei) – expressa algo que possivelmente acontecerá em um momento posterior ao da fala.

Futuro do pretérito (amaria) – expressa uma ação que era esperada no passado, porém que não aconteceu.

Na narrativa jurídica prioriza-se também o estudo do verbo para melhor compreensão dos fatos narrados e descritos e, consequentemente, do caso concreto.

RESUMO

No texto narrativo, a atividade verbal é constante e os fatos se transformam. As partes que desenvolvem as suas ações no tempo e no espaço caracterizam os elementos principais de

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capítulo 1

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35

O tempo verbal pretérito imperfeito é um assinalador de fatos contínuos ou ações fre-quentes, quando há repetição, pode apresentar a causa e a consequência no texto. Usa-se este tempo quando se quer expressar que a ação está em curso ou que as ações foram interrompidas ou, então, como recurso estilístico-semântico.

O pretérito perfeito exprime um fato concluso e o mais-que-perfeito é usado quando o narrador retoma um acontecimento ainda mais anterior aos fatos que narra.

VERBO

Modos Posição do falante

frente à ação Tempos

Indicativo – ação realizada

Subjuntivo – expressa a dúvida, a incerteza, as possibilidades de concretização da ação verbal

Imperativo – expressa ação que se exige do agente. Pode indicar uma ordem, um pedido, um conselho Presente – expressa algo que acontece no momento da fala Pretérito – momento anterior em

que se fala Futuro – fatos ainda não

realizados

Perfeito – expressa uma ação pontual, ocorrida em um momento anterior à fala. Imperfeito – expressa uma ação contínua, ocorrida em um intervalo de tempo à fala.

Mais que perfeito – contrasta um acontecimento no passado ocorrido anteriormente a outro fato também anterior ao momento da fala.

Presente – expressa algo que possivelmente acontecerá em um momento posterior ao da fala. Pretérito – expressa uma ação que era esperada no passado, porém que não aconteceu.

Quadro esquemático 2

1.2.4 Paráfrase: Discurso Indireto

Há várias maneiras de enriquecer o vocabulário e uma das mais eficazes é a paráfrase. Parafrasear permite incorporar novas estruturas linguísticas (diver-sificar construções) e também dominar o sentido das palavras. Parafrasear é reescrever um texto sem alterar-lhe o sentido. Não é preciso reduzir o tamanho, apenas dar outra forma, usar outras construções, a fim de preservar o significa-do original.

A paráfrase é uma técnica amplamente utilizada, principalmente nos textos jurídicos, pois é uma reescritura de texto sem alterar o seu conteúdo.

(37)

Observe o exemplo abaixo:

O filme Tempos Modernos foi um grande sucesso, mas, à época de seu lançamento, deu prejuízo. Foi proibido na Itália e na Alemanha, onde Hitler e Mussolini o consideravam “socialista”.

Tem-se a seguinte paráfrase: Tempos Modernos obteve grande aceitação, quando de seu lançamento, entretanto não obteve lucro. Foi vetado nos países europeus dominados pelo fascismo e nazismo, cujos líderes o consideravam portador de ideias comunistas.

Em Direito, os representantes legais das partes processuais, por exemplo, ao elaborarem a narrativa jurídica, sempre fazem paráfrase daquilo que foi narrado por elas, em um discurso indireto, respeitando-se a modalidade culta da língua.

Logo, a narrativa jurídica é uma paráfrase da representação da realidade apresentada pela parte, por esse motivo pode-se aproximar o discurso jurídico do discurso científico: primeiro, por lidar com fatos reais e, segundo, pela pos-sibilidade de ser parafraseado. Encontram-se na narrativa jurídica enunciados sinônimos ou semanticamente equivalentes aos dos textos apresentados pela parte ou ao que ela contou, que passaram não só pela interpretação da parte, mas também pela do advogado, portanto os fatos não são mais puros.

Dessa forma, percebe-se que a narrativa jurídica é profundamente influen-ciada pelo texto do outro; não é um texto puro, mas sim um intertexto. Há na narrativa jurídica uma paráfrase interpretativa; uma narração cuja forma de apresentação (fatos selecionados e sua sintaxe) já antecipa a exposição que se fará mais adiante no elemento “Do Direito” (argumentação).

Entretanto, o advogado da parte tem sua criatividade tolhida: é impossível – e ilegal – que os fatos sejam expostos de forma diferente daquela apresentada pela parte, sob pena de se alterarem os próprios fatos, o que seria uma litigân-cia de má-fé, além de envolver questões ético-profissionais; embora, em uma outra situação, se aceite o entendimento de que todo discurso é construído e que não existe fato puro, mas sim várias versões sobre ele.

A paráfrase pode ser entendida, assim, como um discurso intertextual em repouso em que alguém abre mão de sua voz para deixar a voz do outro falar. Não há conflito de vozes, pois não há oposição; funcionando como se fosse um espelho que reflete o discurso do outro. Partindo desse conceito, pode-se

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1.2.5 Polifonia: Discurso Jurídico

Emprega-se o termo polifonia (BAKHTIN, 2008, p.23) para caracterizar um certo tipo de texto, em que se deixam entrever muitas vozes, por oposição aos textos monofônicos, que silenciam os diálogos que os constituem. Assim, na polifonia trata-se da existência de vozes de enunciadores diferentes ou pontos de vista diferentes.

Muitas vezes os termos dialogismo e polifonia foram usados como sinôni-mos nos escritos de Bakhtin ou por outros autores. Atualmente, alguns teóri-cos (Barros, 1997) separam estes dois conceitos: o termo dialogismo deve ser entendido como o princípio dialógico constitutivo da linguagem e de todo dis-curso e a palavra polifonia, como um certo tipo de texto em que o dialogismo se deixa ver, aquele em que são percebidas muitas vozes, por oposição aos tex-tos monofônicos.

Assim, pode-se dizer que o diálogo é condição da linguagem e do discurso, mas há textos polifônicos e monofônicos, conforme as estratégias discursivas empregadas. Nos textos polifônicos, os diálogos entre discursos mostram-se, deixam-se ver ou entrever; uma contrapalavra, nos textos monofônicos eles se ocultam sob a aparência de um discurso único, de uma única voz. Monofonia e polifonia são, portanto, efeitos de sentido, decorrentes de procedimentos discursivos, de discursos por definição e constituição dialógica. Como se vê, as particularidades das práticas linguísticas estão associadas às maneiras mais amplamente compartilhadas e ideologicamente construídas do uso da língua. Por causa das funções sociais abrangidas pelo Direito, o discurso jurídico reves-te-se de uma tipologia própria, que é a do poder e da persuasão, permeado pelo elemento ideológico. É essencialmente persuasivo, pois instaura sempre como destinatário direto ou indireto um alguém que, supostamente, tenha infringi-do o ordenamento.

Sendo assim, o espaço jurídico conduzirá os efeitos de poder e as relações de força que se instauram entre os sujeitos que, inscritos em uma formação ideológico-discursiva, passam a ser vistos como seres socializados que se uti-lizam de certos argumentos de “verdade” que lhes servem de sustento. É o discurso autoritário, que procura “barrar” a voz do outro, ou seja, o discurso jurídico é monofônico, pois as vozes que naturalmente se mostram, nos textos polifônicos, são abafadas ou ocultadas sob a aparência de uma única voz essen-cialmente monofônica.

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ATENÇÃO

O discurso jurídico é dotado de polifonia. Ou seja, além da voz narradora, outros elementos estão presentes como vozes. É o caso das partes, testemunhas, autoridade. Para introduzi-los no discurso, pode-se usar a referência indireta, por meio de citações e paráfrases. As pará-frases e citações constituem um recurso frequente nos textos jurídicos. Para introduzi-las, utilizam-se os verbos dicendi: dizer, afirmar, declarar. Dessa forma, garante-se neutralidade ao discurso, deixando a carga interpretativa para a voz introduzida.

Dessa forma, entende-se que o discurso jurídico busca se tornar o discurso da verdade única, absoluta, por meio de uma simulação lógico-dedutiva- “su-jeito da verdade”.

Dessa maneira, a voz do autor construída na narrativa jurídica possui efeito monofonizante por não se manifestar por si mesma, mas apenas e tão somente por meio da voz do advogado. O autor é privado da palavra e é construído como sujeito para o qual se aponta, mas que não se traz para dentro da interlocução. Essa estratégia discursiva de apagamento que é denominada monofonização ou efeito monofonizante.

Tal estratégia distancia o autor e passa uma ideia de que aparentemente não há contradição, apenas a luta justa e transparente por um direito perdido ou ameaçado, com o objetivo de se buscar uma boa argumentação, no sentido retórico (persuasão).

Todavia é evidente que o Direito não se resume à voz de um único narra-dor, pois até em sua essência é polifônico, especialmente no paradigma de um Estado Democrático do Direito, mas o advogado vale-se dessa estratégia discur-siva de apagamento na peça das partes - discurso monofônico-, em busca de maior convencimento ou persuasão acerca dos fatos narrados.

Por essa razão, presentifica-se a polifonia do discurso jurídico, mais es-pecificamente nos textos de cunho decisório. Depara-se com a polifonia, por exemplo, na análise das marcas de desdobramento da voz do Estado em leis, ju-risprudências e doutrinas; na análise da sobreposição e/ ou hierarquização de vozes nas Sentenças, principalmente a sobreposição da voz do juiz na Sentença

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CURIOSIDADE

Na intertextualidade, faz-se necessária a presença de um intertexto, cuja fonte pode ou não vir mencionada-o que se chama de intertextualidade explícita ou intertextualidade implícita, respectivamente), polifonia, tal como nos diz Ducrot (1984), exige, no texto, apenas repre-sentação e encenação teatral perspectivas ou pontos de vista de enunciados diferentes - "daí a metáfora do 'coro de vozes', ligada, de certa forma, ao sentido primeiro que o termo tem na música, de onde se originou (2004, p.154).

Do ponto de vista de construção de sentido, o conceito de polifonia abrange o de in-tertextualidade, sendo todo o caso de intertextualidade um caso de polifonia, não sendo verdadeiro o contrário.

MULTIMÍDIA

1. Tempo de Matar, baseado em livro de John Grisham. Direção de Joel Schumacher. Atores: Sandra Bullok, Samuel L. Jackson, Matthew Mc Conaughey e Kevin Spacey. Estados Unidos 1996. Disponível em vídeo pela Warner Home Vídeo.

2. Filadélfia, dirigido por Jonathan Demme. Atores: Tom Hanks, Denzel Washington, Jason Robards, Mary Steenburgen, Antonio Banderas. Estados Unido, 1993. Disponível em vídeo pela Abril Vídeo.

ATIVIDADES

01. Leia os fatos que irão compor a situação fática de cada um dos três casos concretos abaixo, postos intencionalmente na ordem alinear, e reordene-os na ordem rigorosamente linear ou cronológica.

Caso Concreto 1 – XIV Exame Da Ordem /2014

Síntese da entrevista realizada com Heitor Samuel Santos, brasileiro, solteiro, desempre-gado, filho de Isaura Santos, portador da identidade 559, CPF 202, residente e domiciliado na Rua Sete de Setembro, casa 18 – Manaus – Amazonas – CEP 999:

( ) teve a CTPS assinada como assistente de estoque,

( ) mas, em parte do horário de trabalho, também realizava as tarefas de um analista de compras, pois seu chefe determinava que ele fizesse pesquisa de preços e comparasse a sua evolução ao longo do tempo, atividades estranhas à sua função de assistente de estoque;

Referências

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