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Quadro 2 Tipologia de classificação dos imigrantes activos

5. Nós tem medo A viagem

5.2 Os preparativos da viagem

A grande dificuldade referida pelas entrevistadas para iniciar a viagem é a necessidade de obtenção de visto para atravessar as fronteiras.

Valentina contou que o visto que trazia quando chegou a Portugal já era o segundo, não ficando bem claro se o tinha obtido na Alemanha, mas que caducaria dois dias após o final da viagem:

Eu trazer visto, segundo. (Valentina, 11 de Julho de 2003)

A minha vista na Alemânio e a minha vista já acabo dia 4 Setembro. Eu chegou aqui dia 2 de Setembro e falta dois dias para acabar o visto, dois dias! Tenho medo! (Valentina 11 de Julho j de 2003)

Sonya mencionou a morosidade de obtenção de um visto no seu país e o medo de ter problemas na passagem das fronteiras, medo esse que a levou, apesar do aumento das despesas, a viajar de avião:

Marido primeiro, visto muito complicado. Filha espera visto três meses. Depois, eu, dois. Eu, com filha dois vistos. (Sonya 8 de Julho de 2003)

Com Nadia o processo foi mais rápido porque a amiga que a seduziu para vir trabalhar em Portugal tinha conhecimentos dos processos ilegais de obtenção de documentos, através do pagamento de quantias elevadas, de forma que o seu visto ficou pronto no prazo de duas semanas:

Entrevistadora: -(...) E depois minha amiga trabalha jurista e pergunta: "-Nadia queres ir Portugal?

"-Eu quero, quero."

Porque filho e filha querem roupa e pequeno e tudo! Pra tudo tem dineiro. E dapois fala: "Tá bem", eu telefonar pra outra pessoa pra mim faz visto (Nadia H de Abril de 2004)

(Irina: Porque homem na Ucrânia ajuda ela, ajuda ei para arranjar vista. Ajuda.) Entrevistadora: - Pagou, na Ucrânia?

(Irina: Pagouuu!!! Muito dineiro)

Nadia - Pagou! (Nadia, 11 de Julho de 2003)

No entanto, Nadia não teria conseguido embarcar nesta aventura se não fosse a ajuda económica de vários amigos que contribuíram, cada um dentro das suas posses, para que ela pudesse pagar as despesas necessárias para obtenção do visto e do bilhete do autocarro:

E depois, depois todas pessoas dão. Pessoas dão: uma pessoa dez dólares; vinte dólares dão; cinco dólares, tudo, tudo. Depois comprar bilhetes e vir Portugal. (Nadia 14 de Abril de 2004) Irina narrou igualmente os longos meses que toda a família teve que esperar até obter o tão desejado visto:

Eu espero para ter visto quatro meses. Marido esperou, tã...tã...tã...tã...tã,... (faz contas de cabeça) também quatro meses. Filho, filho, esperou cinco meses. Muito problema. (Irina 8 de Julho de 2003)

Explicou, de seguida, que o problema inerente à obtenção de vistos legais, na Ucrânia, não se prende com o factor económico, mas sim com o excesso de burocracia, o que faz com que as pessoas optem por tentar adquiri-lo de formas menos ortodoxas, por vias ilegais, nem que para isso o futuro imigrante pague muito mais (dez vezes mais!) do que pagaria pelas vias pretensamente legais:

P

plico uma problema: fazer visto para vir na Portugália é barato, não muito caro. Quando tu

ia embaixada e fazes sozinha muito barato, por exemplo: 30 euvro, 35 euvros. Porque na ixado é muito, muito máfia. Muito máfia! Muito máfia! Não pode ir e sempre homem pára to problema. E tu vais fazer visto com outra pessoa, com outra pessoa. E a outra pessoa tira muito dineiro. Por exemplo: eu fiz visto pra filho, vista custa 50 euvro, eu paguei 550 - mais 500 euros. Certeza absoluta! (Irina 11 de Julho de 2003)

Assim, mesmo que um indivíduo estivesse na disposição de iniciar o seu percurso migratório utilizando todas e apenas as vias legais, só esta falta de transparência de procedimentos na embaixada faria com que, logo no início, o procedimento ficasse viciado à partida ou, pior ainda, o candidato a migrante caísse na tentação de recorrer a responsáveis pelo tráfico de pessoas.

5.3 Os Percursos

Nadia, juntamente com o seu marido, dirigiram-se para Portugal de autocarro, tendo sido as etapas do percurso descritas da seguinte forma:

Entrevistadora: - No caminho... veio de autocarro... Nadia: - Sim! Sim! Sim!

Entrevistadora: - E partiu da Ucrânia, foi? Nadia: - Sim!

Entrevistadora: - E depois, como foi o caminho? Nadia: - Alemanha, Francia e Espanhola.

Entrevistadora: - Até chegar à Alemanha, como veio?

Nadia: - Ucrânia, Polónia, Alemania, Francia e Espanhola. Espanhola é Madrid. (Nadia, 11 de Julho de 2003)

Segundo ela, a zona mais perigosa do percurso foi Madrid, onde se encontravam indivíduos preparados para assaltarem os vinte e dois candidatos a imigrantes, provenientes da Ucrânia, da Rússia e da Moldávia, que estavam no autocarro:

Nadia: - (...) porque autocarro para português e na espanhola, máfia! Todos dineiro tira, toda pessoa no caminho. (...)Antes de Madrid, um homem apanha e diz: "Pára! Pára autocarro!" Entrevistadora: - E o autocarro só tinha ucranianos ou tinha muita gente?

Nadia: - Ucranianos e moldavos e russos e todos. Vinte e dois pessoas. E todos tira a todos dineiro. E depois pro Português, não dineiro, não autocarro pro Português. Máfia a todos tira dineiro. (Nadia, 11 de Julho de 2003)

Os ladrões que assaltaram o autocarro eram de nacionalidade moldava e deixaram Nadia sem a única quantia que trazia para iniciar uma nova vida num país estranho - vinte euros! - :

Entrevistadora: - E os bandidos são ucranianos ou são espanhóis?

I Querem dineiro e pra mim só vinte euros! Vinte euros... Se levaram tudo. Vinte euros. Madrid e onde Portugal, onde Fátima. (Nadia, 14 de Abril de 2004)

Felizmente, um dos passageiros conseguiu fugir à prepotência dos assaltantes e escondeu o dinheiro que trazia consigo o qual dividiu com todos os outros no final da viagem, em Fátima:

(Irina explica: A todos dividir, um homem tem dineiro. Esconder. Esconder e não dar para

máfia. E depois quando já pára, já em Santarém e homem dividir para todos. Para comprar bilhete.)

Entrevistadora: - Era bom!

Nadia: - Era bom! Porque não tem dineiro, todos tirar dineiro. (Nadia, 11 de Julho de 2003) Nadia confunde Santarém com Fátima mas, na realidade, o autocarro que a transportara da Ucrânia, juntamente com o seu marido e a sua tia, irmã da mãe, tinha destino a Fátima:

Entrevistadora: - Porque a camioneta não vinha para Portugal.

Nadia: - Não! Ficava em Madrid. E depois, Fátima uns dias. Dormir, eu muito cansada. (Nadia 14 de Abril de 2004)

Irina viajou também de autocarro, conduzido por um motorista alemão e com passageiros de várias nacionalidades. Fez-se acompanhar de um rapaz ucraniano, cujos laços não especifica mas cuja função foi diminuir-lhe o medo da longa viagem que a esperava desde o ponto de partida - Mucachevo - e Santarém, com escala na Alemanha, em Stuttgart:

Também com camioneta, com coragem porque eu tem muito medo. (Irina, 8 de Julho de 2003) Vem com um rapaz junto porquê também tinha muito medo, pra mim é muito longe. Com um rapaz! (Irina 15 de Abril de 2004)

Valentina optou pelo automóvel para se deslocar. Revelou-nos que fez toda a viagem num carro particular, da marca Opel, acompanhada de um outro casal e do filho desse casal:

Entrevistadora: - Veio de avião, a Valentina?

Valentina: - Não. carro, Opel. Com Valentina (outra senhora), eu. veio o filho e marido. Tudo junto. (Valentina 11 de Julho de 2003)

Valentina narrou dois incidentes de percurso. O primeiro, também na Espanha, prendeu-se com o facto de não lhes permitirem atravessar a fronteira espanhola com uma quantia superior a duzentos euros. Esta situação levou-os a voltar para trás e tentar novamente atravessar as fronteiras espanhola e portuguesa, desta vez com a quantia desejada, a saber: quinhentos euros por pessoa:

(Valentina: - (...) Quando já na fronteira Espanha controlo, dineiro. E mostra dineiro. Só 200

!

para todos. Precisa uma pessoa 500, 500 dineiro. Não há, vai embora na Francia. Enttevistadora: - Foi para a França?

. Valentina: - Não, na Francia volto. Não vai embora só pouco esperar e na auro-estrada para Portugal. Tudo normal, graças a Deus! (Valentina 11 de Julho de 2003)

A outra circunstância constrangedora prendeu-se com o controlo (com o uso da violência) dos vistos, tendo em conta que o da Valentina estava prestes a caducar:

Na estrada pau e pau na carro, pau!. "Ah, ah ucranianos! Para onde vais? Há vista?"

A minha vista na Alemânio e a minha vista já acabo dia 4 Setembro. Eu chegou aqui dia 2 de Setembro e falta dois dias para acabar o visto, dois dias! Tenho medo! (Valentina 11 de Julho de 2003)

Sonya e Dacha, apesar de ser mais dispendioso, optaram pelo avião, por razões de segurança:

Porque já há problemas com polícia na fronteira e nós tem medo. Tem medo. Avião melhor. Mais caro, melhor. (Sonya, 8 de Julho de 2003)

Segue-se a indicação da rota feita pelo avião que trouxe estas duas mulheres para Portugal, ficando por não se perceber porque é que Sonya refere que o seu trajecto é igual ao de Irina, uma vez que esta última utilizou um meio de locomoção terrestre:

Sonha: - Ucrânia, Budapeste. Hungria. - igual Irina! -, Ucrânia, Hungria, depois... Entrevistadora: - Holanda ?

Sonya: - Não... Zurique e aqui na Lisabona. (Sonya. 8 de Julho de 2003)

Como ficou claro através das exposições das várias mulheres, a travessia das fronteiras desde a Ucrânia até Portugal era arriscada, não só pelo controlo que as autoridades fronteiriças faziam no sentido de impedirem a entrada de indivíduos em situação irregular, mas também porque havia restrições, no caso da Espanha, ao transporte de divisas.

A viagem também podia envolver outro tipo de riscos ligados ao delito comum, como os roubos de que Nadia, o marido e a tia foram alvo em Madrid. De frisar que estes delitos foram cometidos por pessoas vmdas de Leste, neste caso a Moldávia, pelo que Nadia e os seus familiares foram vítimas de imigrantes provenientes de um país que partilha as fronteiras com o seu.

Outro factor realçado foi a longa duração da viagem, logo, relacionada com a distância percorrida. Esta mudança, referida por Irina, habituada a ''saltitar" por tantas regiões da ex-União Soviética e de todas a mais extrovertida, poderia não ser só relativa a uma transferência de lugares mas também às rupturas sócio-culturais que se avizinhavam...

No entanto, com medo e com coragem, de autocarro, de avião ou de "carro, opel", chegaram a Portugal Irina, Nadia, Valentina, Sonya e Dacha e, no momento das entrevistas, ganhavam a vida a fazer abat-jours numa fábrica em Santarém.

6. Bandido todos dineiro.