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L 1 Sonya refere que teve muitos problemas mas não os especifica, embora, na entrevista

7. Mandamos dineiro da sogra e ela chora, chora, chora, chora Oh, graças a Deus!

7.3 A aprendizagem da língua

0 saber falar a língua do país receptor é fundamental para que funcione a estratégia migratória; não só porque permite que o indivíduo migrante se adapte o mais rapidamente possível à vida quotidiana, mas também porque o defende, como foi visto, de cair nas malhas dos traficantes na procura de trabalho, abrindo-lhe um leque maior de ofertas de emprego.

Segundo Irina, meios para aprender a língua portuguesa não faltaram, uma vez que o Governo Civil criou os cursos necessários para tal:

1 Irina interrompe: "tem uma repartição para estrangeiros e sempre, sempre arranja escola, vai | aprender língua, agora já mais tempo, agora já 3 meses". (Sonya, 8 de Julho de 2003)

A questão é que, contrariamente ao que seria desejável, a maior parte das entrevistadas tiveram que começar logo a trabalhar, não lhes restando tempo ou forças físicas para a sua frequência.

Recordemos que Sonya teve um dia para descansar da viagem que a trouxe da Ucrânia e que, logo de seguida começou a trabalhar no restaurante; Irina, depois de assaltada em Espanha e de ter passado três dias sem comer e sem beber, foi vítima de tráfico de mão-de-obra e começou a trabalhar no dia seguinte e Irina, como ela própria diz, quando pisou solo português, estava pronta a trabalhar:

Entrevistadora - Nunca foi à escola portuguesa?

Irina: - Não, não, não. Não temos tempo para aprender. Tenho de ter muito tempo. Trabalhamos, trabalhamos. trabalhamos. Primeiro ganhar dinh eiró, depois resta o outro. Não tenho tempo.

aprender língua. Adepois, procura trabalho; procurar trabalho.

Entrevistadora: - E foi o que a lrina fez. Quanto tempo esteve sem trabalhar?

Irina: - Eu nunca não foi sem trabalho, eu sempre trabalho. (Irina, 8 de Julho de 2003)

lrina não nega que a metodologia ideal seria o indivíduo migrante permanecer um determinado período no país de acolhimento só a prender o idioma, antes de começar a procurar o trabalho, contudo, a primeira prioridade foi ganhar dinheiro, logo, começar o mais depressa possível a trabalhar.

Questionada sobre a forma como aprendeu, então, a falar a língua do país que a acolheu, respondeu:

Entrevistadora: - Como é que a Irina aprendeu português?

lrina: - (risos) Ele ajuda, Teresa ajuda, Joana ajuda, D. Adriana primeiro tanto muita ajuda. (Irma. 8 de Julho de 2003)

Assim, foi através das relações de trabalho com as colegas portuguesas e com a patroa que ela se iniciou num novo idioma que, na altura das entrevistas, já dominava razoavelmente. Ao invés, o filho, que não teve a pressão de começar logo a trabalhar quando chegou a Portugal, pôde realizar uma aprendizagem formal:

j Entrevistadora: - E o filho aprendeu a falar português ...

Irina: - Filho vai para escola, foi para a escola, tirou o curso e depois... ele jovem, fala muito bem Inglês língua.

Entrevistadora: - Ele tirou o curso aqui em Portugal?

Irina: - É. É. Eu, mãe, e tem pai. Ele não trabalha primeiro tempo vai para a escola. Tirou o curso escola depois aprender pouquixinho, e depois arranjamos trabalho para ele.

Entrevistadora: - Quantos anos, tirou o curso na escola? Irina: - Não anos, só um mês, só um mês.

Entrevistadora: - O curso de Português?

Irina: - O curso de Português. Para ele é muito fácil, porque ele fala muito bem english, muito bem english. E palavras muito parecidas. Ele prendeu logo, fala muito bem. E rápido. Como portuguesa, (lrina 8 de Julho de 2003)

O mesmo aconteceu com Dacha, a qual não entrou imediatamente no mercado de trabalho português e, quando o fez, sentiu uma forte pressão no sentido de aperfeiçoar os conhecimentos que tinha da língua portuguesa, dado que iria lidar directamente com o público na pensão onde arranjou emprego:

Entrevistadora: - Filha estudou Português?

Sonya: - Filha tirou curso Português, aprender Língua Português, Inglês, na escola aqui., no Governo Civil. Filha aprende para trabalhar na residencial precisa entender cliente pra telefone. Ela estudar e ela fala bem, mais ou menos. (Sonya, 8 de Julho de 2003)

Dacha acrescentou a importância que representou, também, o convívio com outras pessoas e o facto de ver televisão; tudo fez com que ela apreendesse sem muita dificuldade, embora, no seu discurso, ela devesse ter feito confusão e trocado o adjectivo "fácil" por "difícil":

Entrevistadora: - E como é que aprendeu Português? Dacha: - Como é que aprendi? Fui à escola.

Entrevistadora: - À noite?

Dacha: - Sim, começou às oito até às onze. E ... pronto! Então era as pessoas, com pessoas, a televisão, nós também pouco falar. Depois, aprendi! Também não é tão fácil! (Dacha 13 de Abril de 2004)

Já a mãe de Dacha, Irina, teve de aprender a falar português com as colegas de trabalho lusas, as quais lhe faziam as devidas correcções no momento em que conversava com elas:

Entrevistadora: - E a Sonya aprendeu como ?

Sonya: - Aprende aqui, com colegas, muita ajuda para nós. Aqui, falar todos os dias para trabalhar. Primeiro, falar com ela para trabalhar. Depois, fala para outra. Depois, quando fala minha colega diz "normal", "não normal", sempre. É muito bom para nós. (Sonya 8 de Julho de 2003)

Na realidade observada verificámos que as quatro entrevistadas mais idosas, por terem começado logo a trabalhar mal chegaram a Portugal, foram autodidactas no que

toca a aprendizagem da língua portuguesa; Dacha, por ter ficado em casa nos primeiros tempos, beneficiando da ajuda monetária dos pais, à semelhança do filho de Irina, não foi tão pressionada para começar logo a trabalhar e frequentou o curso dedicado aos trabalhadores estrangeiros.

7.4 O alojamento

Em relação à questão da habitação foram identificadas situações distintas ao longo da análise das entrevistas.

A primeira, relacionada com Sonya e Dacha, caracteriza-se pelo facto da família viver sozinha no mesmo apartamento (pai, mãe e filha):

Entrevistadora: - Ó Sonya eu quando falei consigo da outra vez, não percebi: aqui mora só com o seu marido e com a sua filha. Mais ninguém em casa?

Sonya: - Não, não. Só nós três. (Sonya 13 de Abril de 2004)

Num segundo caso, fruto do funcionamento das redes de relações de parentesco e amizade, inserem-se a Valentina e Nadia, as quais vivem na mesma casa, juntamente com o marido e o filho de Valentina e dois outros amigos:

1 Entrevistadora: - Marido faz o quê? Nadia: - Trabalha.

Entrevistadora: - Não vive com ele?

Nadia: - E todos os problemas, todos os problemas pra mim. Problema mãe telefonar: "Nadia problema, Nadia Nadia!". Nadia sozinha!

Entrevistadora: - A Nadia vive com quem? Vive com quantas pessoas?

Nadia: - Três... cinco pessoas. Não há que poder, pouco dineiro. Sozinha muito caro. Entrevistadora: - É a Nadia mais quatro pessoas?

Nadia: - Sim, sim, sim, sim, sim.

Entrevistadora: - E quem são as pessoas?

Nadia: - Eu, Valentina marido e filho Valentina. Dois amigos, dois anos vem pra cá. Muito boas pessoas.

Entrevistadora: - E a casa é grande? Nadia: - Granda, é muito boa casa! Entrevistadora: - Tem quantos quartos

Nadia: - Quatro quartos: Valentina e marido, depois André, filho de Valentina, depois eu e depois dois amigos - quatro.

Entrevistadora: - Tem sala?

Nadia: - Sala não tem. Cozinha, cozinha grande. (Nadia, 14 de Abril de 2004)

No entanto, quando Valentina conversou sobre o alojamento fora no ano anterior à entrevista de Nadia, não tendo referido nem que partilhava o apartamento com ela nem com o próprio filho, levando, por isso a crer que só o começou a fazer a partir do Verão de 2003, facto compreensível em relação ao filho, uma vez que este ainda não se encontrava em Portugal:

Entrevistadora: - Aqui tem casa, vive sozinha com o seu marido? Valentina: - Sim, sim, sim.

; Entrevistadora: - Só os dois?

j Valentina: - Os dois? (Irina esclarece que vivem com uma família de ucranianos.) Entrevistadora: - Quantas pessoas ao todo?

Valentina: - Quano pessoas.

Entrevistadora: - A família veio da Ucrânia? Valentina: - Sim. (Valentina, 11 de Julho de 2003)

Por fim, resta o percurso de Irina, mais marcante pela sua originalidade. No momento da primeira entrevista, ela e o seu marido partilhavam um apartamento, por razões económicas, com um casal de migrantes vindo da Geórgia, e com os quais não conseguiam estabelecer o mínimo diálogo dado que o dito casal não falava nem ucraniano, nem russo, nem português. Qualquer tipo de abordagem era feita através de gestos ou de sons:

Entrevistadora: - A Irina vive sozinha?

Irina: - Não, não. Eu não consigo pagar 400 euvros A renda é muito alto para mim, muito grande. 400 euvros por mês. Eu tenho contrato arrendamento e tenho tudo mas chamei outra família, família de georgianos. Geórgia! Geórgia! Nós não falamos nada! Ela não fala russo, eu não fala georgiana. E só mostramos uma coisa à outra.

"- Hum!"

"- Que tu queres?" "- Hum!"

(risos)

Ela não fala português nada e russo também. Não fala língua ucraniana também. Eu não falo língua georgiana, é só mostrar! (Irina, 11 de Julho de 2003)

Cerca de nove meses mais tarde, quando voltou a ser entrevistada, a situação de Irina já era diferente: vivia em completa privacidade com o marido e o filho, numa casa

com conforto:

Entrevistadora: - Agora a Irina vive com o seu marido e com... Irina: - O filho.

Entrevistadora: - Só? Irina: - Agora só.

Entrevistadora: - Sem os moldavos?

Irina: - Não os moldavos, georgianos. Esta família muito boa. Boa família. Mas sempre complicado: Uma casa de banho, uma cozinha. De manhã complicado.

Entrevistadora: - E agora como é, tem um quarto para si...

Irina: - Pra nós, pra Yuri, cozinha, dois casa de banho, casa muito boa. Já podemos pagar mais. Antes não, porque temos dívidas, agora não temos. Entrevistadora: - Então é outra casa agora?

Irina: - É outra casa.

Entrevistadora: - E é longe da fábrica, desta fábrica? i Irina: - Não, não é longe. É perto do Madelo. Não, não.

Entrevistadora: - Perto do? Irina: - Do Modelo.

Entrevistadora: - Do Modelo! Ah! Irina: - Não, não é longe.

Entrevistadora: - Vem a pé?

Irina: - Não. Temos o carro. Quando marido está fora, Yuri leva-me pra cá, filho em carro marido leva-me.

Entrevistadora: - E tem carro há quanto tempo? Irina: - Há já um ano. Um ano, é!

Entrevistadora: - Ha! Já não volta! Já tem tudo para ficar! Irina: - Não, nós voltamos, (risos) (Irina, 15 de Abril de 2004)

Obviamente que a mudança operada se deveu ao facto da família de Irina estar a gozar uma situação económica cada vez mais favorável que a fez pagar todas as dívidas que tinha contraído (não referiu se em Portugal ou na Ucrânia e não explicitou para quê), podendo já ter acesso a sinais exteriores de riqueza, como o automóvel.

A partilha de habitação entre famílias de imigrantes surge como modo de integração da sociedade receptora dos indivíduos recém-chegados, mas também, como foi dado verificar, estratégia económica de poupança de dinheiro e forma de sobrevivência face ao custo de vida e aos salários baixos.

A questão é saber por que razão, tendo Sonya manifestado as suas dificuldades económicas, não optou por partilhar o alojamento com outros imigrantes ou mesmo, no seu caso, com familiares do marido, facto que lhe permitiria poupar bastante dinheiro. Desejo de maior privacidade? Ou as intransponíveis dificuldades psicológicas de adaptação a novas realidades que constantemente violentam Sonya e Dacha ao longo da sua permanência em Portugal?

Verificámos, também, que em Santarém, Nadia nem sempre viveu na casa de Valentina e que Irina, antes de estar na casa actual, partilhou uma casa com um casal de georgianos, apontando, assim, para uma certa mobilidade a nível das residências. No que toca ao conforto, pela descrição da casa de Nadia e de Valentina e, sobretudo, pela última casa de Irina, nada nos leva a crer que a degradação física esteja patente, embora as primeiras não possam, obviamente, gozar de algo que é a porta que se abre à qualidade de vida: a privacidade.