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A vila e sua fábrica : imagens da comunidade da Vila Light nas memórias de seus ex-moradores

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

GABRIEL CARLOS DE SOUZA SANTOS

A VILA E SUA FÁBRICA: IMAGENS DA COMUNIDADE DA VILA

LIGHT NAS MEMÓRIAS DE SEUS EX-MORADORES.

Campinas

2019

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GABRIEL CARLOS DE SOUZA SANTOS

A VILA E SUA FÁBRICA: IMAGENS DA COMUNIDADE DA VILA LIGHT NAS MEMÓRIAS DE SEUS EX-MORADORES.

Dissertação apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em História na Área de Política, Memória e Cidade.

Supervisora/Orientadora: Profa. Dra. CRISTINA MENEGUELLO

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO REALIZADA PELO ALUNO GABRIEL CARLOS DE SOUZA SANTOS, E ORIENTADA PELA PROFA. DRA. CRISTINA MENEGUELLO.

CAMPINAS 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Dissertação de Mestrado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 24/05 considerou o candidato Gabriel Carlos de Souza Santos aprovado.

Profa Dra Cristina Meneguello Profa Dra Aline Vieira de Carvalho

Profa Dra Ana Carolina de Moura Delfim Maciel

A Ata de Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertações/Teses e na Secretaria do Programa de Pós-Graduação em História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

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À Fernanda,

Por todo o apoio que me ofereceu ao longo desta pesquisa. Pelas sugestões e críticas que tanto contribuíram para o nascimento e crescimento deste trabalho.

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AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa é fruto de estudos que venho realizando desde o final de 2013 e que envolveram variadas etapas e contaram com a colaboração de diversas pessoas e instituições. Ademais, partindo de minhas experiências de vida e de meu contato próximo com a comunidade estudada, inúmeras são as pessoas que, de alguma forma, participaram da produção deste texto e a quem gostaria de agradecer. Certo do risco de esquecer um ou outro nome, busco elencar aqui aquelas cuja participação foi fundamental e sem as quais não teria sido possível realizar esta pesquisa.

Agradeço, primeiramente, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pela bolsa de Mestrado concedida através do processo 134324/2016-1, de suma importância para a dedicação à atividade de pesquisa. Por óbvio que pareça, é válido lembrar que o financiamento de pesquisas é requisito para o desenvolvimento da ciência. Ao CNPq, agradeço o financiamento, sem o qual esta pesquisa não teria se concretizado. Agradeço também à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) pelo financiamento do Temático Eletromemória II (processo 12/51424-2), ao qual esta pesquisa esteve profundamente vinculada e que foi de suma importância para o desenvolvimento da mesma.

Agradeço à Professora Doutora Cristina Meneguello que, com grande dedicação e paciência, orientou esta pesquisa e sempre mostrou profundo interesse em debater seu desenvolvimento e resultado. As sugestões e críticas por você apresentadas, Cris, enriqueceram muitíssimo esta pesquisa.

Sou também imensamente grato a meus pais, Goreth e Adalberto, cujo suporte emocional e financeiro foi fundamental ao longo da graduação e do Mestrado. Agradeço também a meu irmão, Matheus, e a meus avós, Idílio e Odette, pelo companheirismo incondicional. O interesse de vocês por meu trabalho e o apoio e amor que sempre me deram foram de suma importância. Vocês são incríveis.

Esta pesquisa se desenvolveu com o apoio de Fernanda Drumond, querida companheira e colega de Departamento, por quem nutro profunda admiração e a quem dedico este trabalho. Foi sua a sugestão desse tema de estudo, ainda no início de 2013, em uma visita que juntos fizemos à Vila Light. Ao longo de todos esses anos, seu envolvimento nos estudos e seu interesse pelo desenvolvimento da pesquisa contribuíram imensamente para a construção desta obra. A você, Fer, agradeço pelos excelentes debates e por todo o carinho e amor.

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Não posso deixar de citar, também, os ligtheanos, que, em sua maioria, se mostraram muito solícitos e interessados no desenvolvimento desta pesquisa. Este trabalho é também para vocês e espero que ela contribua para suas vidas. Especialmente, gostaria de citar aqueles com quem pude estabelecer um contato mais próximo e com quem pude muito aprender: Sra. Odette de Souza, Sr. Idílio de Souza, Sr. Djalma dos Santos, Sra. Vera Olcese, Sr. Manoel Pinheiro, Sr. José Dimas Teixeira, Sra. Ivone Monteiro, Sra. Rita Rocha, Sr. Wellington Moraes (Fininho) [IN MEMORIAN], Sra. Aurea Ribeiro (Nete), Sra. Yolanda Souza [IN MEMORIAN], Sra. Rita de Souza, Sra. Ana Paula Souza, Sr. Waldemar Barbosa [IN MEMORIAN], Sra. Ivanir de Souza, Sr. Agostinho Guerra, Sr. Napoleão Figueira, Sr. N. G. [opção por anonimato], Sr. Belmiro Rodrigues, Sr. Nassin Caran, Sra. Ieda de Souza e Sr. Irineu de Souza.

À Universidade Estadual de Campinas, ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e a seu Departamento de História, agradeço pelo acolhimento. A atividade de pesquisa, embora autoral, tem algo de coletiva. Os debates com os colegas de Instituto, a imersão no ambiente acadêmico e o dedicado trabalho de cada um dos funcionários desta casa foram de suma importância para que este estudo pudesse se desenvolver. A cada uma dessas pessoas, meu muito obrigado.

Dos profissionais e instituições que contribuíram para a realização deste estudo, gostaria de destacar alguns, sem diminuir a importância dos demais: Santos, Bel e Neyva, da Biblioteca Octavio Ianni; Leandro, da Secretaria de Pós-Graduação; Djalma e Edson, da Empresa Metropolitana de Águas e Energia; funcionários dos Arquivos Históricos do Centro de Memória da Unicamp; funcionários da Fundação Energia & Saneamento; e funcionários do Arquivo Histórico Municipal de Cubatão. Agradeço, ainda, ao Sr. Arlindo Ferreira, memorialista cubatense, por seus relatos e pela cessão de imagens utilizadas neste trabalho.

Agradeço também aos professores do Programa de Pós-Gradução em História do IFCH e aos demais professores e pesquisadores da Unicamp com os quais pude ter um contato próximo. As discussões por vocês instigadas atravessaram, direta ou indiretamente, a produção desta pesquisa e colaboraram para minha formação como Historiador. Particularmente, agradeço à Professora Doutora Josianne Cerasoli e à Professora Doutora Maria Tereza Duarte Paes, por sua presença na banca de minha Qualificação e pelas críticas e sugestões feitas à versão parcial desta Dissertação, e à Professora Doutora Aline Vieira de Carvalho e à Professora Doutora Ana Carolina de Moura Delfim Maciel, por sua participação na banca de defesa desta Dissertação e pelas ricas contribuições que fizeram a este trabalho.

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Agradeço, ainda, à equipe da Olímpiada Nacional em História do Brasil. Ao longo da pesquisa de Mestrado, pude participar de diversas edições da Olimpíada. Os debates que realizamos e o processo de formação desse belíssimo projeto participaram diretamente de meu processo formativo. Tem sido um enorme prazer trabalhar com cada um de vocês.

Por fim, agradeço aos membros do Temático FAPESP Eletromemória II. Os estudos que realizamos juntos colaboraram imensamente para a melhor compreensão de meu tema de pesquisa e de sua inserção em um contexto mais amplo. Agradeço, especialmente, ao Professor Gildo Magalhães dos Santos Filho pelo convite para o Temático e por todos os ensinamentos.

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Seguimos então para a nova Casa de Força, onde eram utilizados alguns galões da correnteza represada mais acima. A espetacular extensão de águas mergulhava seiscentos metros nas rodas armadas nas extremidades com caçambas partidas, impelidas por jatos de dezessete centímetros. A engenhoca toda – chamam-na Roda de Pelton – é assim movida com rapidez. Duas rodas como essas dão vida ao Demônio Encapuzado – Abu Bijl’ – o Deus dos Relâmpagos – e deve-se aproximar com a cabeça descoberta, ou a mera passagem de seu sopro arrancará o chapéu de sua cabeça.

O Deus dos Relâmpagos: como a energia chegou a São Paulo

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RESUMO

Inaugurada no ano de 1926, a Usina de Cubatão desempenhou um importante papel no processo de industrialização do estado de São Paulo. Principal centro gerador do sistema produtor de energia elétrica da The São Paulo Tramway, Light and Power Company Limited, a usina fornecia eletricidade para iluminação pública e privada e como força motriz para diversos ramos industriais. A instalação da usina contou com a implantação de um sistema de habitação para seus trabalhadores, seguindo a lógica do que se convencionou chamar vilas operárias. O caráter temporário da moradia – diretamente relacionado ao contrato de trabalho – acarretou um número expressivo de trabalhadores vinculados à vila e a impossibilidade de estes se manterem habitando o local após o termino de seus contratos. O que se verificou, no entanto, é que apesar da distância física para com a vila após o encerramento dos contratos de trabalho, os ex-moradores da Vila Light mantiveram profundos vínculos com aquele território. Desta maneira, a partir de relatos orais e acervos imagéticos de ex-moradores da Vila Light, esta pesquisa buscou mapear o modo como as memórias individuais desses sujeitos em relação ao território da vila operária se aproximam ou se chocam, orbitando em torno da vacilante recordação do que um dia foi uma comunidade.

PALAVRAS-CHAVE

Patrimônio Industrial; Memória do Trabalho; Identidade operária; História da técnica; Eletricidade

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ABSTRACT

Usina de Cubatão was inaugurated in 1926 and played an important role in São Paulo state’s industrialization process. As it was the main power plant of The São Paulo Tramway, Light and Power

Company Limited electric system, this hydroelectric plant provided electricity for public and private

illumination and driving force for various industrial sectors. The plant’s installation counted on the implantation of a housing system for its workers, according to the logic of the so-called company towns. The transitory character of the housing for employees resulted in a large number of workers related to the town and in the impossibility for them of keeping living on that place after the termination of their employment contracts. However, the research verified that, despite their physical distance from the town after the ending of the work contract, the former residents of Vila Light kept a strong identity bound to that place. Thus, based on oral narratives and image collections of the former residents of Vila Light, this thesis tried to map the way these agents’ individual memories about the company town bump or approach to each other, revolving around the faltering remembrance of what has once been a community.

KEY-WORDS

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1: Reprodução de mapa anexado ao capítulo “Cubatão e suas indústrias”, com

legenda explicativa de Goldenstein.. ... 30

FIGURA 2: Reprodução de mapa anexado ao capítulo “Cubatão e suas indústrias”, com

legenda explicativa de Goldenstein. ... 31

FIGURA 3: Planta do acampamento permanente das usinas de Cubatão – 1963. Autoria de

Maria de Lourdes Radesca. ... 35

FIGURA 4: Vista das fachadas frontal e lateral direita da pensão B. Fotografia produzida

pelo autor em 30/07/2014 ... 36

FIGURA 5: Vista das fachadas frontal e lateral esquerda da pensão A. Fotografia produzida

pelo autor em 30/07/2014 ... 36

FIGURA 6: Vista parcial das pensões A e B. Fotografia do autor, de 30/07/2014... 37

FIGURA 7: Fotografia de N. L. Corte das casas de alvenaria tipo A. Publicada no artigo de

Maria de Lourdes Radesca ... 39

FIGURA 8: Fotografia de N. L. Corte das casas geminadas tipo C. Publicada no artigo de

Maria de Lourdes Radesca ... 39

FIGURA 9: Fotografia de N. L. Corte das casas de alvenaria tipo B. Publicada no artigo de

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FIGURA 10: Fotografia de N. L. Corte das casas geminadas de alvenaria tipo A. Publicada

no artigo de Maria de Lourdes Radesca ... 41

FIGURA 11: Vista panorâmica do trecho da Serra do Mar cortado pelas adutoras da Usina

Externa Henry Borden. Fotografia produzida pelo autor em 30/07/2014 ... 45

FIGURA 12: Fotografia oficial da São Paulo Light, datada de 08/08/1925, retratando o trecho da Serra de Cubatão em que estavam sendo instaladas as tubulações adutoras. Acervo da Fundação Energia & Saneamento. ... 55

FIGURA 13: Fotografia oficial da São Paulo Light, datada de 22/12/1927, retratando o canal de descarga e a casa de máquinas da Usina de Cubatão. Acervo da Fundação Energia & Saneamento ... 56

FIGURA 14: Vista do conjunto de adutoras da Usina Henry Borden. Fotografia produzida

pelo autor em 30/07/2014, a partir do interior da Casa de Visitas do pé da serra ... 57

FIGURA 15: Pedra fundamental da Usina Externa Henry Borden, com conjunto de adutoras

ao fundo. Fotografia produzida pelo autor em 19/04/2014 ... 57

FIGURA 16: Fotografia do acervo da São Paulo Light apresentando a Casa de Máquinas da

Usina Externa e o conjunto de adutoras. Publicada no artigo de Maria de Lourdes Radesca ... 76

FIGURA 17: Fotografia do acervo da São Paulo Light apresentando a Barragem do Rio das

Pedras. Publicada no artigo de Maria de Lourdes Radesca ... 77

FIGURA 18: Fotografia do acervo da São Paulo Light apresentando a entrada da Usina

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FIGURA 19: Planta do município de Cubatão em 1963 e legenda de autoria de Léa

Goldenstein. Publicadas no artigo de Goldenstein ... 82

FIGURA 20: Fotografia aérea de Cubatão em 1963, acompanhada de legenda de autoria de

Léa Goldenstein. Publicadas no artigo de Goldenstein ... 83

FIGURA 21: Conjunto de adutoras da Usina Externa com Casa de Máquinas e elementos

próximos. Imagem publicada na Tese de Doutorado de Léa Goldenstein ... 92

FIGURA 22: Fotografia oficial da São Paulo Light dando destaque ao Acampamento D.

Acervo da Fundação Energia & Saneamento ... 95

FIGURA 23: Sra. Yolanda de Souza posando em frente a um arbusto de azaleias. Fotografia

selecionada do álbum de família de dona Ivone Monteiro ... 131

FIGURA 24: Página do álbum de família da Sra. Ivone Monteiro ... 132

FIGURA 25: Fotografia selecionada do acervo pessoal da Sra. Yolanda de Souza. Uma

fotografia idêntica foi encontrada no álbum de família de dona Ivone Monteiro ... 133

FIGURA 26: Fotografia selecionada do álbum de família de dona Ivone Monteiro ... 133

FIGURA 27: Fotografia selecionada do álbum de família de dona Ivone Monteiro ... 134

FIGURA 28: Parque de diversões da escola da Vila Light. Acervo da Fundação Energia &

Saneamento ... 152

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FIGURA 30: Detalhes destacados da figura 28 ... 156

FIGURA 31: Time de futebol do CAUC comemorando o bicampeonato municipal em 1951.

Acervo pessoal de Ivanir Souza... 160

FIGURA 32: Time de futebol do CAUC em frente a sua sede. Acervo pessoal de Ivanir Souza ... 160

FIGURA 33: Fotografia da Vila São José na década de 1970. Fotografia publicada pelo

memorialista Arlindo Ferreira em sua página do Facebook em 14/09/2015 ... 164

FIGURA 34: Captura de tela do Google Maps apresentando a Vila Light com a Vila Fabril. Note-se a proximidade dos dois bairros ... 176

FIGURA 35: Convite para o aniversário de 1 ano do garoto Ricardo, com o local definido

como “Light”. Acervo pessoal da Sra. Ivone Monteiro ... 193

FIGURA 36: Reprodução virtual da Certidão de Nascimento da Sra. Yolanda Souza e

comentário por ela publicados em seu perfil do Facebook em 25/10/2014 ... 195

FIGURA 37: Reunião dos presentes na Comemoração dos 88 anos da Usina Henry Borden /

9º Encontro dos Aposentados no pátio da área industrial. Fotografia tomada pelo autor em 10/10/2014 ... 202

FIGURA 38: Durante as comemorações dos 88 anos da Usina Henry Borden, o Sr.

Waldemar Barbosa foi convidado a cortar o bolo . Fotografia tomada pelo autor em 10/10/2014 ... 202

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FIGURA 39: Convites para a comemoração dos 89 e dos 91 anos da Usina Henry Borden/

10º e 12º Encontro de Aposentados. Acervo pessoal do autor. ... 203

FIGURA 40: Imagem publicada por Cristina Santos no Facebook em 16/02/2013 e

comentário feito pelo Sr. Messias Couto em 21/04/2013 ... 205

FIGURA 41: Imagem publicada por Cristina Santos no Facebook em 17/02/2013 e comentários feitos por outros usuários da rede social ... 206

FIGURA 42: Imagem publicada por Emilio Martins da Cruz Neto no Facebook em

15/12/2013 e comentários feitos por outros usuários da rede social ... 206

FIGURA 43: Imagem publicada por Arlindo Ferreira no Facebook em 17/02/2013 e

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 19

INTRODUÇÃO ... 23

CAPÍTULO 1 – Na Serra, uma cicatriz ... 45

1.1A Serra do Mar como muralha ... 46

1.2 Um rasgo na paisagem ... 51

1.3 Paisagem cultural ... 67

CAPÍTULO 2 – Na Serra, um paraíso ... 95

2.1 Patrimônio industrial e memória do trabalho ... 96

2.2 Memória do trabalho ... 104

2.3 A Vila Light como um paraíso familiar ... 113

2.4 Casas e jardins – a tutela da Light para com seus funcionários ... 121

2.5 Serviços urbanos e equipamentos de lazer ... 142

CAPÍTULO 3 – No paraíso, uma cicatriz ... 164

3.1 As relações entre Vila Light e Cubatão ... 165

3.2 As relações entre Vila Light e Vila Fabril ... 174

3.3 Os lighteanos ... 183

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 199

FONTES PRIMÁRIAS ... 210

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APRESENTAÇÃO

Cresci em Cubatão e, como grande parte das crianças e jovens que lá vivem ou viveram, não gostava daquela cidade. A quase ausência de opções de lazer somada à violência urbana e à periferização da cidade em relação a outras partes da Baixada Santista faziam com que, aos meus olhos de adolescente, Cubatão me parecesse tediosa e desagradável.

Acrescente-se a isso os impactos sensíveis de se viver em uma cidade industrial: o cheiro sufocante da produção de fábricas químicas e petroquímicas que, vez ou outra, invadia os lares; a estética de uma cidade repleta de colunas de fumaça, torres metálicas, construções colossais e o simbólico flare da refinaria de petróleo da Petrobrás, cenário pouco convidativo e nada aconchegante; o crescimento urbano mal planejado e o processo de favelização, que tornavam a trama urbana de Cubatão confusa e desconexa, dificultando os processos de identificação e pertencimento; e as assustadoras histórias de desastres ambientais e acidentes de trabalho que permeavam as conversas de família.

Cubatão, perante meu olhar de adolescente de classe média, parecia-me uma cidade suja, deprimente e patética, motivo de troça frente ao restante da Baixada Santista e, considerando o estigma de “cidade mais poluída do mundo”, do Brasil e do mundo. O pertencimento à cidade era tão frágil que diversas vezes presenciei cubatenses dizendo serem cidadãos santistas, vicentinos, praia-grandenses, etc. Eu inclusive: nascido em Santos e criado em Cubatão, dizia-me santista, e não cubatense. Morar em Cubatão parecia motivo de vergonha para muitos.

Aquela cidade, no entanto, possuía algo fascinante, que me intrigava e confundia: a memória. Nascido em 1992, momento mais significativo do processo de recuperação ambiental do município, cresci em meio às tentativas oficiais de ruptura com a imagem de “vale da morte” e de construção da imagem de “vale da vida”. Clamava-se, à época, que Cubatão havia voltado a ser uma cidade saudável e ecologicamente equilibrada. Seus guarás-vermelhos haviam retornado para o mangue, a Serra do Mar voltava a verdejar, não mais nasciam fetos natimortos ou bebês anencéfalos. Cubatão estava recuperada.

Recuperada de quê, perguntava-me? A qual estágio havíamos retornado? O passado de Cubatão era uma questão central à reconstrução de uma imagem positiva da cidade.

A memória saudosista se revelava também no convívio familiar e nas conversas com antigos moradores da cidade. Embora Cubatão tenha passado, na década de 1990, por um importante processo de recuperação ambiental, é preciso reconhecer que graves são ainda os problemas urbanos advindos do processo de industrialização do município. A um cenário

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urbano catastrófico e à minha repulsa por aquela cidade, frequentemente meus familiares e outros moradores mais antigos de Cubatão tomavam as dores da cidade e a defendiam. Eles falavam do passado da cidade com paixão. Uma figura que, nesse sentido, se destacava para mim era meu avô paterno, Sr. José Gouvêia. Memorialista da cidade, dedicava-se a escrever sobre o passado de Cubatão com profundo envolvimento. Que cidade apaixonante era aquela que eu desconhecia?

Em minhas infância e adolescência, um local em particular trazia à tona essas memórias saudosistas: a Vila Light – ou apenas Light, como costuma ser chamada. Localizada no sopé da Serra do Mar, aquele era para mim um local para passeios, onde costumava ir para brincar. O local, por algum motivo que eu não compreendia, parecia se diferenciar do restante da cidade. A natureza era exuberante, a vila era rigidamente ordenada e o silêncio imperava – o exato oposto, parecia-me, do que caracterizava uma cidade altamente industrializada. Ademais, diferenciava-se do restante de Cubatão pelo vínculo afetivo de meus familiares: tendo meus avós maternos vivido lá em suas infância e juventude, bem como meus bisavós e diversos tios e primos, o local era marcado para mim por uma forte e saudosista memória familiar.

Minha relação com Cubatão era confusa e contraditória. A experiência desagradável de lá viver contrastava com o peso da tradição familiar e com uma memória coletiva na qual eu estava tomando parte.

Aos 13 anos de idade me mudei para Santos e poucas relações mantive com Cubatão. Só retomei um contato profundo com a cidade no ano de 2013. Nesse ano, como trabalho final para uma disciplina do currículo de Ênfase em Patrimônio Histórico e Cultural da graduação em História do IFCH/Unicamp ministrada pela Professora Doutora Cristina Meneguello, desenvolvi uma proposta de tombamento da Vila Light. Como estudante de História, aquela vila me parecia um caso um interessante de estudo na área do patrimônio histórico e cultural – campo ao qual eu vinha dedicando meus estudos desde 2012, especialmente a partir de projetos coordenados pela Professora Doutora Aline Vieira de Carvalho na área do patrimônio arqueológico e da aquisição da habilitação em Patrimônio Histórico e Cultural fornecida pelo Departamento de História do IFCH. A vila se destacava como um bem cultural passível de tombamento por seu papel na história do trabalho, sua composição urbana e arquitetônica e pelos processos memoriais e identitários que se estabeleciam em torno dela.

O trabalho rendeu uma Iniciação Científica (IC) orientada pela Prof.ª Meneguello e financiada pelo CNPq através de uma bolsa PIBIC. Nessa pesquisa, busquei compreender as

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relações entre memória, identidade e paisagem a partir do caso da Vila Light, buscando entender o modo como esses processos se articulavam na formação de uma comunidade.

A IC se deu no seio de um projeto mais amplo: o Temático FAPESP Eletromemória II, coordenado pelo Professor Doutor Gildo Magalhães dos Santos Filho, que agrupava pesquisadores diversos da Universidade de São Paulo, Universidade Estadual de Campinas e Universidade Estadual Paulista em torno da pesquisa sobre Pequenas Centras Hidrelétricas (PCHs) do estado de São Paulo. O projeto foi iniciado em 2013 e se estendeu até 2017, abordando um conjunto de aproximadamente 60 PCHs a partir de visitas técnicas, levantamento de documentação histórica, visitas a arquivos e pesquisas bibliográficas.

Com base nos resultados da IC, foi elaborado um projeto de Mestrado, a partir do qual esta pesquisa foi concebida. O Temático Eletromemória II foi fundamental ao desenvolvimento desta pesquisa, pois possibilitou uma compreensão mais ampla do processo de eletrificação do estado de São Paulo a partir de uma perspectiva interdisciplinar. Foi possível perceber a importância da eletrificação para a industrialização e para a ocupação do território paulista, bem como características comuns a diversas usinas hidrelétricas. Foi possível conhecer as mudanças técnicas e fatores geográficos que colaboraram para a construção dessas usinas; a maneira como os recursos naturais foram apropriados para a produção energética; a forma como as usinas impactaram os territórios em que foram instaladas; o modo como o trabalho era gerido e como os trabalhadores eram tratados; o papel que essas usinas e as empresas por ela responsáveis ocupavam na memória coletiva sobre a industrialização local; dentre outras questões.

Esta Dissertação apresenta-se como uma etapa importante desse longo processo pessoal e profissional de compreensão de Cubatão e da Vila Light. Inicialmente, o projeto de pesquisa do Mestrado pretendia investigar, com base em depoimentos orais, o modo como as memórias de moradores e ex-moradores da Vila Light desempenham um papel de aglutinação desse grupo social e como esses agentes interpretam a experiência da crise ambiental de Cubatão. O desenvolvimento da pesquisa, no entanto, exigiu alterações nos recortes cronológico, temático e metodológico da pesquisa. Incorporaram-se ao corpus documental as fotografias apresentadas pelos moradores e ex-moradores da Vila Light durante ou após as entrevistas com eles realizadas, bem como publicações acadêmicas que participaram da construção de certos marcos visuais importantes à compreensão da paisagem cultural que se estabeleceu em torno do Complexo Hidroelétrico Henry Borden.

Para a versão final deste texto, optei por não abordar o papel da São Paulo Light na construção da memória oficial sobre o Complexo Henry Borden. Por recomendações feitas no

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Exame de Qualificação, o foco deste texto orientou-se para as usinas de Cubatão propriamente ditas e, principalmente, para a vila operária a elas associadas e para sua comunidade de moradores. Debrucei-me, nesse sentido, sobre as memórias dos ex-moradores da Vila Light, atendando nos modos como a própria comunidade e o passado vivido na vila, bem como as relações dessa comunidade com outros grupos de trabalhadores de Cubatão, eram abordados em seus depoimentos orais e acervos imagéticos.

A pesquisa se baseou, dessa forma, na construção de um corpus documental que contou com 15 entrevistas realizadas com ex-moradores da Vila Light e com um memorialista da cidade, e com fotografias apresentadas pelos entrevistados durante ou após as entrevistas. Via de regra, no momento de agendamento das entrevistas, pedi que os depoentes selecionassem algumas fotografias que julgassem interessantes de serem mostradas no momento das entrevistas. Durante as entrevistas, incorporei ao corpus documental as imagens que considerei mais pertinentes para os temas estudados. Em alguns casos, no entanto, os depoentes me procuraram tempos depois da realização das entrevistas, a fim de me mostrar outras imagens. Estas imagens foram também oportunamente incorporadas ao corpus documental conforme julguei pertinente para o entendimento das memórias dos ex-moradores da vila.

A pesquisa teve por base, portanto, um corpus documental que contou com imagens e depoimentos fornecidos pelos ex-moradores da Vila Light, sobre os quais realizei uma seleção com base na aderência a certos temas. Ao corpus imagético, somei imagens publicadas ou republicadas pelos ex-moradores da Vila Light na rede social Facebook, bem como fotografias por mim produzidas do Complexo Hidroelétrico Henry Borden e dos ex-moradores de sua vila. Nosso foco, portanto, foi a expressão das memórias dos ex-ex-moradores da Vila Light sobre certos temas através das imagens e depoimentos orais por eles apresentados a mim.

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INTRODUÇÃO

Em 10 de outubro de 1926 foi inaugurada, na cidade de Cubatão, estado de São Paulo, a Usina de Cubatão. Construída para ser a principal unidade geradora do sistema de geração de energia elétrica da The São Paulo Tramway, Light and Power Company Limited e solucionar a dependência dos altos níveis de precipitação para geração, a obra de engenharia coordenada pelo engenheiro canadense Asa White Kenney Billings causou grande impacto no setor hidroelétrico brasileiro, apresentando novas soluções no campo da engenharia civil, desempenhando papel central no processo de industrialização da capital paulista, da região do ABC e de Cubatão e alterando bruscamente as paisagens dessas regiões.

A construção dessa usina hidroelétrica resultou do entrecruzamento de distintos processos históricos; considero ser possível elencar alguns fatores que contribuíram para a realização da obra, embora não tenha a pretensão de definir as causas de sua construção.

Um primeiro fator importante são os indícios de que, na década de 1920, a São Paulo Light buscava expandir exponencialmente seu potencial de geração. O historiador empresarial Duncan McDowall apontou em sua obra The Light: Brazilian Traction, Light and Power

Company Limited (1899-1945) o aumento da demanda por energia elétrica em São Paulo e

Rio de Janeiro como uma importante causa dos anseios de expansão da Light nos anos 20 do século XX. Analisando a trajetória da empresa ao longo dessa década, o autor afirmou que o acelerado desenvolvimento industrial a que esses dois grandes centros urbanos se submeteram nesse período derivou, em parte, das taxas de câmbio decrescentes nos governos de Epitácio Pessoa e Arthur Bernardes. Apesar de, por esse motivo, o rendimento em dólares da Light ser reduzido, “[...] o câmbio em baixa estimulava as indústrias locais a expandir a produção através da substituição das importações, alimentando assim a demanda por energia elétrica” e o investimento no serviço de bondes 1.

A crescente demanda por energia elétrica não provinha apenas do setor industrial, mas também das residências e comércios. A arquiteta Debora Marques de Almeida Nogueira indicou em sua tese de doutorado, voltada à compreensão do processo de ocupação do interior do território paulista a partir da expansão das redes elétricas, que, segundo Edgard de Souza, Superintendente Geral da São Paulo Light a partir de 1924, “Na década de [19]20, os

1. MCDOWALL, Duncan. Light: a história da empresa que modernizou o Brasil. Tradução de Helena Maria Andrade do Nascimento. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008. p. 306. Importante salientar que a obra de McDowall resulta de uma encomenda de pesquisa realizada pela Rio de Janeiro Light na década de 1980, em um esforço da Companhia pela construção de uma história empresarial oficial que fosse respaldada academicamente. Ao ler essa obra, portanto, levei em consideração o aspecto institucional e empresarial que permeou a análise científica de McDowall.

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consumidores da Light aumentaram de 55.000 para 140.000 (...) o que indica a ampla aceitação da energia elétrica nas residências e indústrias”. 2

No entanto, se é verossímil a hipótese de que a companhia canadense buscava expandir seu potencial de geração frente à crescente demanda por energia elétrica do Planalto Paulista, é também reconhecível a existência de outro fator de grande importância na consolidação do projeto: a decrescente oferta de energia hidroelétrica em meados da década de 1920, ocasionada pela baixa de chuvas que assolou São Paulo a partir de 1923, com maior força no ano de 1924.

A estiagem resultou na drástica redução do fluxo do rio Tietê, ocasionando o esvaziamento dos reservatórios de Santo Amaro e Parnaíba, ambos pertencentes à São Paulo Light. Frente à abrupta diminuição da vazão de água dos rios responsáveis por alimentar as usinas geradoras que forneciam energia elétrica a São Paulo, foi necessário que o poder público tomasse medidas de restrição ao consumo de energia, o que foi feito, por exemplo, através do Ato Municipal nº 2.499, de 13/02/1925, e do Decreto Estadual nº 3.835, de 28/03/1925.

O Ato Municipal em questão estabelecia restrições para o consumo de energia elétrica na cidade de São Paulo, diminuindo a iluminação pública e o número de bondes, restringindo o consumo de iluminação particular e proibindo a “iluminação de vitrinas, fachadas de casas comerciais e de residências particulares, jardins, anúncios luminosos e outros consumos dispensáveis”. Destaca-se, no referido Ato, a justificação das disposições legais: buscava-se atender “à situação anormal que está atravessando a cidade, criada pela insuficiência de produção de energia elétrica”. Além disso, chama a atenção o fato de o Ato ter sido decretado por delegação do Governo do Estado e em concordância com os representantes do Comércio e da Indústria da Capital e com a Light and Power Company Limited 3.

O Decreto Estadual foi promulgado por Carlos de Campos, Presidente do estado de São Paulo, frente às “imperiosas e inevitaveis circumstancias de força maior, que occasionaram grave crise de producção e distribuição de energia eletrica no Estado”, crise essa definida como situação anormal. A fim de saná-la, foi proposta a centralização da

2. NOGUEIRA MORTATI, Debora Marques de Almeida. A implantação da hidroeletricidade e o processo de

ocupação do território no interior paulista (1890-1930). Tese de doutoramento em Engenharia Civil pela

Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2013. p. 215.

3. PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Ato nº 2.499 de 13 de fevereiro de 1925. In: SOUZA, Edgar de.

História da Light: primeiros 50 anos. São Paulo: Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo, 1982. p.

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distribuição da energia elétrica produzida por diversas empresas geradoras do estado, visando fiscalizar a produção e a distribuição de eletricidade. Tal centralização se deu a partir da subordinação dos serviços de produção e distribuição à “Secretaria de Estado dos Negocios da Agricultura, Commercio e Obras Publicas, emquanto durar a actual situação causada pela longa estiagem reinante” 4

.

Os documentos em questão apontam para a existência de uma grave crise de abastecimento hídrico, com profundos impactos sobre a geração de energia elétrica e, consequentemente, sobre sua distribuição. Há indícios de um amplo consumo de eletricidade em diferentes setores do estado de São Paulo, sendo esse recurso energético incorporado aos serviços de tração de bondes, fornecimento de força motriz e iluminação pública e privada.

As medidas de restrição propostas não foram, porém, suficientes para solucionar o problema de oferta. Foi preciso também recorrer à distribuição de água por parte da Usina de Itatinga para o Reservatório de Santo Amaro e construir emergencialmente a Usina de Rasgão – que impediu um colapso de distribuição, visto que havia se dado o esgotamento total dos reservatórios de Sorocaba e Santo Amaro e a diminuição ainda mais drástica da vazão dos rios5.

A Light buscava, no entanto, um investimento que trouxesse soluções a longo prazo, sanasse definitivamente a dependência dos altos níveis de precipitação para geração de energia elétrica e garantisse o domínio do mercado pela Companhia. Era necessária “(...) uma instalação que utilizasse barragens com reservatório, que forneceria um suprimento permanente de energia, eliminando assim a dependência de usinas com barragens a fio d’água”, suscetíveis às secas. A partir desses problemas é que o Projeto da Serra – no qual se propunha a construção da Usina de Cubatão – foi desenvolvido pelo engenheiro Asa Billings6. Billings, é necessário reconhecer, já estava envolvido com projetos de prospecção de potencial de geração elétrica para a São Paulo Light. De acordo com as notas de Edgard Egydio de Souza sobre a história da Companhia e com os apontamentos feitos por Duncan McDowall, mesmo antes da crise energética a Light já estava realizando estudos sobre as cachoeiras com potencial para criação de usinas hidroelétricas para abastecer São Paulo, frente ao constante crescimento do consumo de energia. A Asa Billings já havia sido delegada a responsabilidade sobre o projeto de instalação de uma hidroelétrica na cachoeira do rio

4. GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto Nº 3.835 de 28 de março de 1925. In: DIÁRIO Oficial do Estado de São Paulo, 15/04/1925. Disponível em: <https://www.al.sp.gov.br/norma/133307>.

5. Cf. SOUZA. op. cit.

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Itapanhaú, projeto derivado dessas pesquisas. O engenheiro optou, no entanto, por aprofundar os estudos, e delegou ao geólogo F. S. Hyde o papel de pesquisar outras possibilidades de represamento nas encostas da Serra do Mar com potencial para diversão das águas para a vertente marítima.

A partir dos estudos de Hyde, o rio Grande pareceu ser a melhor opção, podendo se deslocar em direção ao mar a partir do leito do rio das Pedras. A queda, nesse caso, era maior que em Itapanhaú, o transporte de material seria facilitado pela presença da São Paulo Railway – ferrovia inaugurada em 1867, ligando a Baixada Santista ao interior do estado através da Serra do Mar – e a usina poderia se localizar em Cubatão, estando entre a capital do estado e o porto de Santos. O local possuía “[...] índice pluviométrico médio elevado, quedas altas, topografia favorável, pontos esparsos para a formação de reservatórios e a proximidade do mar e de um mercado em crescimento acelerado”, rara reunião de elementos favoráveis7

. Apesar das condições favoráveis, a configuração dos rios da serra se mostrava um problema para a projeção de uma usina. Segundo o Boletim Informativo da Eletropaulo, de 1993, que apresenta informações sobre a construção e operação da Usina de Cubatão, a grande maioria dos rios que nascem na Serra do Mar corre em direção ao interior do estado, afastando-se do mar. A informação foi ratificada por McDowall, que afirmou que “a topografia da Serra não favorecia o acúmulo” da grande precipitação da Serra do Mar. “(...) As águas pluviais ou refluíam escarpa (...) abaixo, numa rede de córregos ligeiros, ou escoavam-se para o interior”. A solução encontrada foi a construção de barreiras nos vales do alto da serra, gerando o represamento de rios que correm em direção ao interior8.

Foi assim concebida a possibilidade de construção de uma usina na Serra do Mar. O sistema de barragens desembocaria no reservatório Rio das Pedras, localizado no alto da Serra. De lá, as águas se deslocariam à casa de válvulas para, enfim, descerem serra abaixo pelos dois condutos forçados, chegando à casa de máquinas e fazendo girar as duas turbinas Pelton para produzir 22.000kW em cada uma de suas duas unidades geradoras.

A Usina de Cubatão, no entanto, destaca-se não apenas pela grandiosidade da obra para a época no momento de sua construção, mas também pelas constantes ampliações pelas

7. BILLINGS, Asa White Kenney. “Water Power in Brazil”. In: Civil Engineering (Agosto de 1938). apud. MCDOWALL, D. op. cit. p. 318. Sobre os elementos favoráveis à realização do Projeto da Serra ver também SOUZA, E. op. cit. pp. 101-2. Ver ainda RADESCA, Maria de Lourdes. “As usinas da ‘Light’ e a energia elétrica”. In: A BAIXADA Santista: Aspectos geográficos, V. 4. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1965. 8. MCDOWALL. op. cit. p. 318. Ver também: ELETROPAULO – Eletricidade de São Paulo S.A.: Superintendência de Comunicação: departamento de patrimônio histórico: divisão de documentação histórica. “Usina Henry Borden”. In: Boletim Informativo, ano 1, nº7, fev/mar. 1993. p. 13.

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quais passou até o ano de 1950, as quais requereram ações de grande porte. Do reservatório Rio das Pedras, inicialmente responsável pelo funcionamento das duas unidades geradoras, passou-se para a grandiosa represa Billings, alimentando oito unidades geradoras, mobilizando para isso a inversão do fluxo do Rio Pinheiros, a retificação e bombeamento do Rio Tietê e a criação das usinas elevatórias de Traição e Pedreira. Da capacidade instalada inicial de aproximadamente 44.000kW, passou-se a uma capacidade, em 1950, de aproximadamente 474.000kW de potência instalada9

.

Apesar das constantes ampliações, em 1946 o potencial de geração da São Paulo Light já era inferior à demanda. Para sanar o problema, a Companhia construiu, entre 1952 e 1961, uma nova usina nas proximidades da Usina de Cubatão. A fim de evitar os problemas de deslizamento de terra no sopé da serra, optou-se pela construção de uma usina subterrânea na Serra do Mar. Segundo o economista Joaquim Miguel Couto, autor que nas duas últimas décadas se dedicou a compreender o processo de industrialização de Cubatão,

Foi escavado na rocha, a partir do alto da serra, em direção a Cubatão, um túnel com blindagem de aço com 1.506 metros de comprimento e 3,25 metros de diâmetro interno, por onde passaram a descer as águas do reservatório do rio das Pedras. O túnel termina em uma enorme caverna, onde estão seis geradores e suas turbinas Pelton 10.

Assim, a partir do início da década de 1960, Cubatão contava com um complexo hidroelétrico formado, centralmente, por duas usinas: a Usina Externa Henry Borden – antiga Usina de Cubatão –, com capacidade de aproximadamente 474MW de potência instalada, e a Usina Subterrânea Henry Borden, responsável por dobrar a capacidade produtiva desse complexo hidroelétrico, fornecendo aproximadamente 390MW. O Complexo produzia, portanto, aproximadamente 864MW, cerca de 50% da energia elétrica total produzida pelo sistema gerador da Light em São Paulo11.

9. Em relação às unidades geradoras da Usina de Cubatão é importante comentar que, após a inauguração das máquinas nos 1 e 2 em 1926, foram inauguradas as máquinas nos3, 5 e 7, em 1936, a máquina nº4, em 1947, a máquina nº6, em 1948 e, finalmente, a nº8 em 1950.

10. COUTO, Joaquim Miguel. Industrialização, meio ambiente e pobreza: o caso do município de Cubatão/SP. Maringá: Eduem, 2012. p. 60. Grifo no original. Os dados aqui apresentados são convergentes com aqueles apresentados em RADESCA. op. cit. p. 83.

Outra hipótese corrente sobre a opção por construir uma usina subterrânea associa o modelo de construção adotado ao trauma dos conflitos da Constitucionalista de 1932, nos quais a usina foi bombardeada, e da segunda Guerra Mundial.

11. O documento “Sistema produtor de energia elétrica da São Paulo Light e Companhia Associadas” – um folheto datado de 1965, de autoria da São Paulo Light – traz dados sobre o potencial instalado das usinas da Light em São Paulo e coloca as duas usinas de Cubatão entre as quatro principais do sistema da Light em São Paulo. Essas quatro principais usinas, responsáveis por gerar mais de 95% do total do sistema, seriam, além das duas usinas de Cubatão, a termoelétrica de Piratininga (com 450MW de potência) e a hidroelétrica Itupararanga (com 56MW de potência). Cf. THE São Paulo Tramway, Light and Power Company Limited.

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No entendimento desta pesquisa, no entanto, a compreensão do Complexo Hidroelétrico Henry Bordennão pode ser reduzida a suas casas de força, barragens e sistemas de adução. Considero necessário reconhecer que dentre os elementos que compuseram esse sistema de produção figurou uma série de equipamentos urbanos voltados a abrigar os trabalhadores da usina e suas famílias, bem como a ordenar suas vidas fora do ambiente de trabalho. Desde o início de sua construção até os dias de hoje, a usina contou com um conjunto de casas – inicialmente provisórias, mas depois permanentes – que tinha, entre seus principais objetivos, adequar a vida do operariado aos padrões desejados pela elite empresarial, reforçar a hierarquia existente no ambiente de trabalho e potencializar a produção.

Conhecido como Vila Light, esse núcleo urbano enquadra-se naquilo que a historiografia convencionou chamar “vilas operárias”. A arquiteta Telma de Barros Correia é uma importante referência para a compreensão do surgimento e estruturação desse modelo urbano. Segundo afirmou a autora em sua tese de doutorado Pedra: plano e cotidiano

operário no Sertão, de 1995, a emergência da grande indústria trouxe consigo a necessidade

de reorganizar o trabalho, o que contou com ações patronais sobre o cotidiano dos trabalhadores. Algumas delas incidiram sobre a habitação dos operários, resultando na criação de sistemas de habitação que comportavam “(...) um amplo aparato de fiscalização e condicionamento para o trabalho”. Desse modo, desde o final do século XVIII na Europa e desde meados do XIX no Brasil, difundiu-se a prática de construção de vilas operárias e núcleos fabris12.

A estrutura da Vila Light e seu contexto de construção permitem inseri-la na categoria de vila operária, conforme definição de Correia. Importante compreender, nesse sentido, o

Sistema produtor de energia elétrica da São Paulo Light e Companhias associadas. São Paulo, junho de 1965.

Acervo pessoal de N. G.

O destaque dado pela referida publicação ao papel da Usina de Cubatão na geração de energia elétrica para o estado de São Paulo se aproxima do movimento executado pela geógrafa Maria de Lourdes Radesca no artigo “As Usinas da Light”, sobre o Complexo Henry Borden. Radesca afirmou que “o Sistema de São Paulo possui hoje dois grandes centros produtores de energia: um hidráulico – Cubatão, outro térmico – Piratininga, além de uma série de usinas menores. Cubatão tem atualmente capacidade geradora superior à metade da capacidade total de todo o Sistema de São Paulo”. A autora afirma ainda que, em 1961, o Sistema de São Paulo representava 27,5% da capacidade geradora total instalada no Brasil. Cf. RADESCA. op. cit. p. 71.

O Boletim Informativo da Eletropaulo de 1993 diverge ligeiramente do documento supracitado no que diz respeito ao potencial instalado total do Complexo Henry Borden. Segundo o documento, as duas usinas produziriam, juntas, 880MW.

12. CORREIA, Telma de Barros. Pedra: Plano e cotidiano operário no sertão. Campinas: Papirus, 1998 – (Série Ofício de arte e forma). pp. 9; 11-12. As discussões sobre o enquadramento da Vila Light na categoria de vila operária serão realizadas no segundo capítulo desta dissertação.

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processo de urbanização de Cubatão no século XIX, bem como a primeira onda de industrialização desse povoado.

Em 1827, foi inaugurado o Aterrado, estrada de terra construída para facilitar o transporte de cargas entre Cubatão e o Porto de Santos frente ao problema dos terrenos alagadiços da Baixada Santista. O fluxo de mercadorias e pessoas na estrada permitiu que Cubatão se organizasse em torno da atividade de Registro, cobrando taxas sobre o uso do Aterrado. A centralidade da estrada na dinâmica do povoado ocasionou a instalação de residências e estabelecimentos comerciais na beira da estrada e Cubatão configurou-se, assim, como uma cidade formada em torno de uma única rua. O traçado se manteve e hoje no lugar do antigo Aterrado está a Avenida 9 de Abril, principal avenida da cidade, ao redor da qual está localizado o centro comercial do município.

A tese de Cubatão como uma cidade-rua foi defendida pela geógrafa Léa Goldenstein em 1965, em um dos capítulos da coletânea A Baixada Santista: aspectos geográficos. Voltado à compreensão das relações entre o desenvolvimento industrial de Cubatão e o acelerado crescimento urbano enfrentado pelo município nas décadas de 1950 e 1960, o capítulo “Cubatão e suas indústrias” voltava-se, fundamentalmente, à análise da fragmentação urbana e do desenvolvimento urbano e industrial desenfreado de Cubatão. Contando com um conjunto de fotografias aéreas para defender sua tese, Goldenstein apresentou o processo de fragmentação, ao mesmo tempo em que evidenciou o processo anterior de formação de Cubatão como uma cidade-rua.

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As figuras 1 e 2, que aqui evocamos, apresentam mapas voltados à questão do desenvolvimento urbano de Cubatão. Tais mapas foram anexados ao capítulo escrito por Goldenstein e contaram com legendas explicativas produzidas pela autora. A figura 2 evidencia o processo de loteamento de Cubatão e o impacto que a construção da Via Anchieta, em 1949, teve sobre a expansão territorial do município. Destaca-se, ainda, a linha negra situada majoritariamente à margem direita do rio Cubatão, que acompanha o traçado de uma estrada – o antigo Aterrado – e que situa uma ocupação anterior ao processo de loteamento. É essa ocupação que caracteriza Cubatão como uma cidade-rua, aspecto enfatizado na figura 1, em que são destacados os imóveis localizados ao longo da Estrada do Vergueiro e os poucos lotes rurais espalhados pelo território daquela localidade.

Em 1867, como comentei anteriormente, foi construída a ferrovia São Paulo Railway, uma alternativa de transporte muito mais veloz e estável que os meios de deslocamento então existentes, o que facilitou a conexão entre o planalto e o porto de Santos. O Aterrado caiu em desuso e Cubatão enfrentou um período de estagnação comercial e urbana derivado da perda da função de Registro. O problema foi tratado com o desenvolvimento da produção de bananas como atividade econômica substitutiva. A bananicultura manteve-se como principal atividade econômica do município até meados da década de 1950, momento em que se estabeleceram complexos industriais de grande porte no município13.

O economista Joaquim Miguel Couto é uma referência importante na compreensão do referido processo de industrialização. Algumas das obras desse autor, já citadas nesta dissertação, fundamentam-se na diferenciação de duas fases industriais em Cubatão: a primeira, situada nas duas primeiras décadas do século XX, foi marcada pelo estabelecimento de três grandes indústrias de capital privado nacional, por ele chamadas ‘indústrias pioneiras’; a segunda fase, estabelecida na segunda metade do século XX, caracterizou-se pela instalação de grandes companhias – de capital estatal nacional, privado nacional, ou privado transnacional – e de uma série de indústrias subsidiárias, estruturando um polo industrial no município.

As indústrias pioneiras seriam a Companhia Curtidora Marx, de 1912; a Companhia de Anilinas, Produtos Químicos e Materiais Técnicos, de 1916; e a Companhia Fabril de Cubatão, de 1922. Assim, se é verdade que data da década de 1950 o início da formação de um polo industrial em Cubatão, é importante reconhecer que a bananicultura, embora tenha

13. Sobre o estabelecimento da atividade de Registro em Cubatão no século XIX e sua substituição pela bananicultura ver COUTO, Joaquim Miguel. Entre estatais e transnacionais: o pólo industrial de Cubatão. Tese de Doutoramento, Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2003. pp. 27-40.

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predominado no município por quase um século, conviveu com um pequeno número de indústrias implantadas na cidade no primeiro quartel do século XX14.

A instalação das indústrias pioneiras e da Usina de Cubatão nas duas primeiras décadas do século XX acarretou importantes alterações urbanas no povoado. As quatro companhias adotaram políticas de construção de moradias para seus trabalhadores nas imediações de suas fábricas. A Cia. Curtidora Marx, a Cia. Fabril de Cubatão e a Usina de Cubatão, por conta de suas necessidades de acesso a determinados recursos naturais, foram instaladas em locais distantes do povoado. Cubatão, portanto, passava a contar com um centro – a antiga concentração urbana formada em torno do Aterrado – e com núcleos urbanos isolados do antigo núcleo de povoação – os equipamentos de habitação instalados pelas indústrias15.

Se o isolamento das três vilas construídas por essas indústrias teve ligação com a disposição de matérias-primas, ele também se explica pelo controle do cotidiano operário como forma de condicionamento para o trabalho. Telma Correia reconheceu o isolamento como “um componente básico desse padrão de gestão do trabalho” chamado vila operária ou núcleo fabril e organizado em torno do controle da vida do operariado. Nesse sentido, a Vila Light se insere em uma prática comum em Cubatão de construção de sistemas de habitação para os trabalhadores, provendo suas necessidades básicas, ordenando seu cotidiano e evitando seu contato com ambientes externos ao da fábrica.

14. No que diz respeito à Companhia Curtidora Marx, é fundamental reconhecer que, embora ela tenha sido a primeira indústria curtidora de grande porte em Cubatão, a atividade de curtição de couro era já era corrente no povoado desde fins do século XIX. De acordo com Joaquim Miguel Couto, no início do século XX havia diversos curtumes espalhados pela região, os quais utilizavam o tanino de árvores dos manguezais como matérias primas. O que confere à Cia. Curtidora Marx o rótulo de pioneira não é, portanto, seu pioneirismo na atividade de curtição de couro, mas o tamanho da empresa. Couto recupera, nesse sentido, dados apresentados pela geógrafa Léa Goldenstein (1972), que afirmou que esse curtume era o maior do Brasil. Os dados de Goldenstein estão em: GOLDENSTEIN, Léa. A industrialização da Baixada Santista: estudo de um

centro industrial satélite. Tese de Doutoramento orientada pelo Professor Doutor Pasquale Petrone e

defendida junto ao Instituto de Geografia da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1972. Acervo da Biblioteca Municipal de Cubatão.

15. Em Industrialização, meio ambiente e pobreza, Couto traz importantes dados sobre as vilas de trabalhadores em Cubatão. Segundo o autor, a primeira companhia a adotar o modelo de habitação foi a Cia. Curtidora Marx, já em 1912 – apenas dois anos depois de iniciar suas atividades. O autor aponta, com base em Goldenstein, a permanência da vila pelo menos até o início da década de 1960. A segunda Companhia sobre a qual Couto levanta dados é a Cia. de Anilinas, Produtos Químicos e Material Técnico. Segundo o autor, em 1923 esta companhia contava com aproximadamente 100 empregados, parte deles vivendo na vila de trabalhadores, que possuía aproximadamente 20 casas. Quanto à vila de trabalhadores da Cia. Fabril de Papel, o autor não traz dados referentes a sua construção, mas considera que “Era a mais bem equipada da região, com 130 casas”. Retomando novamente os dados de Goldenstein, Couto afirma ainda que, em 1963, aproximadamente 75% dos trabalhadores da companhia residiam na vila. Cf. COUTO. op. cit. 2012. p. 55.

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O isolamento tinha o objetivo de “[...] isolar a classe trabalhadora útil e produtiva dos pobres julgados irremediavelmente corrompidos”, submetendo o grupo trabalhador a um “(...) programa disciplinar que acentuasse suas aptidões para o trabalho e desenvolvesse novos hábitos regrados”. Essa prática tentava, desse modo, imunizar os operários das contaminações sanitárias, morais e políticas atribuídas às grandes aglomerações. Em somatório à organização espacial e habitacional segundo a lógica produtiva, “[...] a idéia de regeneração moral do trabalhador estava”, ela também, “vinculada a uma reforma de ordem sanitária e moral da moradia e da cidade” 16

.

A Vila Light pode também ser compreendida como vila operária por sua estrutura e divisão. A vila contava com uma série de equipamentos e serviços voltados à fixação dos moradores no local, tais como centro de saúde, escola, campo de esportes, clube, piscina e cooperativa para venda de produtos básicos, além de contar com visitas periódicas de verdureiros, leiteiros e padeiros. Havia também uma divisão funcional estabelecida a partir da clara distinção entre o espaço residencial e o espaço fabril, fenômeno recorrente em diversas vilas operárias e núcleos fabris, conforme afirmou Correia. Além dessa divisão funcional, havia ainda uma divisão social, também recorrente em outros casos. Agrupavam-se casas semelhantes em uma mesma rua ou região e seus residentes eram definidos segundo a hierarquia trabalhista: as maiores casas, localizadas nas principais ruas, eram destinadas àqueles que ocupavam altos cargos na empresa; as piores casas, mais afastadas das ruas principais, ficavam destinadas aos cargos mais baixos. O lugar social de cada grupo de trabalhadores era fisicamente demarcado por sua residência e pela localização desta17.

16. CORREIA. op. cit. pp. 12-3.

17. Em sua análise sobre núcleos fabris e vilas operárias, Correia considerou que “a tendência dos núcleos fabris é estabelecer uma separação entra áreas residenciais e áreas de comércio e serviços, além da divisão entre a moradia e o trabalho, concentrado na fábrica”. A autora comenta também que em alguns casos, “[...] ao lado da divisão funcional, estabeleceu-se outra, de ordem social, pela concentração em cada rua de casas de um mesmo padrão”. Idem, Ibidem. p. 5.

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Figura 4: Vista das fachadas frontal e lateral direita da pensão B. Notem-se as amplas varandas nos pisos térreo e superior,

provavelmente de uso coletivo. Fotografia de minha autoria, tomada em 30/07/2014.

Figura 5: Vista das fachadas frontal e lateral esquerda da pensão A. Notem-se as alterações realizadas nas varandas do piso superior,

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Uma planta da vila, produzida pela geógrafa Maria de Lourdes Radesca e publicada em 1965 em seu artigo “As usinas da Light”, permite uma melhor compreensão da divisão social da Vila Light (Figura 3). Vemos, na planta, que próximo à usina – não representada na planta, porém identificável por seus dois canais de descarga – estão dois conjuntos de residências destinados a solteiros. O primeiro, localizado entre os dois canais de descarga, é frequentemente nomeado como “Ilha” por ex-moradores da vila. Conforme podemos ver na planta e segundo informações fornecidas por ex-moradores da Vila Light, as residências da Ilha eram geminadas, pequenas – possuindo 3 ou 4 cômodos –, com tanques e banheiros coletivos e destinadas a trabalhadores de menor prestígio na usina, especialmente os da construção civil. Além das casas geminadas, havia alguns galpões, utilizados na década de 1960 como alojamentos de solteiros. A estrutura das casas, inferior se comparada ao restante da vila, indica seu destino a uma categoria menos valorizada dentro da lógica empresarial.

O segundo conjunto, localizado à esquerda do canal de descarga mais distante da Via Anchieta – o canal da Usina Externa Henry Borden –, era formado por duas pensões de dois pisos, com refeitório coletivo (Figuras 4, 5 e 6). O fato de os solteiros viverem em galpões da

Figura 6: Vista parcial das pensões A e B. Localizadas lado a lado, as pensões partilham um terreno comum, delimitado por uma

mesma cerca. O espaço partilhado pelas pensões forma um pátio comum aos edifícios. Enquanto a cerca reduz o contato com a área externa, o pátio estimula que os contatos se estabeleçam entre moradores das pensões. Fotografia de minha autoria, tomada em 30/07/2014.

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Ilha, local historicamente desvalorizado na distribuição socioespacial da vila, ou em pensões, o que permite pressupor que sua permanência fosse temporária, indica o pouco prestígio que esse grupo de trabalhadores possuía na hierarquia empresarial e, consequentemente, no cotidiano da vila. A desvalorização era espacialmente marcada: os solteiros eram aqueles mais próximos da usina e mais distantes do restante da vila.

Em situação tão periférica quanto a dos solteiros estavam os trabalhadores da Morrison, empreiteira que atuou na construção da Usina Subterrânea. Seus funcionários, muitos deles filhos de operários da Usina de Cubatão, foram alojados em casas de eternit localizadas nas ruas Mato Grosso, Santa Catarina e Paraíba, todas distantes da rua Principal. A opção por alojá-los em casas de material de baixo custo e não em casas de alvenaria sugere o caráter temporário do trabalho a ser realizado e a menor valorização desse grupo de operários.

Na rua Principal estavam localizadas as melhores casas, com 10 cômodos, destinadas aos engenheiros e chefes da usina. A localização e melhor qualidade das casas demarcava a centralidade de seus ocupantes na lógica produtiva e reforçava as estruturas de poder. O edifício do grupo escolar e a Casa de Visitas contribuíam para reforçar essa hierarquia: ao seu lado direito, estava a rua Principal, com as casas ocupadas pelos trabalhadores de altos cargos da usina; ao seu lado esquerdo, estavam as demais residências, em densidade muito maior que a da rua Principal e com menos cômodos – 5 ou 6 – que as casas destinadas à chefia.

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Figuras 7 e 8: Fotografias de N. L. Corte das casas de alvenaria tipo A e das casas geminadas tipo C, respectivamente.

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Algumas fotografias apresentadas por Radesca em seu artigo corroboram a tese da divisão social da vila. A autora apresenta, sequencialmente, as casas isoladas de alvenaria tipo A e as casas geminadas tipo C (Figuras 7 e 8), ou seja, respectivamente, aquelas destinadas a funcionários de altos cargos e aquelas ligadas aos trabalhadores de menores recursos – geralmente, vinculados a funções indiretamente ligadas à operação das usinas.

Sabemos que as fotografias não são de autoria de Radesca, mas sim, de N. L. Corte, fotógrafo(a) não identificado(a) pela autora do artigo. As fotografias de Corte e as legendas de Radesca, no entanto, apresentam uma aproximação significativa. No caso das casas isoladas de tipo A, a fotografia foi tomada de uma posição próxima à casa, permitindo ao expectador vislumbrar detalhes de sua arquitetura, como a ampla varanda na fachada frontal, protegida do sol por um alpendre sustentado por finas pilastras que possibilitam visão ampliada e grande circulação de ar. Chama também atenção a vegetação altamente domesticada: uma cerca viva baixa parece circundar o terreno, algumas árvores baixas são simetricamente dispostas em frente à varanda e, na lateral da casa, destaca-se uma frondosa árvore arbustiva – possivelmente, uma azaleia ou primavera, árvores frequentemente presentes na vila ao longo de sua história. A legenda que acompanha a imagem contém certo nível de detalhismo, apontando alguns dos diversos cargos daqueles que ocupavam as casas desse tipo.

No caso das casas de tipo C, verificamos a mesma similitude entre fotografia e legenda. A fotografia foi tomada de significativa distância, estando o canal de descarga interposto entre o fotógrafo e as residências, o que torna quase impossível reconhecer as características arquitetônicas do conjunto de casas. Não muito mais podemos perceber do que o fato de que se trata de casas geminadas, providas de telhados e incontáveis portas e janelas – um indicativo da alta densidade desse tipo de residência, se comparado ao tipo A. Outro aspecto dessa fotografia que, posta lado a lado com a fotografia das casas de tipo A, chama atenção, é a vegetação. Aqui, ela aparece massivamente em estado selvagem, ocupando a elevação rochosa que se estende no plano de fundo da fotografia. Poucas são as árvores situadas nas proximidades das casas, posicionadas de forma esparsa e pouco ordenada. A legenda, com baixíssimo grau de detalhismo, corrobora a distância e nebulosidade em relação à situação de moradia dos trabalhadores mais pobres. Não são citados os cargos por eles ocupados e a categoria “mais modestos trabalhadores” é genérica e imprecisa.

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Figuras 9 e 10: Fotografias de N. L. Corte das casas de alvenaria tipo B e das casas geminadas de alvenaria tipo A,

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Semelhante fenômeno ocorreu nas duas figuras subsequentes às analisadas. Radesca reproduziu duas outras fotografias de Corte para apresentar as casas de alvenaria isoladas do tipo B e as casas de alvenaria geminadas do tipo A (Figuras 9 e 10). Hierarquicamente posicionadas entre as casas isoladas de tipo A e as casas geminadas de tipo C, as casas isoladas de tipo B foram fotografadas com certa proximidade, em perspectiva semelhante à tomada na fotografia das casas isoladas de tipo A. As casas geminadas de tipo A, por sua vez, foram fotografadas à meia distância, de um ponto um tanto afastado, mas suficientemente próximo para que se possam distinguir suas principais características arquitetônicas.

A fotografia das casas isoladas de tipo B parece ter sido tirada da lateral de uma dessas edificações, enquadrando parte dos fundos. Percebemos que a casa retratada possui três janelas na parede lateral e que está situada em um terreno com grama aparada e com algumas árvores aleatoriamente posicionadas. A varanda de uma casa parece se posicionar frontalmente para a varanda da casa vizinha. A residência posicionada ao fundo da fotografia permite perceber que, na parte da frente, as casas possuíam uma ampla janela e que a varanda possuía formato de ‘L’, tomando a frente e um dos lados das residências. A riqueza de detalhes perceptível a partir da fotografia é estendida pela legenda de Radesca que, diferentemente do caso das fotografias de casas isoladas do tipo A e de casas geminadas do tipo C, volta-se para a descrição da divisão interna da casa.

A fotografia das casas geminadas de tipo A e a legenda que a acompanha, de forma semelhante, permitem distinguir algumas das características arquitetônicas desse tipo de residência. Aqui, a varanda aparenta ser muito menor que as varandas das casas isoladas de tipo B, tomando apenas o centro da parte frontal da residência. A porta de entrada localiza-se exatamente no centro da fachada e há duas janelas a cada um de seus lados. Constata-se também a existência de duas janelas na lateral da casa. A edificação é parcialmente cercada por uma cerca viva de baixa altura. A parte que não está por ela cercada permite perceber que a residência possui porão. Apesar da presença da cerca viva, destaca-se a marcante presença de vegetação em estado aparentemente selvagem. Além de o plano de fundo da fotografia ser ocupado por uma elevação rochosa totalmente recoberta por árvores, é possível reconhecer uma grande árvore arbustiva no lado esquerdo da fotografia. Percebemos também que, do lado oposto da rua em que está a casa, a grama não está tão bem aparada quanto no caso da casa isolada de tipo B e que há variadas árvores posicionadas de forma aparentemente aleatória. A legenda traz um grau de detalhes ainda maior que o da fotografia anterior, descrevendo não apenas a divisão interna da casa, mas também alguns dos cargos ocupados pela maior parte de seus moradores.

Referências

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