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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES PLÁSTICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES VISUAIS

ANA CÂNDIDA FRANCESCHINI DE AVELAR FERNANDES

POR UMA ARTE BRASILEIRA: MODERNISMO, BARROCO E ABSTRAÇÃO EXPRESSIVA NA CRÍTICA DE LOURIVAL GOMES MACHADO

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ANA CÂNDIDA FRANCESCHINI DE AVELAR FERNANDES

POR UMA ARTE BRASILEIRA: MODERNISMO, BARROCO E ABSTRAÇÃO EXPRESSIVA NA CRÍTICA DE LOURIVAL GOMES MACHADO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, para obtenção do título de Doutora em Artes Visuais.

Orientador: Prof. Dr. Tadeu Chiarelli

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Fernando Lemos. Sem título, s.d.

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Agradecimentos

Ao meu orientador, Tadeu Chiarelli, que me acompanhou desde antes da pesquisa de doutorado, sempre generoso e sagaz em suas observações, preocupado, acima de tudo, em contribuir com novas perspectivas para nossa área. Deixo aqui expressa minha admiração pelo seu trabalho.

À professora Annateresa Fabris e ao Rodrigo Naves, que participaram de minha banca de qualificação, pelo generosidade e seriedade com que trataram a pesquisa, indicando-me direções possíveis para o trabalho.

Ao Lúcio Gomes Machado, que abriu-me o acervo de seu pai, fundamental para que a pesquisa ganhasse corpo com documentos, correspondências e artigos, alguns inclusive, inéditos. Agradeço ainda pela confiança e a amizade.

Ao professor Edward Sullivan, pela orientação durante o estágio na New York University - NYU, pela delicadeza, atenção, discussões e referências durante esses quatro meses de estudos enriquecedores. À Adele Nelson, colega na NYU, pela acolhida na cidade e as dicas de estudo. À New York Public Library - NYPL, na pessoa de Clayton Kirking, e à biblioteca e ao arquivo do Museum of Modern Art de Nova York – MoMA, pelo trabalho excelente desenvolvido junto dos pesquisadores.

Aos entrevistados – Prof. Antonio Candido, Profa. Anita Novinsky, Arthur Luiz Piza, Eva Fernandes, Fernando Lemos e Pedro Paulo Poppovic – pelos depoimentos que auxiliaram-me a construir a figura de Lourival Gomes Machado como crítico, intelectual e professor.

Aos professores Sonia Salzstein, Gilbertto Prado e Mônica Tavares, pela ajuda no pedido de bolsa de estudos no exterior. À Stela Garcia, pelos conselhos.

Ao Grupo de Estudos do Centro de Pesquisa em Arte&Fotografia do CAP/ECA-USP, que discutiu o trabalho diversas vezes, contribuindo assim imensamente para o desenvolvimento da tese. Ademais, as leituras em grupo forneceram-me referências teóricas essenciais, que muito me ajudaram a compreender o pensamento de Gomes Machado.

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Aos bibliotecários do Museu de Arte Moderna de São Paulo – MAM/SP e do Arquivo Histórico Wanda Svevo da Fundação Bienal, pelo auxílio na consulta dos documentos. Em especial, ao amigo Fernando Piola, do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo – MAC/USP, pelas informações sobre artistas e obras pertencentes no acervo e que integram a pesquisa.

À minha família, pelo apoio e a paciência em todos os sentidos. À minha avó Helena, por tudo.

Ao Andrei Cornetta, pelo amor, companheirismo e bom humor, pelas conversas instigantes e – ainda – pela leitura minuciosa.

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Resumo

Por meio da organização e análise da crítica dispersa de Lourival Gomes Machado, textos em sua maioria pertencentes ao acervo do crítico, esta tese parte do pressuposto de que, para Gomes Machado, há uma arte brasileira autêntica, que se forma no século XVIII, sob o signo do barroco, e se estende até início de 1960, com a abstração expressiva, apresentando um interrompimento devido à implantação da Academia de Belas Artes, durante o século XIX. Nos anos 1940, apesar das preocupações do crítico envolverem sobretudo o modernismo brasileiro e a abstração aparecer apenas timidamente, no período de sua crítica madura, entre 1950 e início de 1960, passa a dedicar mais atenção à arte abstrata chegando, no fim desse período, a entender a abstração expressiva como vertente mais significativa, tanto da produção brasileira como internacional. Mário de Andrade era referência intelectual de destaque para Gomes Machado e ambos estavam em busca do que entendiam ser a configuração de uma arte propriamente brasileira. Para Andrade, a arte brasileira deveria carregar índices da natureza humana brasileira. Na crítica de Gomes Machado, a relação entre forma e lugar torna-se mais complexa, fazendo com que aquilo que antes transparecia na arte figurativa de deformação expressiva, relativa ao olhar de Andrade, passe a habitar a abstração não-geométrica, ou seja, a “arte brasileira” passa a ser caracterizada por formas, e não assuntos, que dizem respeito à mentalidade brasileira. Diante disso, optou-se por uma interpretação do pensamento crítico de Gomes Machado a partir de três momentos fundamentais de sua produção – modernismo, barroco e abstração expressiva –, cujos artigos revelam os contornos expressivos de sua concepção de “arte brasileira”.

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Abstract

Through the organization and analysis of Lourival Gomes Machado’s dispersed critical production, texts mostly belonging to the critic’s personal archive, this thesis understands that, to Gomes Machado, there is an authentic Brazilian art, formed in the eighteenth century, under the sign of the Baroque, and which extends itself until early 1960, with informalism, presenting an interruption due to the implementation of the Academy of Fine Arts, during the nineteenth century. In the 1940s, despite the critic being mainly involved with Brazilian modernism and having abstraction appear only timidly, in the period of his mature critique between 1950 and early 1960, he devotes more attention to abstract art, understanding expressive abstraction as the most significant aspect of both Brazilian and international production. Mário de Andrade was an important intellectual reference to Gomes Machado and both sought to understand the configuration of an authentic Brazilian art. To Andrade, Brazilian art should carry aspects of Brazilian human nature. In Gomes Machado’s critique, the relationship between form and space becomes more complex, so that what appeared in figurative art of expressive deformation – characteristic of Andrade’s vision –, continues to inhabit non-geometric abstraction. In other words, “Brazilian art” becomes characterized by forms, and not themes that concern Brazilian mentality. Therefore, Gomes Machado’s critical thinking was analyzed from three key moments of his production – modernism, baroque and expressive abstraction. His articles reveal the contours of his expressive conception of “Brazilian art”.

Keywords: Lourival Gomes Machado; modernism; Brazilian art, Baroque; abstraction.

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“Lourival sentencioso, Parceiro de dor e vale” ANDRADE, Mário de. “Lira Paulistana”, em: Poesias Completas.

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Sumário

Introdução...1

Parte I - modernismo Capítulo 1 : “Composição de formas” e “expressão do ser”: Lourival Gomes Machado e o realismo expressivo 1. 19 Pintores... 13

1.1 “Dimensões do expressionismo”: um conceito transversal...21

1.2 A geração “expressionista”: tomada de posição ...27

2. Santa Helena e o realismo expressivo: retorno à ordem e preocupação social...32

2.1 Retorno à ordem e arte no Brasil...35

2.2 Volpi e Graciano: Gomes Machado e o Santa Helena...41

3. Duas Matrizes do Expressionismo: Lívio Abramo e Oswaldo Goeldi...47

4. Expressionismo na escultura: Ernesto de Fiori...50

5. Diante do surrealismo: a centralidade do indivíduo...53

Capítulo 2: Renovação pela tradição: ancoragem para uma história da arte expressiva 1. Gomes Machado e o retrato do modernismo brasileiro...57

1.2 Segall e a decifração do fenômeno nacional...70

2. Empatia e linhagem expressionista: fundamentos de Kant ...76

3. Worringer, Mário de Andrade e Gomes Machado: um certo realismo...79

3.1 Worringer: uma história expressionista da arte ...86

4. Arquitetura moderna brasileira e barroco mineiro: Lucio Costa, Rodrigo Mello Franco de Andrade e o SPHAN...95

Parte II - barroco Capítulo 3: O Barroco como ponto de partida da arte brasileira 1. Barroco: um estudo das teorias...103

2. Formação da cultura nacional...117

3. Compreendendo um método: Formação da Literatura Brasileira...119

4. Método, abordagem e ponto de vista em Lourival Gomes Machado...124

Capítulo 4: Barroco mineiro: “uma criação nitidamente brasileira” 1. O Barroco e a história da arte no Brasil...135

(11)

2. Lourival Gomes Machado e o barroco mineiro...155

2.1 Aleijadinho: mestiço, deformador da tradição, artista brasileiro...163

3. Forma mentis: do barroco à abstração expressiva ...171

Parte III – abstração expressiva Capítulo 5: “Ofensiva tachista e informal”: as abstrações expressivas no segundo pós-guerra 1. Abstração expressiva e a crítica brasileira...175

2. Abstração no início do século XX: universalismo e misticismo...179

3. Arte abstrata expressiva no segundo pós-guerra europeu...182

4. Cena nova-iorquina e expressionismo abstrato...193

5. Expressionismo abstrato, informal, abstração lírica: conexões Paris-Nova York...209

6. Clement Greenberg: o expressionismo abstrato e a crítica...203

7. Abstração lírica, informalismo e expressionismo abstrato no Brasil...216

Capítulo 6: Um “novo expressionismo”: Lourival Gomes Machado e a abstração expressiva 1. O espaço comum da Bienal e a abstração expressiva durante a 5a Bienal de São Paulo....223

1.1 O Brasil na 5a Bienal de São Paulo...233

1.2 Segall e a contribuição à 5a Bienal...235

2. Lourival Gomes Machado e as abstrações...237

2.1 Gesto e estrutura: a arte abstrato-expressiva de Gomes Machado...247

3. Idéias compartilhadas de uma arte nacional: origem e arte abstrata no segundo pós-guerra...257

4. Arte abstrata brasileira...265

Considerações finais...269

Bibliografia...279

Anexo I: seleta de artigos de Lourival Gomes Machado...292

(12)

Introdução

Lourival Gomes Machado (1917 - 1967) criticou e discutiu o trabalho de inúmeros

artistas, brasileiros e internacionais, dirigiu o Museu de Arte Moderna de São Paulo

(MAM-SP), entre os anos de 1949 e 19511, além de ter sido diretor-artístico da 1ª e 5ª Bienais Internacionais de São Paulo, em 1951 e 1959, respectivamente. Mantendo-se sempre ligado

ao evento, foi ainda integrante do júri em várias ocasiões2.

Sua produção crítica é vasta, porém encontra-se dispersa em vários jornais e revistas,

atingindo, desse modo, um grande público. Escreveu para a Folha da Manhã e Folha da Noite

e O Estado de S. Paulo, além das revistas Clima, Acrópole e Habitat. Entre 1956 e 1962, foi

responsável ainda pela seção de artes plásticas do Suplemento Literário do Estado,

publicando artigos de sua autoria e encomendando textos de diversos críticos, além de

escolher ilustrações para a capa do caderno3.

       1

As exposições ocorridas no MAM-SP durante o período de direção de Gomes Machado são apenas mencionadas ao longo da tese. Uma vez que o diretor não possuía o status de curador, da maneira como se entende hoje, e o trabalho numa instituição desse tipo também atende a negociações de ordens diversas, é preciso cautela na interpretação das mostras como “marcas” da diretoria de Gomes Machado. É possível, entretanto, afirmar que, durante sua gestão, a partir de 1o de agosto de 1949, ocorrem muitas mostras de artistas e temas que foram tratados pelo crítico ao longo de sua produção textual, como, em 1949: Exposição de trabalhos dos alienados do Centro Psiquiátrico Nacional de Engenho de Dentro (outubro); em 1950: Clóvis Graciano (março), Maria Martins (1950), Bruno Giorgi (setembro), Fayga Ostrower (novembro), Tarsila do Amaral (dezembro); e em 1951, Antonio Bandeira (abril), pinturas dos artistas alienados do Hospital Franco da Rocha (maio). Muitas outras exposições de pintura, fotografia e reproduções apresentam artistas e temas diversos. (Lista de Exposições MAM – I. Documento concedido pela biblioteca do MAM-SP. 2010).

2

Gomes Machado foi presidente do júri de premiação na 1a Bienal, bem como diretor; integrou o júri de seleção da quarta edição do evento, em 1957; além de dirigir a 5a Bienal, foi ainda jurado de premiação; e participou do júri de seleção da 6a Bienal. Nesta tese, não haverá uma análise do trabalho de Gomes Machado como diretor da 1a Bienal, pois a pesquisa se orienta sobretudo aos textos críticos e, em 1951, Gomes Machado escreveu pouco devido à ocupação com o MAM-SP e a Bienal. É possível afirmar, no entanto, que o crítico empenhou-se para que a primeira edição do evento obtivesse sucesso, uma vez que seu objetivo, como ele próprio afirma, era garantir um espaço para a produção brasileira e para São Paulo no meio artístico internacional. Apesar dos inúmeros contratempos e da precariedade das condições do evento, o fato é que Gomes Machado foi bem-sucedido na empreitada: a Bienal trouxe ao Brasil grandes nomes da história da arte e muito do que se produzia contemporaneamente. (1a Bienal de São Paulo. Apresentação Francisco Matarazzo Sobrinho, Lourival Gomes Machado. São Paulo: MAM, 1951). Já a 5a edição, leva-o a escrever diversos artigos, muitos dos quais integram esta pesquisa.

3

(13)

A atuação como professor de História da Arte na Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), entre 1952 e 1954, e diretor da mesma

faculdade, cuja posição assume em 1962, completa seu engajamento no âmbito das artes –

ensinava também na antiga Faculdade de Filosofia (hoje, Faculdade de Filosofia, Letras e

Ciências Humanas da USP – FFLCH), sendo responsável pela cadeira de Política a partir de

19544. Na FAU-USP, ele foi também um dos responsáveis pela reforma curricular em 19625,

      

Brasileira). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo - FFLCH/USP, 2007; acompanha DVD-rom).

4

Nessa área, Gomes Machado teve dois livros publicados: Homem e Sociedade na Teoria Política de Jean Jacques Rousseau (São Paulo: Martins; Editora da Universidade de São Paulo, 1968); e O Tratado de Direito Natural de Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1953), depois renomeado

Tomás Antônio Gonzaga e o Direito Natural (São Paulo: Martins, 1968). As edições seguintes foram publicadas pela Editora da Universidade de São Paulo.

Oliveiros S. Ferreira, ex-aluno de Gomes Machado, frisa a diferença entre ambos trabalhos: “A sistemática da tese sobre Rousseau não pode ser igual à seguida na análise do Tratado de Direito Natural de Gonzaga. Não se trata mais de situar um autor diante de uma problemática sócio-política e verificar até que ponto ele se aproxima ou se afasta das tendências ideológicas dominantes no tempo, ou o quanto refletiu do meio e a função que nele desempenhou. Em primeiro lugar, na História das Idéias, Rousseau não é Gonzaga; em segundo, o problema tal qual exposto acima interessa menos do que apreender em toda a sua profundidade a contribuição nova que Rousseau traz para o conhecimento do nome e da sociedade. (...) [Em Homem e Sociedade na Teoria Política de Jean Jacques Rousseau] O que realmente conta é apreender a essência do pensamento rouseaniano, quer nas suas implicações concretas e diretamente aplicáveis à realidade política – ‘... o sistema de Rousseau dirige-se permanentemente contra a tirania em si mesma’ – quer nas contribuições que deu ao progresso do conhecimento do homem e da sociedade, rompendo com o formalismo e o dogmatismo do Direito Natural”.

Embora esta tese tenha por foco a crítica de Gomes Machado, observando detidamente essa citação de Ferreira, percebe-se como as publicações de política participaram dos interesses por arte de Gomes Machado. O trabalho sobre o tratado de Tomás Antônio Gonzaga é um estudo da mentalidade do século XVIII no Brasil, a partir de um trabalho político do poeta português estabelecido em Minas Gerais. Portanto, a pesquisa realizada para o texto estava em sintonia com os estudos que Gomes Machado desenvolvia sobre o barroco mineiro. Atente-se para o fato de que Teorias do Barroco e Tratado de Direito Natural são ambos publicados no mesmo ano. Talvez de modo não tão evidente, mas também apresentando aproximação de idéias, o estudo sobre Rousseau se sintoniza com as reivindicações de Gomes Machado em relação à normas rígidas impostas à criação, postura que o faz tanto condenar a produção acadêmica como criticar o posicionamento rigoroso do concretismo paulista, como será visto no quinto capítulo. O crítico prioriza a poética artística individual de artistas que buscam desenvolver um vocabulário formal próprio. A abertura de Homem e Sociedade confirmam essa colocação: “Se pudéssemos resumir toda a história do homem moderno em duas palavras simples e precisas, diríamos que sua linha mestra se encontra no conflito entre a liberdade e a autoridade. Todas as façanhas e malogros dos últimos quatro séculos (...) sempre giraram à volta da luta, aparentemente desigual, entre o homem que deseja preservar sua vontade e a força do Estado que não tolera contrastes. Tal, o denominador comum da história das instituições e idéias propriamente políticas, e também da história dos feitos e conceitos que lhe são vizinhos, como os da ética, da educação, do direito, da economia, da própria técnica, mas, ainda, da história de certas realizações humanas que se diriam mais distantes e mais independentes, como a criação artística, para citar um só exemplo”. (MACHADO, Lourival Gomes. Homem e Sociedade na Teoria Política de Jean Jacques Rousseau. São Paulo: Martins; Editora da Universidade de São Paulo, 1968, p.19).

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deixando o país no mesmo ano para tornar-se diretor do Departamento de Assuntos Culturais

da UNESCO até 1966, em Paris, e, logo depois, delegado especial da mesma entidade na

Campanha de Recuperação de Veneza e Florença – cargo que desempenhou até sua morte

precoce em 1967, com 49 anos.

Embora atualmente o crítico seja pouco lembrado, o pensamento sobre arte de Gomes

Machado atingiu públicos diversos nas distintas áreas em que atuou – talvez com esse intuito

ele escolheu desempenhar atividades tão diversificadas. Como sociólogo, Gomes Machado

entendia a obra de arte não como um simples reflexo da sociedade, mas como algo

indissociável desta e da cultura na qual estava inserida; uma formalização simbólica da

mentalidade da época. Atento para as limitações da análise sociológica, como seu professor

na Faculdade de Filosofia, o sociólogo francês Roger Bastide, também havia sido, e

entendendo que a obra de arte possuía um caráter autônomo, Gomes Machado abordaria em

seus textos vários períodos da história da arte, buscando com isso instruir os espectadores e

leitores sobre os temas. A crítica nas páginas dos jornais era complementada pelas exposições

no MAM-SP e pelas aulas – aliás, Gomes Machado não falava de arte apenas nos cursos da

FAU-USP, mas abordava assuntos artísticos também nas aulas de política, segundo comentam

seus ex-alunos6. No decorrer dos anos, a dedicação à arte viria a ocupar-lhe por completo. Tanto na arte como na política opunha-se a qualquer dogmatismo7 e prezava pelo que considerava a liberdade do trabalho artístico – a arte nunca deveria ser submetida a regras

fixadas a priori, entendidas como componentes de uma normativa de origem acadêmica,

nociva para o pleno funcionamento da criação artística8.

Nos anos 1940, apesar de suas preocupações envolverem sobretudo o modernismo

brasileiro e a abstração aparecer apenas timidamente, no período de sua crítica madura, entre

1950 e início de 1960, passa a dedicar mais atenção à arte abstrata chegando, no fim desse

período, a entender a abstração expressiva como vertente mais significativa, tanto da

produção brasileira como internacional9. Para ele, essa tendência representava uma forma de expressão, ao mesmo tempo, individual e universal.

      

diversificada. (“Histórico”. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo. Disponível no site: http://www.usp.br/fau/fau/index.html. Acesso em 16 jul. 2010).

6

Pedro Paulo Poppovic, jornalista, declarou, em entrevista concedida à autora (7 maio 2009), que Gomes Machado discutia aspectos da história da arte durante as aulas de Política.

7

Gomes Machado contrapunha-se, em realidade, ao autoritarismo sob qualquer forma e em qualquer âmbito. Ver nota 4.

8

Consultar “Lourival Gomes Machado e as abstrações”, em capítulo 6: Um “novo expressionismo”: Lourival Gomes Machado e a abstração expressiva.

9

(15)

Mário de Andrade era referência intelectual de destaque para Gomes Machado, que

recebeu suas idéias tanto por meio da convivência entre os membros da revista Clima, como

pelas aulas de sociologia da arte de Bastide, professor da Faculdade de Filosofia que

compartilhava várias das visões artísticas do modernista, como o interesse pelo Aleijadinho e

o barroco. Divergiam no entendimento de que o surrealismo, para Bastide, oferecia-se como

possibilidade de formulação de uma arte brasileira contemporânea sintonizada com o passado

colonial, pois, para ele, surrealismo e barroco se uniam pela estratégia da ilusão10. É ainda significativo que, contrariando a posição de Andrade em relação ao surrealismo, Gomes

Machado escrevesse uma série de artigos sobre o tema, demonstrando conhecimento e grande

interesse sobre o assunto.

Tanto Andrade como Gomes Machado estavam em busca do que entendiam ser a

configuração de uma arte propriamente brasileira. Embora antes deles, desde o século XIX,

essa questão tenha mobilizado vários intelectuais e mesmo artistas no país11. Para Andrade, esta deveria carregar índices do homem brasileiro, mais propriamente, da natureza humana

brasileira12. Na crítica de Gomes Machado essa relação entre forma e lugar torna-se mais complexa, fazendo com que aquilo que antes transparecia na arte figurativa de deformação

expressiva – referência do gosto de Andrade –, passe a habitar a abstração não-geométrica, ou

      

por artistas, críticos e estudiosos preocupados em diferenciar agrupamentos de artistas que integravam mostras específicas, essas categorizações são insuficientes para abranger a variedade de poéticas individuais existentes no período. Por essa razão, “abstração expressiva”, longe de se tratar de um termo neutro, ao menos não se associa diretamente a exposições ou agrupamentos, assim podendo designar de maneira mais genérica a produção abstrata não- geométrica de modo geral. Informalismo e abstração lírica serão usados para referir a arte abstrato-expressiva na Europa, enquanto que expressionismo abstrato irá designar o fenômeno nos EUA. 10

Para Roger Bastide, o barroco podia ser visto como um precursor do surrealismo, operando por expedientes semelhantes. Já Mário de Andrade acreditava que o surrealismo era um fenômeno da “fadiga perfeitamente psicológica” da cultura francesa, inadequado portanto para a arte contemporânea brasileira. Gomes Machado possui uma posição mais cuidadosa, sem indicar exatamente se haveria uma estética apropriada para a arte contemporânea brasileira, ao mesmo tempo que oferecia a seus leitores informações sobre o movimento (ver “Os estudos sistemáticos”, em capítulo 4: Barroco mineiro: “uma criação nitidamente brasileira”, e “Diante do Surrealismo”, em capítulo 1: “Composição de formas” e “expressão do ser”: Lourival Gomes Machado e o realismo expressivo”).

11

É preciso notar que o objetivo em traçar as diretrizes ou características gerais que definiriam uma arte brasileira foi contemplado por muitos intelectuais brasileiros, entre os séculos XIX e XX. O esforço empreendido por esses pensadores indica a necessidade de definição de uma cultura e uma arte nacionais, que possuíssem traços distintivos e cuja necessidade de determinação de uma identidade visava sanar lacunas em nossa história de nação bastante recente. Para saber mais sobre o debate da arte nacional, consultar: CHIARELLI, Tadeu. “Gonzaga Duque: a moldura e o quadro da arte brasileira”, em: GONZAGA-DUQUE. A Arte Brasileira. Introdução e notas Tadeu Chiarelli. Campinas: Mercado das Letras, 1991.

No capítulo 4: Barroco mineiro: “uma criação nitidamente brasileira”, historia-se brevemente o percurso da valorização do barroco dentro desse desejo de constituição de uma “arte brasileira”.

12

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seja, a “arte brasileira” passa a ser caracterizada por formas, e não assuntos, que dizem

respeito à mentalidade brasileira em sintonia com a época – a chamada forma mentis, como a

denomina Gomes Machado. Para ele, a forma abstrata carregava em si elaborações simbólicas

do local e se inseria, por sua natureza de expressão humana, no universal.

Nesse sentido, Gomes Machado discutia o ambiente artístico contemporâneo,

opinando sobre obras e artistas, exposições, autores, livros e catálogos. Em relação à

abstração, é significativo que tenha por alvo teóricos e críticos de arte que se ocupavam desse

tema buscando organizar e avaliar as questões do debate. Ele investe contra algumas das

críticas e teorias sobre arte abstrata daquele momento, pois vê nelas, muitas vezes, uma

redução da complexidade das obras. Nenhuma teoria, para ele, seria capaz de dar conta de

todas as manifestações abstratas, pois cada uma constituía-se individualmente.

***

Apesar de todo seu esforço na esfera artística e acadêmica, o lugar de Lourival Gomes

Machado na história da arte brasileira não parece ter se consolidado, pois em raras ocasiões é

contemplado em textos ou pesquisas acadêmicas ou de teor crítico13. Em particular, sua crítica sobre arte moderna e contemporânea nunca recebeu o devido exame.

Não é possível precisar o motivo desse desinteresse, porém, se, por um lado, é pouco

lembrado em determinadas produções, por outro, está sempre presente em bibliografias de

cursos universitários sobre o barroco no Brasil, espaço conquistado certamente devido à

extensa publicação sobre o tema, entre os anos de 1950 e 1960, e à reunião de parte desses

textos críticos na coletânea póstuma Barroco Mineiro, de 196914.

Diante disso, optou-se por uma interpretação do pensamento crítico de Gomes

Machado a partir de três momentos fundamentais de sua produção, cujos artigos, uma vez

       13

Ver, por exemplo: “Apresentação” e “Introdução” da coletânea Barroco Mineiro, escritas por Rodrigo Mello Franco de Andrade e Francisco Iglésias, respectivamente; o perfil “Lourival Gomes Machado”, da autoria do de Oliveiros S. Ferreira, ex-aluno de Gomes Machado no curso de Ciências Sociais, publicado na Revista de Estudos Avançados da USP e disponível na Internet, além do “Discurso de posse”, da historiadora Anita Novinsky para o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Aracy Amaral menciona Gomes Machado em alguns artigos como “Anos 40: a reflexão critica sobre a pintura”, 1983, e “Situação da crítica no Brasil”, 1987 (AMARAL, Aracy. Textos do Trópico de Capricórnio: artigos e ensaios (1980-2005). Modernismo, arte moderna e o compromisso com o lugar. São Paulo: Editora 34, 2006). Mais recentemente, Rodrigo Naves também cita o crítico no contexto de uma análise sobre Almeida Júnior, de 2003 (NAVES, Rodrigo. O Vento e o Moinho. São Paulo, Companhia das Letras, 2007).

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organizados, revelam os contornos de sua concepção de “arte brasileira”: modernismo,

barroco e abstração expressiva. Por meio da organização e análise da crítica dispersa de

Lourival Gomes Machado, textos em sua maioria pertencentes ao acervo do crítico, hoje sob

responsabilidade da família, e de correspondência e outros documentos inéditos presentes no

acervo, esta tese parte do pressuposto de que, para o crítico, há uma arte brasileira autêntica,

que se forma no século XVIII, sob o signo do barroco, e se estende até início de 1960, com a

abstração expressiva, apresentando apenas o interrompimento devido à implantação da

Academia de Belas Artes, durante o século XIX15.

Assim, os textos centrais para a pesquisa são aqueles que apresentavam um crítico

entusiasmado diante do assunto, uma crítica militante em oposição à crítica de serviço que

também desenvolvia, informando o público sobre os acontecimentos da cena artística paulista

ou discutindo temas relevantes da história da arte16.

Desse modo, a ordem dos capítulos apresentados segue a seqüência dos interesses de

Gomes Machado: a discussão dos artistas contemporâneos do Santa Helena antecipa o ensaio

sobre o modernismo; este, por sua vez, leva aos textos sobre o barroco, quando volta-se então

à abstração expressiva, sendo que há várias interseções temporais em relação aos temas. Esses

momentos da crítica gomesmachadiana manifestam a mesma concepção de arte expressiva,

pois em todos eles é possível notar o gesto do artista agindo sobre o material, seja na pintura

ou na escultura. Lembre-se que, para Gomes Machado, a marca evidente do artista era o

resultado da articulação simbólica com sua cultura, representando assim uma tradução

plástica da mentalidade de uma época e lugar. Essa operação designada por ele como forma

mentis fornece o fio condutor necessário para traçar a continuidade da “arte brasileira”, que

apresenta suas características intrínsecas em obras de períodos distintos.

Levando em conta esses dados, procurou-se compor o que acaba se mostrando como

uma história da arte brasileira expressiva, que tanto apresenta problemas devido à priorização

dessa busca pela constante “brasileira” e “expressiva” em detrimento de uma observação

menos comprometida das obras (embora Gomes Machado desenvolva leituras formais

       15

A data final é dada pela saída de Gomes Machado do Brasil em 1962. Desconhece-se se há uma produção de crítica após transferir-se para Paris, assumindo um cargo na UNESCO. Teria ele avaliado as produções posteriores, como as novas figurações no Brasil? Seria o momento de fim dessa estrutura que ora se propõe? Como o crítico “encaixaria” a produção contemporânea em sua interpretação? Infelizmente, procurou-se contatar a UNESCO em Paris, mas não houve resposta sobre um possível acervo do crítico na instituição.

16

Uma série interessante desses textos “de serviço” discute a fotografia e mereceria um artigo. São eles: “Retratistas e retratados”. São Paulo, Folha da Manhã, 6. fev. 1948; “A vocação da fotografia”. São Paulo,

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interessantes em momentos determinados), como aponta para uma leitura inusitada da história

da arte no Brasil, ancorada no modernismo, ao mesmo tempo que atenta a vários teóricos

contemporâneos.

O conceito de forma mentis17, utilizado recorrentemente por Gomes Machado,

tradução visual de uma mentalidade ou cultura específica em determinado momento da

história, guia sua interpretação, como mencionado. Combinada à forma mentis, aparece o

fator expressionista, como estética ampla, cabível a artistas e produções que mostrassem seu

aspecto subjetivo por meio de uma gestualidade presente, porém contida. O expressionismo,

para o crítico, designava uma categoria atemporal que define uma disposição para o intuitivo,

para uma “raiz emocional da arte”. Esse aspecto subjetivo transmitia o compromisso ético do artista em relação à contemporaneidade.

É possível notar a leitura expressionista do crítico tanto no realismo expressivo dos

anos 1930 e 1940, nas soluções plásticas deformadoras da anatomia nas esculturas do dito

Aleijadinho, como na abstração informalista da virada dos 1950 para 1960, na qual se

conciliam gesto e estrutura.

Diante do caráter “expressionista” dessa história da arte brasileira, optou-se por

contemplar dois interlocutores privilegiados de Gomes Machado: Mário de Andrade e

Wilhelm Worringer. Este último conhecido pela base teórica que oferece ao expressionismo

alemão, no início do século XX, mais do que pelos trabalhos sobre arte gótica, embora muitas

vezes reúna ambos tópicos em textos que investigam uma constante psicológica na arte

nórdica. Os assuntos de Worringer são de grande interesse para Andrade, que conhece a fundo

as idéias do teórico alemão.

Andrade é a figura central do pensamento crítico de Gomes Machado, particularmente

durante os anos 1940. O modernista foi uma referência sem equivalentes para o grupo de

Gomes Machado, Clima, formado nessa época, no âmbito da Faculdade de Filosofia, Ciências

e Letras da Universidade de São Paulo. No curso de Sociologia, Gomes Machado, Décio de

Almeida Prado, Paulo Emílio Salles Gomes, Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza,

adquirem instrumentos científicos para interpretar a cultura brasileira. Entre os professores

mais admirados, estava o francês Roger Bastide, da disciplina de Sociologia da Arte, que

indicava aos alunos a leitura da produção crítica brasileira – em especial a leitura dos textos

de Mário de Andrade. Ademais, o próprio movimento modernista mostrava-se para Clima

       17

(19)

como o ponto de virada da cultura brasileira, o momento de tomada de consciência de sua

própria identidade.

Entretanto, nem Andrade, nem Bastide, elementos de formação do pensamento de

Gomes Machado, oferecem ferramentas para que o crítico discuta o informalismo, que chega

ao país, mais definitivamente, na segunda metade do decênio de 1950, com atraso de quase

uma década em relação às produções européias e norte-americana18. Nesse momento, que o crítico necessita refletir sobre a abstração do segundo pós-guerra, sua voz ganha contornos

específicos, seus interlocutores são críticos internacionais do período e ele acaba por

privilegiar uma arte abstrata de sabor lírico, embora visualmente estruturada.

***

Seguindo a ordem estabelecida pelos interesses do crítico, a tese foi dividida em três

grandes partes – modernismo, barroco e abstração expressiva –, subdivididas em dois

capítulos cada. No capítulo um, ambienta-se o debate expressionista durante a segunda

metade do decênio de 1940, quando Lourival Gomes Machado é um jovem crítico já

estabelecido na imprensa. Nesse período, muitos artistas da cena brasileira se voltam para a

estética expressionista, que informa o olhar do crítico. Ao longo do capítulo, retrocede-se até

a crítica de Gomes Machado do início da década, quando interessa-se pela produção do grupo

Santa Helena, focando principalmente a obra de Clóvis Graciano, este, por sua vez, um artista

reconhecido pela fatura expressiva.

A partir da obra de Graciano, se nota como Gomes Machado prioriza um realismo

expressivo que, embora informado por idéias expressionistas e apresentando certa

gestualidade no tratamento das figuras, caracteriza-se por uma significativa aderência ao real,

compondo assim uma visualidade comprometida com a realidade imediata. Num sentido

aparentemente oposto, mas complementar, analisa-se a posição do crítico diante do

surrealismo na mesma época, movimento valorizado por ele devido à prioridade conferida ao

indivíduo.

No segundo capítulo, observa-se a relação de Gomes Machado com o modernismo,

principalmente sua defesa da Semana de 1922 como marco de ruptura com a tradição

       18

(20)

acadêmica e instauração da arte moderna19. No ensaio Retrato da Arte Moderna do Brasil

(1947), trabalhado nesse capítulo, se nota como o crítico cria uma continuidade entre os

primeiros modernistas, passando pela geração de 1930 de Portinari e Guignard no Rio de

Janeiro, pela escultura de Bruno Giorgi e Ernesto de Fiori, e a arquitetura carioca, esta

entendida a partir do grupo de arquitetos em torno de Lucio Costa, responsáveis pelo projeto

do Ministério da Educação e Saúde do Rio de Janeiro.

Dentro do modernismo, Lasar Segall é o artista mais apreciado, em particular devido

ao apego desse artista a uma arte preocupada com os conflitos da realidade, registrada por

meio de uma gestualidade expressiva, porém contida, ao mesmo tempo que um evidente

compromisso com o desenvolvimento de uma visualidade brasileira.

Segue-se uma explicação das abordagens formalista e “sensualista” – esta da qual

descende a visão de arte expressiva, de viés intuitivo – cujos expoentes são Heinrich Wölfflin

e Wilhelm Worringer. Indica-se como, apesar de parecerem pontos de vista antitéticos, essas

abordagens podem ser complementares na interpretação de Gomes Machado e como, apesar

de Worringer ter sido um teórico chave para o expressionismo alemão porque discutia a

produção contemporânea, a visualidade apreciada por ele associava-se ao retorno à ordem, em

particular à obra de Carlo Carrà. Assim, se nota como expressionismo e apego à tradição

podem se mesclar numa visão de arte realista expressiva, como a de Gomes Machado.

Finaliza-se o capítulo com um breve comentário sobre a associação entre barroco e

arquitetura moderna elaborada por Gomes Machado, mas também reconhecida principalmente

nas idéias do arquiteto Lucio Costa. Verifica-se como esse ideário habita o trabalho

desenvolvido pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, idealizado

por Mário de Andrade e levado a cabo por Rodrigo Mello Franco de Andrade e Costa. O

SPHAN se torna a instituição responsável por consagrar o passado “adequado” dos

modernistas, realizando tombamentos principalmente da arquitetura colonial e moderna.

A segunda parte foca principalmente artigos e ensaios sobre o barroco e o barroco

mineiro, em especial. O terceiro capítulo contempla o desenvolvimento por parte de Gomes

Machado de uma abordagem específica para se tratar do barroco brasileiro, por meio de um

estudo panorâmico de vários teóricos que se debruçaram sobre o barroco de maneira geral.

       19

A ênfase dada no título da tese ao modernismo segue o raciocínio de que Gomes Machado, apesar de fazer uso de idéias que provêm da estética expressionista e estar em contato com uma produção brasileira interessada por essas idéias, absorve muito do pensamento de Mário de Andrade, que, por sua vez, também conhecia significativamente o ideário expressionista alemão. Ademais, o primeiro grande ensaio de Gomes Machado,

(21)

Em seguida, analisa-se a razão dessa profunda dedicação do crítico ao tema, indicando

que o barroco é compreendido, por ele, como momento de formação da arte brasileira. O

método interpretativo de Gomes Machado é então comparado ao de Antonio Candido de

Mello e Souza, amigo e colega de Clima, cujo trabalho Formação da Literatura Brasileira:

momentos decisivos (1959) oferece instrumentos para compreensão do pensamento

gomesmachadiano, uma vez que os autores compartilhavam pontos de vista semelhantes em

suas buscas pelos períodos de gênese da cultura brasileira.

Já no capítulo quatro, elabora-se um resumo dos vários discursos sobre o barroco que

integraram a história da arte no Brasil, entre os séculos XIX e XX, situando assim a visão de

Gomes Machado, tendo em vista sua interlocução com Mário de Andrade e Roger Bastide ao

mesmo tempo que comentando-a em relação aos demais estudiosos. Passando ao tema do

barroco mineiro, mostra-se como Gomes Machado pontua seguidamente a “originalidade”

dessa produção em relação à européia, apontando a equivalência entre a mentalidade de uma

sociedade, sintonizada com a época, e sua produção artística. No que concerne ao dito

Aleijadinho, tema de interesse antes de Mário de Andrade e Bastide, o crítico possui uma

postura ambígua: o vê tanto como autor único de plantas e esculturas compreendendo-o, ao

mesmo tempo, como mestre de um ateliê coletivo. Como o modernista, Gomes Machado

elogia a expressividade do artista e, embora não admita denominá-lo como “gênio”, exalta de

tal maneira suas qualidades artísticas que acaba mostrando sua própria posição contraditória.

Mais uma vez, como aparece também na crítica de Gomes Machado aos artistas do decênio de

1940, há uma evidente procura pela subjetividade do artista registrada em seu gesto sobre o

material, sendo que essa subjetividade traduz os valores culturais da sociedade da qual

participa.

Por fim, desenvolve-se uma reflexão acerca do conceito de forma mentis utilizado

pelo crítico para se referir à mentalidade de uma época que permeia a produção artística,

servindo para que Gomes Machado transite entre vários períodos históricos buscando a

constante da “arte brasileira”. Essa constante não é formal, mas entendida enquanto atitude

diante da realidade e da arte. Pode-se afirmar que, apesar de Gomes Machado não esclarecer

qual seria essa atitude que marcaria a “arte brasileira”, o que se observa em sua crítica é uma

busca persistente por uma fatura que relaciona binômios, como gesto e estrutura,

expressividade e elaboração, subjetividade e objetividade, “estrutura construtiva e

possibilidades expressivas20”.

       20

(22)

Ao longo da terceira parte dedicada à abstração expressiva, propõe-se uma exposição

geral do debate internacional sobre o assunto, nomeando artistas europeus e estadunidenses

que detiveram papéis de primeira ordem nesse debate. Posicionamentos críticos também são

apontados, uma vez que visa-se com isso indicar a participação de Gomes Machado nessa

discussão, no capítulo seguinte. Segue-se uma tentativa de reunir dados e aspectos

importantes da cena abstrato-expressiva no Brasil, dentro das possibilidades oferecidas pelos

poucos estudos desenvolvidos até o presente.

Examina-se a 5a Bienal de São Paulo, no último capítulo, dirigida por Gomes Machado, verificando-se que essa edição priorizou a abstração expressiva. Muitas

representações nacionais trouxeram ainda salas especiais apresentando passados artísticos

legitimadores da produção contemporânea abstrata, ou seja, visando garantir um lastro para os

informalismos que dominavam as cenas nacionais, muitas representações apresentaram

artistas expressivos pretéritos ou artes tradicionais, que demonstrassem a expressividade

gestual dessas culturas. O Brasil, por sua vez, participa desse direcionamento premiando

Manabu Mabe e Arthur Luiz Piza e apresentando uma sala especial de Lasar Segall.

No ano desse evento e durante os seguintes, Gomes Machado escreve diversos artigos

sobre temas ligados à abstração expressiva, sendo que os mais interessantes discutem artistas

que trabalham no limiar entre gesto e estrutura, mais uma vez mostrando como aparentes

pares antitéticos são, para o crítico, um índice de qualidade dos trabalhos21. Pretendendo apresentar mais dados sobre o pensamento gomesmachadiano, discutem-se ainda seus artigos

sobre concretos e neoconcretos. Para o crítico, o concretismo se apoiava numa visão

racionalista da arte, determinada por regras rígidas para a criação, impedindo a expressão do

artista e, desse modo, como se pode deduzir a partir de sua posição, cerceando o

funcionamento da forma mentis. Apesar disso, Gomes Machado admite que a contribuição do

grupo concreto para a cena artística brasileira foi sobretudo importante para a atualização do

meio, ainda, segundo ele, muito apegado a discussões de temática. Os neoconcretos, por sua

vez, são menos discutidos, embora Gomes Machado critique o manifesto pela determinação

de regras para a produção, mas elogie individualmente a obra de alguns de seus membros.

A partir da compreensão da visualidade abstrata preferida pelo crítico, passa-se à

reflexão sobre o componente “nacional” dessa produção, uma vez que Gomes Machado, em

       21

(23)

artigos específicos, associa barroco e abstração expressiva, buscando com isso dar

continuidade à formulação de arte brasileira que já havia desenvolvido na relação

modernismo/barroco. Segundo ele, a arte abstrata expressiva, produzida individualmente e em

sintonia com a mentalidade internacional, possui em sua estrutura, intrinsecamente, valores da

cultura na qual foi concebida.

Há ainda dois anexos – uma seleta de artigos, composta pelos textos mais

representativos de sua crítica22, e uma cronologia das atividades de Gomes e Machado. Resumindo-se essa trajetória pela crítica de Gomes Machado, nota-se que dois

aspectos são centrais em seu pensamento: a expressividade do gesto e a noção de forma

mentis. Ambos são essenciais para sua composição da “arte brasileira”, pois carregam em si

as contradições com as quais trabalha o crítico em sua leitura da produção dos vários

períodos: particular e universal, coletiva e individual.

       22

(24)

Parte I - modernismo

Capítulo 1

“Composição de formas” e “expressão do ser”: Lourival Gomes Machado e o realismo expressivo

Não considerava o homem apenas como composição de formas; também procurava a expressão de seu ser.

MACHADO, Lourival Gomes. Lasar Segall: a feição de verdade. São Paulo: Centro Cultural Brasil-Israel, 1957.

1. 19 Pintores

Fig.1 - Luiz Sacilotto. Figura Sentada, 1947. Coleção desconhecida.

Figura Sentada, 1947, de Luiz Sacilotto (fig. 1), apresenta uma figura feminina, de

contornos negros e rosto próximo à forma sintética de uma máscara africana, pouco descritiva

apesar do nariz mais arredondado, em cores vivas pintadas a óleo. A composição é

planificada, roupa e fundo (este definido por áreas de cor em faixas horizontais e verticais) se

mesclam devido ao tratamento da pincelada e à palheta semelhantes. A linha grossa escura

separa o rosto do fundo e da roupa (com exceção da lapela amarela), repetindo-se na

descrição geometrizada do encosto da cadeira.

A figura dirige o olhar para o chão e, auxiliada pelo casaco de aparência desgastada,

em tons rebaixados, sugere uma postura melancólica, apesar das cores quentes que compõem

o rosto. Sacilotto cria uma tensão entre a palheta atenuada, no casaco e fundo, e as cores vivas

fazem as vezes de luz e sombra, tanto no rosto e pescoço como na camisa e saia, mãos e

braços. Entretanto, sugere o volume do corpo, de formas mais arredondadas particularmente

nos braços e ombros, que contrasta com o fundo planificado, quase que empurrando a figura

(25)

Fig. 2 - Flávio-Shiró. Auto-retrato, 1947. Coleção do artista.

A ênfase na bidimensionalidade também aparece em Auto-retrato, 1947, de

Flávio-Shiró (fig. 2), por meio de pinceladas rápidas e aparentemente espontâneas, particularmente

no tratamento da roupa. A figura masculina mescla uma leve sugestão de volume dada pelo

sombreado do rosto – ovalado e sintético, nada descritivo –, com a planaridade da vestimenta.

Esta é dividida em duas metades: ambas planas, uma coberta de azul, outra elaborada por

sobreposição desse azul a uma cor escura. Camadas de cor viva e aguada se sobrepõem sem

preciosismo técnico, deixando revelar-se o processo, criando um efeito de mal-acabado. As

figuras de animais à esquerda e à direita do personagem central são resolvidas com poucos

traços, quase que apenas esboçadas. Luz e sombra não empregam o preto, apenas utilizado

como contorno na figura do cão, que, plano, parece um prolongamento do ombro da figura. O

gato, por sua vez, apresenta volume, embora resolvido por poucas linhas rápidas e gestuais. A

luminosidade do amarelo compondo o fundo parece emanar do protagonista da cena,

conferindo algum movimento para a composição.

A figura masculina protagoniza ainda vários desenhos de Marcelo Grassmann de

1946. Traços sinuosos, que não se completam, definem personagens solitários envoltos num

sono profundo. Entre eles, Retrato de Menino, 1946, mostra uma figura inserida num espaço

sem informações, desse modo, conferindo-se a ela a completa centralidade como assunto (fig.

3). O tratamento gráfico sugere fragilidade pelas linhas singelas e tortuosas, que criam

contraste entre os braços franzinos e o abdômen dilatado. Apesar da sugestão de placidez

dada pelo retrato de um adormecido, os braços cruzados contrariam o relaxamento do sono,

(26)

Fig. 3 - Marcelo Grassmann. Sem título, 1946. Coleção do artista.

Com as mesmas linhas sinuosas e inconstantes, Grassmann compõe um auto-retrato,

do mesmo ano, aproximando-se desses personagens e integrando o universo deles (fig. 4).

Retrata a si mesmo deixando entrever o corpo esquálido por meio da camisa aberta. O chapéu

desestruturado, os olhos caídos, os lábios voltados para baixo, a proeminência das maçãs do

rosto abatido, conferem dramaticidade à figura melancólica que parece exercer seu ofício.

Fig. 4 - Marcelo Grassmann. Auto-retrato, 1946. Coleção do artista.

Entre os trabalhos de Sacilotto, Shiró e Grassmann reproduzidos, como se nota,

domina a preservação dos gêneros tradicionais, com especial atenção à figura humana, à

figuração de traço ou pincelada expressivos tanto na gestualidade como na cor. São trabalhos

que ecoam a produção expressionista dos primeiros anos do século XX, em especial, os

trabalhos de Ernst Ludwig Kirchner, Oskar Kokoschka, Egon Schiele, mesmo de Lasar

Segall, cujo assunto central é o indivíduo.

Em abril e maio de 1947, esses estreantes, junto de Luiz Andreatini, Aldemir Martins,

Lothar Charoux, Maria Leontina, Mário Gruber, Octávio Araújo e Odetto Guersoni, entre

outros, foram apresentados pelo crítico Geraldo Ferraz no catálogo da mostra “19 pintores”,

que ocorre na galeria Prestes Maia, em São Paulo, com idealização da crítica Maria Eugênia

(27)

O evento também promoveu palestras sobre arte moderna ministradas pelos críticos

Lourival Gomes Machado23 e Sérgio Milliet. Lasar Segall, Anita Malfatti e Di Cavalcanti, representantes já reconhecidos do modernismo, formavam o júri, demonstrando seu apoio.

Premiaram Mário Gruber, Maria Leontina, Aldemir Martins e Flávio-Shiró, em pintura; e

Cláudio Abramo, em desenho.

A crítica da época entende a mostra como marco de surgimento de uma nova geração,

cujo ensaio haviam sido a “4 Novíssimos” e a “Seis Novos de São Paulo”, apresentadas no

ano anterior, no Instituto de Arquitetos do Brasil - IAB/RJ, no Rio de Janeiro24. A primeira dessas exposições contou com trabalhos de Andreatini, Grassmann, Araújo e Sacilotto, que

ficaram conhecidos, a partir de então, como Grupo Expressionista25. Já a segunda mostra teve a participação de Charoux, Leontina, Huguette Israel, Virgínia Artigas, Enrico Carmenini e

Battioni.

Na “19 Pintores” predomina o viés expressionista, principalmente a deformação

expressiva26, que tem raízes tanto na fatura expressionista como na distorção picassiana27. Nesse sentido, Walter Zanini sublinha como esses artistas dão prosseguimento à produção

modernista em curso, sem trazerem, nesse momento, inovações significativas28. Em outras palavras, esses novos expressionistas faziam uso de estilemas expressionistas que a cena

artística já havia utilizado até então, desde o modernismo, com principalmente Anita Malfatti

       23

O conteúdo dessa palestra ministrada por Gomes Machado não foi encontrado. 24

Ocorre uma mostra de artistas expressionistas europeus na galeria Askanasy, no Rio de Janeiro, em 1945, apresentando artistas como Oskar Kokoschka, Käthe Kollwitz, Max Beckmann e Ernst Kirchner, entre outros. A mesma mostra, segundo Amaral, só ocorreria em São Paulo em 1948. (AMARAL, Aracy. Arte Para Quê? A preocupação social na arte brasileira 1930-1970: subsídios para uma historia social da arte no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 2003, p.131-132).

25

FERRAZ apud AMARAL, 2003, p.131. 26

Deve-se fazer uma ressalva em relação ao uso da expressão “deformação expressiva” nesta tese. Entende-se aqui que se trata de um expediente plástico que deriva principalmente da estética expressionista, mas que também pode ser observado em trabalhos figurativos de inúmeros artistas modernos, a partir do século XIX, com a intenção de empregar uma fatura antinaturalista, mas, ao mesmo tempo, mantendo-se o referente. Difere-se, portanto, do Expressionismo alemão do início do século, cuja complexidade estética não se resume à deformação, mas observa ainda um uso antinaturalista de cores, a transgressão da perspectiva renascentista, conferindo prioridade ao sentimento do artista em relação à realidade. Entretanto, os expressionistas ditos históricos detinham também grande interesse pelo primitivismo, buscando nessa fonte externa à tradição artística canônica européia alternativas formais para traduzir sua subjetividade em relação ao real. Para os expressionistas, primitivista era toda arte produzida à parte do estudo formal ou acadêmico, isto é, produções tão distintas como a xilogravura medieval, devido à origem popular, e a escultura africana.

27

Para Aracy Amaral: “O Expressionismo era a tônica da inovação para os moços dessa geração – de Marina Caram a Waldemar Cordeiro, a Sacilotto, a Geraldo de Barros – em contraposição ao ‘popularismo’ adocicado de alguns pintores mais velhos da Família Artística Paulista, de Pennacchi, ou a fase de então de Anita Malfatti, e mesmo certas obras de Tarsila (O Casamento, de 1940). (AMARAL, Aracy. Textos do Trópico de Capricórnio: Bienais e artistas contemporâneos no Brasil. Artigos e ensaios (1980-2005). São Paulo: Editora 34, 2006, p.281).

28

(28)

e Segall29, até nomes como Oswaldo Goeldi, Lívio Abramo e Flávio de Carvalho. O realismo de Cândido Portinari30, sob a forma de deformação expressiva, aponta para a mesma afinidade.

***

O tom da “19 Pintores” era dado pelo grande tema que movia o debate artístico

brasileiro do período: qual é a função social da arte e a função do artista na sociedade? Que

forma deveria possuir uma arte declaradamente engajada em causas sociais? As interpretações

sobre como produzir uma arte atenta ao contexto se ramificavam na produção de diversos

artistas, enquanto críticos debatiam o problema por meio da imprensa31.

       29

Em particular, as áreas definidas de cor para “gradear” o fundo enfatizando a bidimensionalidade da imagem criada por Segall é uma estratégia utilizada por Sacilotto na obra reproduzida, indicando um diálogo entre ambos.

30

O realismo data do século XIX tendo por expoente Gustave Courbet, cujos trabalhos paradigmáticos apontam para uma estética pautada na realidade, substituindo temas históricos, mitológicos e religiosos pelo registro de cenas do cotidiano. Em Enterro em Ornans, 1849-50, e Os Quebradores de Pedras, 1850, Courbet propõe “as coisas como elas são” em oposição à normativa acadêmica que estabelecia os parâmetros de cada um dos gêneros da pintura. O termo “realismo” foi utilizado ao longo do século XX associado a vertentes distintas, que, entretanto, se ocupam da realidade objetiva. No caso do realismo expressivo, o tema realista mantém-se porém associado a uma fatura gestualizada, denotando sua carga emocional (MALPAS, James. Realismo. São Paulo: Cosac & Naify, 2001).

Ao longo do trabalho, trabalhar-se-á com a idéia de “realismo expressivo” ou“realismo expressionista” para denominar uma solução plástica de viés expressionista, contido pelo registro comprometido com o real, que surge com a crise das vanguardas artísticas, no período denominado retorno à ordem, integrando os realismos que compõem o período dos anos 1920 até o decênio de 1940, tanto na Europa como na América. Nesse contexto, entende-se que os artistas se voltam a um registro mais fiel da realidade imediata, deixando em segundo plano a experimentação dos meios e valorizando o ofício. Historicamente, remete-se o realismo expressionista ao conceito de “realismo mágico” idealizado pelo artista e crítico alemão Franz Roh, para quem havia, entre 1920 e 1925, três correntes fundamentais da pintura moderna: impressionista, expressionista (abrangendo ainda o cubismo, o futurismo e o construtivismo) e o pós-expressionismo (ou “realismo mágico”). Afirma Roh: “essas três tendências possuem fundamentos comuns, que, algum dia, quando já estivermos à distância se tornarão visíveis; formam uma frente única contra a reprodução extrínseca do mundo; querem dominar este mundo, a primeira pela perespiritualização [sic] da luz e da arte, a segunda, mercê da esquematização cubista de toda intuição, e a terceira mediante a rigorosa separação e solidificação do que chamamos objeto”. (ROH apud CHIARELLI, 2008, p.16). Na Alemanha, a Nova Objetividade, um desdobramento do Expressionismo, exemplifica esse realismo do entre-guerras, levando adiante a natureza de denúncia social que já caracterizava o Expressionismo. No Brasil, é possível se considerar como “realismo expressionista” obras empenhadas na caracterização do real, geralmente imbuídas de um teor de crítica social, e cuja gestualidade demonstra uma posição antinaturalista.

31

(29)

Como demonstra a exposição, entre os artistas dessa geração predominava um

realismo expressivo, inspirado pela ideologia do expressionismo alemão de crítica à ordem

estabelecida e aos valores da sociedade burguesa, de exaltação do indivíduo e denúncia das

injustiças sociais. Para o expressionismo, as transformações sociais estavam profundamente

relacionadas à renovação da tradição artística, que deveria amparar-se na subjetividade do

artista, cujos sentimentos sobre a realidade passavam a interferir diretamente na produção.

Desse modo, os expressionistas buscavam formas de representação alternativas à tradição

européia, interessando-se pela arte africana, entendida como “primitiva”, e acreditando que

nela se manifestava uma forma mais “autêntica” ou “genuína” de produção artística, sem a

interferência artificializada do sistema artístico tradicional europeu32.

Interessava, sobretudo, a síntese das formas “primitivistas” entendidas como

alternativa ao refinamento artístico característico da tradição. À pintura, meio privilegiado

pelas escolas de arte, os expressionistas propunham cores não-analógicas, planas, rejeitando

quase sempre o claro-escuro e a ilusão tridimensional. Já a xilogravura é bastante explorada

tanto devido à possibilidade de aparência rústica da estampa, como à sua história ligada à

tradição popular, associada ao largo uso na Idade Média como meio de difusão de imagens,

mas também à possibilidade de grandes contrastes e saliência da bidimensionalidade.

Entretanto, apesar da postura revolucionária em termos formais e sociais do

expressionismo, mantinha-se a figuração, garantindo assim um maior alcance da mensagem

desejada33. Como afirma o historiador da arte Giulio Carlo Argan, o expressionismo pode ser considerado o complemento do impressionismo ao mesmo tempo que seu oposto, pois ambos

mantém uma relação intrínseca com a realidade, embora em sentidos contrários. Se o

impressionismo pressupõe uma atitude sensível diante do real, o expressionismo apresenta-se

como vontade de ação sobre o mundo. Em decorrência dessa oposição, cria-se outro par

antitético: a arte engajada, atuante sobre a realidade, versus a arte de evasão, dirigida a outros

propósitos.

Somente a primeira (a tendência expressionista) coloca o problema da relação concreta com a realidade e, portanto, da comunicação; a segunda (a tendência simbolista) o exclui, coloca-se como hermética ou subordina a comunicação ao

      

São Paulo, 13 jan. 1943 (Resenha de Evolução Social da Pintura, de Luis Martins); “Página 10”. Folha da Manhã, São Paulo, 8 nov. 1944 (Resenha de Pintura Quase Sempre, de Sérgio Milliet)).

32

Sobre o assunto, ver: German Expressionism: the graphic impulse. Textos Starr Figura, Peter Jelavich. New York: Museum of Modern Art, 2011.

33

(30)

conhecimento de um código (justamente o símbolo) pertencente a poucos iniciados34.

É justamente o encontro entre uma atitude de contestação da ordem social estabelecida

com a proposta de renovação da linguagem artística – uma postura ética do artista – dentro do

expressionismo dito histórico que leva a geração dos anos 1940 no Brasil a revivê-la como

possibilidade de atuação artística ao mesmo tempo que resposta política ao contexto histórico,

local e internacional. O atraso da referência, entretanto, é notado pela crítica da época: o

próprio Geraldo Ferraz aponta o anacronismo dessa retomada da estética expressionista35. Entretanto, o que se observa nessa produção não é exatamente o expressionismo dos grupos

alemães do início do século XX, mas uma visualidade aderente ao real combinada à

gestualidade expressiva, cuja fatura evidencia o processo aparentando impulsividade e

desprezo pelo excesso de refinamento formal.

Os estreantes da “19 Pintores” se encaminham, em pouco tempo, para domínios da

arte abstrata: a abstração concreta, no caso de Sacilotto e Lothar Charoux, e o informalismo,

no caso de Flávio-Shiró. Porém, alguns deles, como Aldemir e Grassmann, permanecem no

âmbito da figuração expressiva, desenvolvendo poéticas próprias. Outros, como Leontina,

escolhem trabalhar num limite entre figuração e abstração geométrica, no entanto, sem aderir

ao rigor concretista36. Como afirma Annateresa Fabris, o realismo enfrenta uma grave crise nos anos 1950, tanto no Brasil como internacionalmente, pois “a crença na arte social como

instrumento de luta não era mais um tópico fundamental para os artistas daquele momento,

       34

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do Iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.228.

35

“volto a achar neles mal que venham me repetir informações da antologia expressionista (...) hoje os expressionistas pisam terra conquistada, arada, já tendo dado historicamente todos os seus frutos”. (FERRAZ apud AMARAL, 2006, p.281).

Essa retomada dos valores expressionistas porém numa chave realista não é exclusividade da cena brasileira. O trabalho gráfico da artista alemã Käthe Kollwitz, por exemplo, direcionado ao registro das tragédias da guerra, possui um tratamento formal deformador, mas contido, privilegiando a caracterização da melancolia e do sofrimento dos personagens. A deformação expressiva, que confere dramaticidade, aparece sobretudo em mãos e pés e o espaço não é planificado radicalmente, mantendo-se certa ilusão de tridimensionalidade. Por comparação com trabalhos anteriores de Ernst Kirchner, por exemplo, nos quais a perspectiva tradicional é tensionada e as figuras são minimamente descritas, a obra de Kollwitz evidencia seu compromisso com o registro daquela situação social.

36

(31)

confrontados com a derrubada dos mitos que haviam servido de norte a um desejo difuso de

encontrar soluções para os problemas mais prementes da sociedade”37.

O ano de 1948, em particular, é absolutamente significativo do ponto de vista da arte

abstrata no Brasil. Nesse ano, o estabelecimento dos Museus de Arte Moderna de São Paulo –

MAM/SP e Rio de Janeiro – MAM/RJ, e conseqüente aquecimento do debate artístico,

acontecem as palestras do crítico belga Léon Degand sobre figuração e abstração, a pedido de

Francisco Matarazzo Sobrinho, que o havia contratado para a direção do Museu de Arte

Moderna de São Paulo – MAM/SP, inaugurado um ano depois com a exposição “Do

Figurativismo ao Abstracionismo”, idealizada por Degand.

Iniciava-se uma mudança de direção no paradigma do debate artístico: a preocupação

com a função social da arte transforma-se na defesa da autonomia da obra de arte,

particularmente no que concerne uma linguagem artística autoreferencial38. A posição contrária e mais emblemática pela defesa da figuração é a de Di Cavalcanti, um representante

do modernismo brasileiro que se insurgia contra a “especialização estéril” da arte abstrata,

produzida por “cérebros doentios”: “uma arte que, deliberadamente, se afasta da realidade,

que submete a criação e teorias de um subjetivismo cada vez mais hermético que leva o artista

ao desespero de uma solidão irreparável, onde nenhum outro homem pode encontrar a sombra

do semelhante pois é uma arte humanamente inconseqüente”39.

No mesmo ano, Alexander Calder expõe no Rio de Janeiro e em São Paulo e o crítico

argentino Jorge Romero Brest realiza conferências sobre arte abstrata no Museu de Arte de

São Paulo - MASP. Antes de 1948, o interesse pela arte abstrata, havia transparecido em

iniciativas inéditas dos 2o e 3o Salões de Maio, que trouxeram obras de Ben Nicholson, Josef Albers, Alberto Magnelli, Calder e do arquiteto brasileiro Jacob Rutchi.

O que se observa entre os artistas presentes na “19 Pintores” não é uma obra radical se

pensada a partir da estética expressionista do início do século XX. Nos trabalhos de Kirchner,

por exemplo, há uso contundente de cores vibrantes associado à síntese e planificação das

figuras humanas e ao tensionamento da perspectiva tradicional. Apesar disso, percebe-se nos

       37

FABRIS, Annateresa. “Realismo versus formalismo: um debate ideológico”. Baleia na Rede. Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa em Cinema e Literatura. Disponível no site: <www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/baleianarede>. Acesso em 16 jan. 2012.

38

É difícil precisar as causas específicas dessa mudança de paradigmas da cena brasileira. Afirma-se recorrentemente que a 1a Bienal Internacional de São Paulo aliada à exposição de Max Bill em 1950, no MASP, e à mostra Do “Figurativismo ao Abstracionismo”, no MAM–SP, tenham dado o impulso necessário para que os artistas passassem a desenvolver experiências abstratas. (Ver, por exemplo, “Mário Pedrosa”, em COCCHIARALE, Fernando e GEIGER, Anna Bella. Abstracionismo: geométrico e informal. A vanguarda brasileira nos anos cinqüenta. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto de Artes Plásticas, 1987, p.104-112). 39

Imagem

Fig. 2 - Flávio-Shiró. Auto-retrato, 1947. Coleção do artista.
Fig. 3 - Marcelo Grassmann. Sem título, 1946. Coleção do artista.
Fig. 5 – Alfredo Volpi. São Francisco, déc. 1940. MAC-USP.
Fig. 8 – M. Zanini. Retrato de Hilde Weber, 1938. MAC-USP;  Fig. 9 – E. de Fiori. Retrato de uma  senhora,  1943
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Referências

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