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L 1 Sonya refere que teve muitos problemas mas não os especifica, embora, na entrevista

7. Mandamos dineiro da sogra e ela chora, chora, chora, chora Oh, graças a Deus!

7.2 O envio de remessas

Passando à análise do grau de satisfação em relação à remuneração, Valentina contou que todos os meses enviava para a Ucrânia a quantia de cinquenta euros para ajudar a família do seu filho, o qual, embora fosse engenheiro metalúrgico, se encontrava desempregado. Acrescentou, também, que o mesmo fazia em relação à mãe e à irmã, esta última, já reformada:

[

Eu sempre pra o filho ajuda. Cada mês, dineiro: 50 euros (...) precisa ajuda pra a mãe, irmão (...)

(Valentina, 11 de Julho de 2003)

Não é só a questão do desemprego que aflige as famílias na Ucrânia, é também, como facilmente concluímos, o baixo valor das reformas, uma vez que a irmã de Valentina não consegue sobreviver unicamente com a pensão do Estado.

Sonya referiu igualmente que mandava dinheiro para ajudar os seus pais a (sobre)viver (mais uma vez a insignificância das reformas face ao nível do custo de vida...) e, pelo texto que se segue, preparava-se para custear os estudos superiores da filha mais nova, uma vez que esse grau de ensino não era gratuito no seu país:

Na Ucrânia é fria e casa aquecer com gás, gás natural. E muito dineiro. Por mês paga, por mês (faz as contas e a respectiva conversão de cabeça, em ucraniano), 50 euros, quando muito frio, negativo, menos 25. Porque a reforma é pouca. Mãe, 25 euros, pai também. Só para a comida... só para a comida... Sempre ajuda porque tem pena, muito frio. (Muitas interferências provocadas pelo trabalho)

Pequena filha ano passado acaba a escola, quer estudar mais. Ela, normal. Preciso dineiro, porque agora é preciso pagar, agora já não há assim dineiro para ir na universidade. É preciso pagar. (Sonya, 8 de Julho de 2003)

Sonya queixou-se também do custo de vida em Portugal, falou do preço dos produtos alimentares e manifestou o seu desânimo face a uma realidade que julgava diferente, que permitisse com mais facilidade a acumulação de riqueza por parte dos trabalhadores estrangeiros:

Quando chego aqui penso três/quatro anos. Trabalhar. Pagar comer. Agora chego aqui, tudo diferente... Comida muito caro. Depois também preciso mandar para a Ucrânia. Não ganha muito, muito. (Sonya, 8 de Julho de 2003)

Contrariamente a Sonya, Irina revelou o seu entusiasmo em relação ao nível de vida que conseguia manter em Portugal. O seu discurso daria bons slogans para incentivar indecisos à migração:

Aqui, em Portugal, agora nós conseguimos comprar muita coisa, eu mandar dineiro para a filha, ajudar filha. Eu consigo comprar coisas, roupa, tudo! Todas ! E é muito bom! É muito bom! Portugal é muito bom! (Irina, 8 de Julho de 2003)

Irina atribui esta situação à estabilidade dos empregos do casal e à seriedade das entidades patronais, quer a sua, quer a do marido:

Cá, cada mês, cada mês, sempre, fim do mês patroa paga. Para marido também, não tem problema. Cada mês tenho dineiro. (Irina, 8 de Julho de 2003)

Mas, claro, o dinheiro ganho com o seu trabalho e o dos seus familiares, é destinado a outras pessoas que se encontram, também elas, na Ucrânia: a sogra e a filha, que, apesar de ter dois cursos superiores e, nem ela nem o marido estarem desempregados, está dependente desta ajuda económica:

Irina: "(...) Cá, agora, temos cá na Portugal vida melhor. E podemos ajudar. Mandamos dineiro da sogra e ela chora chora, chora chora. Oh, graças a Deus!

Mandamos dineiro da filha e ela também: "Oh, mãe, muito obrigado!"" (Sonya 13 de Abril de 2004)

Irina foi precisa quanto as quantias enviadas para cada uma das familiares e aos fins a que se destinam. Comecemos pela sogra:

Irina: (...) "Eu, por exemplo, tenho sogra Sogra também já velha e também doente, velha Eu mando para ela um vez, um vez para três meses 100 euvro. Ela está muito contente. Manda um vez, durante 3 meses, 100 euvros! Ela muito contente: para comprar comprimidos, comida, roupa. Para a Ucrânia, 100 euvro é muito dineiro!" (Nadia 11 de Julho de 2003)

Relativamente à filha, o dinheiro enviado destina-se a ser gasto no seguinte:

Irina. - Eu sempre mando dineiro, sempre, sempre, sempre. Manda escola, escola Precisa escola. Precisa pagar dineiro para escola. Precisa pagar. Quarenta euros, quarenta euros, sempre mando. Cada mês, cada mês.

Entrevistadora: - A Irina manda dinheiro para quem? Para a filha, é?

Irina: - Uuhh! Pra filha, filha ganha dinheira dela é muito boa! Quando ganhas, depois estás contente. Coração não dói e não tens muitas saudades. Ganhas e já estás alegre e já tudo bem. Pra filha não, se calhar pra neto.

Eu sempre digo: ó Katya, chama-se Katya, Katya compras pra ele muita sumo, muitas frutas, muitas coisas, bonecas. Ele gosta muita jogas para computador. Compra jogas. (Irina, 15 de Abril de 2004)

Como se pode concluir do discurso de Irina, a sogra está completamente dependente economicamente da família do filho, dado que até a alimentação é paga com as remessas enviadas por ela. Ao contrário, a ajuda monetária enviada à filha destina-se exclusivamente para assegurar o bem estar do neto. De facto, para além dos "mimos" de avó referidos no texto anterior, a grande preocupação centra-se na educação da criança, dado que é graças ao trabalho de Irina que ele pode frequentar o melhor estabelecimento de ensino da cidade onde vive:

Entrevistadora: - E a sua neta? O que estuda? Irina: -Meuneto ....

Entrevistadora: - É rapaz?

Irina: - Rapaz. Meu neto estuda na escola já acabou dois classe. Escola especial. Escola privada. Tem que dar dineiro. Filha não quer que ele vá para a escola normal. Quer escola

melhor. Porque ela quer dar para ele muito boa educação. Entrevistadora: - E a escola normal não é boa porquê?

Irina: - Escola normal boa Esta escola dar mais, ele estuda mais. Mais língua iapon, língua polan e english língua. Depois, mais música, computer mais, aprende mais, mais. Esta escola mais forte.

Entrevistadora: - Aprende inglês, polaco ?

Irina: - Língua Polónia E iapónia iapónia iápan, iápan. Entrevistadora: - Japonês?

Irina: - Japonês.

Entrevistadora. - Porquê japonês?

Irina: - Não sei, (risos) não sei. Isto é irónico. Já aprender. Já começou a aprender. Segundo classe já se aprende. Já começar aprender. Para crianças não é difícil, para eles, se calhar é fácil. Não muitos, poucas coisas. Depois mais, mais, mais. A escola privada escola muito boa

Entrevistadora: - E as escolas são boas, as outras?

Irina: - Esta escola é a única na cidade, única. Escola privada única Escolas de estado, normais. Entrevistadora: - Mas também há?

Irina: - Tem muitas. Cidade grande, tem muitas. Nas escolas normais não é preciso pagar nada Entrevistadora. - Na outra paga?

Irina: - Nesta onde está meu neto tem que pagar porque escola privada. Entrevistadora: - Quanto custa?

Irina: - Quanto? Para vocês é pouco, para nós é muito. Esta é mais ou menos 40 euvros por mês Para nós... porque a minha ordenada é 30, 35 euvros, tem que pagar 40 euvros. Normal, não! Entrevistadora: - É por isso que a Irina manda dinheiro?

Irina: - É, sempre mando, sempre! Cada mês mando dinheiro e filha vai pagar. (Irina 8 de Julho de 2003)

Embora o ensino oficial seja gratuito, a filha e o genro de Irina optaram pela escola privada. Como Irina já tinha referido, grande parte do corpo docente ucraniano tinha imigrado devido aos problemas salariais, mas não foi só essa a razão que mantinha esta criança na "Escola Alegria"; é que este estabelecimento de ensino tem mais ofertas pedagógicas, tais como o ensino das línguas polaca e japonesa, a informática e uma maior incidência no ensino da música.

Não esqueçamos que a filha de Irina tem dois cursos superiores, que a mãe de Irina fora professora de música e regente de um coro e que Irina não negou que fora submetida a um ensino exigente, por isso não é de estranhar a orientação pedagógica que queiram dar à criança, nem que o custo seja muito superior a 40 euros mensais, compensando, em parte, os esforços da migração dos avós e do tio e, por exemplo, a transformação da avó contabilista numa operária ou do avô, brigadeiro na reserva, num ajudante de soldador, sendo a imponente farda militar substituída por um fato macaco.

Aparece aqui a confirmação de uma ideia que pairava no ar há muito tempo - a demarcação social que existia na sociedade emissora de Irina entre esta entrevistada em relação às restantes colegas de trabalho dado que ela é a única que tinha uma licenciatura e, na Ucrânia, o seu marido foi brigadeiro, membro do Partido, um homem da Nomemklatura, enquanto que Valentina era mulher de um camionista e Sonya de um mecânico. Com a imigração, há como que o recuperar desse estatuto social perdido, através da integração do seu neto numa escola privada, a melhor da cidade! Escola esta onde a criança aprende disciplinas como a Língua Japonesa, cuja utilidade futura a própria Irina desconhece...

Irina sente-se feliz com este último trabalho que encontrou dado que ganha muito mais do que ganhava na Ucrânia (30 euros) e agora, com o salário da fábrica manda regularmente, pelo menos, cerca de 40 euros para a filha pagar a mensalidade do colégio do neto e, feitas as contas, à razão de 33 euros mensais para sustentar a sogra. Em resumo, envia para a Ucrânia o equivalente a dois salários auferidos por um indivíduo que tenha uma habilitação superior e ainda fica com dinheiro para viver em Portugal. Quando interrogada sobre a forma como encarava a mudança de emprego da

Ucrânia para Portugal, leia-se, de estatuto sócio-profissional, respondeu com muita satisfação:

Entrevistadora: - É duro, não é? O dia todo a trabalhar? Irina: - Não, cá em Portugal, eu digo, para nós, muito bom. Entrevistadora: - Mas a Irina era uma economista...

I Irina: - Economista, agora volto não. Eu trabalho, faço abat-jour, muito contente, muito contente. Porque é melhor que nada. Melhor, mais dez, quinze vezes. Eu trabalho, não economista, eu contabuhsta. Eu tenho 30 euvros. Trinta! Agora aqui tenho muito mais.(...) Entrevistadora: - E o seu marido continua, também, bem, gosta do emprego?

Irina: - Homem muito sério e trata com ele muito bom. Ele trabalha não pouco tempo. Já há

muito! Mais ou menos dois anos. (Irina, 8 de Julho de 2003) I Nadia não é excepção à regra: como ficou subentendido em algumas partes do

discurso e noutras mesmo confirmado, está completamente só em Santarém e tem que sustentar a família que vive na Ucrânia com o seu ordenado: para além dos filhos, os país e a irmã:

I Nadia: - (...) Irmã muito doente. 33 anos e muito, muito doente.

(Irina: Ela está cá, está cá. Depois fala problema com coração, ela logo, logo, vai na Ucrânia

vai tirar tratamento. Ela faz tratamento. Agora Nadia sempre manda dineiro pra ela, p>a pai porque pai tem ... Posso dizer ou não? (pergunta a Nadia) Tuberculhose. Tem que fazer operação no Augusto mês.)

E cá em Portugal manda dineiro, tudo!

(Irina: Ela deixa para si pouco viver. Porque família é toda ela muito pobre.) (Nadia, 11 de Julho de 2003)

Depois de pagar as obrigações que qualquer pessoa tem relativamente ao alojamento, manda praticamente todo o dinheiro para a família, não deixando em Portugal aquele que seria o razoável para ter, sequer, uma alimentação normal (e as suas olheiras e o seu aspecto físico não a deixam mentir...):

Eu paga a casa, paga luz, gás, deixa pouco, pouco para comida, a resta manda. (11 de Julho de 2003)

Após a análise de todos os textos das entrevistas concluiu-se que, salvo o caso de Dacha, que é perfeitamente justificável por ela fazer parte do agregado familiar de Sonya, todas elas enviam parte do dinheiro ganho mensalmente para as suas famílias, tendência verificada nos indivíduos que se inserem em vagas migratórias de motivação económica (GIUDICI, 1997: 469). Este facto relaciona-se, provavelmente, com a opção de não completar o reagrupamento familiar, o qual tornaria muito mais dispendiosa a estadia em Portugal, não permitindo reservar tanto dinheiro para auxiliar os membros da família a ter o nível de vida que actualmente já atingiram na Ucrânia.

Outra questão interessante, referida por Irina, a propósito das remessas dos imigrantes, é que estas contribuem, também, a médio prazo, para a melhoria da situação financeira, a qual permite ao bancos já poder fornecer crédito às pessoas que depositam dinheiro. Isso é sinónimo de um pequena melhoria económica e de uma alteração social: a criação da classe média ucraniana:

Irina interrompe: "Eu 1er uma estatística da Ucrânia que agora a nossa económica ter muito dineiro, dineiro fora da Ucrânia. Nós ganhamos e Banco tem dineiro, pagar credito. E!

Nós mandamos, nós que trabalha fora da Ucrânia, manda dineiro na Ucrânia e a económica é poucochinho melhor. Diz estatística.

Você percebe?

Na Ucrânia, quando dez anos passados, quando nós vem cá, Ucrânia não tinha classe média. O povo classe muito ricos, a resto é pobre. Agora já tem médio, já tem médio, não muito mas já tem. Já começou.

Quando voltamos, voltamos com dineiro e já podemos abrir conta própria Já pensamos, já pensamos!