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Conceito caro ao campo da Geografia e profundamente debatido pelos geógrafos a partir do século XIX, a paisagem cultural configura uma categoria recente e em ampla discussão no campo da preservação do patrimônio cultural no Brasil. Suas associações com o conceito de iconosfera, no entanto, têm sido ainda pouco exploradas. Este subitem tem por objetivo realizar uma aproximação conceitual entre a paisagem cultural e a iconosfera, buscando melhor compreender o processo de construção da imagem das adutoras da Usina de Cubatão como uma cicatriz na muralha representada pela Serra do Mar e suas relações com a formação de uma paisagem industrial em Cubatão.

Dentre diversas publicações do IPHAN que contribuíram para situar a recente tomada de importância do conceito de paisagem cultural nos debates relativos à preservação do patrimônio cultural no Brasil, destaco duas: o verbete “Paisagem Cultural”, escrito pela geógrafa Simone Scifoni para o Dicionário do Patrimônio Cultural do IPHAN, e o livro

Paisagem Cultural e Patrimônio, de autoria do geógrafo Rafael Winter Ribeiro.

Scifoni se destaca por sua atuação no campo do patrimônio cultural e, mais especificamente, nos debates referentes ao patrimônio natural e à paisagem cultural. Possui longa trajetória no campo da defesa do patrimônio cultural, com expressiva participação no CONDEPHAAT e IPHAN e produção bibliográfica profunda e volumosa sobre os temas referentes à temática, com destaque para seu doutorado A construção do patrimônio natural, defendido em 2006.

Em 2016, foi responsável por escrever o verbete “Paisagem Cultural” do Dicionário

do Patrimônio Cultural. Essa obra resultou do projeto coordenado por Maria Beatriz

Rezende, técnica da Coordenação-Geral de Pesquisa e Documentação do Departamento de Articulação e Fomento do IPHAN, e se caracteriza pela presença de diversos artigos e verbetes sobre o tema da preservação do patrimônio cultural no Brasil que servem como referência para as práticas, discursos e conceitos com os quais o IPHAN vem operando ao longo de sua história. A obra se distingue, ainda, por ser uma produção coletiva e em constante elaboração: o projeto foi iniciado no ano de 2004, com o levantamento e fichamento de obras fundamentais ao campo da preservação do patrimônio cultural no Brasil, e até os dias de hoje vem recebendo contribuições de diversos profissionais desse campo de conhecimento. A escolha pela construção coletiva e contínua partiu do reconhecimento de que “dicionários

(...) não são obras definitivas (...), estão permanentemente sujeitos a alterações, revisões, ampliações e crítica”. 43

Rafael Ribeiro, por sua vez, é membro do ICOMOS e professor do Departamento de Geografia da UFRJ e do Mestrado Profissional em Preservação do Patrimônio Cultural do IPHAN. Dedica-se aos estudos da Geografia Humana, especialmente em suas conexões com o campo do patrimônio cultural. Em 2007, publicou o livro Paisagem Cultural e Patrimônio, no qual traçou um histórico das discussões sobre as paisagens culturais e debateu o modo como, nacionalmente e internacionalmente, esse conceito foi incorporado ao campo de estudos da preservação do patrimônio cultural.

Segundo afirmado por Scifoni no verbete por ela escrito, as discussões sobre a paisagem cultural como ferramenta de preservação foram fundadas em 1972, durante a Convenção para Proteção do Patrimônio Cultural e Natural, na qual se buscou reduzir o antagonismo entre patrimônio natural e patrimônio cultural. Rafael Ribeiro destacou essa mesma Convenção como um marco inicial na preservação das paisagens culturais, por ter ali se estabelecido a Lista do Patrimônio Mundial e o Comitê do Patrimônio Mundial. Em perspectiva divergente da de Scifoni, no entanto, o autor enfatizou que as inscrições de bens culturais na Lista se baseariam em “um antagonismo entre as categorias cultural e natural”, percepção que derivava da “(...) origem bipartida da preocupação com o patrimônio mundial, oriunda de dois movimentos separados: um que se preocupava com os sítios culturais e outro que lutava pela conservação da natureza” 44

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Ribeiro afirmou, ainda, que apesar de posteriormente ter sido criada a categoria de bem misto para os bens que se enquadrariam em ambas as classificações, foi somente com a adoção do conceito de paisagem cultural pela Unesco, em 1992, que as características naturais e culturais dos bens passaram a ser pensadas de forma integrada. Scifoni apresentou perspectiva semelhante, pois considerou que apenas em 1992, durante a 16ª sessão do Comitê do Patrimônio Mundial da Unesco, a paisagem cultural foi reconhecida como nova categoria do patrimônio cultural, com vistas a lidar com os “patrimônios mistos” na Lista do Patrimônio Mundial, ou seja, sítios que se destacavam por características naturais e culturais.

43. REZENDE, Maria Beatriz. Histórico do projeto. In: RESENDE, Maria Beatriz; GRIECO, Bettina; TEIXEIRA, Luciano; THOMPSON, Analucia. Dicionário IPHAN de Patrimônio Cultural. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2014. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1027>. As considerações apresentadas nesse parágrafo também tomaram como fonte de informação o texto de apresentação do dicionário no site institucional do IPHAN. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1026>.

Para Ribeiro, a concepção de paisagem cultural adotada pela UNESCO a partir de 1992 se diferencia das considerações anteriores de cartas patrimoniais e recomendações internacionais sobre a preservação de paisagens por “adotar a própria paisagem como um bem, valorizando todas as inter-relações que ali coexistem [...], visando a valorização das relações entre o homem e o meio ambiente, entre o natural e o cultural”. Essa perspectiva vem sendo debatida continuamente nas últimas décadas, a partir da realização de diversos encontros de especialistas, grande parte deles organizada pela própria Unesco. As discussões tendem a reduzir a dicotomia entre cultura e natureza, desenvolvendo uma perspectiva integradora entre essas dimensões da realidade, o que tem feito com que a categoria de paisagem cultural venha ganhando força internacionalmente. “Desse modo, a idéia de paisagem cultural da UNESCO valoriza uma abordagem do conceito que identifica na paisagem a inscrição das relações do homem com a natureza” 45

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Embora tenham reconhecido a importância do conceito de paisagem cultural adotado pela Unesco, ambos os autores apontaram que, paralelamente à elaboração da ferramenta pela Unesco, o Conselho da Europa vinha também discutindo a questão e elaborava normativas sobre ela. Scifoni apontou, nesse sentido, que a proteção da paisagem cultural em território europeu foi regulamentada inicialmente em 1995, através da Recomendação R(95) 9 e, posteriormente, pela Convenção Europeia da Paisagem, realizada em 2000. Segundo Ribeiro, a referida Recomendação “versa Sobre a conservação integrada das áreas de paisagem

culturais como integrantes das políticas paisagísticas” e “(...) orienta a ação das políticas

para conservação dos Estados-membros para áreas de paisagem cultural e para que estas sejam adaptadas a uma política mais geral sobre as paisagens”. A definição de paisagem tomada pela Recomendação é a da mesma como uma expressão formal dos relacionamentos entre as sociedades e os territórios, sendo sua aparência o resultado da ações e fatores humanos, naturais ou da combinação de ambos 46.

No que diz respeito à Convenção Europeia da Paisagem, Ribeiro destaca o fato de a mesma ter tido por objetivo “introduzir regras de proteção, gerenciamento e planejamento para todas as paisagens baseadas num conjunto de regras, constituindo um elemento fundamental da gestão do território” e distanciando-se da intenção do instrumento da Unesco de listar as paisagens de valor excepcional e universal. Além disso, a Convenção não

45. Idem, Ibidem. p. 41; 49. 46. Idem, Ibidem. p. 51.

distinguiu natureza e cultura, tomando-os como elementos integrados a partir do conceito unificador de “paisagem”.

No caso brasileiro, a paisagem cultural foi incorporada como nova categoria de patrimônio cultural no ano de 2009, a partir da Portaria nº127/09 do IPHAN. É bem verdade que, segundo apontou Scifoni, o Decreto-Lei 25 de 1937 já previa a proteção de paisagens de feição notável, por seus elementos naturais ou pela indústria humana que as agenciou e que o artigo 216º da Constituição Federativa do Brasil de 1988 possibilitou a efetivação da proteção das paisagens culturais no Brasil ao definir que

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

[...]

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.47

No entanto, o tombamento paisagístico se diferencia da chancela de paisagens culturais possibilitada pela Portaria de 2009, tendo em vista que no caso do tombamento paisagístico o recorte espacial é tomado como meramente complementar e as intervenções no bem tombado são bastante restritivas, ao passo que na chancela de paisagens culturais o recorte territorial embasa a própria concepção do objeto e a cultura é compreendida como dinâmica. Dessa forma, segundo Scifoni, o estabelecimento da paisagem cultural como categoria de preservação deveu-se mais às recomendações internacionais e aos debates acadêmicos do que às práticas preservacionistas brasileiras.

Importante salientar, nesse sentido, que a referida Portaria embasou o reconhecimento da paisagem cultural como categoria de preservação frente ao fato de

que o Brasil é autor de documentos e signatário de cartas internacionais que reconhecem a paisagem cultural e seus elementos como patrimônio cultural e preconizam sua proteção [e de] [...] que o reconhecimento das paisagens culturais é mundialmente praticado com a finalidade de preservação do patrimônio e que sua adoção insere o Brasil entre as nações que protegem institucionalmente o conjunto de fatores que compõem as paisagens. 48

47. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Artigo 216. 1988. Disponível em: << http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>>.

48. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Diário Oficial da União. Portaria nº 127, de 30/04/2009, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 05/05/2009.

Vale ressaltar que, embora o foco recaia nos documentos internacionais que fomentaram a construção da noção de paisagem cultural no Brasil, há debates no interior do IPHAN que precederam a publicação da Portaria 127. A experiência dos Roteiros de Imigração de Santa Catarina e as publicações que dela derivaram foram fundamentais, por exemplo, à elaboração da noção de paisagem cultural que figura na Portaria 127, como apontado pela própria Scifoni.

As discussões internacionais sobre a preservação ocuparam, portanto, um papel fundamental na formulação do conceito de paisagem cultural por parte do IPHAN. Papel central possuíram também os debates acadêmicos sobre o tema, particularmente aqueles provenientes da Geografia.

A noção de paisagem começou a ser cunhada no século XIX, em trabalhos de geógrafos alemães, como Otto Schlüter e Siegfried Passarge. Esses trabalhos traçavam uma clara distinção entre paisagem natural – caracterizada pelos elementos do meio físico sem intervenção humana, tais como relevo e vegetação – e paisagem cultural – que se caracterizaria pelas modificações realizadas pelo homem na paisagem natural ou pela construção de uma paisagem inteiramente artificial. De forma incipiente, despontava uma percepção da paisagem como um movimento de ação e apropriação do homem sobre o espaço.

No entanto, foi apenas no século XX, com a chamada Geografia Cultural, que a concepção de paisagem como apropriação material se consolidou no campo de conhecimento da Geografia. Carl Sauer, um dos principais nomes associados a essa vertente interpretativa, considerava que a dimensão natural seria o meio que, ao ser moldado pela ação humana, resultaria na paisagem. Segundo apontado por Scifoni, Sauer não considerava a paisagem natural e a paisagem cultural como dois objetos distintos, mas sim como duas dimensões de um mesmo objeto: a paisagem. Essas duas dimensões existem em inter-relação, sendo sua divisão meramente metodológica. 49

A Geografia de língua inglesa, a Geografia Humanística e a Nova Geografia Cultural contribuíram significativamente para as discussões referentes à paisagem cultural ao considerarem que as paisagens não englobavam apenas as apropriações e alterações materiais da realidade, mas também as apropriações e alterações simbólicas. A partir da década de 1960, as duas primeiras vertentes, opondo-se à crença em uma realidade puramente objetiva, defendiam que “[...] A paisagem é introjetada no sistema de valores humanos, definindo relacionamentos complexos entre as atitudes e a percepção sobre o meio”, e que as marcas humanas nas paisagens seriam capazes de revelar o pensamento de um povo sobre seu entorno.

49. SAUER, Carl. “The Morphology of Landscape”. In: AGNEW, J.; LIVINGSTONE, D. N.; ROGERS, A. (org.).

Human Geography: An Essential Anthology. Oxford: Blackwell, 1996 [1925]. apud. RIBEIRO. op. cit. p. 19. O

aspecto ativo do homem também se apresentava na Geografia de língua francesa, com Paul Vidal de la Blanche, por exemplo. Na obra de la Blanche o homem não é simplesmente determinado pelo meio. Pelo contrário, ele é atuante, contribuindo para as alterações do meio. Conforme: RIBEIRO, op. cit. p. 28.

Na década de 80 do século XX, surgiu a Nova Geografia Cultural, que buscava renovar a Geografia Cultural de Sauer, mas tomando por inspiração os trabalhos da Geografia Humanística. À dimensão cultural da paisagem contribuía, então, com os estudos sobre o simbolismo e com a valorização da subjetividade, reconhecendo, ainda, a cultura como um constructo social. Dessa forma, era estabelecida uma ruptura com a reificação da cultura presente nos estudos da Geografia Cultural, que a consideravam autônoma e descolada da realidade social50.

A concepção de paisagem cultural institucionalizada pelo IPHAN toma por base as referências teóricas aqui apresentadas ou aquelas que são com elas convergentes. O artigo 1º da Portaria 127 definiu, por exemplo, que “Paisagem Cultural Brasileira é uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural, à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores”. Percebe- se a definição da paisagem a partir de uma delimitação espacial, na qual uma porção do território é física e simbolicamente apropriada ou alterada pelas sociedades que com ela interagem, processos em que ocorre a atribuição de valores ou a impressão de marcas. A noção de interação, a propósito, aparece como basilar da conceituação proposta pelo IPHAN: em perspectiva próxima à concepção fundacional de Sauer, a paisagem cultural é fruto da interação entre a humanidade e a natureza.

Ainda, o artigo 3º da Portaria em questão define que a chancela da paisagem cultural “considera o caráter dinâmico da cultura e da ação humana sobre as porções do território a que se aplica, convive com as transformações inerentes ao desenvolvimento econômico e social sustentáveis e valoriza a motivação responsável pela preservação do patrimônio”. A perspectiva adotada reconhece a dinamicidade da cultura e sua constituição a partir da interação humana, questão central aos debates propostos pela Geografia Humanística e pela Nova Geografia Cultural, vertentes teóricas e metodológicas que atentavam ao papel humano na construção do meio51.

O conceito de paisagem cultural, tal como é adotado pelo IPHAN, funda-se na relação entre cultura e natureza e no modo como essas categorias se inter-relacionam, definindo-se mutuamente. Segundo definição de Scifoni, a preservação das paisagens culturais não se reduz ao patrimônio edificado, englobando também “o ambiente onde vivem e trabalham cotidianamente diversos grupos sociais, assim como as suas tradições, costumes e

50. RIBEIRO. op. cit. p. 24.

manifestações típicas”. Esse conceito é fundamental para que se compreenda o papel da Serra do Mar para a formação histórica e urbana de Cubatão. E a essa compreensão importa também a dimensão visual e simbólica das paisagens, ou seja, a ideia de que as paisagens são também construídas através do olhar daqueles que a experienciam e das imagens que foram veiculadas sobre o referencial material com o qual se convive – e que agiram no sentido de constituir uma iconosfera sobre a Serra do Mar e sobre a Usina de Cubatão52.

Como explicitei no subitem anterior, a compreensão científica da Serra do Mar como uma barreira natural não se reduziu a um processo descritivo ou observacional passivo. Tal compreensão configurou-se como um processo ativo, em que a sensibilidade do cientista “absorvia” a serra, ao mesmo tempo em que a modelava. E essa modelagem não se restringia à subjetividade individual: a publicação das interpretações científicas sobre a Serra de Cubatão fez circular ideias, conceitos e imagens sobre a serra e – considerando-se a tradição interpretativa da serra como uma muralha – fez nascer um marco visual, oficializado e autorizado, reconhecível por todos por sua longa duração e pela autoridade científica que o certifica.

A articulação entre cultura e natureza que qualifica a noção de paisagem cultural é explícita no quarto volume de A Baixada Santista: aspectos geográficos. Nomeado “Cubatão e suas indústrias”, esse volume voltou-se para a compreensão de um fenômeno de grande efervescência na década de 1960, a saber, o acelerado crescimento urbano e industrial do município cubatense. Dos três capítulos que compõem o volume, serão debatidos o primeiro, da geógrafa Léa Goldenstein, e o segundo, da geógrafa Maria de Lourdes Radesca.

Nomeado “As Usinas da Light”, o capítulo escrito por Radesca voltou-se à análise da Usina de Cubatão e de seu papel no sistema de produção e distribuição de energia elétrica da São Paulo Light. O foco do texto é o percurso que, naquele contexto, as águas faziam no processo de geração de energia elétrica e as técnicas, equipamentos e construções envolvidas nesse processo. Nesse sentido, a autora destacou o Reservatório Billings como principal lago artificial responsável por abastecer a Usina de Cubatão. Formado em 1934 a partir de um conjunto de barragens, esse reservatório era responsável por armazenar as águas da bacia do rio Grande, do rio Tietê e do reservatório de Guarapiranga. Construído em 1907, este último tinha por função original regularizar a vazão do rio Tietê e possibilitar o funcionamento da Usina de Paranaíba. A partir da desmontagem da Usina de Parnaíba, foi incorporado ao sistema de geração da Usina de Cubatão. “Suas águas, desviadas através do Canal do Rio

Grande e do Pinheiros, chegam à Usina Elevatória de Pedreira, sendo, em seguida, recalcadas para o Reservatório Billings, indo depois movimentar as turbinas geradoras na Baixada Santista”53

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O acúmulo de maior volume no reservatório Billings exigiu, segundo Radesca, a captação de águas do Tietê. Para tanto, optou-se por

retificar o Pinheiros, transformando o sinuoso rio num canal artificial de 25,226 km de comprimento, 94 a 98 m de largura e 5 a 6 de profundidade. Foram, também, retificados os cursos inferiores do Guarapiranga e Grande a jusante das barragens dos grandes reservatórios, facilitando a comunicação dos lagos com o Tietê. [Além disso,] (...) Tornou-se necessário inverter o sentido do escoamento das águas do canal, drenando, numa verdadeira captura artificial, águas do Tietê para o Reservatório Billings. Isso foi obtido com a construção de obras de engenharia – a Estrutura do Retiro e duas estações elevatórias de água54.

Radesca destacou, ainda, que a partir do reservatório Billings as águas fluíam por um canal de ligação de 1800 metros de comprimento e 8,5 metros de profundidade até o Reservatório do Rio das Pedras, onde eram também acumuladas as águas do rio homônimo. Nesse reservatório localizavam-se as tomadas d’água das adutoras da usina: por dois túneis as águas eram conduzidas até as torres de compensação, responsáveis por regular a pressão. “Dessas tôrres partem as oito adutoras de superfície, que descem pela encosta escarpada da Serra do Mar, encaminhando as águas do Planalto, com a velocidade média de 23 a 24km por hora e sob a pressão de 70 atmosferas, às turbinas geradoras de Cubatão”55

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Embora a descrição de Radesca não tenha feito menção explícita à tradição visual de representação da Serra do Mar como uma muralha e não tenha associado as adutoras à noção de cicatriz, faz-se necessário reconhecer que seu texto construiu uma imagem de grandeza para o projeto de criação da Usina de Cubatão, explicitando a profunda interferência humana na natureza a partir da construção do extenso sistema de diversão das águas para produção de energia elétrica em Cubatão. Desse modo, depois de descrever o longo percurso que as águas percorrem através de obras de engenharia – rios retificados, sistemas de adução, barragens,