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Compreendendo um método: Formação da Literatura Brasileira

Parte II barroco

3. Compreendendo um método: Formação da Literatura Brasileira

Antonio Candido, entre os colegas de Clima, escreveu o trabalho exemplar, no qual se preocupou em explicar conceitos e pontos de vista de maneira objetiva, organizando o que compreende como um encadeamento de autores e obras, que constituem a história da literatura do país.

O trabalho de Candido é dedicado ao estudo do arcadismo e do romantismo, segundo um método de análise ao mesmo tempo histórico e estético que segue o tripé autor-obra-público. Nesse período, entendido como “formação” da literatura brasileira, o autor observa entre essas

      

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Idem, p.270.

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XAVIER, Ismail. “Paulo Emilio e o estudo do cinema”. Perfis de Mestres. Estudos Avançados. (Estudos Avançados, vol. 8, no. 22, São Paulo, Set./Dez. 1994). Disponível no site: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000300038. Acesso em 10 jun. 2010.

duas correntes literárias uma união num momento prévio à configuração do sistema propriamente dito.

O autor defende o arcadismo entendendo que o movimento foi capaz de exprimir a realidade local347, ou seja, o arcadismo, do século XVIII, de fundo neoclássico, possui uma estrutura fixa e um conteúdo variável, escolhido segundo aspectos da cultura local. Para Candido, o arcadismo sedimentou a literatura do Ocidente no Brasil, por conta dos “padrões universais a que se regia, e que permitiram articular a nossa atividade literária com o sistema expressivo da civilização a que pertencemos, e dentro da qual fomos definindo lentamente a nossa originalidade348”. O romantismo, por exemplo, teria difundido a idéia de que os árcades eram “alienadores” devido ao modelo estrangeiro do qual faziam uso.

Candido critica seus antecessores teóricos porque “antepunham a resenhas históricas convencionais introduções metodológicas mirabolantes”. Para ele, a verdadeira questão era como unir visão estética e histórica para tratar da literatura – e da sociedade – brasileira. A resposta de Candido para o problema é, segundo Arantes, “de que um critério interessante seria acompanhar a articulação das obras e dos escritores, um campo histórico de influências artísticas cruzadas, ao longo do qual se poderia discernir a continuidade de uma tradição349”. Para Arantes, Candido havia “armado um quadro interpretativo inédito, cujo entrelaçamento singular de perspectiva histórica e juízo crítico dirigiria os passos de uma geração350”.

O método era, portanto, uma análise da forma e do conteúdo inseridos num contexto histórico, no qual a obra contava com apreciações críticas. Como elemento central da concepção que Candido faz da obra literária está a de que “uma obra é uma realidade autônoma, cujo valor está na fórmula que obteve para plasmar elementos não literários351”. Enquanto que a autonomia da obra literária está “na eloqüência do sentimento, penetração

      

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Em 1989, Haroldo de Campos lança O Seqüestro do Barroco na Formação da Literatura Brasileira: o caso

Gregório de Matos, criticando a datação de Candido no Arcadismo e defende o barroco como movimento

“duradouro”. Grammont nota de maneira perspicaz como Campos heroiciza Matos, demonstrando um “ingrediente nacionalista”. O mesmo pode ser observado, segundo ela, no elogio de Campos a Mário de Andrade como “(talvez involuntariamente) melhor teórico do nacional, quando, no rastreio ontológico do ‘caráter’ do homem brasileiro, chegou não à identidade conclusa plena, mas à diferença: ao ‘descaráter’ irresolvido e questionante de seu anti-herói macunaímico”. (GRAMMONT, 2002, p.61). Como observa a autora a partir de um comentário de Gomes Júnior, Campos não supera o problema da nacionalidade literária, dos românticos e modernistas, apenas estabelecendo uma outra “literatura brasileira”. (Idem, p.63). Sobre o assunto, ver ainda: HANSEN, João Adolfo. A Sátira e o Engenho: Gregório de Matos e a Bahia do Século XVII. São Paulo: Ateliê Editorial; Campinas: Editora da Unicamp, 2004.

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CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2007, p.19. 349 ARANTES, 1997, p.20. 350 Idem, p.19. 351 CANDIDO, 2007, p.35.

analítica, força de observação; disposição das palavras; seleção e invenção das imagens; jogo de elementos expressivos; cuja síntese constitui a sua fisionomia352”.

Se por um lado o autor alerta para os problemas do antigo método histórico que tomava a literatura apenas por documentos da realidade social, por outro, critica duramente o formalismo. Candido pretende “apreender o fenômeno literário da maneira mais significativa e completa possível, não só averiguando o sentido de um contexto cultural, mas procurando estudar cada autor na sua integridade estética353”.

Candido estabelece como literatura:

um sistema de obras ligadas por denominadores comuns, que permitem reconhecer as notas dominantes duma fase. Estes denominadores são, alem das características internas (língua, temas, imagens), certos elementos de natureza social e psíquica, embora literariamente organizados, que se manifestam historicamente e fazem da literatura aspecto orgânico da civilização354.

O objetivo do livro é definir o valor e a função dessas obras de nosso universo literário, atuando o estudioso, portanto, também como um crítico literário, que aufere critérios de qualidade às escolhas que compõem o panorama. Segundo Candido, a natureza da crítica é se esforçar para “compreender, para interpretar e explicar”. “Perceber, compreender, julgar” são as ações da crítica que “parte de uma impressão para chegar a um juízo355”. Essa impressão não existe sozinha, mas, no ofício do crítico, conjuga-se com “o trabalho construtivo de pesquisa, informação, exegese”. Candido observa que a arbitrariedade da crítica é uma inescapável predileção por certas obras em detrimento de outras. Já o juízo é uma forma de avaliação, de reconhecer e determinar o valor do trabalho. No decorrer da elaboração crítica, o arbítrio cede lugar à objetividade. Seguindo esses preceitos, o crítico terminaria por expor uma “verificação objetiva”.

A formação do sistema se dá quando há “continuidade ininterrupta de obras e autores, cientes quase sempre de integrarem um processo de formação literária356”. As obras importantes que não se inserem no sistema literário são consideradas à parte como “manifestações literárias”.

Candido trabalha com pares de conceitos – história e estética; forma e conteúdo; erudição e gosto; objetividade e apreciação – visando apreender a obra total. Como tentativa        352 Idem. 353 Idem, p.31. 354 Idem, p.25. 355 Idem, p.33. 356 Idem, p.26.

de abarcar todas essas questões que concernem à obra, “é necessário um movimento amplo e constante entre o geral e o particular, a síntese e a análise, a erudição e o gosto” – um movimento dialético ou um sentimento da dialética que trabalha com contradições, como coloca Arantes357. Para Candido, há três níveis de compreensão das obras:

1. fatores externos: “vinculam [a obra] ao tempo e se podem resumir na designação de sociais”;

2. fator individual: “o autor, isto é, o homem que a intentou e realizou, e está presente no resultado”;

3. resultado: o texto “contendo elementos anteriores e outros, específicos, que os transcendem e não se deixam reduzir a eles358”.

O crítico deve analisar estes três instantes. A intenção do autor ao utilizar largamente o conceito de “período” é sugerir “a idéia de movimento, passagem, comunicação – entre fases, grupos e obras”. Portanto, existe uma continuidade entre os movimentos. O conceito de “tema” pretende dar conta de uma constante em gerações que se sucedem no tempo. Quanto à questão da “influência”, ele coloca que, apesar de conceito fundamental que liga os escritores entre si, é um possível condutor de erro por ser difícil a distinção entre “coincidência, influência e plágio”, entre outros aspectos359.

A idéia básica do livro é conhecer a “coerência” entre as produções literárias, sejam elas fases, correntes ou grupos. A “coerência” de uma obra é definida como “a integração orgânica dos diferentes fatores (meio, vida, idéias, temas, imagens etc.) formando uma diretriz, um tom, um conjunto, cuja descoberta explica a obra como fórmula, obtida pela elaboração do escritor360”. Já a coerência em relação ao autor está na “personalidade literária”, isto é, “sistema de traços afetivos, intelectuais e morais que decorrem da análise da obra, e correspondem ou não à vida”. Na fase literária, a coerência aparece como afinidade entre as obras, o que origina um “estilo”, como arcadismo, por exemplo – este permitindo as generalizações pelas quais buscamos entender essas fases. Assim, a coerência não deixa de ser, em parte, uma construção do crítico, a partir de análise. A crítica, por sua vez, deve escolher alguns aspectos, em detrimento de outros, deve demonstrar suas escolhas, seu ponto de vista. “A este arbítrio, o crítico junta a sua linguagem própria, as idéias e imagens que

      

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ARANTES, Paulo Eduardo. Sentimento da Dialética na Experiência Intelectual Brasileira: dialética e

dualidade segundo Antonio Candido e Roberto Schwarz. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 358 CANDIDO, 2007, p.35. 359 Idem, p.38. 360 Idem, p.39.

exprimem a sua visão, recobrindo com elas o esqueleto do conhecimento objetivamente estabelecido361”.

De acordo com Antonio Candido, a literatura brasileira é eminentemente interessada, isto é, voltada para a construção de uma cultura válida no país. Para o autor, após a Independência, a literatura será empregada como instrumento de constituição de um país livre, conforme um programa que visava definir quais eram os temas a serem tratados e de que maneira isso deveria ser feito. Devido a esse fato, Candido reforça a idéia de “tomada de consciência” dos autores em relação a seu papel na construção dessa nação e da presença dessa consciência nas obras.

Esse programa, que se pode chamar de nacionalista, é evidente no ideário do modernismo de 1922, como foi visto na primeira parte, principalmente, no pensamento de Mário de Andrade. Porém, o programa ecoa ainda no grupo Clima, em plena década de 1940, embora a idéia de “nacionalismo” seja problematizada por esses intelectuais, conscientes de que o período de guerra, no qual se configura o grupo, está repleto de discursos nacionalistas que fundamentam posturas totalitárias, tanto de direita como de esquerda. Candido, por exemplo, admite que o compromisso com um programa nacional, como o que desenvolveu Andrade, teve também conseqüências negativas pelo seu aspecto cerceador, levando alguns autores, por exemplo, a tornarem-se regionalistas e colocando assim em risco sua universalidade.

Candido argumenta ainda que o nacionalismo é fruto de contextos históricos nos quais se faz necessária a constituição da idéia de nação, da união da população por traços semelhantes e glorificadores. Sendo assim, observa que o nacionalismo teve papel essencial enquanto elemento constitutivo de uma nação ainda em formação.

A questão do nacional é imprescindível para se compreender a própria idéia de “formação” de uma cultura, pois esta pressupõe fronteiras dentro das quais ocorre o fenômeno cultural. Candido, consciente desse fato, discute os vários usos do termo “nacionalismo” ao longo da história brasileira362. Segundo ele, existiram acepções, às vezes simultâneas, ora positivas como quando “exprimia patriotismo e correspondia ao grande esforço de conhecer o país”; ora negativas, como quando representava conservadorismo político e cultural363. O       

361

Idem.

362

CANDIDO, Antonio. “Uma palavra instável”, em: Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades; Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2004.

363

Candido observa ainda como, durante sua infância – e aquela de seus colegas de Clima –, portanto nos anos 1920, nacionalismo “correspondia em primeiro lugar a um orgulho patriótico de fundo militarista, nutrido da expulsão dos franceses, guerra holandesa e sobretudo do Paraguai. Em segundo lugar vinha a extraordinária grandeza do país, com o território imenso, o maior rio do mundo, as paisagens mais belas, a amenidade do clima.

autor trabalha com tais oposições durante todo o texto, atentando para elas na obra de Mário de Andrade, que, aliás, “não trepidou em adotar certo exagero nativista deformador, que comprometeria parte do que escreveu, mas que ele assumiu conscientemente, como arma de choque e ao mesmo tempo rigorosa instauração364”.