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No caso brasileiro, a propósito, os trabalhos sobre histórias de vida possuem íntima relação com os estudos referentes ao trabalho. Autora fundamental nos debates sobre a técnica de histórias de vida no Brasil, a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiróz desenvolveu alguns de seus principais trabalhos com essa técnica no estudo de trabalhadores brasileiros. A obra Variações sobre a técnica do gravador no registro da informação viva, na qual a autora desenvolveu profunda discussão teórica e metodológica, foi fruto de uma pesquisa coletiva realizada no início da década de 1980 sobre trabalhadores de poucos recursos em São Paulo entre 1920 e 1937. Embora a discussão da obra seja centrada nas técnicas de registro e análise de depoimentos orais, foram feitas algumas considerações sobre o projeto do qual partiu. Esse projeto surgiu em um momento “em que a sociedade paulistana se assustava com a destruição maciça de vestígios do passado da cidade e em que as testemunhas desse passado estavam morrendo, colocando a memória desse período na iminência de desaparecimento” e foi definido pelos interesses e vínculos pessoais dos pesquisadores com o grupo social a ser investigado. A definição da coletividade a ser inquirida, a propósito, foi produto direto das dimensões econômica e laboral: as ideias de poucos recursos e a categoria de trabalhador seriam centrais na definição do grupo pesquisado. A definição apontaria para uma reflexão

conceitual, extrapolando o conceito de baixa renda, tendo em vista que renda se refere a um rendimento periodicamente renovado ou recebido com segurança, e que o grupo de trabalhadores em questão seria definido pelas dificuldades de assegurar ganhos periódicos, estando englobados aí tanto “operários com ganhos constantes quanto (...) trabalhadores que viviam de expedientes; tanto (...) trabalhadores que nunca haviam sido operários, quanto (...) trabalhadores que haviam trabalhado temporariamente em uma fábrica” 87

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Outra autora central na constituição do método das histórias de vida no Brasil foi Ecléa Bosi. Na obra Memória e sociedade: lembranças de velhos, Bosi tomou o trabalho como uma temática de suma importância em sua pesquisa. Se é verdade que a questão central da obra são as memórias sobre a cidade de São Paulo, é também verdade que o trabalho desempenha um papel fundamental nas narrativas e na orientação da análise. Nesse sentido, é interessante perceber que um dos capítulos do livro de Bosi é inteiramente dedicado à memória do trabalho, contando com considerações importantes sobre o papel do trabalho na passagem para a vida adulta. O trabalho é, assim, uma das forças “do tempo social marcado por pontos de orientação que transcendem nossa vontade e nos fazem ceder à convenção”, lançando o operário em um tempo mecânico e homogêneo capaz de afetar a sedimentação da memória 88

. Dentre os estudos realizados na perspectiva das histórias de vida ou das memórias orais de trabalhadores ou de agentes diretamente envolvidos na atividade industrial, destaco o Programa de História Oral da Memória da Eletricidade, realizado pelo Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, que no ano de 1990 publicou um Catálogo de Depoimentos de diversas personalidades vinculadas ao setor de energia elétrica, “dotadas de ricas e fecundas vivências nos campos da engenharia e da administração”. Segundo a apresentação do catálogo, a criação do programa remonta ao início da década de 1980, quando a holding Centrais Elétricas Brasileiras S. A. (Eletrobrás) tomou algumas iniciativas para criar um programa de entrevistas com técnicos e ex-dirigentes do setor de energia elétrica, com o objetivo de reconstituir a história do setor no Brasil. O programa só entrou em operação no ano de 1985, a partir de uma parceria firmada com o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV). Foi definida como recorte temporal a fase anterior à formação da empresa holding (1953-1962) e estabeleceram-se como procedimentos o levantamento de documentos nos acervos das principais empresas do setor

87. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Variações sobre a técnica de gravador no registro da informação viva. São Paulo, CERU e FFLCH/USP, 1983. (Col. Textos, 4), 2 ed. pp. 34; 37.

88. BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 9ªa edição. São Paulo, Companhia das letras, 2001. p. 417.

elétrico e a coleta de depoimentos daqueles que foram considerados os principais agentes que participaram do processo de constituição da Eletrobrás. No ano de 1986 foi criado o Centro da Memória da Eletricidade no Brasil, pelas empresas do setor de energia elétrica. Sendo a Eletrobrás um de seus membros, o projeto foi repassado para a instituição89.

Há também alguns trabalhos mais recentes no campo da memória do trabalho que, tendo contribuído diretamente para a realização desta pesquisa, precisam ser citados. O primeiro deles é a dissertação de Mestrado Ferrovia e memória, do sociólogo Marco Henrique Zambello. Zambello preocupou-se em analisar a memória ferroviária, ou seja, a memória associada às relações de trabalho, modos de vida e trajetória da categoria dos antigos ferroviários do bairro operário nomeado Vila Industrial, em Campinas/SP. O objetivo do autor era

resgatar sociologicamente os comportamentos operários produzidos pelo trabalho no transporte ferroviário, baseado nas representações sociais suscitadas nos relatos de ex-ferroviários e na reconstrução histórica de algumas experiências dos sindicatos da categoria e de suas lideranças.90

Zambello defendeu que, a partir das memórias narradas dos ex-ferroviários e do cruzamento destas com outras fontes documentais, poderia compreender as técnicas do passado, as rotinas do operariado, as mudanças pelas quais o setor ferroviário passou, as lutas dos trabalhadores e a formação da categoria ferroviária e de suas lideranças.

Em sentido semelhante ao realizado nesta pesquisa, Zambello inseriu sua investigação em uma prática científica que se consolidava em torno da análise das narrativas de ex-operários. Fez menção, deste modo, à tese de doutorado Rio Claro e as Oficinas da Companhia Paulista

de Estrada de Ferro: Trabalho e Vida Operária, de Liliana Bueno dos Reis Garcia, de 1992;

e à tese de doutorado Nos trilhos da memória: racionalização, trabalho e tempo livre nas

narrativas de velhos trabalhadores, ex-alunos do Curso de Ferroviários da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, de Álvaro Tenca, de 2002. Ambas as teses são, segundo

Zambello, focadas na constituição de mecanismos disciplinares no trabalho e seus efeitos no comportamento dos ferroviários.

O segundo trabalho que precisa ser destacado é o projeto Usina de Memórias. Realizado no ano de 2013 pela Fundação Energia e Saneamento a partir de uma parceria com o Ministério da Cultura, o projeto desenvolveu um trabalho de história oral com antigos e atuais

89. PROGRAMA de História Oral da Memória da Eletricidade. Catálogo de Depoimentos. pp. 7; 11.

90. ZAMBELLO, Marco Henrique. Ferrovia e memória: estudo sobre o trabalho e a categoria dos antigos

ferroviários da Vila Industrial de Campinas. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de

Sociologia da Faculdade de Filosofia, Ciências, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo, Setembro de 2005. p. 11.

trabalhadores da Usina Henry Borden e com moradores de sua vila, totalizando 50 entrevistas registradas em material de vídeo, disponíveis na íntegra no acervo da Fundação Energia e Saneamento. O projeto teve por objetivo constituir novos documentos históricos sobre a Usina Henry Borden e resultou também na produção de um DVD contendo versões reduzidas das 50 entrevistas – com médias aproximadas de 3,5 minutos de duração cada –, além de uma cronologia ilustrada.

As pesquisas sobre trabalhadores a partir de seus depoimentos orais apresentam, tanto no Brasil quanto internacionalmente, um reconhecível histórico, associado, dentre outas coisas, às expansões temáticas do campo do Patrimônio Industrial. Esta investigação, deste modo, foi realizada a partir de diálogos diretos com esses campos de pesquisa. Tomaram-se por principais fontes históricas os relatos orais de moradores e ex-moradores da Vila Light, com o objetivo de compreender a maneira como estes se relacionam entre si, articulando vínculos comunitários.

O percurso das entrevistas se iniciou em fins do ano de 2013, quando realizei um trabalho de conclusão de uma disciplina da graduação em História da Universidade Estadual de Campinas. Naquela ocasião, busquei compreender o Complexo Hidroelétrico Henry Borden como um vestígio industrial passível de preservação. Realizei, para isso, duas conversas informais com ex-moradoras da Vila Light: a primeira em 23/11/2013 com as irmãs Yolanda Souza, Ivanir Souza e Ivone Monteiro; e a segunda em 24/11/2013, com Odette Carlos de Souza. As entrevistas, embora registradas em arquivos de áudio, foram realizadas sem qualquer embasamento metodológico e em ambientes pouco adequados, mas me serviram como uma primeira experiência com a prática de entrevistas.

Em sequência, realizei ao longo do ano de 2014 diversas conversas com moradores e ex- moradores da vila, contando inclusive com duas visitas de campo guiadas por atuais funcionários do Complexo Hidroelétrico Henry Borden e com a participação na festa de aposentados do Complexo, oportunidade em que foi possível conversar com diversos ex- trabalhadores das usinas. No ano de 2015, em que se iniciou esta pesquisa de mestrado, realizei 6 entrevistas com ex-moradores da vila: no dia 06/03, foi novamente entrevistada a Sra. Odette de Souza; aproveitei a oportunidade para entrevistar também seu esposo, o Sr. Idílio de Souza. No dia 07/03, entrevistei o Sr. Manoel Pinheiro; no dia 01/04, entrevistei o Sr. N. G. [opção por anonimato]; em 04/04, foi entrevistado o Sr. Wellington Moraes. Esse núcleo de entrevistas foi inteiramente realizado na cidade de Santos, nas residências dos entrevistados. No dia 02/05, na cidade de Guararema, entrevistei o Sr. Irineu de Souza. A essas seis entrevistas realizadas com ex-moradores da vila, somou-se uma realizada no dia

09/03 com o Sr. Arlindo Ferreira, memorialista da cidade de Cubatão e ex-morador da Vila Fabril, vizinha à Vila Light91.

Essas entrevistas foram realizadas a partir de um questionário por mim desenvolvido com base em meus conhecimentos prévios sobre a história de Cubatão e do Complexo Henry Borden, adquiridos a partir da leitura de bibliografia especializada, das conversas com ex- moradores da vila e de minhas experiências pessoais com o local. Objetivando compreender a tessitura das memórias dos ex-moradores, defini alguns temas centrais a serem explorados: o tempo de habitação na vila e a relação da família com o lugar; a relação com a(s) usina(s) e as experiências de trabalho; a estrutura da vila; as relações com Cubatão, com outras indústrias e com outros grupos operários; os vínculos mantidos com a vila e/ou com a usina após o termino do contrato de trabalho; a chegada da refinaria de petróleo da Petrobrás a Cubatão e os impactos na cidade; os impactos causados na Vila Light por outras indústrias; a relação dos moradores da Vila Light com a Serra do Mar; a crise ambiental de Cubatão e seus impactos sobre a Vila Light; os laços afetivos entre ex-moradores e desses para com a própria vila. Para a predefinição das questões contribuiu significativamente o já citado estudo de Marco Zambello.

Para a realização de sua pesquisa, Zambello considerou pertinentes duas técnicas debatidas por Maria Isaura de Queiroz. A primeira delas seria a técnica de apreensão de dados através da coleta dos depoimentos dos informantes, na qual há um roteiro que orienta o pesquisador na busca das informações que precisa; a segunda seria a técnica de apreensão de dados através das histórias de vida dos entrevistados. Nessa técnica “(...) o narrador tem autonomia e o pesquisador apenas informa o assunto a ser explorado”. Zambello optou pela primeira técnica por ter a “(...) intenção de compreender os acontecimentos que venham inserir-se diretamente no estudo e por considera-la mais objetiva”. Tendo em vista que esses depoimentos coletados em 2015 comporiam o rol de primeiras entrevistas por mim realizadas com embasamento metodológico, optei pela aplicação da técnica já utilizada por Zambello, como modo de explorar as temáticas pré-definidas e de coletar o maior número de dados possível sobre elas.

91. Importante comentar brevemente a opção por anonimato do Sr. N. G. Todas as entrevistas realizadas contaram com um termo de consentimento por mim entregue aos depoentes ao final de cada entrevista, no qual eles me autorizavam a utilizar seus relatos para a realização desta pesquisa. O termo contava com um campo para declaração de opção por anonimato. De todos os depoentes, o Sr. N. G. foi o único que optou pelo anonimato, de forma um pouco vacilante: ao ler a opção, hesitou, como se refletisse sobre o que havia contado ao longo de pouco mais de uma hora. Aparentemente à vontade durante seu depoimento, não pareceu controlar o que dizia. Ao se deparar com o termo e com a opção de anonimato, pareceu preocupado em ter dito algo comprometedor, optando por ocultar sua identidade.

Zambello contribuiu também para a definição das temáticas a investigar. O autor definiu como temas de pesquisa, “Primeiramente, (...) questões relativas ao mundo do trabalho, relações entre colegas de trabalho e chefia, sobre o sindicato, participação em greves e aspectos da política nacional; e em seguida, sobre o bairro, a religião e o lazer”. Estas questões pesaram diretamente na definição de minha abordagem, que tomou como questões centrais as hierarquias trabalhistas, as organizações coletivas de trabalhadores (tais quais sindicatos e clubes), o aprendizado do ofício, as relações entre trabalho e moradia e o papel do lazer no cotidiano operário 92

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A realização dessa primeira leva de questionários permitiu aprofundar meus conhecimentos sobre a vida dos ex-moradores da Vila Light, trazendo um grande escopo de informações sobre a usina, a vila, a Serra do Mar e as sociabilidades estabelecidas a partir delas. No entanto, em fins do ano de 2016 e início de 2017, a pesquisa passou por uma guinada metodológica. Foi responsável por isso a leitura da já citada obra de Maria Isaura de Queiroz. As discussões da autora sobre a adequação da técnica de questionários me fizeram repensar a importância das estruturas e dos caminhos da memória para a pesquisa. A técnica de aplicação de questionários foi definida por Queiroz como uma “entrevista rigorosamente orientada por perguntas do pesquisador, numa utilização do diálogo, em que falam alternadamente o pesquisador e o informante, este não tendo liberdade de conduzir a conversa, nem tendo iniciativa de fala”. O fato de o pesquisador definir previamente o que lhe interessa e de conduzir a entrevista evidencia sua posição de dominação na relação com o entrevistado, além de reduzir os resultados a uma dimensão meramente informativa sobre pontos e detalhes específicos. Os informantes são orientados a responder unicamente aos problemas que o pesquisador visa esclarecer, e este último, muitas vezes, delimita inclusive o âmbito das respostas. Queiroz criticou a técnica afirmando que 93

Tudo decorre, pois, das preocupações e da formação do pesquisador, nada tendo a ver com os mecanismos de raciocínio próprios do informante; noutras palavras, este é compelido a responder segundo uma ordem que não somente lhe é exterior, mas, e principalmente, estranha. [...] Pode-se perguntar também (...) se o pesquisador estaria mesmo atingindo o real visto pelo ‘outro’, ou se, ao contrário, não estaria captando um conhecimento que ele mesmo inconscientemente construiu, no quadro de uma teoria ou de teorias que corresponderiam à sua própria maneira de pensar. 94

Reconheço, portanto, que a técnica de diálogo tende a reduzir o entrevistado ao papel de informante, enquadrando sua memória em esquemas teóricos pré-estabelecidos. As entrevistas

92. Idem, Ibidem. pp. 22-3. 93. QUEIROZ. op. cit. p. 47. 94. Idem, Ibidem. p. 51.

realizadas com base nessa técnica, nesse sentido, pareciam funcionar mais como confirmações do que eu esperava ouvir do que como relatos memoriais passíveis de análise como documentos históricos.

A partir do reconhecimento desses problemas, optei por adotar uma técnica intermediária entre o diálogo e as histórias de vida. Na técnica das histórias de vida ou dos depoimentos pessoais, o entrevistador toma o cuidado de interferir minimamente na entrevista, permitindo que o entrevistado entre em uma imersão memorial. A proposta é registrar “um verdadeiro monólogo do informante, ou ainda que a entrevista se aproxime bastante do que seria a fala do indivíduo consigo mesmo, o solilóquio”. Nessa técnica, depois de apresentada a temática pelo entrevistador, permite-se que o entrevistado tome os rumos que desejar em seu relato, com vistas a “(...) que ele narre livremente, pois tanto é importante o que relata, quanto é importante também o ritmo de seus pensamentos e de suas recordações”. Essa técnica é, segundo Queiroz, adequada para coletar “(...) narrativas longas, com encadeamento de ações, de acontecimentos, de circunstâncias, no tempo; também se pretende conhecer de maneira profunda o modo de pensar do informante e, através dele, sua visão do mundo”. À aplicação da técnica é necessária, portanto, grande sequência de sessões de gravações, espaçadas ao longo da semana para que se mantenha o interesse do informante. A coleta de histórias de vida ou de depoimentos pessoais é, assim, longa, o que reduz o escopo da pesquisa a uma única ou a uma quantidade diminuta de histórias de vida. Os depoimentos pessoais, por sua vez, se concentram em um recorte temporal mais reduzido e “Não abrangendo a totalidade da existência do informante, (...) podem ser mais numerosos, multiplicando-se a quantidade de informações. (...) desde que colhidos sob a forma de entrevistas-monólogos, também permitem (...) um conhecimento das mentalidades dos informantes”. Apesar de permitirem maior número de entrevistas, também se supõe nos depoimentos pessoais que sejam realizadas diversas sessões de entrevista com o informante, cada uma tratando de um tema específico. 95

Embora a técnica fosse muito pertinente para a compreensão da visão de mundo dos entrevistados, mostrou-se difícil sua aplicação na medida em que, muitas vezes, encontrei certa dificuldade em agendar as entrevistas. Minha distância espacial em relação à maior parte dos ex-moradores da vila foi um dos elementos que impossibilitou o agendamento de entrevistas sequenciais.

Desse modo, optei pelas entrevistas com roteiro, técnica intermediária entre o diálogo e a história de vida, na qual o pesquisador efetua intervenções periódicas no relato do informante para orientá-lo em direção aos assuntos que lhe interessam. “o informante fala mais do que o pesquisador, dispõe de certa dose de iniciativa, mas na verdade quem orienta todo o diálogo é o pesquisador”. Este modelo de entrevista permite que o pesquisador tenha acesso a informações que deseja, podendo “(...) ao mesmo tempo ter certo conhecimento de como o informante conduz seu discurso”. 96

Embora a técnica seja problemática por estabelecer uma hierarquia entre o entrevistador e o entrevistado – na medida em que “o pesquisador segue um caminho pré-determinado, e suas intervenções são no sentido de impor este caminho ao informante” –, ela se mostrou adequada à etapa final da pesquisa na medida em que permitiu tanto aprofundar o acesso a informações sobre a vida dos moradores da vila e à constituição de um sentido de comunidade entre eles, quanto dirigir a atenção para o modo como os ex-moradores da Vila Light construíram suas narrativas e para o modo como suas memórias se relacionaram ou se distanciaram umas das outras. 97

O método adotado se aproxima também da concepção da História Oral como arte da escuta, conforme definição do historiador Alessandro Portelli. Conforme apontado por Portelli, as fontes orais são cocriadas pelo historiador, dado que “são geradas em uma troca dialógica, a entrevista (...). Nessa troca, perguntas e respostas não vão necessariamente em uma única direção”, pois os interesses do historiador podem divergir dos interesses do depoente. Assim, a História Oral deveria ser compreendida como uma arte da escuta, como um meio de ouvir ativamente e respeitosamente aquilo que o depoente quer narrar e de fazer as perguntas que precisam ser feitas, atentando-se não apenas aos eventos, mas “(...) ao lugar e ao significado do evento dentro da vida dos narradores” 98

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É preciso reconhecer, portanto, que, por mais que o roteiro direcione o depoimento segundo os interesses do entrevistador, a entrevista se estabelece sempre como uma relação dialógica. Como apontado por Portelli, “não existe uma relação de mão única entre o