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Até o presente momento, busquei debater o modo como as memórias dos ex- moradores da Vila Light se articulam em torno de pontos semelhantes, constituindo uma memória coletiva que reafirma o pertencimento desses indivíduos a uma mesma comunidade. Breves considerações foram feitas sobre Cubatão, cidade em que a vila foi construída.

Neste subitem, será privilegiado, justamente, o modo como esse município foi tratado nos depoimentos orais dos ex-moradores da Vila Light. Interessa compreender a maneira como a vila é representada por seus ex-moradores em relação a Cubatão, deslocando a atenção para os movimentos de aproximação e distanciamento dessas duas localidades nas memórias dos depoentes e para os modos como tais movimentos reafirmam ou diluem os sentimentos de pertencimento e identificação comunitária.

Conforme indicado na Introdução desta dissertação, as vias de deslocamento tiveram importante papel na configuração urbana de Cubatão. Nos séculos XVI e XVII, por exemplo, o transporte aquaviário constituía o principal meio de deslocamento na região da Baixada Santista. As diversas vias de deslocamento fluvial e marítimo desembocavam no Largo do Caneú. Dele, a viagem seguiria para o rio Cubatão, até se chegar a um porto no pé da Serra do Mar, o chamado Porto Geral do Cubatão. Ali estaria a primeira parada dos viajantes.

Segundo dados apresentados por Joaquim Couto em sua tese de doutorado, o Porto Geral de Cubatão foi uma alfândega estabelecida no século XVII que cobrava taxas sobre as mercadorias em trânsito. A alfandega foi administrada por jesuítas da Companha de Jesus na primeira metade do século XVIII, os quais, adquirindo terras em seu entorno, monopolizaram o sistema de transporte pelo rio Cubatão. Após a extinção da Companhia de Jesus, a Coroa portuguesa explorou a alfandega. Posteriormente, a mesma foi arrendada para particulares127.

Com as melhorias realizadas no Caminho do Padre José ao longo do século XVIII e com o aumento dos fluxos de mercadorias e pessoas entre o planalto e a Baixada Santista, surgiu a necessidade de criar pousadas no Porto Geral do Cubatão. Formou-se, então, uma pequena concentração urbana nas proximidades da alfândega, servindo como pouso para os viajantes que precisavam subir a Serra do Mar ou que a haviam descido.

A eleição do transporte terrestre como novo meio de deslocamento no local no século XIX teve também um expressivo impacto na composição urbana de Cubatão. A partir da construção do Aterrado, “parte da população começou a se transferir (...) da margem esquerda

do Rio Cubatão (onde ficava o porto) para a margem direita, ao longo do Aterrado, onde a atividade comercial passou a prevalecer”. O povoado, assim, passou a ser configurado como um conjunto de residências e comércios em torno de uma única estrada, conformando uma cidade-rua, como apresentado na Introdução desta dissertação. Apenas no início do século XX, com a construção das vilas operárias, Cubatão passou a contar com núcleos de habitação descentralizados128.

Cubatão foi, ao longo de todo o século XIX e da primeira metade do século XX, um pequeno povoado localizado entre a planície litorânea e a grandiosa barreira natural da Serra do Mar. No entanto, a partir da década de 1950, verificou-se um acelerado crescimento urbano e industrial desse município. Retomando as palavras de Couto, chama a atenção o fato de que, “De pequeno povoado no sopé da Serra do Mar, ainda no final dos anos 40, Cubatão tornou-se, em apenas 26 anos, uma das maiores cidades industriais do Brasil” 129.

Fundamental para a alteração do perfil da cidade foi o processo de industrialização que se iniciou com a instalação da refinaria de petróleo da Petrobrás no município e com o consequente número elevado de indústrias petroquímicas que foram instaladas em função desta. Explica-se: em 1955 foi inaugurada, em Cubatão, uma refinaria de petróleo da Petrobrás. A refinaria possuía a necessidade de abastecimento de matérias-primas industriais, o que estimulou o estabelecimento de algumas indústrias ao seu redor. Além disso, seus subprodutos podiam ser usados para a produção de outros bens. Assim, seguido à refinaria, instalou-se no município uma série de indústrias estrangeiras privadas e nacionais estatais. Foram elas: a Companhia Brasileira de Estireno, a Alba S/A e a Ultrafértil S/A, em 1957; e a Union Carbide do Brasil e a Copebrás, em 1958. Tudo isso só foi possível graças, ao menos em parte, à Usina de Cubatão, que fornecia energia elétrica suficiente para o estabelecimento de um conjunto produtivo de tal porte. Além disso, o local contava com a proximidade do porto de Santos, o mercado consumidor paulistano e a variedade de transportes – ferroviário, rodoviário e portuário –, o que criou um solo fértil para a implantação de indústrias na cidade130

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128. Couto. op. cit. 2012. p. 39. 129. Idem, Ibidem. p. 20.

130. A ideia de que o sistema de transportes favoreceu a implantação de grandes indústrias em Cubatão e de que a instalação destas acarretou na atração de outras empresas foi defendida também por Daniel Hogan. Segundo o autor, “Dotada com um excelente Sistema de transporte, o qual inclui hoje o porto de santos, uma ferrovia e duas superestradas, a cidade parecia uma escolha natural para uma refinaria de petróleo (no início da década de 1950) e uma fábrica de aço (na década de 1970), ambos demandando grandes volumes de matérias-primas, a fim de serem transformadas e transportadas para as indústrias serra acima. Essas duas grandes indústrias estatais geraram, até o presente momento, mais de 20 outras indústrias, especialmente

A segunda grande indústria da segunda fase industrial de Cubatão foi a Companhia Siderúrgica Paulista, inaugurada em 1963. Assim como para a refinaria de petróleo, a ampla disponibilidade de energia elétrica oriunda da presença da Usina de Cubatão pesou significativamente para a escolha de Cubatão como localização desse empreendimento industrial. Frente à experiência da refinaria de petróleo, “Esperava-se, por uma maioria entusiasmada, que a Cosipa pudesse atrair novas indústrias para Cubatão”. No entanto, a única empresa que se instalou nas imediações da Cosipa com vistas a usar seus subprodutos na década de 1960 foi a indústria de cimento Santa Rita S/A, construída em 1969.

Apesar de a Cosipa não ter atraído um número expressivo de indústrias subsidiárias como se imaginava, indústrias de outros setores se instalaram em Cubatão ao longo da década de 1960, por motivos semelhantes aos da refinaria de petróleo e da siderúrgica. Uma dessas empresas foi a Carbocoloro S/A – Indústrias Químicas, que entrou em operação em 1964. Com o objetivo de produzir cloro e soda cáustica, “cujas principais matérias-primas, além do sal comum, era a energia elétrica e água em abundância”, a Carbocloro se estabeleceu no município de Cubatão, às margens do Rio Perequê. “(...) A empresa lista ainda como atrativos, a malha ferroviária e rodoviária e a proximidade com São Paulo e Porto de Santos (para receber o sal e exportar sua produção)” 131

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O processo de industrialização de Cubatão destaca-se por ter sido marcado por ondas sucessivas de instalação de grandes indústrias, todas elas atraídas pelos fatores localização e sítio de Cubatão, mas vinculadas a demandas externas à cidade, atendendo em especial às necessidades da capital São Paulo. A industrialização do município e o acelerado crescimento advindo dela não estiveram vinculados ao desenvolvimento do núcleo urbano da cidade. O vertiginoso crescimento habitacional que se verificou entre as décadas de 1950 e 1970, que visava atender às demandas colocadas pelo grande contingente industrial que se instalava na cidade, pode ser entendido como desordenado por ter sido fortemente marcado pela migração – sem o devido preparo para receber a população migrante –, pela ocupação irregular do solo, pelo uso predatório dos recursos naturais e pelo lento estabelecimento de uma rede de serviços urbanos. 132

petroquímicas, indústrias de fertilizantes e fabricantes de cimentos”. HOGAN, Daniel Joseph. “Population, poverty and pollution in Cubatão, São Paulo”. In: POTRYKOWSKA, Alina; CLARKE, John (org.). Geographica

Polonica, nº 64, Varsóvia, 1995. p. 203.

131. COUTO. op. cit. 2003. p. 126.

132. Embora possa se dizer que o núcleo urbano de Cubatão se desenvolveu de forma desordenada, é importante mencionar que esse processo de crescimento foi fruto de um planejamento político e econômico

Para melhor compreender os modos como as mudanças urbanas ocorridas em Cubatão a partir da década de 1950 impactaram a vida dos moradores da Vila Light e a fim de investigar o papel que essas mudanças desempenham nas memórias dos depoentes, realizei algumas perguntas aos ex-moradores da Vila Light sobre suas relações com o restante de Cubatão, bem como sobre os bairros localizados próximos à vila e sobre as relações com outros grupos de trabalhadores. As questões objetivavam compreender também o fenômeno do isolamento dos lighteanos.

Uma primeira categoria de perguntas, feita geralmente no início das entrevistas, quando os depoentes estavam ainda comentando sua chegada à Vila Light ou situando cronologicamente o período em que lá viveram, diz respeito aos contatos dos moradores da vila com Cubatão e dos meios de deslocamento para a cidade. Ao Sr. Idílio, por exemplo, perguntei se era comum ir a Cubatão na época em que ele vivera na Vila Light. O entrevistado afirmou que “não era comum, porque tinha pouca condução. Então ia lá de vez em quando, a Cubatão”. Quando ia “[...] era com meu pai, que ele ia fazer alguma compra que na Light não tinha. E eu acompanhava”.

A mesma questão foi feita ao Sr. N. G., adicionando-se um questionamento sobre o que era feito pelos moradores da vila quando estes precisavam comprar algo: se era necessário ir a Cubatão ou se poderiam fazer a compra na própria vila. Vacilante, o depoente respondeu: “não... nós, é... a SBEL, né? SBEL era uma cooperativa dos empregados da Light. No acampamento nós tínhamos uma cooperativa. Desde a minha época, que eu entrei lá, sempre teve, chamava-se SBEL. Sociedade Beneficente dos Empregados da Light”. Questionou-se, então, se os moradores compravam na cooperativa tudo o que era preciso. N. G. respondeu: “Comprava, lá na SBEL, é... ultimamente a gente também ia pra Cubatão, eu, por exemplo, eu fazia feira em Cubatão”.

O Sr. N. G. complementou suas considerações comentando os meios de transporte disponíveis para se deslocar a Cubatão, conforme solicitei: “olha, nos anos 60 e... entre 60 e 70 tinha... não tinha muito ônibus não. Mas, a partir de, já em 70, quer ver... [tentando recordar]... não, não tinha...”. Esse aspecto vacilante do depoimento do Sr. N. G. pode ser melhor compreendido se levarmos em conta as considerações de Alessandro Portelli sobre a dimensão narrativa dos depoimentos orais. Recorrendo à obra Orality and Literacy, de Walter Ong, Portelli afirmou que “a oralidade não gera textos, mas performances: na oralidade, não

que visava o desenvolvimento econômico do Brasil através da industrialização, buscando para isso a máxima exploração da mão de obra e o uso irrestrito dos recursos naturais.

estamos lidando com um discurso finalizado, mas com (...) o discurso dialógico em processo”. Nesse sentido, o trecho citado da narrativa de N. G. apresenta-se oscilante porque a rememoração é um processo em aberto, que se dá no presente. A fala e a memória não são fatos, mas atos133.

Apesar de o Sr. Idílio ter vivido na Vila Light entre 1938 e 1959 e o Sr. N. G. ter lá vivido entre 1963 e 1994, os relatos dos dois depoentes apresentaram impressionante convergência. Ambos apontaram para o fato de que os moradores da Vila Light possuíam contatos pouco frequentes com o restante de Cubatão. Além disso, a justificativa para tal fato foi a mesma: a baixa disponibilidade de ônibus que conectassem a vila a outras localidades. Essa característica foi comum a vários núcleos fabris, conforme apontado por Telma de Barros Correia. Segundo a autora, o confinamento da vida operária no interior dos núcleos fabris se deu, frequentemente, pela presença de cercas, grandes extensões de terras da fábrica em torno do núcleo e postos de inspeção no acesso ao núcleo, controlando o acesso de estranhos ao local. Mas se deu também pela restrição de movimento de seus moradores. O deslocamento para outras localidades significava vencer longas distâncias, normalmente, a pé. “A autonomia de circulação do morador do núcleo era limitada, mesmo quando havia possibilidade do transporte ferroviário” – ou, no caso da Vila Light, rodoviário –, pois o transporte era submetido a horários definidos pelos patrões e passível ao controle dos mesmos134.

Outra semelhança entre as narrativas do Sr. Idílio e do Sr. N. G. é a motivação para as eventuais visitas a Cubatão. Se a Vila Light, conforme apresentado no segundo capítulo desta dissertação, possuía certa autossuficiência por contar com uma cooperativa para venda de produtos básicos e com a visita de verdureiros, padeiros e leiteiros, Cubatão representava ainda um importante centro comercial para os moradores do pequeno núcleo urbano dos arredores da Usina de Cubatão. O antigo povoado formado em torno do Aterrado havia se desenvolvido, de modo a constituir um centro comercial importante para a cidade como um todo.

À Sra. Ivone questionei como eram as relações dos moradores da Vila Light com os demais bairros de Cubatão e com o centro de Cubatão. Perguntei se os moradores da vila iam com frequência para esses locais. Ivone respondeu que

Não. Quase não. (...) Como a gente tinha dificuldade, é... Cubatão só vinha, assim, se viesse alguém. Mesmo a gente já mocinha, (...) o único bairro que a gente tinha

133. PORTELLI. op. cit. p. 19. 134. CORREIA. op. cit. p. 93.

mais contato era a Fabril. Porque tinha os bailinhos de matinê, a gente ia de domingo no bailinho de matinê. Porque na Light, tinha os próprios bailes da Light, então o papai mesmo levava, né? Nos levava nos bailinhos. Então quase não precisava sair dali, porque aquele já era um grande divertimento, né? Mesmo a gente sendo moça, a gente só ia se papai fosse junto. Se ele não fosse, ninguém ia, né? Nos bailes.

Depois, aqui em Cubatão abriu um cinema. Também, só vinha se viesse alguém junto, né? Duas ou três irmãs, ou duas irmãs e um irmão. À tarde. Porque ninguém saia muito, então a gente quase não tinha contado aqui. Em Cubatão, não. Só a Fabril mesmo. A Fabril tinha mais contato, agora, aqui em Cubatão, não. Não tinha muito contato.

Perguntei, na sequência, como os moradores da Vila Light faziam para irem ao centro de Cubatão. Ivone respondeu:

De ônibus. Até... na minha época, já foi de ônibus. Dos meus irmãos mais velhos, eles vinham a pé, de lá a aqui. Ou então vinham de trollinho. Que tinha um trollinho lá da usina que ele vinha de lá, passava aqui por dentro de Cubatão e continuava, não sei pra onde (...). Então eles vinham muito de trollinho, os irmãos, né? Nós não. As meninas, não tinha. (...) Ainda chegamos a vir algumas vezes, né, a pé. Juntava uma turma boa e vinha a pé. Se fosse de dia, vinha aquela turma boa e vinha aqui pra Cubatão. Mas não era muito não.

Os comentários de Ivone marcaram uma importante distância entre a Vila Light e o centro Cubatão. É importante notar que a distância é menos física do que social: fisicamente, o centro de Cubatão não fica tão longe da Vila Light. Os dois territórios são separados por aproximadamente 4 quilômetros, distância significativa, mas não incapacitante. No entanto, os depoimentos dos ex-moradores da Vila Light tenderam a apontar que, embora fosse possível ir ao centro de Cubatão, não era fácil e nem necessário se deslocar para lá. Como apontado pela Sra. Ivone, a proximidade da Vila Fabril e os serviços fornecidos pela São Paulo Light – especialmente aqueles referentes ao lazer – eram suficientes para os moradores da vila, havendo pouca necessidade de que os mesmos se deslocassem para outras áreas de Cubatão. Além disso, como apontado pelos Srs. Idílio e N. G., o transporte era escasso, o que tornava o deslocamento ainda menos atrativo.

A pergunta sobre o contato dos moradores da Vila Light com Cubatão foi feita também à Sra. Odette de Souza, que viveu na vila entre 1938 e 1955. Sua resposta, no entanto, divergiu em diversos aspectos das respostas de Idílio, N. G. e Ivone. Quando perguntada se, na época em que vivera na Vila Light, ela ia com frequência a Cubatão, a Sra. Odette respondeu aos risos: “Ah, eu ia! Ia com uma raiva! [...] Eu vinha sempre em Cubatão com meu pai. Vinha comprar morrambrã [cachaça]. Ai, que ódio! [rindo]”.

Após os momentos de gargalhadas, dona Odette retomou a narrativa sobre as conexões com Cubatão. Afirmou, então: “não, eu vinha sim [para Cubatão]. Vinha às vezes comprar alguma coisa, porque na Light... depois tinha uma lojinha lá. Mas tinha assim, miudeza: linha, agulha, renda... mas não, assim, calçado, roupa, essas coisas não tinha”.

Em seguida, perguntei à Sra. Odette qual era o meio de transporte que conectava a Vila Light a Cubatão. Esse ponto da entrevista apresentou um fenômeno bastante interessante. Ao longo de quase todo seu relato, dona Odette falou com firmeza do passado. Poucos foram os momentos em que a entrevistada apresentou uma postura vacilante. Tomando-me por confidente, contou-me sua história de vida. Explorou temas diversos, alguns a pedido meu, outros por sua própria vontade. No entanto, em dado momento da entrevista, seu marido, o Sr. Idílio, se aproximou. Ele havia dado seu depoimento poucos momentos antes e, sabendo disso e contando com sua presença, a Sra. Odette passou a consultá-lo constantemente para confirmar suas memórias.

Quando a ela perguntei o meio de transporte utilizado para ir a Cubatão, ela questionou de volta: “O Idílio vinha do que? Bicicleta?”. Afirmei não me recordar o que ele havia dito, e ela replicou: “Ó, o transporte era de ônibus. Mas teve uma época... cortaram o ônibus. Idílio, quando a gente vinha de vagão? [dirigindo-se ao Sr. Idílio] Vagão não, era aberto”. O Sr. Idílio respondeu: “Não, não cortaram. Tinha pouco ônibus. Então a Light começou a... não sei se era de manhã ou de tarde, muita gente morava em Cubatão. [A empresa disponibilizou] Uma locomotiva com um vagão”. Dona Odette completou o raciocínio dirigindo-se a mim: “Eu vinha estudar, eu vinha nela. (...) Eu vinha 1 hora e voltava acho que às 5”.

É interessante notar que, a partir do momento em que o Sr. Idílio se aproximou, a Sra. Odette passou a consultá-lo como que para confirmar suas memórias. A depoente parecia querer validá-las tanto para mim quanto para si mesma, como se temesse que suas lembranças lhe enganassem. As considerações de Ecléa Bosi sobre a importância da interação social para a constituição da memória auxiliam na compreensão desse fenômeno. Segundo Bosi, “Somos, de nossas recordações, apenas uma testemunha, que às vezes não crê em seus próprios olhos e faz apelo constante ao outro para que confirme nossa visão: ‘Aí está alguém que não me deixa mentir’.”. 135

À Sra. Vera Olcese foi também perguntado se ela possuía contato com Cubatão na época em que vivera na Light. Afirmou a depoente que

Sim, porque eu tinha os avós que moravam em Cubatão. Meu avô tinha um (...) armazém, né? Era uma casa onde tinham todos os secos e molhados, e todas aquelas coisas pra alimentos e gêneros. E todos os domingos nós almoçávamos na minha avó. Então todo domingo nós íamos pra Cubatão (...). E Cubatão também tinha o cinema, depois desse almoço tinha a matinê, né?[...] Quando maiorzinhos a gente já ia pro cinema. E também quando maiores, já tinha os bailes do Esporte

Clube Cubatão, Carnaval, os bailes maiores e mais com orquestras, assim, aí eram no Esporte Clube Cubatão.

Nesse ponto, o depoimento de Vera apresenta tanto aproximações quanto divergências com as narrativas produzidas por outros antigos moradores da Vila Light. No que diz respeito às aproximações, é importante destacar o fato de que Cubatão representava um centro urbano importante para os moradores da Vila Light, contando, inclusive, com opções de lazer mais pujantes, como o cinema e os bailes com orquestra. Esse aspecto foi apontado pelo Sr. Idílio, quando este afirmou que se deslocava ao centro de Cubatão quando precisava comprar itens que não eram vendidos na Vila Light; pelo Sr. N. G., ao afirmar que fazia feira em Cubatão; pela Sra. Ivone, ao comentar o cinema como um entretenimento que justificaria o deslocamento até o centro de Cubatão; e pela Sra. Odette, quando esta comentou que era necessário ir ao centro de Cubatão para comprar cachaça para seu pai.

As divergências entre a narrativa da Sra. Vera e as demais se dão, especialmente, no