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Embora fosse intenso o isolamento físico e social dos moradores da Vila Light em relação a Cubatão, parece haver uma exceção às relações da vila com outros grupos de trabalhadores: a Vila Fabril.

A Companhia Santista de Papel foi construída no sopé da Serra do Mar, em área bastante próxima de onde veio a ser instalado o Complexo Hidroelétrico Henry Borden. A escolha da localização se deveu, segundo Joaquim Couto, à proximidade do porto de Santos, que possibilitaria a importação de matéria prima, à presença do rio Cubatão, cujas águas limpas e volumosas seriam adequadas à produção do papel, e à possibilidade de construção de uma usina hidroelétrica na cachoeira do rio Pilões.

A instalação da fábrica contou com a construção de uma vila para abrigar seus trabalhadores, assim como nos casos precedentes da Companhia Curtidora Marx e da Companhia de Anilinas, Produtos Químicos e Materiais Técnicos. Segundo interpretação de Couto, a vila operária da Cia. Santista de Papel “Era a mais bem equipada da região, com 130 casas”. O autor complementou seus comentários informando que, em 1963, cerca de 75% dos operários da Companha residiam na vila com suas famílias. De maneira semelhante à Vila Light, a Vila Fabril possuía diversos equipamentos voltados à manutenção e fixação de seus funcionários. Para além das casas, a vila contava com igreja, açougue, mercado, campo de futebol e clube, dentre outras estruturas que reduziam a necessidade de que os operários se distanciassem da área possuída pela Companhia.

Embora não caiba realizar uma análise detalhada da Vila Fabril, é importante reconhecer que ela e a Vila Light possuíam configurações urbanas semelhantes. Ambas tinham relação próxima com a Serra do Mar e com a mata atlântica, possuíam ampla disponibilidade de recursos hídricos, contavam com equipamentos que tendiam a fixar seus moradores e estavam isoladas do restante de Cubatão. Possuíam, assim, comunidades operárias um tanto fechadas e com significativo grau de coesão grupal. Esse fenômeno gerou sentimentos de pertencimento e identificação dos antigos moradores para com as vilas139.

No entanto, apesar do escasso contato com ambientes externos, foi possível reconhecer ao longo da pesquisa que a Vila Fabril constituiu um importante ponto de apoio para os moradores da Vila Light, e vice-versa. A Vila Fabril foi reconhecida em diversos depoimentos de ex-moradores da Vila Light, como único bairro próximo. Os depoimentos identificaram também o importante papel por ela desempenhado no cotidiano dos moradores da Vila Light. O Sr. Welington Moraes, por exemplo, quando questionado sobre os bairros localizados próximos à Vila Light na época em que ele lá viveu, respondeu que

Não, o bairro mais próximo era só a Fabril, mesmo. Só a Fabril. E o pessoal convivia bem. A gente convivia bem mesmo com o pessoal da Fabril. Tanto no tempo de solteiro, a gente se entrosava bem com as meninas de lá... (...) Convivia bem. E o resto, só pra cá pra Cubatão. Mas bairro próximo mesmo era só a Fabril.

Quando perguntado sobre os serviços de mercado e as opções de lazer da Vila Light e da Vila Fabril, o depoente considerou que

Lá na Light, o lazer da Light tinha o campo, né, tinha aquele campo de bocha lá, as quadras... era só nesse sistema. E tinha o barzinho, lá, o bar do bocha, né? Que era só...

Agora, na Fabril, já tinha também o campo de futebol. Aí já tinha uns boteco a mais, tinha, antigamente tinha um armazém também, depois criou padaria... mas lá na usina não.

É interessante notar que embora tenha, em diversos momentos, apontado a grandiosidade da Vila Light e destacado a qualidade no tratamento dado a seus moradores, o Sr. Wellington reconheceu certa carência de opções de lazer e de consumo na vila. Essa carência, no entanto, seria imediatamente suprida pela presença da Vila Fabril, que contaria com estrutura melhor que a da própria Vila Light.

Assim como o Sr. Wellington, o Sr. Idílio indicou que, embora a Vila Light possuísse equipamentos que buscavam suprir as necessidades dos empregados da Companhia, era necessário recorrer aos recursos disponíveis na Vila Fabril para satisfazer as necessidades

139. Conforme se pode ver na figura 34, a Vila Light e a Vila Fabril apresentam expressiva proximidade, estando ambas localizadas nas imediações da Serra do Mar e á margem esquerda do rio Cubatão.

diárias. Como já citado anteriormente, o Sr. Idílio afirmou que, quando vivia na Vila Light, pouco ia ao centro de Cubatão, pois a condução passava com pouca frequência. Quando ia, era para acompanhar seu pai, que precisava comprar algo que não se encontrava para vender na Vila Light. Foi a ele questionado, então, se os bens de consumo necessários ao dia a dia eram comprados na própria Light. Ele respondeu que “O consumo do dia a dia, a princípio, tinha que comprar lá na Fabril ou em Cubatão. Porque lá [na Light] não tinha nada, venda nenhuma”.

Os trechos citados dos depoimentos dos senhores Wellington Moraes e Idílio de Souza apresentam certa tensão em relação à construção memorial da Vila Light como uma espécie de paraíso isolado do restante do mundo. A ideia da autossuficiência e da grandiosidade da vila, sugerida por diversos depoentes, encontra aqui ruídos que a desestabilizam. A Vila Fabril, por sua vez, desponta como uma alternativa para que não fosse necessário percorrer grandes distâncias para comprar os insumos necessários.

A importância da Vila Fabril para a vida cotidiana dos moradores da Vila Light foi expressa também na narrativa da Sra. Odette. Após os comentários da depoente sobre os serviços de fornecimento de leite e pães, a fim de estimular o processo de rememoração e buscar maiores informações sobre os serviços de abastecimento, perguntei perguntou sobre a venda de carnes e verduras. Odette respondeu:

Olha, verdura não sei se era uma vez por semana, não lembro. Tinha um verdureiro de Cubatão. Ele ia com um caminhãozinho velho. Ele levava verdura. O pessoal comprava.

Carne tinha na Fabril. Lá tinha uma padaria e tinha um açougue. Então lá em casa a gente comprava pão e carne.

A Vila Fabril parecia, assim, desempenhar funções primordiais para a sustentação da comunidade de trabalhadores da Vila Light. Para alguns, inclusive, ela possuía estrutura superior à da própria Vila Light. É o caso do Sr. Idílio: quando questionado se os moradores da Vila Light iam muito à Vila Fabril e vice-versa, ele respondeu que “Não, o pessoal da Fabril não ia muito, porque lá tinha as venda, e na Light não tinha. Então o pessoal da Light ia mais pra Fabril”.

Os relatos de duas mulheres indicaram também que a Fabril era uma alternativa importante para o trabalho feminino. A Sra. Odette de Souza, ao apresentar sua carreira profissional, comentou que quando vivia na Vila Light trabalhava como costureira:

Eu costurava! [...] Na Light eu costurava, arrumava roupa, porque... que nem, tinha homem que trabalhava lá, eles tinham que usar camisa de manga comprida. Mas como eram uns tampinhas, a camisa ficava aqui, né? [mostrando com as mãos o comprimento das camisas] Então eu tinha que arrumar as camisas aqui. E eu ganhava meus trocados.

Em outro momento da entrevista, perguntei se ela havia trabalhado na Usina de Cubatão. Ela afirmou que não e disse: “olha, que eu saiba, mulher na Light não trabalhava. Trabalhava na Fabril. Na Fabril, a mulherada da Light muitas trabalhavam na fábrica de papel. Na Light não”.

A Sra. Ivone Monteiro foi uma das moradoras da Vila Light que trabalhou na Fabril. A ela perguntei se apenas seu pai havia trabalhado na Usina de Cubatão. Ela comentou que dois de seus irmãos também trabalharam – um na usina propriamente dita e outro na cooperativa. Depois comentou: “Eu trabalhei, mas não lá. Trabalhei na Santista de Papel. Na Companhia Santista de Papel, lá na Fabril”.

A Fabril, portanto, desempenhou um papel importante nas memórias de algumas depoentes por possibilitar que as mulheres trabalhassem no setor industrial. É certo que nem todos os entrevistados marcaram a Fabril por essas características; mas, ao considerarmos essa dimensão em associação a outras marcas atribuídas à Fabril pelos ex-moradores da Vila Light, é possível reconhecer que, em suas memórias, a Fabril – fábrica e vila juntas – desempenha um papel de grande importância para o cotidiano da comunidade da Light, configurando-se como um núcleo urbano maior que a própria Vila Light.

Retomando alguns depoimentos já citados, é possível reconhecer alguma das características ressaltadas pelos ex-moradores da Vila Light na concepção da Fabril como um núcleo urbano importante para os moradores da Vila Light. A Sra. Odette de Souza, por exemplo, comentou que a escola da Vila Light ofertava aulas apenas a 3ª série do ensino fundamental; os que passassem para a 4ª série precisariam estudar na Fabril ou em Cubatão.

Já a Sra. Vera Olcese destacou a Fabril como um centro religioso importante para os moradores da Vila Light. Segundo a depoente, “A igreja ficava na Fabril. Então (...), durante maio [a comunidade da Vila Light] ia rezar o terço toda noite lá. Então tinha uma caminhonete, todo mundo ia em cima da caminhonete pra rezar o terço. Na Fabril tinha missa, todo domingo”.

A Vila Fabril oferecia, ainda, opções de lazer complementares às existentes na Vila Light. Conforme apontado por dona Ivone , “O único bairro que a gente tinha mais contato era a Fabril. Porque tinha os bailinhos de matinê, a gente ia de domingo no bailinho de matinê. Porque na Light, tinha os próprios bailes da Light, então o papai mesmo levava, né?”.

As relações dos moradores da Vila Light com a Vila Fabril não podem ser compreendias, porém, apenas a partir do reconhecimento da segunda como um núcleo urbano de grande importância para a vida dos trabalhadores da Usina de Cubatão: é fundamental reconhecer que as relações Light-Fabril configuravam um contato entre duas comunidades

operárias. Não se tratava apenas de relações entre trabalhadores e empresas, ou entre pessoas e núcleos urbanos, mas sim, entre trabalhadores e outros trabalhadores. Essas relações se davam em diversas esferas, e não apenas na do trabalho. A memória coletiva dos ex- moradores da Vila Light, como se pode perceber a partir dos relatos orais de seus ex- moradores, aponta para a existência de relações com a Fabril nas esferas da educação, do lazer e da religião.

Na ampla gama de relações estabelecidas entre os moradores da Vila Light e os moradores da Vila Fabril, é possível perceber a criação de laços de amizade entre comunidades operárias em condições semelhantes. Essa percepção esteve presente, por exemplo, na fala do Sr. N. G. Quando perguntei quais bairros existiam nas proximidades da Vila Light, o depoente destacou a existência da Vila Fabril e das Cotas, estas últimas associadas à construção da Rodovia Anchieta. Indaguei, então, se os moradores da Vila Light possuíam contato ou amizade com os moradores desses bairros. O depoente respondeu: “eu por exemplo, tinha muita amizade com o pessoal da Fabril, né? Fui até jogar bola. Eu joguei na Comercial Santista, na Fabril”. Perguntei, então, se o entrevistado fazia parte dos clubes de futebol de lá. Ele respondeu: “eu joguei na Light, mas foi pouco, a gente tinha já o time da própria Usina. A Operação. Depois, foi indo, eu acabei ficando, sendo até presidente do Light. Nos anos [19]82, 83 eu fui presidente”.

O futebol, a propósito, foi um tema recorrente nos comentários dos ex-moradores da Vila Light sobre a Vila Fabril. A Sra. Odette, quando perguntada sobre as práticas esportivas e times da Vila Light, destacou o time de futebol e comentou que este costumava jogar contra o Comercial, time da Vila Fabril. Outros depoimentos destacaram também esses dois times e os colocaram como causas de rivalidades entre os dois bairros.

O Sr. Idílio de Souza, por exemplo, quando perguntado se havia brigas ou rivalidades entre os bairros, afirmou: “Ah, aí tinha! Tinha bastante. Bastante por causa de futebol. [...] Mas no resto não”. Perguntei, então, se havia times de futebol e ele afirmou: “Tinha, dois times. A Fabril tinha um, a Light tinha outro. Então futebol tinha uma rixa danada, dava muita briga. Mas fora disso não, o povo se dava bem”.

A expressão de rivalidades entre as duas comunidades operárias através do futebol foi também identificada na narrativa da Sra. Ivone Monteiro. Segundo a depoente:

Havia uma rivalidade pequena entre Light e Fabril por causa de jogo, jogo de futebol. Então, a gente, nessa hora é que a gente via a união da... da família Light. Lighteana. Da família lighteana. Então, nós éramos muito unidos. Um brigava pelo outro. Uma família brigava pela outra se fosse preciso.

O Sr. Waldemar Barbosa também reconheceu o futebol como veículo de expressão de rivalidades. Waldemar nasceu na Usina de Ribeirão das Lages, no Rio de Janeiro, e, em 1932, aos 17 anos, mudou-se com seu pai para a Vila Light. Foi funcionário da Usina de Cubatão entre 1933 e 1983, ano em que se aposentou. Após sua aposentadoria, manteve profundos vínculos com a usina e com a comunidade de moradores e ex-moradores da Vila Light. Em entrevista concedida em 1987 aos pesquisadores Guilherme de Assis e Renato Diniz para o

Boletim Histórico da Eletropaulo, o Sr. Waldemar foi perguntado se os trabalhadores da

Light faziam amizade apesar de muitos serem migrantes ou imigrantes. O depoente respondeu que

Fazia sim. Existia na época na Usina dois (2) times de futebol: Usina da Serra e Democrático. (...) A fábrica de papel [Fabril] também tinha um clube. Havia muita gente do Brasil, do norte. De vez em quando tinha um atrito e naquela época era mantido um pelotão da força pública. Tinha quase uma delegacia lá dentro. 140

Os atritos apontados pelo Sr. Waldemar tinham caráter mais geral. Sua fala é pouco precisa e, embora tenha sugerido a existência de conflitos no interior da comunidade da Vila Light, não deixou isso claro. Os prováveis conflitos no interior da comunidade derivados da migração e da imigração foram, na narrativa de Waldemar, mesclados com as rivalidades de futebol, com destaque para a oposição entre os times da Vila Light e o time da Vila Fabril.

O Sr. Wellington Moraes apontou também a existência de conflitos mais gerais. Perguntei a ele se havia jogado em algum time de futebol. Retomo aqui sua resposta, citada anteriormente: “Eu joguei nos times das seções, né? Igual eu... eu joguei no time da pensão. Depois na Operação”. Em seguida, indaguei se havia algum tipo de rivalidade entre os times, ao que o depoente respondeu: “Tinha um campeonato interno lá. Aí de vez em quando sobrava [rindo]. Tinha uma certa rivalidade, mas só no campo lá. Era bem disputada a coisa. Depois passava”. A fim de compreender o modo como se estabeleciam relações entre os bairros a partir do futebol, perguntei se havia um time geral da Usina de Cubatão, que disputasse jogos contra os times de outros bairros de Cubatão. Wellington respondeu: “Isso, aí disputava o campeonato da cidade, né? Aí tinha [rivalidade], principalmente, com o Casqueiro, né, e com Fabril – que era o Comercial –, Oleoduto. Aí tinha uma rivalidade danada”.

Diversas foram as falas que apontaram para a existência de rivalidades entre times de futebol da região. Estando os times associados aos bairros, percebe-se que os conflitos não se

140. BARBOSA, Waldemar. Entrevista concedida a Guilherme F. de Assis e a Renato de Oliveira Diniz para o Boletim Histórico da Eletropaulo. Santos, 10/06/1987. Suporte: Transcrição datilografada. Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Cubatão. p. 6.

davam apenas entre times, mas sim entre comunidades de bairros. O futebol servia como meio para canalizar as rivalidades entre essas comunidades e para expressar certo orgulho e pertencimento ao local representado pelo time.

Embora alguns depoimentos apontem para rivalidades mais gerais, a principal oposição apontada foi entre o time da Vila Light e o Comercial, da Vila Fabril. Considerando as relações próximas estabelecidas entre os moradores da Vila Light e os da Vila Fabril e a situação semelhante em que se encontravam os trabalhadores das duas Companhias, é importante reconhecer que, através do futebol, se expressava uma rivalidade entre comunidades operárias. Se eram frequentes os laços de amizade, havia também certas tensões e orgulhos que geravam oposições entre os dois bairros.

Essas tensões foram expressas em alguns outros temas abordados nas entrevistas. Na entrevista concedida por dona Odette, em determinado momento a depoente comentou a existência das Cotas como bairros próximos à Vila Light. Perguntei a ela se os moradores da Vila Light possuíam contato com os moradores das Cotas e se os últimos iam com frequência para a Vila Light. Odette afirmou desconhecer o fato e disse que “quem ia muito pra Light eram as moças da Fabril, né? Elas iam muito pra lá! Tanto que a maioria delas era doida pra casar com rapaz da Light. Porque a Fabril era mais pobre que a Light. Então elas eram loucas pra... muitas casaram com rapaz de lá”.

A Sra. Vera Olcese fez um comentário semelhante ao da Sra. Odette de Souza sobre os casamentos. Como ela havia se casado com um trabalhador da Cosipa originário da Vila Fabril, perguntei a ela como eram os casamentos na época: se os moradores da Vila Light procuravam se casar com pessoas da própria comunidade ou se podiam casar com pessoas de fora dela. Dona Vera respondeu:

A gente saia pra estudar. Eu casei com alguém da Vila Fabril, né? E muita gente [casou com pessoas] da Vila Fabril. Muitos casaram com os que vinham trabalhar na Light e depois saiam, voltavam, né? (...) Muitos casavam com os que encontravam na escola, que vinham estudar, acabavam encontrando. Então... era mais assim, era mais na escola. Mais essa parte escolar mesmo. Quando você começa a estudar e saia, começava a arrumar namorado fora e... porque lá, os de lá eram como irmãos mesmo. Era difícil casar com gente de lá, porque era tudo irmão! [rindo]

Percepção semelhante sobre os casamentos foi apresentada pela Sra. Ivone Monteiro. Em dado momento próximo ao encerramento de sua entrevista, foi a ela perguntado se havia algo mais que gostaria de dizer, algo que julgasse importante registrar. Ivone fez um comentário que classificou como “particular” – no sentido de algo que, talvez, não interessasse à História:

a gente de mocinha se juntava muito... assim, na Light é tudo calçado, né? Tem as ruas e tem sempre uma calçadinha. Então, a mocidade se juntava, juntava menina, mocinha, rapazinho, tudo ali pra bater papo, conversar. Ficava até umas 6, 7 horas. Era a hora que os pais permitiam, né? Então era muita, muita união. Era quase que irmãos. Tanto é que quase ninguém da Light casou com... por exemplo, rapaz casar com moradora da Light. Assim, quase não tinha... Quase não teve casamento de gente da Light com gente da Light mesmo, sabe? Todo mundo... porque acho que se consideravam como irmãos. Você entendeu? Todo mundo casando com alguém de fora. Os rapazes casavam com alguém de fora e as moças também, né? Que os rapazes de fora iam nos procurar. Que sabia que na Light era uma familiona.

A memória coletiva dos ex-moradores da Vila Light marca a comunidade de moradores como um grupo unido e solidário, sendo diversas vezes considerado como uma grande família. A construção de um passado áureo, em que a comunidade seria sólida e coesa, passa pela narração do orgulho comunitário e dos atritos com outros bairros. O bairro em relação ao qual se expressam os atritos com maior intensidade é a Vila Fabril. Enquanto bairro operário em situação semelhante à da Vila Light, a Vila Fabril é o bairro ideal para que se expressem as virtudes dos moradores da Vila Light, sua união, seu orgulho do bairro e, até mesmo, sua superioridade em relação ao restante da cidade. No processo de construção