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Características: Argumentação Jurídica

Argumentação Jurídica

3.1 Características: Argumentação Jurídica

A argumentação é um dos elementos mais importantes da Ciência Jurídica, pois praticamente todas as atividades dos operadores do Direito envolvem de alguma forma a apresentação de razões com o intuito de fundamentar, argu- mentar, justificar, convencer, persuadir o auditório de que aquilo que se afirma é válido e verdadeiro. O que define um bom advogado ou jurista é sua capacida- de de construir argumentos e manejá-los com habilidade.

O entendimento da importância da argumentação para o profissional do Direito está cada vez mais presente no mundo jurídico. Diversas são as teorias, os livros, os autores que buscam desenvolver teorias de argumentação eficien- tes para a prática jurídica. Um bom jurista é um bom argumentador e não pou- cas vezes é a qualidade da argumentação que determinará a vitória ou a derrota. Apesar de sua importância, destaca Atienza (2003, p.17) que: “[...] pouquíssi- mos juristas leram uma única vez um livro sobre a matéria e, seguramente, muitos ignoram por completo a existência de algo próximo a uma “teoria da argumentação jurídica.”

Abbagnano (1998, p.79), em seu “Dicionário de Filosofia”, afirma que argu- mento: “[...] é qualquer razão, prova, demonstração, indício, motivo capaz de captar o assentimento e de induzir à persuasão ou à convicção.”

Manuel Atienza (2003, p.18) afirma que argumentar: “[...] é uma atividade que consiste em dar razões a favor de ou contra uma determinada tese que se trata de defender ou de refutar.” É fato que a arte de argumentar encontra-se presente na atividade jurídica a todo momento: o advogado deve argumentar para persuadir o juiz de que seus argumentos são válidos e que ele deve decidir a seu favor, deve argumentar com o cliente, demonstrando qual são as opções que ele possui para solucionar o seu problema e qual delas é a mais indicada ou, então, persuadi-lo de que ele é o advogado certo para a causa e que aquele é o valor justo de honorários.

Garcia (1997, p.370) explica que argumentar é convencer (leia-se persuadir) mediante a apresentação de razões, de provas e de um raciocínio coerente. E que a “legítima argumentação deve ser construtiva na sua finalidade, coope- rativa em espírito e socialmente útil”, sendo os seus elementos principais: a consistência do raciocínio e a evidência das provas.

O juiz deve argumentar de forma a fundamentar todas as suas decisões, em busca do convencimento o auditório [sociedade como um todo], garantindo

que a decisão está de acordo com a lei e não é uma decisão arbitrária, conforme garantia constitucional presente no art. 93, inciso IX: “[...] todos os julgamen- tos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, [...]”.

O promotor também argumenta para persuadir o juiz a julgar a seu favor, instaurar ação penal na denúncia. Também os especialistas do direito, os au- tores, os doutrinadores argumentam em seus livros e artigos com o objetivo de demonstrar e convencer os juristas de que o que dizem é “correto”.

A argumentação não é apenas um fato presente na atividade jurídica, mas é muitas vezes o fator determinante da vitória ou da derrota. Por exemplo, na atividade jurisdicional, a capacidade de persuasão dos argumentos irá exercer grande influência no julgador no momento de decidir qual das partes envolvi- das será favorecida.

Perelman (2000) faz distinção entre os termos persuadir e convencer. Afirma que a persuasão busca atingir o interlocutor por meio dos sentimentos, da von- tade, por meio de argumentos plausíveis ou verossímeis, estando, portanto, vinculado à emoção, ao agir; enquanto convencer é estritamente ligado à razão, por meio de provas objetivas e claras, ao crer, ligado, pois, à lógica.

A argumentação implica produzir razões em favor daquilo que se afirma, mostrar que razões são pertinentes e o porquê de rebater outras razões que jus- tificariam uma conclusão distinta. Percebe-se, assim, que argumentar é uma atividade muito complexa, o que destaca ainda mais a importância do uso de argumentos consistentes e de qualidade.

Os argumentos podem ser avaliados de um ponto de vista formal como vá- lidos ou inválidos, de um ponto de vista material como mais ou menos consis- tentes, e de um ponto de vista pragmático como mais ou menos persuasivos.

Na prática forense, o operador do Direito busca sempre superar os argu- mentos contrários à sua tese, de forma a invalidar a tese contrária à sua, razão por que a argumentação constitui, em todos os sentidos, a principal ferramen- ta dos profissionais do Direito.

Por essa razão, o objeto da argumentação jurídica é visar à sustentação de uma tese, de tal modo que cada tese é passível de uma antítese, o que determi- na que as escolhas dos argumentos aspiram a superar ou a minimizar as fragili-

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Nessa linha de pensamento, afirma o teórico belga (PERELMAN, 2000, p. 11): “Um argumento não é correto e coercitivo ou incorreto e sem valor, mas relevante ou irrelevante, forte ou fraco,consoante razões que lhe justificam o emprego no caso”. É por isso que o estudo dos argumentos, que nem o Direito nem as ciências humanas nem a filosofia podem dispensar, não se prende a uma teoria da demonstração rigorosa, concebida a exemplo de um cálculo me- canizável, mas a uma teoria da argumentação.

Portanto, existem decisões ou teses com fundamentos mais fortes, ou seja, com argumentos melhores que as sustentam, e que esses fundamentos, que nada mais são que argumentos, sustentam uma tese ou um posicionamento, mas não lhe comprovam a verdade, pois existem, no Direito, dois posiciona- mentos totalmente distintos, sem que em qualquer deles haja erro, razão por que se afirma que a verdade de cada um é sempre parcial.

Segue um exemplo de narrativa jurídica e, em seguida, de argumentação ju- rídica, para que se perceba a diferença entre as características que compõem esses dois gêneros textuais:

Narrativa Jurídica

O pescador Ademar Manoel Pereira morava com a família, em julho 2004, em um bar- raco de madeira que incendiou e todos os móveis foram destruídos, não podendo nada ser recuperado. E, por isso, devido às dificuldades financeiras, atrasou o pagamento das contas de água à CASAN (Companhia Catarinense de Águas e Saneamento).

Conforme afirmou Marlene Teixeira Pereira, esposa do pescador, ela foi ao escritório da companhia para pedir o parcelamento da dívida, pois não teriam condições de pagar a quantia à vista, porque o marido estava reconstruindo a casa com a ajuda da comunidade local, e não poderia a sua família ficar sem água.

Entretanto, o representante da CASAN negou o pedido de Marlene Pereira e a com- panhia cortou o fornecimento de água devido ao atraso de pagamento por parte do usuário, em dezembro de 2004.

O pescador trabalha na Prefeitura de Piçarras (SC) e recebe mensalmente um salário mínimo.

Argumentação Jurídica

O fornecimento da água não pode ser interrompido por inadimplência, pois, por se tratar de serviço público fundamental, é essencial e vital ao ser humano, não podendo, assim, ser suspenso pelo atraso no pagamento das respectivas tarifas, já que o Poder Público dispõe dos meios cabíveis para a cobrança dos débitos dos usuários.

A requerida Companhia Catarinense de Águas cometeu, grosso modo, um ato re- provável, desumano e ilegal. É ela obrigada a fornecer água à população de maneira adequada, eficiente, segura e contínua e, em caso de atraso por parte do usuário, não poderia ter cortado o seu fornecimento, expondo o consumidor ao ridículo e ao cons- trangimento, casos previstos, inclusive, no Código de Defesa do Consumidor (CDC). É fato que o art. 42 do CDC não permite, na cobrança de débitos, que o devedor seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Embora a requerida CASAN tenha alegado à requerente que o fornecimento de água constitui serviço remunerado por tarifa, e que deve ser permitida sua inter- rupção no caso de não pagamento das contas, a requerida deve usar os meios legais próprios, não podendo fazer justiça privada porque hoje se vive no império da lei, e os litígios são compostos pelo Poder Judiciário, e não pelo particular.

A água é bem essencial e indispensável à saúde e higiene da população. Seu fornecimento é serviço público indispensável, subordinado aos princípios da con- tinuidade, sendo impossível, pois, a sua interrupção e muito menos por atraso no seu pagamento.

Primeiramente, resta evidente que o fornecimento de serviços água encanada em áreas urbanas, é considerado serviço público essencial, assim definido pela Lei 7.783, de 28/6/89. Como todo e qualquer serviço público, o fornecimento de água está sujeito a cinco requisitos básicos: a) eficiência; b) generalidade; c) cortesia; d) modici- dade e finalmente e) permanência.

A permanência, principalmente no que tange aos serviços públicos essenciais, está ainda sedimentada no artigo 22, “caput – parte final” do Código de Defesa do Consu- midor: “Art. 22: Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permis- sionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quando essenciais, contínuos”.

Assim, resta como evidente que o serviço de fornecimento de água, por ser essencial, não pode ser interrompido sob qualquer pretexto. Evidentemente, que a empresa

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A requerida, como concessionária dos serviços de fornecimento de água encanada à população, explora na verdade um serviço público essencial à dignidade humana, posto que ligada diretamente à saúde e ao lazer.

Aliás, a dignidade da pessoa humana encontra-se entre os princípios fundamentais de nossa Nação, como se encontra insculpida no artigo 1º, inciso III, da Constituição Fe- deral. E mais, o artigo 6º da Carta Magna reconhece que a saúde e o lazer são direitos sociais assegurados a todos os cidadãos e que incumbem ao Estado conforme se vê do artigo 196 da Constituição Federal: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. A matéria novamente foi referendada pelo CDC na primeira parte do inciso I do artigo 6º: “Artigo 6º – São Direitos básicos do consumidor: I – a proteção à vida, à saúde…”.

Não pode desta forma a requerida, como concessionária de serviços públicos de fornecimento de água encanada, proceder a cortes, a fim de coagir a requerente ao pagamento, já que se trata, o seu fornecimento, de um dos direitos integrantes da cidadania.

Se não houve o pagamento, incumbe à requerida empresa concessionária do serviço adotar providências que a lei lhe assegura para efetuar a cobrança do que lhe é devido. O que não se pode admitir nem permitir é a absurda exceção concedida a estas empresas para que procedam à margem da lei e do judiciário, realizando sua própria justiça.

Portanto, o inadimplemento quanto ao pagamento da taxa de água não dá à reque- rida concessionária o direito de suspender o fornecimento, como forma de compelir o usuário a pagar a dívida. Tal conduta extrapola os limites da legalidade, existindo, como já se sabe, outros meios para buscar o adimplemento do débito.

Conclusão

Em face do exposto, requer-se que a requerida Companhia Catarinense de Águas seja obrigada a fazer a religação da água e cobrança pelas vias adequadas para rece- bimento de pagamentos em atraso.

Observe o quadro abaixo para compreender melhor as diferenças formais e linguísticas existentes entre a construção de um texto narrativo e argumentativo:

NARRAÇÃO ARGUMENTAÇÃO

OBJETIVO

Expor os fatos relevantes do caso concreto a ser solucionado no Judiciário.

Defender uma tese compatível com o interesse da parte que o advogado representa para sustentação do pedido que se pretende ter acolhido pelo judiciário.

IMPORTÂNCIA DO FATO

Cada fato representa uma infor- mação que compõe a situação fática a ser conhecida pelo judiciário.

O fato (informação) narrado é interpretado à luz do ordena- mento jurídico e transformado em elemento de persuasão que é o raciocínio; para sustentação da defesa tese pretendida (Des- critivo-Valorativo-Normativo).

TEMPO VERBAL UTILIZADO

Pretéritos (perfeito, imperfeito, mais-que-perfeito), porque todos os fatos narrados já ocorreram.

O presente é usado somente para os fatos que se iniciaram no passado e que perduram até o momento da narração. O futuro não é utilizado porque fatos futuros são incertos, hipotéticos.

Presente atemporal. Pretérito Perfeito: só deve ser usado para retomar os fatos (provas / indícios) relevantes da narrativa jurídica, com os quais se defen- derá a tese.

PESSOA DO DISCURSO

Utiliza-se a 3ª pessoa do singu- lar, por marcar a imparcialidade do advogado, passando, assim, maior veracidade aos fatos narrados.

Utiliza-se a 3ª pessoa do singular em busca de maior persuasão e veracidade para os argumentos formulados.

ORGANIZAÇÃO

Os fatos são narrados e descritos em ordem cronológica, isto é, na mesma ordem em que aconteceram no mundo natural (= relógio/calendário).

Os argumentos são organiza- dos em uma linha de raciocínio lógica, coerente e coesa em busca da persuasão do audi- tório. É de grande relevância a consistência do raciocínio e a evidência das provas.

ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA

O quê? (fato gerador do confli- to/pedido); quem? (partes pro- cessuais); onde? (local do fato); quando? (momento do fato-dia.

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NARRAÇÃO ARGUMENTAÇÃO

ESTRUTURA DA ARGUMENTAÇÃO

O fato gerador do conflito (nexo causal), apresentação explícita da tese a ser defendida, cons- trução de argumentos fortes ou consistentes, a partir dos fatos relevantes selecionados, para sustentação da tese a ser apre- sentada, seleção dos tipos de argumentos para sustentação da tese de forma persuasiva.

NATUREZA DO TEXTO

A narrativa possui função informativa, mas é também entendida como um excelente recurso persuasivo a serviço da argumentação.

A argumentação tem função persuasiva por excelência.

CURIOSIDADE

A nomenclatura fundamentação é usada apenas como forma no Direito: as peças jurídicas que buscam apenas o convencimento do raciocínio próprio, ou seja, voltadas apenas para o emissor, como em opinamentos (Pareceres) e atos decisórios (Sentenças, Acórdãos e similares), voltam-se exclusivamente para a convicção do julgador ou do parecerista, sem necessitar da persuasão ou adesão do receptor (auditório), bastando apenas o convencimento do julgado ou opinamento dado.

Contudo, no caso da argumentação jurídica, produzida e apresentada pelas partes por meio de seu representante legal, há necessidade da adesão e da persuasão do auditório (juiz ou tribunal de júri) para obtenção da pretensão deduzida em juízo. Logo, a fundamentação volta-se para o raciocínio próprio (emissor) e busca somente o convencimento, já a argumentação jurí- dica volta-se para o auditório (receptor) e necessita da persuasão e adesão dele para obtenção do sucesso em seu pleito. Por essa razão esses termos não devem ser usados aleatoriamente.

3.2 Tese e Argumentos: Argumentação