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Auditório Como Construção do Orador

No documento Livro Proprietário - Redação Instrumental (páginas 155-166)

Argumentativo – Discursivos: Argumentação

3.9 Lógica Jurídica: Lógica dos Juízos de Valor

3.9.4 Auditório Como Construção do Orador

A Nova Retórica amplia o conceito de auditório, isto é, a quem a argumentação se dirige, estudando, sobretudo, os casos de argumentação por meio da palavra escrita, principal meio de persuasão no mundo contemporâneo. Representa, assim, uma revitalização e reformulação de aspectos fundamentais da razão grega. Perelman (2000) retoma uma concepção de racionalidade que prevalecia na Grécia antiga. Trata-se de uma razão destinada não a transformar as coisas, pela objetivação da natureza, mas a influir sobre as pessoas pelas técnicas de persuasão. Essa tradição antiga em que o jurista e filósofo se insere, vê a palavra como meio exclusivo da persuasão. É pelo discurso – o razoamento, no dizer de Padre Antônio Vieira –, que se conquista a adesão dos espíritos constituintes do auditório.

Na argumentação, segundo o polaco-belga, devem estar presentes duas condições essenciais: deve existir um auditório a ser persuadido ou convenci- do, e deve haver premissas que funcionem como ponto de partida. O auditório, para a teoria da argumentação, “não é definido como o conjunto daqueles que escutam um discurso, mas antes como o conjunto daqueles aos quais visa o esforço da persuasão” (PERELMAN, 2000, p. 165-166).

A propósito, Aristóteles (1972) estudou diversos tipos de auditórios, afir- mando que a tarefa da retórica é conquistar a adesão de um auditório não espe- cializado e incapaz de seguir um raciocínio complicado. Numa direção oposta, Perelman (2000, p. 42) defende que uma argumentação pode dirigir-se a qual- quer auditório: de estudiosos ou de ignorantes, de uma pessoa, ou formado por

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dirigir-se a um auditório universal, pois “todos que compreenderem suas ra- zões terão de aderir às suas conclusões”:

a superioridade, do ponto de vista teórico, dos argumentos que seriam admitidos por todos, isto é, pelo auditório universal: dir-se-á então que se lança um apelo à razão, que se utilizam argumentos convincentes, que deveriam ser aceitos por qualquer ser racional. É esta espécie de argumentos que Aristóteles analisa nos Tópicos, onde a noção de auditório não é explícita, pois trata-se de raciocínios dialéticos utilizáveis em qualquer controvérsia, diante de qualquer interlocutor e que não precisam ser adapta- dos às particularidades deste ou daquele auditório. A nova retórica, por considerar que a argumentação pode dirigir-se a auditórios diversos, não se limitará, como a retórica clássica, ao exame das técnicas do discurso público, dirigido a uma multidão não especializada, mas se interessará igualmente pelo diálogo socrático, pela dialética, tal como foi concebida por Platão e Aristóteles, pela arte de defender uma tese e de atacar a do adversário, numa controvérsia. Englobará, portanto, todo o campo da ar- gumentação, complementar da demonstração, da prova pela inferência estudada pela lógica formal. (PERELMAN, 2000, p. 35)

Na realidade, explica Perelman, todo discurso argumentativo pressupõe uma relação que se estabelece entre o orador e o público para o qual pretende argumentar. Esta relação, contudo, somente será possível se existir o que ele denomina “[...] desejo de realizar e de manter um contato entre os espíritos, de querer persuadir, por parte do orador, e o desejo de escutar, por parte do audi- tório”. (PERELMAN, 2000, p.145).

Uma vez estabelecida esta conjunção de desejos, deverá o orador buscar uma aproximação com o público de modo a adotar uma linguagem que lhe seja familiar e, assim, facilitar o processo da comunicação. Além disso, deverá iden- tificar as teses já admitidas pelo auditório, a fim de que possa utilizá-las como premissas, ”ponto de partida”, na argumentação que pretende realizar.

Para tanto, faz-se imprescindível conhecer até que ponto o auditório admite tais teses e, ato contínuo, até que ponto oferecerá resistência à argumentação que se dispôs a ouvir.

Este conhecimento prévio é de fundamental importância, uma vez que possibilitará ao orador escolher quais argumentos poderá utilizar em sua ar- gumentação, sendo certo afirmar que, tão logo estabelecida a controvérsia, pre- valecerá a tese que mais intensamente fundamentada se mostrar.

E a deliberação íntima e o discurso perante um único ouvinte também são en- globados pela teoria da argumentação (PERELMAN, 2000, p. 41). Acrescenta-se que, mesmo quando o ouvinte único, seja ele o ouvinte ativo do diálogo ou um ou- vinte silencioso a quem o orador se dirige, é considerado a encarnação de um audi- tório, nem sempre se trata do auditório universal. Ele também pode ser – e muito amiúde o é – a encarnação de um auditório particular.

Dessa forma, no auditório individual, que é constituído dialogicamente por um só interlocutor, a questão acaba por ser a mesma, uma vez que se vê nele uma simples declinação do auditório universal: “o auditório único encarna o auditório universal” (PERELMAN, 2000, p. 48).

Perelman termina por entender um auditório universal como modelo de todos os auditórios universais, individuais ou particulares. É que nele reen- contra-se uma ideia de necessidade que, segundo ele próprio, caracterizava o formalismo lógico, mas não, precisamente, a argumentação retórica. Escreve o teórico: “uma argumentação que se dirige a um auditório universal deve con- vencer o leitor do caráter constringente das razões fornecidas, da sua evidência, da sua validade intemporal e absoluta, independente das contingências locais e históricas” (PERELMAN, 2000, p. 41).

Esta distinção nasceu quando o teórico belga, ao ler as obras de São Tomás de Aquino, Summa Theologica e Summa Contra Gentile, constatou que ambas continham as mesmas ideias, mas eram profundamente diferentes em relação ao público-alvo a que se dirigiam, de tal sorte que, enquanto a primeira obra era escrita para teólogos (um auditório particularizado pelas crenças e pelos valores que possui), a segunda falava para os descrentes, para os agnósticos, para os ateus. Enfim, fazia um apelo exclusivamente à racionalidade huma- na. Perelman (2000), então, escreve que este apelo dirigia-se a um auditó- rio universal.

Para a argumentação, devem estar presentes duas condições essenciais: deve existir um auditório a ser persuadido ou convencido, e deve haver premis- sas que funcionem como ponto de partida, ao passo que, o auditório, para a teoria da argumentação, não é definido como o conjunto daqueles que escutam um discurso, mas antes como o conjunto daqueles aos quais visa a persuadir.

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Nesse sentido, o modelo de argumentação racional perelmaniano é aquele que é desenvolvido diante de um auditório universal. A argumentação filosófi- ca é o exemplo a ser seguido para a argumentação racional, porque o discurso filosófico caracteriza-se, principalmente, por se dirigir ao auditório universal. Com efeito, o filósofo [orador] dirige-se ao auditório universal, que é fictício, e que é uma representação de seu próprio ambiente cultural.

Trata-se, pois, de um aspecto importante no pensamento de Perelman que precisa o caráter histórico e pessoal de toda a ação argumentativa. Além disso, os argumentos utilizados no auditório universal diferenciam-se do auditório particular quanto ao grau de adesão, porque atingem o seu patamar máximo em face do acordo requerido entre seus constituintes.

Reitera-se que outro conceito muito relevante para a teoria da argumen- tação, em relação ao auditório, é a diferença de procedimento em relação aos discursos demonstrativo-analítico e o retórico. Para o discurso demonstrativo -analítico, que se utiliza da lógica formal, as provas utilizadas são impessoais, devendo ser aceitas universalmente. Para o discurso retórico, no entanto, é vital a relação entre o orador e o auditório a que se dirige. A verdade obtida pela ló- gica formal é sempre universal e incontestável, enquanto que a adesão obtida pela argumentação é sempre a adesão de um auditório determinado, já que pode ser de intensidade variável.

Na esfera do argumentativo não é necessário, afirma o teórico (2000, p. 236) o encerramento definitivo de uma pendência, podendo sempre ser reaberta a questão. Não se concebe uma tal quantidade de precauções em matemática ou nas ciências naturais. O modelo da razão argumentativa é o que se aplica não apenas à defesa, mas à construção das teses nas diversas ciências humanas e sociais, onde a comprovação é sinônimo de argumentação.

Na amplitude que confere ao universo da argumentação, Perelman (2000, p. 237) indica três tipos de auditório: o especializado, o universal e o de elite, sendo o primeiro constituído por especialistas de determinada área, nos moldes da ci- dade científica de Bachelard. Já o auditório universal é típico da filosofia, pois:

Cada pensador – desde que defenda alguma forma de racionalismo – procu- ra construir uma argumentação capaz de persuadir e conquistar a adesão, em princípio, de todos os espíritos racionais. Embora efetivamente o acordo total jamais ocorra, a argumentação filosófica não renuncia à pretensão de se dirigir à universalidade dos espíritos. A pretensão de universalidade pode levar, porém, à afirmação dos auditórios de elite, constituídos segundo critério qualitativo.

Esses auditórios comportam apenas os ‘normais’, os ‘sábios’, os ‘competen- tes’, os ‘beneficiados pela graça’, os ‘eleitos’ – enfim, aqueles que, por algum motivo, se destacariam do restante dos homens, mostrando-se aptos a receber a verdade que escapa aos demais. Permitem esses auditórios também repudiar o oponente como incapacitado, anormal ou recalcitrante, num tipo de intole- rância autoritária que acompanha frequentemente as concepções monistas, teológicas, filosóficas, políticas – e a noção de verdade única.

Diante desse quadro, para o professor belga, o auditório universal é o formado por pessoas que podem compreender todos os argumentos, ou melhor, todos os argumentos convincentes e aceitos por qualquer ser racional. Os filósofos sem- pre pretendem dirigir-se a um auditório universal, pois “todos que compreende- rem suas razões terão de aderir às suas conclusões” (PERELMAN, 2000, p. 35).

Há, ainda, segundo o autor, os auditórios particulares, formados por um grupo de pessoas determinadas, especialistas em certas matérias, por exemplo, os que adotam valores semelhantes, da mesma classe social (PERELMAN, 2000, p. 37).

E, por fim, o auditório universal, afirmando o teórico não ser este absoluto, ou seja, não é um só em todos os tempos, sendo constituído “por cada qual a partir do que se sabe de seus semelhantes, de modo a transcender as poucas oposições de que tem consciência”. Depende da situação, da concepção social, cultural.

Exemplificando:

O auditório de elite nem sempre é considerado assimilável ao auditório universal, lon- ge disso. Com efeito, ocorre muitas vezes que o auditório de elite queira ficar distinto do homem comum; nesse caso, a elite é caracterizada por sua situação hierárquica. Muitas vezes, porém, o auditório de elite é considerado o modelo ao qual devem amoldar-se os homens para serem dignos desse nome; o auditório de elite cria, então, a norma para todo o mundo. Nesse caso, a elite é a vanguarda que todos seguirão e à qual se moldarão. Apenas a sua opinião importa, por ser, afinal de contas, a que será determinante. O auditório de elite só encarna o auditório universal para aqueles que lhe reconhecem o papel de vanguarda e de modelo. Para outros, ao contrário, ele constituirá apenas um auditório particular. Varia conforme as concepções que se têm. (PERELMAN, 2000, p. 38)

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No entanto, como destaca Perelman (2000, p. 73), estes podem recusá-las, “seja por não aderirem ao que o orador lhe apresenta como adquirido, “seja por per- ceberem o caráter unilateral da escolha de premissas, seja por ficarem contra- riados com o caráter tendencioso da apresentação delas”. Se isso acontecer, toda a argumentação pode restar prejudicada, razão pela qual deve haver um acordo referente às premissas.

Desse modo, quando o auditório e as premissas encontram-se definidas, a argumentação desenrola-se de acordo com um plano cujo objetivo é persuadir ou convencer o auditório. Esse plano implica a escolha de argumentos, bem como a sequência e a técnica de sua apresentação. Não se pode determinar a força persuasiva de um argumento isoladamente, porque ela depende da forma como ele se articula numa cadeia ou numa rede de vários argumentos.

Na teoria perelmaniana, a posição do auditório ou do auditor assemelha- se à de um juiz, que pondera, pesa os argumentos, antes de dar ou negar seu assentimento. A razão argumentativa segue o modelo jurídico e não o modelo matemático, pois, não podendo recorrer à evidência da prova demonstrativa, que se impõe a todos, tem que deixar a possibilidade de revisão das decisões e adesões. Para a argumentação, segundo Perelman, devem estar presentes duas condições essenciais: deve existir um auditório a ser persuadido ou convencido e premissas que funcionam como ponto de partida.

Acresce o filósofo belga que “aquele que argumenta não se dirige ao que consideramos como faculdades, como a razão, as emoções, a vontade. O orador dirige-se ao homem todo [...]” (PERELMAN, 2000, p. 35). Daí a distinção entre persuasão e convencimento – quando centrada nos índices de confiabilidade e validação inerentes ao par racional/irracional –, pareça nada poder vir a acres- centar à compreensão do ato retórico.

Estará mesmo contraindicada, pois “os critérios pelos quais se julga poder separar convicção e persuasão são sempre fundamentados numa decisão que pretende isolar de um conjunto – conjunto de procedimentos, conjunto de fa- culdades – certos elementos considerados racionais” (PERELMAN, 2000, p. 29). Assim como existem instâncias de julgamento para as quais se apela de uma sentença, o campo do argumentativo deve possibilitar a reabertura da discus- são, propiciando, se for o caso, a mudança de opinião.

Perelman afirma que o principal objetivo de um orador é conseguir a adesão às suas propostas, razão por que observa o teórico que o orador deve adaptar o seu discurso ao seu auditório, sob pena de ver seriamente afetada a eficácia do

seu discurso. Essa adaptação consiste, essencialmente, no reconhecimento de que só pode escolher como ponto de partida do seu raciocínio, teses já admi- tidas por aqueles a quem se dirige, mesmo que lhe pareçam inverossímeis. Já vimos que a finalidade da argumentação – ao contrário da demonstração – não é provar a verdade da conclusão a partir da verdade das premissas, mas sim, como descreve Perelman: “transferir para as conclusões a adesão concedida às premissas” (PERELMAN, 2000, p. 73).

Não se preocupar com a adesão do auditório às premissas do seu discurso, levaria o orador a cometer a mais grave das faltas – a petição de princípio (2000, p. 125) – ou seja, apresentar uma tese como já aceite pelo auditório, sem cuidar primeiramente de confirmar se ela se beneficia previamente de uma suficiente adesão. A argumentação, como o seu próprio nome sugere, corresponde a um encadear de argumentos intimamente solidários entre si, com o fim de mostrar a plausibilidade das conclusões.

Se uma das premissas do raciocínio argumentativo for contestada, quebra- se essa cadeia de solidariedade, independentemente do valor intrínseco da tese apresentada pelo orador. É que uma coisa é a verdade da tese, outra é a adesão que ela suscita, pois mesmo que a tese fosse verdadeira, supô-la admi- tida, quando é controversa, constitui uma petição de princípio característica. E como a adesão pressupõe consenso, o orador deve recorrer aos possíveis obje- tos de acordo para neles fixar o ponto de partida da sua argumentação.

Para Perelman, a expressão geralmente aceite não deve ser confundida com uma probabilidade calculável, por ser portadora de um aspecto qualitativo que a aproxima mais do termo razoável do que do termo provável.

Se o raciocínio dialético parte do que é aceite, com o fim de fazer admitir ou- tras teses que são ou podem ser controversas, é porque tem o propósito de per- suadir ou convencer, de ser apreciado pela sua ação sobre outro espírito, numa palavra, é porque não é impessoal, como o raciocínio analítico. Podemos, en- tão, fazer a distinção entre os raciocínios analíticos e os raciocínios dialéticos com base no fato de os primeiros incidirem sobre a verdade e os segundos so- bre a opinião. É que, como diz o filósofo, seria [...] tão ridículo contentarmo-nos com argumentações razoáveis por parte de um matemático como exigir provas científicas a um orador (PERELMAN, 1993, p. 22).

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mediante o diálogo, obter uma adesão necessária do interlocutor, já que suas teses corresponderiam à verdade. Para a Teoria da Argumentação, a razão his- tórica é vista (PESSANHA. 1989, p. 232-233):

Este é um dos princípios básicos da retórica que Perelman (2000, p. 23) ex- plica melhor do que ninguém: “O conhecimento de um auditório não é inde- pendente do conhecimento da forma de o influenciar, [...] é também o conhe- cimento da forma de o moldar e ainda o conhecimento de quanto ele já está moldado num qualquer momento do discurso” (SANTOS, 2006, p. 100).

Sendo estudioso de lógica, durante muitos anos, Perelman acabou interes- sando-se pela criação de uma lógica dos juízos de valor que pudesse fornecer critérios objetivos e universais para a aferição de valores, em vez de relegá-la ao arbítrio de cada um. Seguiu este caminho por discordar da posição positivista que, ao limitar o papel da lógica, do método científico e da razão à solução de problemas de fundo meramente teórico, abandona a solução dos problemas humanos à emoção, aos interesses e à violência.

Perelman (2000, p. 42), aliás, admite que a íntima deliberação serve, por- tanto, para “intensificar a convicção” já arraigada, do que a receber novas opi- niões, embora solidamente argumentadas. Em todo o caso, há pelo menos um aspecto inegavelmente e necessariamente presente em qualquer tipo de argu- mentação qualquer que seja a sua relação à ação. O discurso argumentativo é sempre constituído por uma palavra performativa, no sentido em que essa pa- lavra cumpre uma ação persuasiva que procura o efeito de “mover a mente” do Outro, ”comovê-la” até criando uma certa “disposição de ação”.

O que também significa, uma vez mais, que, se a ação escolhe a palavra para se exercer, é porque renuncia à violência. Como escreve Perelman (2000, p. 44): “[...] toda argumentação pode ser vista como um substituto da força material que, pelo constrangimento, propõe-se a obter efeitos da mesma natureza”. Habermas (2002) envereda também por esta direção quando distingue a ação comunicativa mediada pela discussão argumentada que pressupõe a aceita- ção mútua de uma certa “ética da discussão”, à ação estratégica que se impõe (instrumentalmente).

A noção perelmaniana de auditório passa, portanto, pela de reconhecimen- to, o que implica a renúncia à violência, mesmo se esta for simbólica. Aliás, os termos em que Perelman define o auditório, aproximam-no singularmente da já referida definição do espaço público. Diz o professor belga: “[...] o auditório é o conjunto daqueles que o orador quer influenciar pela sua argumentação” (PERELMAN, 2000, p. 25).

O reconhecimento do interlocutor por parte do orador faz do auditório, em grande parte, uma construção deste, já que o orador lhe demarca os limites e define-lhe a identidade. Assim, quando o líder do PC afirma estar disposto a falar “com todos os partidos democráticos”, o auditório sabe bem quem ele ex- clui do universo dos partidos “democráticos”. Inversamente, quando o chefe de um partido da direita pronuncia exatamente a mesma frase “estamos dispostos a negociar com todos os partidos “democráticos”, sabemos também que esse universo não inclui o PC. Em ambos os casos, cada orador delimita e constrói o universo daqueles que admite como seu auditório. Em boa parte, toda a argu- mentação tem de ser construída a partir do que se definiu ser o seu destinatá- rio, quer dizer, o seu auditório (PERELMAN, 2000, p. 27).

É essencial, pois, conhecer o auditório, saber quais são as teses que se su- põe que ele aceitaria, e que poderiam servir de premissas para a argumentação que o advogado se propõe a desenvolver. Ou seja, diríamos que a Nova Retórica provoca o jurista a não pensar os fatos dentro de um sistema legal fechado, mas a pensá-lo como ocorrências suscetíveis de valoração, ao lado de normas igual- mente suscetíveis de valoração, justapostas a provas também suscetíveis de va- loração, que se aconchegam em argumentos favoráveis ou contrários aos inte- resses em jogo em determinada causa, mas que, de qualquer forma, revelam-se por meio do discurso e da prática judiciária.

Se o orador desconhecer o auditório, poderá construí-lo como uma presun- ção sua, mas o auditório presumido deve se aproximar da realidade, sob pena da argumentação perder em eficácia. Com essa noção de auditório presumido,

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