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Quadro 2 Tipologia de classificação dos imigrantes activos

5. Nós tem medo A viagem

5.1 O reagrupamento familiar

Na maioria dos processos migratórios, geralmente o agregado familiar não o começa ao mesmo tempo; este é feito por etapas, com o objectivo de se proceder ao "reagrupamento familiar" (ROCHA-TRINDADE, 1995: 49; GIUDICI, 1997: 467). Neste processo, a iniciativa é tomada por um membro adulto da família, o qual, depois de instalado no país estrangeiro, fará todas as démarches e criará as condições necessárias para que o seu cônjuge e os descendentes, sobretudo, se lhe venham juntar.

No entanto, para além das carências que qualquer família possa ter no país de recepção, seja ela imigrante ou uma família pobre autóctone, existe um conjunto de dificuldades que caracteriza as famílias de imigrantes reagrupadas e que Maria Lucinda Fonseca tipificou da seguinte forma (FONSECA, http://www.ine.pt/ novidades/semin/familia/docum/app/appmlfonseca.pdf: 5): a falta de disponibilidade a nível do alojamento, o acesso ao e inserção no mercado de emprego para os cônjuges imigrantes, o acesso aos cursos de língua e cultura para estrangeiros e a inserção

académica e social para os filhos imigrantes e os de 2a geração (FONSECA,

httpV/www.ine.pt/novidades/semin/Tamilia-^docum/app/appmlfonseca.pdf: 5).

Neste fenómeno, o cônjuge que parte em primeiro lugar é, geralmente, o marido, o que poderia revelar, da parte da mulher, a tendência para seguir o imigrante, mais do que a iniciativa de imigrar. (GIUDICI, 1997: 467). No entanto, a mesma autora chama a atenção para o facto de uma generalização deste teor ser incorrecta e de ela se dever

sobretudo à não existência de uma imagem realista e equilibrada da crescente participação das mulheres migrantes nos mercados de trabalho. A imagem da mulher imigrante "dependente" liga-se a uma categoria sócio-económica modesta mas que não é a única na qual se inscrevem todas as mulheres que estão ligadas aos fenómenos migratórios. De acordo com Cristina Giudici, a elaboração de um inquérito mais completo e aprofundado sobre o fenómeno migratório permitiria demonstrar que as mulheres migrantes são originárias de vários estratos sociais, não existindo, por isso, "uma única tipologia de imigrantes nem uma que ponha em evidência a sua vulnerabilidade e a sua dependência" (GIUDICI, 1997: 468).

Aliás, embora não existam ainda estudos sistemáticos sobre os movimentos migratórios "laborais" femininos, há indicadores ao longo do século XX que permitem já, seguramente, afirmar que eles não podem ser depreciados. Os dados que se seguem foram retirados da obra referida em seguida, estando todas as fontes indicadas no texto. A autora do estudo sobre as cinco histórias de vida tomou a liberdade de elaborar um quadro-síntese sobre essas informações (ZLOTNIK, 1998:

114):

1

Data País Indicadores

1907 Alemanha • 27% do total dos trabalhadores

estrangeiros eram mulheres.

1976-1974 França • as mulheres constituíram cerca de 23%

dos trabalhadores portugueses estrangeiros admitidos.

1976-1987 França • as mulheres constituíram cerca de 30%

dos trabalhadores estrangeiros admitidos.

1980-1987 Austria • 40% das autorizações iniciais de

trabalho foram concedidas às mulheres estrangeiras.

1983-1988 Indonésia • 2 em cada 3 trabalhadores que

deixaram o país pertenciam ao sexo feminino.

Na realidade que estamos a estudar, existe uma ocorrência em que o processo de migração se deu em simultâneo com o do marido ou do pai - foi a de Nadia, chegada a Portugal em Fevereiro de 2001. No seu caso, como já foi mencionado, os dois filhos do casal ficaram na Ucrânia, em casa dos avós maternos, não tendo a entrevistada nunca colocado a hipótese de um eventual reagrupamento familiar. Aliás, na segunda entrevista, foi referido que o casamento do filho estaria para muito breve, o que levaria Nadia a viajar para a terra natal nos dias seguintes:

Filho vinte e um e filha catorze. Filho agora telefona pra mim e disse: "Mãe, eu quero casar, quero ajuda e vai pra casa.". Oh! Quer, quer e... agora vai! (Nadia, 14 de Abril de 2004)

De acrescentar que, segundo a Lei da Imigração (art0 57°) são também considerados

para efeitos de reagrupamento familiar, os ascendentes da família do residente ou do seu cônjuge, desde que se encontrem a seu cargo e, como já foi sobejamente referenciado, os pais de Nadia já não conseguem ser auto-sufícientes economicamente.

Nos restantes casos, as quatro mulheres vieram para Portugal depois do cônjuge ou do pai o ter feito. Vejamos as circunstâncias que envolveram cada uma delas.

Sonya e Dacha, dois meses após a partida do marido e do pai, respectivamente, e quando finalmente conseguiram obter os tão desejados vistos, fizeram a viagem que lhes permitiu chegar a Portugal no dia 9 de Setembro de 2001 :

Sonya: -(...) Antes tem problema, porque quando nós chegar aqui muito dineiro, três pessoas. visto muito caro

Entrevistadora: - Porque a Sonya veio de avião? Sonya: - Sim.

Entrevistadora: - Mas primeiro veio o marido, não foi?

A família de Sonya conta ainda com uma filha, mais nova que Dacha, pelo que o reagrupamento familiar se encontra incompleto. No entanto, segundo Sonya, após ter consultado a sua irmã que é professora de Biologia na Ucrânia, a filha, que já acabou o equivalente aos estudos secundários em Portugal, vai continuar a viver com os avós e tentará obter a graduação universitária no seu país:

Primeiro, quando chegai, filha maior com nós. Pequena pra casa muito chorar, muito chorar. Quer ter filho aqui. primeiro. Muito quer! Pensar, pensar, aqui estudar e minha irmã professora diz que não: "- Melhor ela aqui. estudar, acabou a escola, depois melhor, mais calma." (Sonya, 8 de Julho de 2003)

Valentina chegou a Portugal no dia 2 de Setembro de 2001, para reencontrar o marido e o filho que tinham viajado juntos, numa primeira fase.

Mais tarde, o seu filho voltaria para a Ucrânia, uma vez que lá se encontrava a residir o seu agregado familiar. No entanto, como esta decisão de voltar só tinha piorado a sua situação económica, o regresso a Portugal estava iminente. Valentina, poupada nas palavras, mas com um humor cruel, cujo alvo acabam sempre por ser as pessoas que lhe são mais chegadas - a família, os seus conterrâneos - , narrou-nos a situação de um homem que não resistira às saudades da família:

Entievistadora: - E o filho, quando veio? 0 filho veio?

1

Valentina: - Com pai e vai embora na Ucrânia. Muitas saudades da mulher. (risos) Pobre! Agora pobre. Sempre nos chama dineiro sempre!... e tem diploma! Não consegue trazer trabalho, não consegue.(Valentina 11 de Julho de 2003)

Entrevistadora: - E o filho voltou...?

Valentina: - Voltou. Adepois não tem dineiro... eh, eh... Enfrevistadora: - E agora?

Valentina: - De volta. Entievistadora: - De volta?

Valentina: De volta. De volta Setembro, Agosto. Não Agosto. Éjá. (Valentina 15 de Abril de 2004)

A mãe de Valentina, octogenária, vive ainda na Ucrânia, nunca tendo sido feita qualquer menção à sua possível vinda para junto da filha. No entanto, a senhora encontra-se economicamente dependente de Valentina, como esta o refere quando fala da necessidade de ganhar dinheiro:

Precisa, precisa muito comprai- o carro, precisa ajuda pra a mãe, irmão, tem o problema na

Ucrânia também... (Valentina, 11 de Julho de 2003) Irina chegou a Portugal numa data dita com precisão:

Eu chegou no Abril de 2001. No Abril mês. 15 de Abril. Lembro muito bem. (Irina, 15 de Abril de 2004)

No entanto, esta data coloca-nos alguns problemas porque, a ser verdade que ela foi a primeira das entrevistadas a pisar solo português, como o afirmou interrompendo um dos depoimentos da sua colega Sonya, nunca o poderia ter feito em Abril, dado que nesse mês Nadia já se encontraria a residir em Portugal:

Após várias leituras dos depoimentos de Irina, a hipótese mais plausível sobre a eventual contradição é a seguinte: Irina foi, de facto, a primeira de todas a chegar; afirmou, no entanto, que o fizera a 15 de Abril porque esse era o dia em que estava a prestar o depoimento e fez confusão.

Na conversa de Julho de 2003 afirmara que estava entre nós há cerca de um ano e meio, pelo que, a ser verdade que foi a primeira das cinco entrevistadas a entrar em solo português e tendo em conta que todas o fizeram no mesmo ano - 2001 -, deve ter imigrando entre os meses de Janeiro e Fevereiro:

Marido já cá 2 anos, 2 e... 2 e 3 meses. Eu, mais ou menos, uma ano e meio. (Irina, 8 de Julho de 2003)

O motivo que levou à sua vinda, para além dos já referidos anteriormente, prende-se com uma das questões não menos importantes do fenómeno migratório: o desfazer dos afectos e a solidão que as deslocações e os primeiros momentos de permanência nos contextos desconhecidos provocam no indivíduo migrante. E Irina, mulher habituada a acompanhar o seu marido ao longo de tantos anos pelo enorme território da ex-União Soviética, diz, divertida e orgulhosa por ter atravessado as fronteiras, ao fim de quatro meses de separação:

Adepois ele disse: ""tenho muitas saudades, vem cá porque eu fico triste, melhor quando familia junta". Eu... vim cá! (Irina, 8 de Julho de 2003)

O reagrupamento familiar só ficaria aparentemente concluido no início de 2003, com a vinda de Yuri, o único filho solteiro, que se encontrava na Ucrânia a estudar. No entanto, na Ucrânia ficaria ainda a sogra de Irina, a qual vive dependente da ajuda económica enviada trimestralmente pelo filho e pela nora, dado que a reforma é insuficiente para a sua sobrevivência. Quando enumerou as pessoas para quem enviava dinheiro na Ucrânia, Irina referiu a sogra:

Eu não tenho pais. Tenho só uma sogra. E paia sogra também. Mas não cada mês, uma vez por três meses. Ela tem reforma também pequenas. Já velha. Tem muitas doenças. E mando, mando dineiro. (Irina, 15 de Abril de 2004)

de forma a permitir uma leitura comparativa das cinco situações.

Entrevistada Com quem viaja Data chegada

(2001)

Reagrupamento familiar

Quem deixa na Ucrânia

Nadia Marido Fevereiro Filho

Filha Mãe Pai

Sonya Filha Setembro Marido

1 (+ filha)

Filha

Dacha Mãe Setembro Pai

1

(+mae)

Irmã

Valentina Setembro | Marido e filho

1

P

I

Mãe

Irina Janeiro-Fev ? f Marido Filho

Sogra

No total das cinco mulheres de quem foram recolhidos os testemunhos, só uma delas viajou em simultâneo com o elemento masculino, neste caso, o marido.

De entre as restantes, três vieram posteriormente, para se reunirem com o marido e outra, que viajou com a mãe, veio ter com o pai.

Uma delas, tinha igualmente o filho à espera, no entanto, esse filho, já tinha constituído família na Ucrânia, antes de ter iniciado o processo migratório.

A partida, poderia parecer que as quatro mulheres que vieram juntar-se ao marido ou ao pai iriam contribuir para dar força à tese clássica do reagrupamento familiar que retira à mulher o papel de iniciativa no processo migratório, no entanto, não podem ser esquecidos os contratempos que foram descritos para a obtenção dos vistos e os gastos que foram necessários para as viagem; por exemplo, no caso de Sonya e de

Dacha, por serem mãe e filha, as despesas eram a duplicar; Nadia só levou a viagem a bom termo graças à ajuda financeira de vários amigos.

Digam o que disserem destas mães, mulheres e filhas que atravessaram fronteiras para virem viver com os elementos masculinos dos seus agregados familiares, o que é facto é que todas elas são trabalhadoras e contribuem para a economia familiar, não se encontrando, qualquer uma delas, na situação de "dependente" de um marido, de um filho ou de um pai.

Quanto ao consumar do processo de reagrupamento familiar, ele encontra-se incompleto em todas as ocorrências.

No caso de Nadia, o seu filho já se encontra casado, tem emprego na Ucrânia e é maior de 21 anos. Estas duas condições - não estar a cargo do residente e a idade - fazem com que ele já não seja considerado pelo já citado artigo da Lei da Imigração um membro da família. Sobre sua irmã, embora com idade inferior a 21 anos, nunca foi avançada a ideia de a juntar aos pais, nem num futuro mais longínquo. De igual forma, Nadia nunca referir hipótese de conciliar a sua estadia em Portugal com a dos seus pais, a pesar do estado de saúde do seu progenitor. Nesta família existe um forte apego à quinta e, apesar de todas as dificuldades, a mãe tenta continuar a exploração agrícola.

Em relação a Sonya e Dacha, a vinda do elemento mais novo da família parece estar fora de questão - a filha mais nova de Sonya, e por isso irmã de Dacha, irá iniciar o curso superior na Ucrânia.

Tanto a filha de Nadia como a de Sonya debater-se-iam com os problemas de integração social e académica que os jovens imigrantes sofrem quando deixam os países de origem, agravados pelas dificuldades de desconhecimento da língua e

cultura portuguesas. Sonya frisou que a decisão de deixar a filha na Ucrânia passou também pela opinião da tia, a qual chegou à conclusão que ela beneficiaria, apesar de tudo, de mais condições para estudar na sua terra natal, mesmo ficando privada da companhia dos pais e da irmã, dado que, em Portugal, teria o défice do desconhecimento do idioma.

Aliás, a opção de Sonya em relação à filha mais nova é corrente no seio das famílias de imigrantes de Leste que se encontram em Portugal, as quais optaram, também, por deixar os seus filhos menores nos países de origem, custeando-lhes o ensino com os salários auferidos em Portugal, convencidos que darão uma melhor educação aos seus filhos (PEREIRA, 2005: 210).

No que toca ao único filho solteiro de Irina, na última entrevista, esteja se encontrava a viver com os pais em Portugal.

Sobre a mãe de Valentina e a sogra de Irina, nunca foi referida qualquer intenção sobre a sua vinda para Portugal, tudo apontado que a modalidade encontrada para as ajudar é o envio de remessas monetárias que lhes permitam obter os bens essenciais na Ucrânia.

Em conclusão, venficou-se, desta forma, que os elementos das famílias em análise que partiram foram aqueles que se vieram inserir no mercado de trabalho português, havendo, desta forma, uma ligação, neste caso, entre as tendências do reagrupamento familiar e o papel do migrante ucraniano como agente económico (MATIAS, 2004: 6).

Por outro lado, há que ter em conta que esta vaga migratória é extremamente recente para ter ainda criado estruturas no tempo que permitam o completar do processo de

reagrupamento familiar e para reunir um conjunto de formalidades legais que lhes dêem acesso à permanência em Portugal.