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L 1 Sonya refere que teve muitos problemas mas não os especifica, embora, na entrevista

8. Considerações finais

No final deste trabalho realçam-se, de uma forma sintética, alguns aspectos que parecem merecer maior destaque enquanto reveladores das características daquele que é considerado o último grande fluxo migratório para Portugal, através da identificação do estudo de cinco percursos concretos.

Como foi dito no início do estudo, espera-se que estas cinco histórias de vida contribuam de forma indirecta para a compreensão do ambiente que reina no seio dos agregados familiares dos jovens alunos ucranianos que frequentam as escolas portuguesas, procurando que a integração destes seja uma mais-valia para toda a comunidade escolar.

As entrevistadas chegaram a Portugal no início no terceiro milénio, facto que só ajuda a confirmar o carácter recente deste novo fluxo migratório. Para além das carências económicas de todas elas e das facilidades de acolhimento de estrangeiros neste país em relação aos restantes do espaço económico, algumas delas vinham com imensas expectativas relativamente aos possíveis salários que poderiam vir a auferir, fruto de alguma especulação proveniente dos meios de comunicação e da opinião pública ucraniana.

Nos cinco casos concretos, as entrevistadas são imigrantes laborais e, quando se fizeram acompanhar de filhos, estes vieram também para trabalhar. Sabemos, no entanto, que esta situação não se pode generalizar a todas as famílias migrantes ucranianas residentes em Portugal, devendo, no entanto, estar alerta para duas ordens de factores. Por um lado, o facto de os imigrantes precisarem de amealhar

determinadas somas de dinheiro e de terem de se submeter a rigorosas condições e horários de trabalho poderá levar a que tenham muito pouco tempo para acompanhar os seus filhos nos horários extra escolares; por outro lado, verificámos ao longo do corpo do trabalho, que as entrevistadas tinham frequentado um ensino muito rigoroso ao longo da sua formação, o que, consequentemente, tenderá a criar nos seus filhos expectativas elevadas em relação ao ensino português e à qualidade dos estabelecimentos escolares.

A participação destes encarregados de educação dependerá, obviamente, para além do interesse, da forma como conseguirem expressar-se junto das escolas e, como vimos, no caso concreto analisado, a questão da dificuldade do idioma ainda pesava muito na integração das entrevistadas, integração essa que foi referida de uma forma muito satisfatória por todas elas, apesar da sua forma de vida recatada.

É óbvio que por detrás desta boa aceitação da parte dos portugueses - vizinhos e colegas de trabalho - está a consideração que elas lhes merecem por serem pessoas com habilitações literárias acima da média dos cidadãos portugueses, porte delicado e boa aparência física.

No entanto, é do senso comum português dizer que os cidadãos de Leste são marcados pelas frieza de sentimentos. Como é possível generalizar-se uma afirmação destas?

Se pensarmos nos casos observados, as senhoras entrevistadas nasceram em famílias com boas situações económicas e quando pensavam que já tinham as vidas estabilizadas para sempre, um recente acontecimento político arruinou a economia do seu país ao ponto de as fazer mudar vertiginosamente as suas vidas: descida de estatuto social através de sucessivas mudanças de emprego, salários em atraso e desemprego.

Tendo optado pela via de migração, sujeitaram-se à separação da família, a contrair dívidas, a vender bens, a atravessar fronteiras arriscando a vida, havendo quem fosse vítima de traficantes de mão-de-obra para conseguir emprego. Vieram com vinte, trinta, quarenta ou cinquenta anos, mas nenhuma sabia uma palavra de português. Algumas tiveram um dia para descansar; houve quem tivesse passado muita fome e sede... sofrido roubos...

Depois, não esqueçamos, estas senhoras têm habilitações literárias muito superiores àquelas que são exigidas para as tarefas que desempenham em Portugal e a formação técnica ou superior adquirida por todas elas na Ucrânia não se coaduna em nada com o que fizeram em Portugal. No entanto, a frustração, se a há, se a houve, é compensada pela remuneração económica e pela possibilidade de envio de remessas para os familiares que permaneceram no seu país. Este contributo económico ganha maior dimensão, não só porque o país receptor oferece postos de trabalho as migrantes, mas também, devido à disparidade do nível de vida existente entre Portugal e a Ucrânia. Por essa razão, mesmo uma pequena quantia enviada, representa um montante significativo no país de destino.

De qualquer forma são, certamente, famílias que devem viver rodeadas de muita angústia e tristeza, mas também com muita dignidade que é demonstrada sobretudo no trabalho, seja qual for a tarefa a desempenhar no quotidiano da fábrica: a coser, a colar, a engomar, a empacotar.

Viver em Portugal foi muito mais do que uma transferência geográfica: foi esquecer todo um passado num país, para elas, outrora próspero; procurarem empregos que lhes permitissem sobreviver no país receptor de acordo com uma grave desvantagem: o desconhecimento da língua portuguesa; sujeitarem-se a condições de trabalho impostas pelos patrões e muitas injustiças laborais e salariais e não terem a quem

recorrer, sentirem-se desvalorizadas em termos académicos e profissionais; o desmembrar das suas famílias.

Por isso, os especialistas avançam para a identificação de patologias da ordem do foro psiquiátrico contraídas por pessoas que vivenciaram ou vivenciam este tipo de experiências migratórias tão violentas. E é importante que as sociedades receptoras

saibam lidar com essa realidade.

Um factor que deve ser salientado é que as entrevistadas testemunham a importância que as redes de parentesco e de amizade têm quer no acolhimento dos migrantes no novo país quer na adaptação à nova sociedade, neste caso concreto, na procura de trabalho e de habitação. Relembremo-nos, entre outros exemplos, que duas delas partilham o mesmo tecto e que a sua admissão da fábrica foi através da recomendação das operárias mais antigas junto da patroa.

Algo que constituiu uma surpresa ao longo da elaboração do estudo foi a heterogeneidade existente a nível das idades das cinco entrevistadas, o que não as impedia de terem a mesma categoria profissional no actual recinto de trabalho.

Nas mais velhas, o factor idade, aliado à crença de considerarem que os motivos que as levaram à migração podem depender de mudanças político-económicas a operar na Ucrânia, faz dos seus projectos migratórios aspectos que estarão resolvidos a curto prazo. No entanto, tenuemente, as contas de subtrair vão sendo substituídas pelas de somar e os projectos vão sendo adiados, um por incapacidade de cumprimento dos objectivos, outro por os seus actores já dificilmente conseguir resistir ao conforto alcançado em Portugal.

Uma coisa é certa, por detrás destas cinco mulheres e dos familiares que estão com elas no país que os acolheu a todos e que lhes ofereceu o trabalho que procuravam,

fosse ele qual fosse, há vários rostos a eles ligados e que deles dependem sob pena de caírem na mais dura das misérias. Por isso, qualquer processo de retorno, é muito mais complexo do que à partida possa parecer, pese embora os agregados familiares não sejam numerosos, variando, nos casos observados, entre um ou dois filhos.

Neste momento, elas ainda trabalham na mesma fábrica de abat-jours.

Algumas já foram de férias à bela Ucrânia mas nenhuma ainda voltou definitivamente para lá.

Enquanto permanecerem em Portugal, esperemos que continuem a aprender o idioma para poderem contar aos colegas e aos vizinhos as pequenas grandes coisas do seu país, assim como se espera que nas escolas, os professores saibam aproveitar Áreas Disciplinares Não Curriculares como Formação Cívica e Área de Projecto para pôr em contacto o mundo cultural português com o ucraniano (afinal, como se viu, não tão distante como isso) para que possamos dizer, usando uma expressão de Irina, todos fiquem "na coração eu!".