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Perestroika, lá lá lá... : cinco histórias de vida de migrantes ucranianas

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Academic year: 2021

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Zaida Alice Sá Couto da Costa França

Perestroïka, lá lá lá...

Cinco histórias de vida de migrantes ucranianas

> ■ » .

Dissertação de mestrado

em História da Educação

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1. Introdução pág. 2 1.1 Agradecimentos pág. 3 1.2 Objecto do trabalho pág. 5 1.3 Projecto de investigação pág. 7 2. O recente contexto imigratório em Portugal pág. 13 3. Quem atravessa fronteiras para fazer abat-jours? pág. 36 3.1 Valentina pág. 38 3.2 Nadia pág. 41 3.3 Sonya pág. 44 3.4 Irina pág. 46 3.5 Dacha pág. 49 3.6 Algumas considerações pág. 50 4. Agora só não têm dinheiro - As causas do processo migratório pág. 52 4.1 Breve introdução teórica pág. 54 4.2 Análise e comentários às entrevistas pág. 56 5. Nós tem medo- A viagem pág. 73 5.1 O reagrupamento familiar pág. 76 5.2 Os preparativos da viagem pág. 86 5.3 Os percursos pág. 89

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6.1 Otráfico de pessoas pág. 95 6.2 O tráfico de mão-de-obra ucraniana em Portugal pág. 101 6.3 As redes de parentesco e de amizade pág. 108 6.4 Análise e comentários às entrevistas pág. 111 7. Mandamos dineiro da sogra e eia chora, chora, chora, chora.

Oh, graças a Deus - A integração pág. 129

7.1 As competências literárias e profissionais pág. 132 7.2 O envio de remessas pág. 139 7.3 A aprendizagem da língua pág. 146 7.4 O alojamento pág. 150 7.5 A relação com os portugueses pág. 154 7.6 Ucraniatown? pág. 166 8. Considerações finais pág. 172 9. Referências bibliográficas pág. 177 Anexos- Transcrição das entrevistas pág. 188 Anexo I - Transcrição da entrevista a Dacha pág. 189 Anexo II - Transcrição das entrevistas a Irma pág. 197 Anexo III - Transcrição das entrevistas a Nadia pág. 227 Anexo IV - Transcrição das entrevistas a Sonya pág. 245 Anexo V - Transcrição das entrevistas a Valentina pág. 259

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O êxito do processo de adaptação depende menos daquilo que os emigrantes trazem consigo e mais de como são acolhidos pelo governo e sociedades receptoras.

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1. Introdução

Este trabalho insere-se numa mudança conjuntural da história das migrações europeias, na qual Portugal tem vindo a protagonizar um papel de destaque enquanto um dos mais recentes países receptores de imigrantes laborais, juntamente com outros países do sul da Europa.

Após os fluxos migratórios dos cidadãos oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa, os maiores contingentes migratórios para o território português são agora provenientes do Brasil e dos países do Leste da Europa.

No caso concreto dos imigrantes do leste europeu, a sua vinda foi bastante recente e a sua entrada no território nacional muito rápida. Historicamente, nada os liga aos portugueses e, se com os cidadãos dos PALOP ou os do Brasil, a afinidade linguística é um factor fundamenta] para a integração, essa mais-valia não existe em relação aos

primeiros. Pese embora esse obstáculo, o volume da comunidade1 ucraniana já era tão

grande em 2002 que Maria Beatriz Rocha-Trindade não hesitou em considerá-la como a maior comunidade estrangeira existente em Portugal (ROCHA-TRINDADE, 2002: 799).

O termo comunidade, aplicado relativamente aos cidadãos vindos da Ucrânia vai ser utilizado como meio facilitador de identificação de um fluxo migratório e não como referência à sua vida comunitária no país receptor.

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1.1 Agradecimentos

Ciente de que, inconscientemente, esquecerei nomes de figuras que foram fundamentais, de uma forma ou de outra, para a realização deste trabalho, gostaria de deixar expressos os meus sinceros agradecimentos a um conjunto de pessoas.

Ao Amílcar, inseparável e paciente para qualquer ajuda, no lar ou na "ciência".

À Madalena, inesgotável fonte de amor explícita nos momentos mais críticos de desânimo.

Ao Leonardo, tradutor caseiro, sempre disponível.

À minha Mãe, por, ao longo da minha vida, me ensinar a acreditar em mim e partir, comigo, nas minhas aventuras.

Ao meu Pai, pelo seu legado humanista e centrado no Outro, decisivo na escolha deste tema.

Ao Prof. Doutor Jorge Alves, com quem voltei às "carteiras da escola" e ao prazer de ouvir o mestre.

Às colegas, (Dr.as) Fátima (Lopes), Ana (Schreck) e Luísa (Alves), sempre

preocupadas com o meu bem estar no Norte.

A (Engenheira) Laura (Maria Ribeiro Guerra), cunhada, irmã, amiga, responsável pela minha aceitação no recinto onde efectuei a recolha do material de investigação.

À Sr.a D. Adriana Paula Reis, proprietária da fábrica onde se desenvolveu o trabalho

de campo e que tão amavelmente se disponibilizou para que esta investigação fosse uma realidade.

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Ao Dr. Rui Durval, meu médico assistente, por todo o acompanhamento que me prestou quando a saúde parecia estar contra a elaboração deste estudo.

Às mães da Tamára e da Rebeca, amigas inseparáveis da minha filha, que me substituíram nas insubstituíveis tarefas de mãe quando eu ia ao Porto frequentar algumas das aulas do Curso de Mestrado.

A Dr.a Mana Isabel Goulão, técnica superior da Biblioteca Nacional de Lisboa, a

quem devo a disponibilidade na ajuda da consulta bibliográfica.

Ao Dr. Johnson Marques, o qual me facultou a pesquisa do material existente no Centro de Documentação do ACIME.

À Dr.a Fátima Mineiro, Presidente da Comissão Executiva da Escola E. B. 2, 3 de

Luís António Verney, onde exerço funções lectivas, que sempre se esforçou no sentido de que eu pudesse conciliar a minha vida profissional com a académica.

Ao Taras Detz, meu ex aluno e primeiro contacto com o mundo migratório proveniente da Ucrânia.

E por fim, com o coração pleno de gratidão, o meu bem haja às cinco Senhoras que, ao me revelarem um pouco das suas vidas, fizeram, também, com que revisse toda a minha vida e que me reequacionasse como ser humano.

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1.2 Objecto do trabalho

A imigração em Portugal adquiriu cada vez maior visibilidade na nossa sociedade sobretudo nos órgãos de comunicação social e a opinião pública vai estando cada vez mais sensibilizada para a sua importância. Cabe, por isso, aos investigadores, abordarem a questão de uma forma rigorosa e divulgarem os resultados dos seus estudos de forma a contribuírem, simultaneamente, para a melhor compreensão do fenómeno e para a adopção de medidas e estratégias com vista à integração dos estrangeiros e à gestão do real social que, inevitavelmente, ganha novos contornos. O estudo do fenómeno da imigração, tendo em conta a sua actualidade, reveste-se de exigências científicas mas também de imperativos que se prendem com a cidadania, na construção duma sociedade em que o conceito de fronteira ganha um significado diferente e os países caminham, inevitavelmente, a vários ritmos, conscientes ou não, para a globalização.

Não duvidamos que um dos principais problemas da imigração é a integração social desses milhares de indivíduos que atravessam fronteiras e contribuir para a aceitação do Outro. Nas nossas escolas, começamos a ter, inseridos nas turmas, alunos cujos pais, ou eles próprios, são o resultado dessas recentes migrações. A formação desses jovens começa a ser um dos temas actuais do nosso contexto educativo e os

estabelecimentos escolares debatem-se com várias questões para tentar dar resposta a esta nova situação.

Nesta conformidade, realçam duas grandes problemáticas a nível pedagógico e organizacional.

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• como é que se pode ensinar esses alunos, sem conhecer as suas famílias? • conhecendo-as, como é que se pode estruturar ou adaptar o ensino face à

presença dos seus filhos nas escolas portuguesas ?

Este estudo poderá, assim, de forma indirecta, fornecer dados que enriqueçam estas questões, porquanto pretende ser um contributo para o conhecimento dos emigrantes provenientes da Ucrânia, procurando produzir informação sobre as suas origens e motivações, os seus percursos migratórios e as suas expectativas.

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1.3 Projecto de Investigação

Nos últimos quarenta anos, o fenómeno migratório tem sido alvo de várias teorias explicativas (LACOMBA, http://www.ub.es/geocrit/sn-94-3.htm: 3, 4). Durante os anos sessenta até meados dos anos setenta, o modelo com maior êxito foi o da modernização, segundo o qual, as migrações campo-cidade seriam motivadas por decisões racionais dos indivíduos, contribuindo decisivamente para a transição de uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna porquanto, ao incrementarem a produção urbana industrial, conduziriam ao crescimento.

Em meados dos anos setenta ganhou força outro modelo explicativo, o da dependência, que defendia que as causas dos movimentos migratórios eram entendidas à luz das relações estruturais de exploração, segundo as teorias e os conceitos marxistas e inseridas à escala mundial. Este modelo, embora não tivesse em conta os vários contextos nacionais que determinam as migrações, ofereceu a vantagem de estabelecer a relação entre desenvolvimento e movimento de população. Maior aceitação que os modelos anteriores gozaram as teorias "expulsão-atracção"

(push and pull), as quais defenderam que as migrações internacionais e os fluxos de

mão de obra são o resultado da pobreza e do atraso das regiões de onde provêm os povos migrantes. Assim, os factores de expulsão provocados por más condições económicas, sociais e políticas das regiões mais pobres do mundo, condicionariam os seus habitantes a deslocarem-se para zonas mais desenvolvidas as quais ofereceriam os chamados factores de atracção do processo migratório. Esta explicação apresentou, no entanto, lacunas porquanto não se aplicou a todas as regiões igualmente pobres.

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As modernas teorias explicativas do fenómeno migratório, conscientes das limitações das anteriores, tendem a relacionar as decisões individuais dos actores com os factores económicos e estruturais. Tal posicionamento teórico implica, necessariamente uma adopção de técnicas qualitativas de investigação.

Assim, o estudo do fenómeno migratório em Portugal de indivíduos dos países do

Leste europeu, através das suas histórias de vida, tem pressupostos teóricos e metodológicos que a antropologia desenvolveu e aprofundou, apresentando-se, hoje, esta disciplina com uma perspectiva integradora, partilhando da universalidade da reflexão sobre o homem e a sociedade, pretendendo estudar os contextos industriais e urbanos, bem como os fenómenos complexos da modernidade e da globalização. Nesta conformidade, privilegia as temáticas da exclusão social e das minorias, bem como os assuntos que se prendem com as instituições de parentesco e da família, a formação das elites políticas e dos novos rituais nas sociedades da informação e da comunicação.

Um dos objectivos do antropólogo é ajudar os actores sociais a compreenderem o desenvolvimento rápido de todas as sociedades contemporâneas o qual implica uma complexidade que passa pela aceleração da urbanização, pelos movimentos migratórios e pelas mutações das relações sociais.

Para a concretização destes objectivos, há que pôr os indivíduos a falar de si próprios, penetrar na sua intimidade, conhecê-los como actores mas também como autores da História. Nesse sentido, as histórias de vida surgem como a metodologia indicada para compreender o comportamento humano a partir do que cada pessoa pensa ser a realidade.

A par de toda a informação estatística que não deixa de se revelar preciosa, há que cruzar os indicadores com estudos de carácter individualizante, de forma a

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compreender o fenómeno como fruto de actores sociais, cada um detentor do seu percurso e da sua história, com várias motivações intrínsecas e representações do real, com expectativas que condicionam e justificam os seus desempenhos.

A informação que estará na base do trabalho será de natureza qualitativa, tendo sido, por isso, feita a opção pelas histórias de vida, pelo seu carácter intimista e profundo, pela singularidade dos trajectos que ela nos pode fornecer, consciente de que a História é feita pelas pequenas histórias, assim como o conceito de Homem só ganha sentido na realidade concreta de cada indivíduo; ou, se quisermos, mostrar que, também na História, small is beautiful}, pois se aproxima do real concreto.

O trabalho de campo desenvolveu-se numa empresa em nome individual de fabrico de abat-jours, constituída em 1999 e situada em Santarém, na freguesia de Marvila, ou seja, na zona industrial do concelho. A escolha da empresa prendeu-se com o facto da autora do estudo conhecer a proprietária da mesma, o que lhe facilitou não só o acesso ao recinto mas também às próprias entrevistadas, sendo a aproximação e a empatia mais rápida. A empresa utiliza mão-de-obra feminina, constituída, na altura, por oito operárias, cinco delas imigrantes de países da Europa de Leste, e uma administrativa. As operárias trabalhavam no mesmo compartimento, suficientemente espaçoso e ventilado. As restantes instalações destinavam-se aos stocks e ao processo de embalagem das encomendas, à exposição das peças ao público e ao trabalho administrativo.

Para a autora deste estudo, constituía um imperativo a abordagem da imigração feminina ou infantil dado que, enquanto a imigração masculina adulta, nas épocas de grande oferta de emprego, é vista e aceite como força de trabalho, ocultando a sua existência social fora da produção; a sua visibilidade social só lhes é dada pela

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chegada das suas mulheres e crianças à sociedade de imigração, através da revelação do lado oculto de uma outra sociedade (BRANDELL, 1987: 10, 11).

Por outro lado, como "a abundante literatura histórica e sociológica sobre as migrações, raramente trata das mulheres. Quando as evoca, representa-as na figura das esposas que se vão juntar ao marido cuja estadia no estrangeiro se prolonga, não como indivíduos autónomos, e muito menos como actores sociais" (GASPARD, 1998: 83), a oportunidade de poder trabalhar com cinco mulheres imigrantes não deixava de ser um factor a não perder.

Este trabalho incide, pois, sobre, um conjunto de entrevistas feitas em Julho de 2003 a quatro operárias imigrantes trabalhadoras na fábrica e outro conjunto, realizado em Abril de 2004, às mesmas pessoas e a uma outra colega ucraniana, recém admitida e que, por ser filha de uma delas, poderia confirmar a formação obtida pela sua mãe. A segunda sessão de entrevistas teve como objectivo recolher mais informações mas também garantir a fiabilidade das primeiras. Tendo em conta que o intuito não foi fazer biografias das entrevistadas, mas contribuir para a análise do fenómeno migratório que protagonizam, recorrer-se-á à técnica das histórias de vida cruzadas, sempre que for possível comparar as informações obtidas.

A transcrição das entrevistas, que se encontra em anexo, foi reproduzida integralmente, procurando respeitar ao máximo o real, apesar de correr o risco de parecer cansativa pelas redundâncias e pelas deficiências a nível da língua portuguesa das entrevistadas. A própria entrevistadora, muitas das vezes, ucranizou o seu discurso de forma a torná-lo mais acessível às entrevistadas e facilitar, assim, os diálogos.

As principais dificuldades do processo deveram-se ao facto dos problemas linguísticos, uma vez que só uma delas fala razoavelmente a língua portuguesa e ao

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ritmo alucinante do trabalho que, aliado ao profissionalismo exemplar das entrevistadas, lhes deixava muito pouco tempo para se concentrarem nos diálogos. Por estas razões, entrevistas que deveriam ter tomado o rumo da semidirectividade, foram, muitas das vezes, directivas, até para as ajudar a organizar o discurso.

O trabalho estrutura-se da seguinte forma:

O estudo inicia-se com um resumo sobre a actual situação de Portugal como país receptor de povos migrantes, de forma a contextualizar o trabalho de investigação (cap. 2).

Passa-se de seguida à análise do material recolhido nas entrevistas, o que constitui o objecto dos capítulos 3 a 7. Optou-se por enquadrar grande parte do trabalho recolhido em abordagens teóricas baseadas em obras da especialidade, sempre que tal se considerou necessário para um melhor entendimento de cada fase do percurso migratório.

O capítulo 3 pretendeu ser uma apresentação de cada uma das entrevistadas, com a descrição dos seus dados biográficos numa Ucrânia quando a questão de imigração para Portugal ainda não se lhes era colocada.

No apartado seguinte analisaram-se as motivações que conduziram cada uma das senhoras a Portugal, procurando sublinhar-se a diversidade das situações e verificar em que medida estas correspondem a modelos recorrentes nas obras que se dedicaram à análise destas questões.

No capítulo 5 foram abordadas temáticas relacionadas com a viagem e as suas peripécias, desde a preparação até à chegada ao destino, de forma a conhecer melhor algumas das realidades que, por vezes, passam despercebidas, especialmente quando o objectivo é analisar um situação do ponto de vista do país receptor de migrantes.

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O capítulo 6 foi dedicado às questões do mercado laboral e às dificuldades com que se deparam candidatos que nele entram em evidente desvantagem, sem grandes possibilidades de evitar as suas mais diversas armadilhas, montadas não apenas pelos fornecedores de emprego, mas também por redes de traficantes de mão-de-obra. Estas experiências são vistas como exemplos concretos de uma componente do processo migratório em geral traumática e que deixa muitas vezes marcas nos seus actores. Por fim, o capítulo 7 pretende compreender que tipo de migrantes eram estas, quer a nível cultural e de habilitações literárias, quer a nível de processo de adaptação, bem como as suas expectativas em relação à futura permanência em Portugal.

Como considerações finais, para além dos comentários produzidos ao longo de todo o estudo, fez-se um apanhado do que se pensou ser mais importante como contributo para o conhecimento de indivíduos, à partida tão diferentes dos cidadãos do país receptor.

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2. O recente contexto imigratório em Portugal

Num mundo como o actual, marcado pela abertura e pela interactividade, as migrações internacionais assumem importante peso e significado.

A emigração tem sido um dos ex-libris da identidade portuguesa, existindo, ainda hoje, testemunhos vivos das partidas para o Brasil, a França ou as ex-colónias, por exemplo. No entanto, apesar das constantes deslocações, transoceânicas ou europeias, conhecidas, estudadas, inscritas na memória desde os tempos medievais, "Portugal não tem sido apenas palco de partidas" (ROCHA-TRINDADE, 1995: 197). A existência de vários grupos étnicos no nosso território remonta a períodos anteriores à era cristã; Portugal apresenta-se, actualmente, não só como um país emissor mas, cada vez mais, receptor de migrantes laborais.

Este capítulo não tem como objectivo a análise dos saldos migratórios; visa tão somente a sensibilização para uma realidade recente da sociedade portuguesa - os fluxos migratórios para Portugal - , se comparada com outros países europeus, mas para a qual a análise sociológica já não pode estar de olhos fechados, nem a história económica esquecer que alguns dos seus sectores muito devem ao facto de cidadãos estrangeiros terem escolhido Portugal como o país de acolhimento das suas

deslocações.

Os processos e as causas conducentes à emergência do fenómeno da imigração em Portugal devem ser compreendidos a partir de meados dos anos 70 e estiveram directamente relacionados com o crescimento económico e a transição social, demográfica e política ocorrida nos países comunitários da Europa do Sul

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(BAGANHA; FERRÃO; MALHEIROS, 2002: 78). É legítimo afirmar que existem actualmente conjunturas que favorecem os fluxos migratórios, cujas origens podem ser de vária ordem: desde a repulsa causada pelos conflitos político-militares e sistemas repressivos, até ao progresso dos transportes e das comunicações, bem como o alargamento da informação sobre o mercado de trabalho internacional. Aliás, funciona também como grande motor destes movimentos o desequilíbrio entre a oferta de trabalho e o crescimento do número de empregos.

Actualmente, os países da Europa do Sul surgem como contextos de destino devido a vários factores: a proximidade geográfica em relação aos países de origem - vejam-se os casos dos marroquinos em Espanha, dos egípcios na Grécia ou dos albaneses na Itália, entre outros -, funcionando, muitas vezes, como a fronteira que delimita a Europa face à África ou aos países de Leste; a proximidade institucional, cultural e linguística, fruto de laços coloniais entre alguns países do Sul e os seus principais fornecedores de imigrantes, como, por exemplo, os brasileiros ou cidadãos provenientes dos PALOP em Portugal; os condicionalismos provocados pelo reforço dos controlos sobre os imigrantes da parte de nações desenvolvidas da Europa Central e do Norte; as consequências do declínio das taxas de fecundidade de países da Europa do Sul; a procura de activos estrangeiros, por parte dos países do Sul da Europa, para dar resposta à exigências da aceleração do crescimento económico. A partir da década de oitenta as fontes de mão-de-obra constituídas por vagas de migrantes laborais ou refugiados, vindas de países caracterizados por conflitos políticos, sociais e étnicos, como os países da Europa de Leste ou pela guerra, pobreza ou lutas religiosas em África, são redireccionadas para países da Europa do Sul que, com a globalização, passaram a gozar uma nova situação económica reflectida na reestruturação da indústria e, com a abolição das fronteiras dentro da UE, não sendo

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adoptada qualquer política migratória, foram-se tornando cada vez mais áreas convidativas à entrada de imigrantes.

Assim, de acordo com Robin, (apud MACHADO, 1997: 13) os anos oitenta terão dado origem a uma terceira realidade migratória, um espaço instável em mutação e

construção, formada por Portugal, Itália e Espanha, a partir das vagas migratórias de

povos provenientes da África e da Ásia; as duas outras realidades já anteriormente constituídas, eram uma zona de acolhimento tradicional que incluía a França e o Reino Unido e um espaço singular, formado pela Alemanha, que recebia os imigrantes da Europa de Leste e do Médio Oriente.

Tal facto não implicava a ruptura com a tendência secular de sociedades historicamente emigrantes, não se colocava a questão de deixar ou não de serem países de emigração, como no caso português, a novidade residia no facto de se ter alicerçado uma nova porta de entrada que poderia ser transporta por imigrantes vindos de África, da América do Sul ou da Ásia. O país de chegada não poderia significar só o ponto de fixação; poderia também ser usado enquanto local de passagem para outros destinos. (MACHADO, 1997: 34).

Pelo que ficou dito, esta última rota migratória constituída por Portugal, Espanha e Itália foi um contributo decisivo no recente panorama migratório europeu, no entanto, como não existe ainda consenso na UE em relação à política migratória, "a recente história migratória do Sul da Europa é uma soma de casos nacionais específicos, que reflecte os passados históricos respectivos e os interesses geo-económicos e políticos de cada um dos países que constituem esta área geográfica" (BAGANHA; GÓIS, 1999: 255).

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Relativamente ao caso português, nas últimas quatro décadas, o país assistiu a transformações nunca vistas noutros períodos da sua História; foram operadas mudanças a um ritmo acelerado como o não fizeram os outros países europeus (BARRETO, 2000: 38); mudanças que o transformaram, nesse curto espaço de tempo, no último império colonial europeu numa jovem democracia.

A teoria das migrações ensinou-nos (FERREIRA, 2000: 7) que tais transformações conduziram inevitavelmente a um conjunto de alterações a nível económico, em geral e a nível da disponibilidade de mão-de-obra, em particular, porquanto originaram o prolongamento da escolaridade, os processos de formação e a procura de empregos que passaram a ter subjacentes as exigências de melhores remunerações. Tendo em conta que os fluxos do êxodo rural não se revelaram capazes de compensar as insuficiências demográficas ou técnicas causadas por estas pressões, o recurso à mão-de-obra estrangeira apresentou-se como a solução ideal por ser fonte ilimitada de mercado de trabalho da indústria e dos serviços.

No entanto, durante os anos 50 e a primeira metade dos anos 60, a população estrangeira residente em Portugal encontrava-se praticamente estagnada, fruto da reduzida abertura do País ao exterior, a qual traduzia os receios de um regime político face às consequências da aceleração do desenvolvimento industrial e urbano. Tal facto não convidava a entrada de estrangeiros em Portugal. Dos cidadãos provenientes dos outros países, a maioria era constituída por europeus, sobretudo espanhóis, ingleses, franceses e alemães da então RFA. O número de estrangeiros vindos dos outros continentes não tinha qualquer representatividade, à excepção dos imigrantes do continente americano, principalmente do Brasil.

A inversão desta tendência fez-se a partir do momento em que Portugal entrou para a EFTA e se deu a intensificação do progresso industrial; a segunda metade da década

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de 60 assistiu, assim, à fixação de residentes estrangeiros, ingleses e alemães, atraídos pelas possibilidades de investimento.

Portugal apresentava, na altura, taxas de crescimento superiores às dos países europeus e igualmente superiores às até então registadas internamente, não só fruto da referida situação, mas também da emigração, do turismo e do esforço provocado pela guerra colonial.

Paralela mas tenuamente, começaram a chegar a Portugal cidadãos das então colónias africanas: uns, estatisticamente reduzidos, instalaram-se em Portugal para frequentar universidades, outros, vindos quase exclusivamente de Cabo-Verde, dirigiram-se para o nosso país para trabalhar sobretudo na construção civil, ocupando, assim, o lugar

vago por todos quantos emigraram para a Europa ou foram incorporados no exército

português, então envolvido naquela que ficou conhecida pela Guerra Colonial.

Em 1974 deu-se a revolução democrática portuguesa, sendo a sua primeira fase marcada, até 1975, pela reconversão da forma do Estado e pelo lançamento de grandes reformas estruturais, as quais se reflectiram no sistema de emprego (RODRIGUES, 1988: 85) . Assim, a nova configuração salarial trazia consigo mecanismos de desenvolvimento do movimento sindical porquanto permitia a criação de medidas como o estabelecimento do direito de greve ou a proibição de lock-out, restringia as possibilidades de despedimento individual e colectivo, impunha os níveis de salário mínimo e máximo, reduzia a duração da semana de trabalho, entre outras. No mesmo período iniciou-se o processo de descolonização política e económica (1974 e 1975) levando à queda do comércio português e o mercado de trabalho nacional, embora caracterizado por elevados níveis de desemprego, começou a ser ocupado por africanos dos actuais PALOP que acompanhavam os retornados nas

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deslocações originadas pela repentina e desorganizada transferência da administração e, em alguns dos novos países, aos subsequentes conflitos armados gerados pelos processos de independência.

Paralelamente, assistiu-se à redução do peso dos imigrantes oriundos da Europa e à difusão dos estrangeiros por todo o território nacional, outrora concentrados em Lisboa e no Porto, sobretudo pelos distritos de Setúbal, Aveiro, Faro e Braga, regiões mais industrializadas e, consequentemente, com mercado de trabalho e situação económica mais favoráveis para trabalhadores e investidores estrangeiros, apresentando, simultaneamente, características mais cosmopolitas para melhor recepção e maior enquadramento sócio-cultural.

Relativamente à década anterior, a população estrangeira residente em Portugal rejuvenesceu; no que diz respeito à distribuição por sectores de actividade, assistiu-se à redução dos que integravam as actividades comerciais, crescendo significativamente a mão-de-obra empregada na construção civil, consolidando-se, desta forma, a cadeia migratória originária dos PALOP, sobretudo de Cabo-Verde.

A década de setenta conheceu ainda outros dois períodos distintos no que toca o impacto das transformações da revolução sobre o sistema de emprego (RODRIGUES, 1988: 87, 88): o primeiro, compreendido entre 1976 e 1977, consolidou as transformações anteriores, tendo em conta que foi a época em que o país conheceu o governo constitucional, dando-se a codificação jurídica a nível dos sectores nevrálgicos da sociedade, procurando fazer a redistribuição dos recursos e dos poderes entre o capital e o trabalho sob o signo da democracia ocidental. Esta filosofia foi especialmente sensível no que toca às medidas sociais e, no caso dos trabalhadores, à manutenção dos seus postos de trabalho, medidas estas que reduziram as margens de manobra da política económica porquanto agravaram os défices das

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balanças comerciais e de pagamentos e provocaram o rápido crescimento da dívida externa, levando à assinatura, em 1978, com vista à estabilização da situação económica, de um acordo com o FMI.

O último período da década de setenta (1978-1979) foi marcado pelas consequências do acordo assinado entre Portugal e o FMI : a desvalorização progressiva do escudo, o controlo da massa monetária e a fixação de um tecto salarial com vista a reduzir o défice externo e as tensões inflacionistas.

Teoricamente, o endividamento externo e as políticas deflacionistas impostas pelo FMI, ao restringirem drasticamente a imigração, favoreceram a entrada clandestina de trabalhadores e a proliferação de redes clandestinas orientadas para o tráfico de seres humanos (FERREIRA, 2000: 4), facto este que seria também facilitado, no entender de Giancarlo Blangiardo (apud FERREIRA, 2000: 4), pelo então acelerado desenvolvimento económico levado a cabo nos países do Sul da Europa - Itália e Espanha, no início, Portugal e Grécia, posteriormente - onde a mão-de-obra solicitada era pouco exigente.

Nesta conformidade, a década de oitenta foi considerada por alguns autores como a segunda fase no ciclo da imigração em Portugal (BAGANHA; FERRÃO; MALHEIROS, 1999: 149) reflectindo a melhoria substancial do crescimento nacional, especialmente no que toca à abertura e flexibilização das estruturas económicas. Ao contrário da década anterior, na qual se levou a cabo um processo de nacionalização das principais empresas, iniciou-se a fase de restituição destas à esfera privada. Ao mesmo tempo, desenvolveu-se o processo de adesão à CEE que teve consequências substanciais no domínio económico, implicando uma adaptação da realidade portuguesa às novas circunstâncias decorrentes desse facto.

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A nível institucional e jurídico foi então aprovada a Lei de Bases da Promoção do Emprego e da Lei Orgânica do Instituto do Emprego e Formação Profissional e organizaram-se o Departamento Técnico do Fundo Social Europeu bem como as convenções da OIT sobre política de emprego, de formação profissional e de segurança social.

Para além disto, importa referir todo um conjunto de medidas e de acções no sentido de promover e desenvolver apoios a vários sectores do âmbito do trabalho, melhorar a formação profissional e a integração dum número cada vez maior e variado a nível de diferentes camadas dentro do universo do emprego.

A partir de meados desta década, estavam criadas três condições estruturais determinantes para o aumento da imigração, a saber, a) a formação de redes migratórias; b) a ausência de mecanismos de controle, por parte do Estado português, no que toca às entradas, numa altura em que a maioria dos países da UE adoptava uma política contrária relativamente aos cidadãos extra-comunitários; c) o incremento da política de construção de infra-estruturas e a abertura do mercado de trabalho à mão-de-obra de cidadãos provenientes dos PALOP.

Esta conjuntura foi de tal forma propícia ao aumento da chegada de trabalhadores estrangeiros a Portugal que, em 1991, existiam mais 27 nacionalidades do que em 1981 (BAGANHA, FERRÃO, MALHEIROS, 1999: 149) distinguindo-se, quanto à sua origem, em três grandes grupos, a saber:

• um grupo, proveniente da Europa Ocidental, sobretudo da Grã-Bretanha, Espanha, Alemanha Federal, França, Holanda, fruto de laços político-económicos existentes há muito, bem como do processo de inserção na EFTA e na CE. As nacionalidades com taxas de actividade mais fortes eram a italiana, a alemã e a

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francesa; as elevadas taxas de inactividade dos cidadãos provenientes da Grã-Bretanha e da Holanda prendiam-se com o peso assumido pelos reformados. A ocupação de funções dirigentes era particularmente importante entre os activos britânicos e holandeses; os alemães e os franceses ocupavam sobretudo cargos tecnicamente qualificados; os italianos e os espanhóis apresentavam uma estrutura profissional mais desqualificada, com uma proporção apreciável de trabalhadores indiferenciados tanto nos serviços como no sector secundário;

• outro grupo relacionava-se com os países de destino tradicional da emigração portuguesa (Brasil, EUA, Venezuela, Canadá), constituindo a imigração como contracorrente da emigração portuguesa transoceânica, envolvia sobretudo indivíduos jovens, estrangeiros ou emigrantes de segunda geração. O primeiro lugar era ocupado pelos brasileiros, seguindo-se os nacionais dos EUA, da Venezuela e, finalmente, do Canadá. No plano ocupacional, distinguiam-se duas tendências. Os nacionais dos EUA e do Canadá apresentavam relativa importância no sector agrícola, embora este não fosse muito solicitado pela imigração dado que empregava uma taxa de população activa nacional muito acima da média da UE e estava ligada, na maioria da vezes, a uma exploração baseada na lógica tradicional que não admitia a utilização de mão-de-obra imigrante sazonal. Os habitantes dos EUA destacavam-se igualmente como os mais representativos no grupo dos técnicos com qualificação média, engrossando, os canadianos, o grupo dos trabalhadores indiferenciados; outro grupo era constituído pelos nacionais do Brasil (cada vez mais numerosos) e da Venezuela e revelavam um maior peso da mão-de-obra não qualificada ou de qualificação média;

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• por fim, o grupo formado pelos trabalhadores provenientes dos PALOP, no campo das migrações laborais, intensificaram as correntes já existentes, nomeadamente a partir de Cabo Verde e constituíram progressivamente fluxos com origem noutros países (Guiné-Bissau e São Tomé). De igual forma, cristalizaram-se fluxos migratórios de menor amplitude envolvendo refugiados políticos que procuravam escapar aos efeitos da guerra civil em Angola e Moçambique e institucionalizou-se progressivamente a vinda de estudantes dos PALOP para frequentar o ensino secundário e superior em Portugal.

Tendo em conta que esta década foi caracterizada pelo grande boom da construção civil, a mão-de-obra africana, pouco exigente dos seus direitos e bastante mal paga (FEPvREIRA, 2000: 20), assumiu um papel importantíssimo enquanto obreira nesta política de realização de grandes obras públicas, trabalhando ininterruptamente na imortalização de monumentos como o Centro Cultural de Belém ou a Ponte Vasco da Gama ou noutras realizações como a reconstrução do Chiado, a linha férrea da Ponte 25 de Abril, vários centros comerciais, entre outras.

É ainda de referir o peso crescente da vinda dos cidadãos chineses e de outros asiáticos. Os primeiros, entraram timidamente, tendo a sua visibilidade aumentado à medida que se perspectivava a devolução de Macau à República Popular da China; os segundos, sobretudo vindos da índia e do Paquistão, continuavam a seguir a corrente migratória aberta em 1975 com a chegada de indivíduos moçambicanos pertencentes a essas etnias.

No que toca à imigração irregular, resultante, na maioria dos casos, de uma permanência no país depois de caducados os prazos de estadia autorizados a estrangeiros que entravam em Portugal com vistos de turismo ou de negócios ou após a recusa de um pedido de asilo, esta representava 39% dos estrangeiros residentes

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(ESTEVES, 1991: 48) . O maior contingente de imigrantes irregulares era sobretudo formado por indivíduos vindos dos PALOP e, embora de menor dimensão, por aqueles que constituíam os novos fluxos migratórios irregulares com origem no Brasil, índia e Paquistão.

A adesão à CEE deu lugar a outro tipo de imigração - a imigração profissional - , bem distinta da anterior, porquanto se caracterizou pelo seu caracter limitado, sendo constituída por quadros dirigentes e profissionais científicos e técnicos, resultado do investimento de capitais estrangeiros no território nacional e das necessidades de modernização do sector empresarial.

No início dos anos 90, a população estrangeira residente em Portugal representava pouco mais de 1,5% da população total do país, aumentando, no final nessa década, sete vezes mais (ESTEVES, 1991: 5), sendo esta realidade mais visível sobretudo na área metropolitana de Lisboa.

Uma das tendências da primeira metade desta década foi a diversidade das nacionalidades dos imigrantes qualificados oriundos de países da UE, sobretudo italianos, holandeses, alemães e franceses.

No entanto, a presença destes técnicos diminuiu após a redução da implantação de empresas estrangeiras em Portugal e a leccionação de cursos de formação, até então inexistentes no nosso país, com vista a colmatar as carências e os atrasos face à média da UE, quer em relação a conhecimentos, quer em relação a várias áreas de trabalho qualificado.

Contrariamente à situação de vários países da UE, que se tinham transformado em países de acolhimento de grupos de imigrantes europeus vindos da Europa de Leste, ucranianos, romenos, moldavos e russos, entre outros, na sua maioria vítimas das

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situações de miséria originadas pelas transformações políticas operadas nos seus países de origem, a presença destes cidadãos ainda não era significativa em Portugal, porquanto só representa 1% da população imigrante registada nas estatísticas produzidas pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras em 1996 (MACHADO, 1997: 29).

Verifícou-se, neste período, a diversificação das origens tradicionais dos PALOP, com destaque para guineenses, angolanos e são-tomenses, não só para o mercado de trabalho formal e informal da construção e obras públicas, mas também para os serviços pessoais e domésticos, intimamente ligado à prestação de trabalho das mulheres africanas.

O contributo do trabalho feminino africano surgiu muito representado nas empresas de limpeza industrial e foi muito solicitado por um elevado número de famílias da classe média portuguesa residentes nas grandes áreas urbanas onde se verificava uma elevada taxa de actividade feminina e, por isso, os seus serviços representaram um precioso apoio às famílias, tentando suprir a falta de infra-estruturas necessárias para o mesmo fim.

Entre os moçambicanos, onde era frequente a origem étnica indo-paquistanesa, destacavam-se aqueles que tinham no seu seio o maior grupo de trabalhadores por conta própria, nomeadamente quando nos referimos à actividade comercial.

A população activa africana apresentava-se, nesta década, como força laboral

indiferenciada (BAGANHA; FERRÃO; MALHEIROS, 1999: 152), dado o

extremamente baixo número de patrões e trabalhadores por conta própria, reforçando-se a sua imagem de trabalhadores migrantes reforçando-sem instrução ou qualificações.

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A mão-de-obra dos trabalhadores dos PALOP permitia contribuir para o equilíbrio de duas questões cada vez mais evidentes a nível do mercado de trabalho em Portugal: a) o aumento de escolarização dos portugueses mais jovens, ao procurarem empregos melhor remunerados e socialmente mais valorizados, estava a afastá-los cada vez mais do tipo de tarefas que os imigrantes se propunham executar; b) muitos trabalhadores portugueses, à semelhança dos trabalhadores estrangeiros, partiam temporariamente para outros países da UE em busca de trabalhos melhor remunerados, embora não qualificados, deixando os seus postos de trabalho vagos para trabalhadores estrangeiros.

Nesta questão, sobretudo em vários subsectores, como os da construção civil, o efeito de rede foi muito eficaz a nivel étnico e funcionou como uma realidade a nível do mercado de trabalho enquanto pólo de atracção de mão-de-obra.

Os imigrantes brasileiros começaram a contrariar, a partir dos anos oitenta, o até então perfil do imigrante de contracorrente que se dedicava a actividades agrícolas, apresentando, a partir de então, um maior número de trabalhadores por conta própria relacionados com profissões liberais do âmbito técnico e científico.

A continuação da chegada de trabalhadores desse país a Portugal tinha a ver com as consequências da crise brasileira do endividamento externo da década de oitenta que os levava a partir e a pensar em Portugal como um país receptor dado o então desenvolvimento económico provocado pela adesão à CEE e pela queda do preço do petróleo.

A realidade da imigração brasileira dificilmente se encaixa na tipologia que distingue

imigração labora/ e imigração profissional uma vez que, a nível das motivações, ela

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trabalho; se observarmos as suas características profissionais e tivermos em conta que a maioria desempenhava profissões científicas e técnicas, concluímos que o seu perfil se encontra mais próximo do da imigração europeia.

Outra característica desta década residiu na atenuação das contracorrentes migratórias geradas pelos anteriores fluxos de migração portuguesa transcontinental, através da redução dos cidadãos provenientes do Canadá e da Venezuela.

De registar a continuação da importância de imigração asiática, sobretudo, por ordem decrescente, oriunda da China, índia e Paquistão, sendo o seu perfil ocupacional virado para o pequeno e o médio comércio ou para a restauração e a hotelaria, estando todos os casos marcados por características étnicas.

Quanto à distribuição geográfica dos estrangeiros legalmente residentes em Portugal, dois terços estavam concentrados na Área Metropolitana de Lisboa, residindo metade deles no distrito de Lisboa, devido à tendência manifesta para o reagrupamento dos imigrantes nos locais de acolhimento, bem como ao facto da economia metropolitana oferecer melhores condições no que diz respeito a integração, emprego, comércio e prestação de serviços.

Seguia-se o Algarve e a Área Metropolitana do Porto, residindo, em meados da década de 90, nos outros distritos e nas duas regiões autónomas, os restantes 16,4% dos estrangeiros que escolheram Portugal como país de acolhimento (MACHADO,

1999: 52).

Para uma leitura mais rápida e facilmente compreensível, as informações sobre a distribuição das comunidades imigradas em Portugal com residência legal em 1996 foram seleccionadas de uma obra em análise (BAGANHA; FERRÃO; MALHEIROS, 2002) e agrupadas no quadro que se apresenta.

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Quadro 1 - Tipologia dos padrões de distribuição geográfica das comunidades imigradas

TIPOS ORIGENS ÁREAS DE FIXAÇÃO

A -Tipo europeu

mediterrânico

França Itália, Espanha, I • Áreas Metropolitanas do Porto e entre outras de Lisboa (espanhóis e italianos);

Aveiro Braga ou Coimbra

(franceses). ; B - Tipo europeu do Norte 1 Alemanha, Reino Unido, !• Áreas Metropolitanas e Algarve.

Holanda, entre outras

C - Tipo afro-asiático 1 Cabo-Verde, Guiné, Paquistão, índia. China, entre outras

• Areas Metropolitana de Lisboa (hiper-concentração) e Setúbal.

D -Tipos americanos associados a con traço r rentes mistas:

Dl - Norte-Americanos

D2 - Brasileiros

EUA

Brasil

• Repartição entre a AML e outras áreas (destaque paia os Açores).

• Repartição entre a AML e o Norte Litoral (Braga, Porto e Aveiro). E -Tipos americanos associados

a contracorrentes "puras" I da emigração transcontinental

Canadá e Venezuela • Arquipélagos Atlânticos, Aveiro e algumas áreas do centro.

Quanto às habilitações literárias, de acordo com os dados recolhidos pelo Instituto Nacional de Estatística num inquérito realizado em 1996 a uma pequena parcela das comunidades de imigrantes que formularam os seus primeiros pedidos de residência

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em Portugal e cuja permanência era já de 14 ou mais anos, foi possível distinguir três tipos de estruturas educacionais (BAGANHA; FERRÃO; MALHEIROS, 2002: 97), apesar do universo ser um pouco restrito. É óbvio que os números pecam por defeito e reflectem, por isso, algum desequilibrio; têm, no entanto, o mérito, de acenderem

algumas luzes que permitem avançar para várias tentativas de entendimento desta

questão.

Perfil n° 1 - Niveis de instrução muito elevados - Este perfil estava presente em todos os grupos de europeus, norte-americanos e asiáticos provenientes do Japão, Coreia, Irão, entre outros. Dele faziam parte comunidades vindas de países com populações que possuiam níveis de instrução muitos elevados e que estavam em Portugal por motivos relacionados com o exercício de profissões qualificadas específicas, com o quadro de mobilidade das empresas transnacionais, com as migrações na idade de reforma e, mais recentemente (pese embora a avaliação ainda muito impressionista devido à sua proximidade no tempo e ao facto de muitos dos cidadãos migrantes não terem ainda situação regularizada), com o último fluxo migratório, proveniente dos paises da Europa de Leste, o qual parece também inscrever-se nos restantes perfis.

Perfil n° 2 - Níveis de instrução intermédios - Estavam presentes nas comunidades: a) chinesas e indianas, sobrerepresentadas no comércio étnico e na restauração; b) canadianas e venezuelanas (grupos associados aos efeitos de contracorrente "pura", verificando-se praticamente a inexistência de analfabetos e de pessoas sem instrução formal); brasileiras (grupo que se distribui equitativamente pelos três perfis).

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Perfil n" 3 - Níveis de instrução baixos - Eram característicos das comunidades africanas, apresentando-se os originários de Cabo Verde como a situação extrema, com desempenhos profissionais pouco qualificados (construção civil ou serviço doméstico).

No final da década de noventa, a distribuição percentual de estrangeiros em Portugal com a autorização de residência traduzia um conjunto de relações que Portugal desenvolvia com outros países (PIRES, 2002: 155), uma vez que a origem dos fluxos migratórios com destino a Portugal tinha origem nos países africanos de expressão portuguesa, em países da União Europeia ou nos países de destino tradicional de emigração portuguesa, sobretudo o continente americano

Destacou-se, igualmente, nos finais da década, a emergência de novos fluxos de europeus, sobretudo da Europa de Leste, ucranianos, romenos, moldavos e russos, tendo muitos deles entrado em Portugal por fronteiras terrestres, através da acção de máfias e de grupos organizados para recrutamento de mão-de-obra. Integraram-se nas redes de trabalho informal ou clandestino e mantiveram-se ligados pelas mais diversas obrigações aos que os trouxeram para o país de acolhimento.

De todas as nacionalidades aquela que contou com a concessão de mais autorizações de permanência foi a ucraniana. Em termos de localização geográfica, todas as nacionalidades se espalharam, por ordem decrescente, pelos distritos de Lisboa, Faro, Porto, Santarém e Setúbal. Para além das dificuldades económicas, estes imigrantes contavam com a agravante que representa o desconhecimento da língua portuguesa. Nesta conformidade, os grupos profissionais que englobavam migrantes menos qualificados ligados aos serviços domésticos e pessoais, à construção civil e à

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indústria e nos quais os trabalhadores dos PALOP assumiam especial relevo, passaram a partilhar agora esta situação com indivíduos vindos dos países da Europa de Leste.

A disponibilidade de mão-de-obra estrangeira tornava o trabalho precário, para além de contribuir para uma situação laboral extremamente crítica: o salário era inferior ao dos nacionais e à sua efectiva categoria profissional; não existiam férias pagas, décimo terceiro mês ou seguro por acidentes de trabalho; eram frequentes as recusas de pagamento após terminar o acordo de trabalho, dado não existir um contrato legal e formal; as possibilidades de despedimento eram agravadas devido à falta de documentos e à ausência de contrato de trabalho.

A semelhança do que já foi feito anteriormente, seleccionou-se de uma obra em análise (BAGANHA; FERRÃO; MALHEIROS, 2002) as informações mais pertinentes sobre a situação laboral dos trabalhadores estrangeiros residentes em Portugal, de uma forma transversal às nacionalidades, sendo posteriormente agrupadas no quadro que se apresenta.

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Quadro 2 - Tipologia de classificação dos imigrantes activos

GRUPO DESIGNAÇÃO CARACTERÍSTICAS

Al desempregados As nacionalidades sobrerrepresentadas estão todas presentes no grupo BI, devido à vulnerabilidade a que estão sujeitos.

A2 trabalhadores-estudantes

Estudantes do ensino superior com actividade profissional complementar dos rendimentos provenientes da família ou de bolsas de estudo.

A3 activas

independentes nos serviços pouco

qualificados

Conj. de mulheres mais maduras do que as do grupo B2.2, nalguns casos divorciadas e chegadas mais recentemente a Portugal, exercem actividades como "independentes" (baby-sitters, empregadas domésticas, etc.).

BI trabalhadores da

construção civil Grupo exclusivamente masculino, dominado por trabalhadores relativamente jovens com diferentes níveis de instrução, oriundos, na sua maioria, dos PALOP, embora se detectem, cada vez mais, outras nacionalidades (paquistaneses, indianos, russos, ucranianos, moldavos, outros africanos).

B2.1 empregados do

comércio étnico e dos serviços pouco qualificados com patrões do país de origem

Sobrerrepresentação do sexo masculino e dos chineses, associada à mobilização das redes de solidariedade específicas dos diversos grupos como mecanismo principal para a obtenção de emprego.

B2.2 empregadas dos

serviços pouco qualificados e intermédios

Mulheres de diversas origens geográficas, predominam os contratos permanentes ou a termo certo e os modos de inserção profissional apoiam-se em aspectos relativos à sociedade de acolhimento (os

anúncios de empresas ou os contactos com portugueses). j

B3.1 trabalhadores muito qualificados, com actividade por conta

de outrem

Europeus, norte-americanos e brasileiros, quadros de empresas transnacionais colocados em Portugal no âmbito de transferências intra-organizacionais e imigrantes "independentes" que exploram oportunidades específicas no mercado de emprego português.

B3.2 empresários e I Dirigentes de origem estrangeira, pertencem a empresas

gestores muito transnacionais ; pequenos e médios empresários que apostaram na qualificados criação de empresas em Portugal.

B-3.3 empresários étnicos - comércio, restauração e

hotelaria

Patrões dos indivíduos incluídos no grupo B2.1 (sobrerrepresentação dos chineses e dos indianos), empresários com níveis de instrução baixos que criaram as suas próprias empresas, apoiados numa lógica assente na rede de relações familiares e étnicas para o fornecimento de trabalho, capitais, informações e bens.

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As grandes obras públicas em curso, como a Ponte do Infante, o Euro 2004 ou a Capital da Cultura, exigiam cada vez mais contingentes de mão-de-obra e tal facto tornou-se um convite à entrada de trabalhadores ilegais em Portugal. O trabalho clandestino atingiu tamanhas proporções que, em Fevereiro de 2000, o porta-voz do Sindicato da Construção, Madeiras, Mármores, Pedreiras, Cerâmica e Material afirmava que o trabalho clandestino era uma das principais causas responsáveis da elevada sinistralidade no sector da construção e denunciou várias situações de sobreexploração da parte dos empregadores (FERREIRA, 2000: 20).

Feitas as contas, o sector da construção civil e das obras públicas muito ganhou com a vinda dos trabalhadores migrantes uma vez que, para além do contributo efectivo, estes permitiram a redução de custos de produção ao se apresentarem como mão-de-obra mais barata comparativamente com a nacional, permitindo o aumento da produção ao ponto da construção se tornar o motor da economia portuguesa nos últimos anos (FERREIRA, 2000: 20).

Analisando os dados estatísticos produzidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do Ministério da Administração Interna sobre os números relativos ao volume e origem da imigração em 1996 (MACHADO, 1997: 28), Portugal passou a ser o país da UE onde o peso relativo da imigração europeia era maior, destacando-se igualmente o crescimento de imigração asiática e tornando-se evidente, à semelhança dos restantes países da Europa, a tendência estrutural da imigração clandestina.

Entretanto, o novo regime legal de autorizações de permanência entrou em vigor no ano de 2001 (Decreto-Lei 4/2001), as quais se tornaram passíveis de renovação anual até um período máximo de cinco anos, findo o qual os interessados deverão solicitar autorizações de residência temporária.

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Este regime permitiu tornar mais transparente a situação da imigração em Portugal na passagem de milénio, não só em termos numéricos mas também na sua análise sociológica. Estatisticamente concluiu-se que a cadeia migratória originária de África tinha sido sobreposta pela dupla realidade do incremento da cadeia migratória com origem no Brasil e do desenvolvimento de um novo fluxo, desta feita proveniente da Europa de Leste, com incidência, sobretudo, nos trabalhadores originários da Ucrânia, constituindo estes, por si só, em 2002, a comunidade estrangeira mais numerosa residente em Portugal (ROCHA-TRINDADE, 2002: 799).

Feitas as contas, somando os estrangeiros com autorização de residência com aqueles que agora usufruiam do novo regime legal de autorização de permanência, a população estrangeira que vivia em situação regular representava 3,3% da população total de Portugal (PIRES, 2002: 151), aparecendo aos olhos da Europa como um dos países com menos proporção de estrangeiros face à população residente e com o esgotamento das reservas do mercado de trabalho interno (PIRES, 2002: 163).

Esta nova situação reforçou a imigração laboral já existente no nosso país, a qual se viu fortemente representada pelos trabalhadores estrangeiros que chegaram a Portugal através das cadeias migratórias provenientes dos PALOP.

A explicação para a procura de Portugal como país receptor de trabalhadores estrangeiros deve ser encontrada em factores exógenos e endógenos. Os primeiros prendem-se com factores de repulsa de ordem política e económica nos países de origem que os pressionam a emigrar ou com as dinâmicas induzidas pela integração

europeia (PIRES, 2002: 162 ), a saber, a emigração de mão-de-obra desqualificada

portuguesa fruto da mobilidade intracomunitária de mão-de-obra de geral , a procura cada vez maior de trabalhadores desqualificados para as crescentes obras financiadas pelos fundos comunitários, a consolidação de cadeias migratórias profissionais

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provenientes dos EUA e da Europa Ocidental devido à internacionalização da economia e à deslocação de capitais estrangeiros e a imagem de um país com um novo dinamismo e com todo o cunho simbólico que a integração europeia acarretou. A nível endógeno, o recrutamento de mão-de-obra estrangeira veio suprir a falta de mão-de-obra nacional existente, por um lado, devido à emigração de mão-de-obra jovem desqualificada para o espaço da UE, como já foi referido, mas também, por outro lado, porque o esgotamento de mão-de-obra em Portugal se prende com a baixa taxa de fertilidade da EU. Tendo em conta que Portugal assiste a um acelerado processo de femimzação da sua população activa, dado que a taxa é hoje superior à média da UE, e que tem uma baixa taxa de desemprego, a mão-de-obra estrangeira apresenta-se como a solução sempre que o sistema de emprego exija o recrutamento de novos trabalhadores.

De acordo com as autorizações de permanência, estes novos fluxos migratórios apresentavam características diferentes quanto à distribuição geográfica uma vez que a área metropolitana de Lisboa deixava de ter o peso outrora significativo enquanto pólo de atracção. A dispersão geográfica deveu-se, não só ao carácter volumoso das correntes migratórias brasileiras e de Leste, mas também porque esta última, devido ao seu cunho recente, não estava a ser compatível com "as dinâmicas clássicas de constituição de fileiras migratórias suportadas por redes de migrantes territorialmente concentradas. Como é revelado por estudos noutros países, esta configuração é indiciadora do que tem sido uma característica dos novos fluxos de migrações laborais a partir dos anos 80: a sua constituição por via de um recrutamento organizado mais do que pela lenta acumulação de percursos" (PIRES, 2002: 160).

Embora tenha sido o sector da construção aquele que levou à procura de mais mão-de-obra estrangeira, estes novos fluxos apresentaram, no entanto, a característica de

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estarem presentes noutros sectores do mercado de trabalho como a agricultura e a indústria transformadora, no caso dos trabalhadores vindos da Europa de Leste, tendo os sectores das actividades comerciais, hotelaria e restauração vindo a aumentar a presença de estrangeiros oriundos do Brasil e da China.

Ficou, desta forma, traçado, sumaria e sinteticamente, o quadro da conjuntura que fez com que Portugal, recentemente, passasse a jogar um papel importante no xadrez das migrações da Europa do Sul, ao se ter tornado pais receptor de povos provenientes da Europa Ocidental (particularmente do Reino-Unido e da Espanha), do Brasil, dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (sobretudo Cabo Verde, Angola e Guiné-Bissau) e, mais recentemente, países da Europa do Leste (particularmente da Ucrânia).

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Este capítulo tem como objectivo apresentar as cinco operárias mediante os dados biográficos recolhidos nas entrevistas, procurando caracterizar, tanto quanto possível, o seu enquadramento familiar e o seu percurso de vida enquanto se encontravam na Ucrânia.

Através de um quadro exposto no escritório da fábrica, quem lá entra fica a saber que todas elas foram admitidas com a profissão de costureira, de acordo com a categoria profissional de ajudante. Embora quase todas elas tenham referido a sua idade, a data de nascimento que consta no documento permitiu fornecer uma informação mais correcta sobre a mesma.

A heterogeneidade em relação aos dados biográficos das entrevistadas prende-se, sobretudo, com o à vontade que as mesmas tinham em relação à língua portuguesa e com a diferença de carácter. Na verdade, uma delas, a Irina, é uma pessoa muito extrovertida e conversadora, foi a primeira a chegar a Portugal e é a que melhor domina o idioma do país receptor, daí ser muito mais fácil traçar a sua história familiar até decidir imigrar para Portugal.

Os nomes utilizados são fictícios para tentar, deste modo, conservar tanto quanto possível a sua privacidade.

Embora sejam utilizadas por vezes as formas verbais no presente, os dados referem-se, obviamente, à época em que foram feitas as entrevistas.

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3.1 Valentina

Valentina, a mais velha das cinco operárias, nasceu na Ucrânia em 1949, em Dnipropetrovsk, uma das vinte e quatro Regiões que, juntamente com a República Autónoma da Crimeia, perfazem o xadrez administrativo e territorial ucraniano. Esta Região, formada em 1932 e com um território com uma extensão equivalente a pouco

mais de um terço da área portuguesa (31.900 km2), situa-se no sudeste do país, no

curso do médio e baixo Dniepre. Tem como centro a cidade com o mesmo nome da Região, contando actualmente com uma população global de cerca de 3.852.000 habitantes, 84% dos quais reside em áreas urbanas (W. AA., 1998: 111).

Apesar do seu nascimento ter ocorrido na Ucrânia, Valentina é detentora de nacionalidade russa porque os seus pais eram russos. Não tendo referido a profissão do seu falecido pai, também não foi clara sobre a profissão da mãe, esclareceu, no entanto, que esta trabalhou no ramo da indústria têxtil. Fazia, também, parte do agregado familiar uma irmã mais velha.

Embora tivesse nascido na Ucrânia, esta mulher viveu toda a sua infância na República Russa, local onde foi feliz:

Este é o meu caderno de nacionalidade russa. Nasceu na Ucrânia, Ucrânia. Grande cidade. Boa infância. Infância toda na terra russa, terra russa. (Valentina, 11 de Julho de 2003)

Após ter frequentado o equivalente ao ensino secundário, concluiu, em 1966 um curso técnico de mecânica espacial, já frequentado também pela sua irmã, o qual lhe permitiu trabalhar na indústria aeroespacial na Ucrânia. Seguiu-se uma ida, acompanhada pelo marido, para Magadan, na Sibéria Oriental, junto ao Mar de

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Okhotsk, a fim de trabalhar num restaurante, numa actividade que ela não revela mas lhe proporcionou uma situação económica que ela alude entusiasticamente:

Depois, eu com marido, vai embora para Norte. Muito longe. Perto América. Trabalhei no restaurante. Muito bom dineiro, muito ouro! Muito dineiro! Un, cheia! (Valentina, 11 de Julho de 2003).

Em 1986, após dois anos de estudos, obteve um diploma de técnica de vendas e, por fim, concluiu um curso de contabilidade, o qual, embora não lhe permitisse exercer a profissão de contabilista, contribuiu para melhorar o currículo. Todas estas habilitações levaram-na a directora de uma loja na Ucrânia.

Valentina é casada com um senhor que contava, na altura da última entrevista, 78 anos e cuja profissão foi, ao longo de 40 anos, camionista. Antes de se terem deslocado para Portugal, viviam em Dnipropetrovsk, na Ucrânia, cidade assim mencionada por Valentina:

Valentina: - Dnipropetrovski, grande! (Valentina, 11 de Julho de 2003) Ennevistadora: - Vivia na Ucrânia, não era?

Valentina: - Sim.

Entrevistadora: - Em que cidade? Valentina: - Dnipropetrovski. Entrevistadora: - No norte?

Valentina: - Não, (responde, em ucraniano, "no ocidente"). (Valentina, 15 de Abril de 2004) O filho de ambos, com 33 anos, engenheiro metalúrgico mas na altura desempregado, encontra-se casado com uma médica que trabalha numa grande clínica. Dessa união já nasceu uma criança que frequenta o equivalente ao ensino primário:

Valentina: - Tenho, na Ucrânia, um filho grande, 33 anos; tem 33 anos o filho. Tenho neto, já 7 anos. Tenho nora.

Entrevistadora: - E < 3 marido da Valentina?

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Portugal... Não vejo, não vejo nada; às vezes, uma por mês Entrevistadora: - Lá, o que fazia?

Valentina: - Ele, motorista. Muitos anos, muitos anos... quarenta anos trabalha motorista, sempre.

Entrevistadora: - E o filho da Valentina?

Valentina: - Filho da Valentina acaba Academia Metalurgia, metalurgia. (Valentina, 11 de Julho de 2003)

Entrevistadora: - E a mulher do filho está na Ucrânia?

Valentina: - É. Vlédica e trabalha em grande clínica, grande clínica. Entrevistadora: - Meto, há?

Valentina: - É. 1 Jm.

Entrevistadora: - Quantos anos?

Valentina: - Oito.(Valentina, 15 de Abril de 2004)

Apesar do filho já ter trabalhado em Portugal, toda a família de Valentina vivia, no momento das entrevistas, na Ucrânia: o filho, a nora, o neto, a irmã, já reformada, e a mãe, uma octogenária.

No entanto, o filho viria trabalhar, de novo, dentro de poucos meses para Portugal, dada a sua desastrosa situação laboral na Ucrânia:

Filho da Valentina acaba Academia Metalurgia, metalurgia. Na Ucrânia, engenheiro ordenado é muito pequena; trabalhador, mais alto. Sempre que volta na Ucrânia, vai trabalhar e não tem trabalho. (Valentina, 11 de Julho de 2003)

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3.2 Nadia

Nadia, nasceu em 1965, numa aldeia da Região Transcarpatiana, no sudoeste da Ucrânia, a qual existe desde 1946:

(lrina: Nadia nasceu na aldeia, aldeia não muito grande e não pequena, médio aldeia.

Oitocentas casas.)

Nadia: - Muito bom, é muito bonita.

(lrina: Também na nossa província, mesma província, Zakarpats^ka.) (Nadia, 11 de Julho de 2003)

No seu território, com uma extensão de cerca de 12.800 km2, concentra-se uma

população constituída por 1.288.100 habitantes. A Região, cujo centro é Uzhhorod, situa-se entre os Cárpatos Ucranianos e a Planície Transcarpatiana, fazendo fronteira com a Região de Lviv, a norte, com a de Ivano-Frankivsk, a nordeste e a este, com a Polónia, a noroeste, a Eslováquia a oeste, a Hungria a sudoeste e a Roménia a sul. Ao contrário da Região de Valentina, esta só conta com uma população urbana na ordem dos 39% (VV. AA., 1998, p.125).

Sendo o agregado familiar constituído pelos pais e por duas filhas, a família de Nadia tinha uma situação abastada, proveniente da exploração agrícola da grande quinta onde viviam:

j (lrina: 1 M explico mais detalhado: ela tem muita terra, muita terra. Mãe trabalha na terra.

Ela tem grande :ampo, grande!)

Grande (Nadia, 11 de Julho de 2003)

Para além disso, o pai, durante trinta anos trabalhou sazonalmente em fábricas, dado que era um bom carpinteiro, ou na construção, na Rússia, local onde havia sempre, segundo ela, muito trabalho:

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Nadia: -(...) Oito, oito mês vai trabalhar pra Rússia e depois quatro mês pra Ucrânia ou pra casa. depois volta pra Rússia e muito trabalho.

Entrevistadora: - Ia trabalhar nas fábricas? j Nadia: - Fábrica, ia trabalhar obras, tudo!

Entrevistadora: - Fábricas de quê?

Nadia: - De madeira. Pai muito boa pessoa fazer mesas... Entrevistadora: - ...carpinteiro

Nadia: - Sim, sim, sim. Muito bom trabalha pró fábrica. (Nadia, 14 de Abril de 2004)

Na Ucrânia, fez o curso de educadora infantil ao longo de três anos e meio e exerceu a profissão durante dois anos, tendo partido para a então Checoslováquia onde trabalhou em floristas e numa padaria nas cidades de Bratislava e de Praga. (O número de lojas por onde Nadia passou nunca ficou esclarecido devido ao seu pouco domínio da língua portuguesa, como se pode comprovar nas entrevistas que se encontram em anexo.) O seu trabalho nas lojas de flores foi descrito com muito entusiasmo:

Muito bom trabalhar com flores, na loja. Muito turista, muito cliento por flores. Muito, muito, I fotograf. Há muito espanhol, muito turista espanhol, muito turista da França, Itália e muito fotograf! (Nadia, 11 de Julho de 2003)

Só depois desta estadia é que, regressada à Ucrânia, tomou a resolução de partir para Portugal, juntamente com o seu marido, com quem casou aos 23 anos.

Na juventude, frequentara um curso de costura durante seis meses o qual lhe viria a ser útil para obter um emprego em Portugal numa fábrica de confecções.

Actualmente, a irmã, com menos de quarenta anos, que na Ucrânia tirou o curso técnico de jurista, após ter imigrado para Portugal, trabalhou nas limpezas, sempre numa situação clandestina, viu-se forçada a regressar à sua terra, vítima de uma grave doença que a impede de trabalhar mas de que Nadia não conhece o diagnóstico.

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De igual forma, o seu pai, com 65 anos no momento da última entrevista, se encontra acamado, recaindo sobre a mãe toda a responsabilidade da exploração agrícola familiar, bem como a educação dos dois filhos de Nadia, um rapaz com 22 anos que trabalha numa firma finlandesa de S. Petersburgo e uma rapariga de quinze anos que se encontra a estudar e que ficaram na Ucrânia aos seus cuidados.

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3.3 Sonya

Sonya nasceu em 1958 em Khust, uma pequena cidade da Região dos Cárpatos, a mesma de Nadia, a qual descreve da seguinte forma:

Tenho uma província. Chama-se Zakarpatska. É muito boa. Igual pequena Suíça. Muito I bonita: com montanhas, muitas casas de campo, agua mineral...

No Inverno, neve! Tem coisas para fazer ski. Turistas. (Sonya, 13 de Abril de 2004)

É filha de uma contabilista que durante toda a vida trabalhou na mesma empresa e de um operário que sempre se recusou a procurar emprego noutra região. O agregado familiar era ainda composto por uma irmã, onze anos mais nova, actualmente professora de Biologia, casada com um professor de música e pais de uma criança. Devido à sua paixão pela costura que a levava a fazer muitas experiências com a máquina existente na casa paterna e depois de ter frequentado a escola normal, Sonya ingressou num estabelecimento que lhe permitiu, após três anos, obter um curso técnico de costura e começar a trabalhar, sem nunca abandonar a mesma casa onde sempre vivera e que tanto chora:

(...) Muitas saudades agora ... muitas saudades ... porque pequena ..., moro numa pequena cidade, tem tudo! Trabalhava... Tocava com grande quintal, grande! (não se percebe a seguir, há interrupções por causa do trabalho). Tenho muita coisa. Agora aqui! (Sonya, 8 de Julho de 2003)

O primeiro emprego encontrou-o num atelier de roupa feminina, seguindo-se, ao longo de vinte anos, a confecção de roupa militar:

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J Depois acabo, tiro o curso e depois trabalho um ano em atelier, atelier a fazer roupa pra mulher.

Trabalho, depois casar. Casada, tenho dois filhos. Uma aqui e outra na Ucrânia, com mãe. Depois, procura trabalho na cidade, também atelier, não grande, pequeno atelier, para fazer roupa militar. Porque cidade, cidade, pequena mas tem muitos empregos, muita fábrica e tem ... anda muito militar com isto. E trabalhar 20 anos. (Sonya, 8 de Julho de 2003)

O seu marido que, na altura da primeira entrevista contava quase 50 anos, tem um curso técnico de mecânico e o último local de trabalho onde esteve, na Ucrânia, foi numa grande empresa de corte de pedra. O casal tem duas filhas: a mais velha, habilitada com o curso técnico de cabeleireira e, na altura da última entrevista com 24 anos, reside com ele em Santarém, a outra, acabou o equivalente ao ensino secundário, deseja frequentar a universidade na Ucrânia, encontrando-se, por isso, a morar na sua terra natal com os avós maternos.

Referências

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