• Nenhum resultado encontrado

Arquitetura moderna brasileira e barroco mineiro: Lucio Costa, Rodrigo Mello Franco de

Parte I modernismo

Capítulo 2: Renovação pela tradição: ancoragem para uma história da arte expressiva

4. Arquitetura moderna brasileira e barroco mineiro: Lucio Costa, Rodrigo Mello Franco de

No próximo capítulo, será analisada a produção crítica de Gomes Machado sobre o barroco, discutindo-se inclusive a idéia de formação da arte brasileira ancorada na arte colonial. Entretanto, antes disso, observar-se-á brevemente a postura do crítico diante da arquitetura moderna produzida no país, pois sua visão sobre esse assunto também traz o barroco para o debate.

Ao longo de Retrato, nota-se a prioridade dada à pintura modernista, embora algumas páginas sejam dedicadas à escultura, gênero, para o crítico, de menor êxito entre a produção brasileira. Já a arquitetura compensa a “dispersão dos esforços” observada na escultura do país. A arquitetura brasileira apresenta, ao contrário da escultura, “uma maior subsistência (...)        263 BUSHART, 1995, p.80. 264 Idem, p.81. 265

mesmo na época do declínio acadêmico que não conseguiu causar-lhe o mal feito às outras artes menos utilitárias e, portanto, mais sujeitas às flutuações puramente modais”266.

Para o crítico, havia uma correspondência entre arquitetura brasileira moderna e barroca de tal ordem que somente as separa o tempo em que se dão: “o observador sente revelar-se no risco dos edifícios novos não o cubismo do mestre [Le Corbusier], mas a gratuidade e as ilusões de perspectivas que foram, em seu tempo, o apanágio do barroco, elemento histórico da arte no Brasil267”.

É hoje muito conhecida e divulgada a idéia, nutrida principalmente por arquitetos modernos brasileiros, de que havia uma correspondência identitária entre a arquitetura moderna brasileira e a aquela do século XVIII. O sentido desse voltar-se para o passado colonial, um passado “adequado”, demonstrava a ânsia por determinar um ponto de partida para a arquitetura, um período de formação que desse um sentido nacional à produção. Entre as figuras de maior relevo nessa discussão, certamente Lucio Costa figura em primeiro lugar, principalmente devido às idéias às quais se observa como era possível se pensar em arte e arquitetura barrocas em tempos de Le Corbusier268.

Explica a filósofa Otília Arantes que Costa buscava uma “linha evolutiva geral” que partisse das construções do período colonial – “arquitetura robusta de linhas calmas e tranqüilas” –, olhando para a arquitetura civil e depois para a religiosa269. O problema era o hiato causado pelo “ecletismo histórico de fundo acadêmico”. Como resolver o impasse? Elegendo a arquitetura barroca como tradição brasileira, manifestação “verdadeira” da cultura        266 MACHADO, 1947, p.79. 267 Idem, p.83. 268

Como aponta Otávio Leonídio, para Costa, o princípio da identidade, que caracterizaria a arquitetura colonial, deveria dar as bases para “uma arquitetura brasileira contemporânea monumental”. “O ‘espírito geral de nossa arquitetura’ se identificava com o “espírito de nossa gente”; um e outro se subsumiam na ‘nacionalidade’, numa ‘nacionalidade que é nossa’. Assim como o ‘espírito que formou essa nacionalidade’ era um só, a nossa arquitetura, ‘apesar da extensão [do território brasileiro], diferenças locais e outras complicações’ era, analogamente, ‘uma coisa só’. Identidade e unidade eram, de resto, facilmente reconhecíveis em atributos morfológicos tais como robustez, força, calma, tranqüilidade, estabilidade, severidade, simplicidade – tudo o que conferia à nossa arquitetura ‘esse caráter marcado que é tão nosso’”. (LEONÍDIO, Otávio. Carradas de Razões:

Lucio Costa e a arquitetura moderna brasileira (1924-1951). São Paulo: Loyola, 2007, p.51-52). A visão da

produção colonial brasileira como severa, simples e tranqüila é certamente um ponto de encontro entre Costa e Andrade, indicando como seus olhares estavam informados por noções clássicas, como equilíbrio, proporção e simetria em oposição à deformação desenvolvida pela Aleijadinho. A diferença entre ambos é clara – enquanto a distorção da escultura desagrada Costa, Andrade vê nela uma marca brasileira positiva. Segundo o estudioso Guilherme Wisnik, o ponto de vista de Costa se modifica ao longo do tempo. (WISNIK, Guilherme. “Plástica e anonimato: modernidade e tradição em Lucio Costa e Mário de Andrade”. Novos Estudos CEBRAP, 79, nov.2007. Disponível no site: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101- 33002007000300009&script=sci_arttext>. Acesso em 13 jan. 2012). Gomes Machado seguiria o ponto de vista de Andrade, embora elabore um meio termo em que tenta contemplar aspectos clássicos e barrocos na obra de Aleijadinho. Ver capítulo 4: “Barroco mineiro: “uma criação nitidamente brasileira”.

269

ARANTES, Otília Beatriz Fiori. “Lucio Costa e a ‘boa causa’ da arquitetura moderna”. Em: ARANTES, Otília Beatriz Fiori e ARANTES, Paulo. Sentido da Formação: três estudos sobre Antonio Candido, Gilda de

nacional. Em contrapartida, o ecletismo era considerado artificioso, implantado à força por intermédio do ensino acadêmico.

Olhando mais uma vez para o Retrato, evidencia-se a sintonia entre as interpretações gomesmachadianas e aquelas de Lucio Costa. Ademais, o próprio comprometimento do arquiteto com o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o SPHAN, aponta para a integração de ambos no mesmo projeto de construção de uma história da arte – e arquitetura – autêntica e original.

Para Gomes Machado, a modernização da arquitetura no país chega por duas frentes: 1) imigração de artesãos pouco habilidosos, principalmente italianos, com conhecimento técnico, que implantavam modelos de construção fixos; 2) importação do art-nouveau e de outros estilos franceses por parte da aristocracia brasileira. Entre os primeiros arquitetos modernos, menciona Gregori Warchavchik e Flávio de Carvalho, responsáveis na arquitetura pela “revolução” equivalente à que se deu nos campos da literatura e da pintura com o modernismo decorrente da Semana de 22, dez anos antes.

Após os primeiros trabalhos de ambos, a arquitetura moderna se transfere para o Rio de Janeiro, para ele, onde parte da pintura modernista já estava, durante os anos 1930. Nota que a visita de Le Corbusier, em 1929, deixa discípulos “um grupo de jovens arquitetos”: Affonso Eduardo Reidy, Carlos Leão, Jorge Moreira, Ernani Vasconcelos e Oscar Niemeyer, aliados a Lucio Costa na construção do edifício do Ministério da Educação e Saúde, que produziriam “as melhores amostras contemporâneas do país270”. Rompem com as “aparências formais do enfeite e da silhueta importada”, atentos para os “limites impostos pelas condições ambientes”: “preferiram erguer a nova casa sobre a própria terra e dela ir tirando aos poucos uma fisionomia autêntica, natural”. Para o crítico, estiveram atentos para o clima tropical que leva a soluções inusitadas e alterações estruturais. Tais inovações, nota o autor, surpreendem internacionalmente dando origem à mostra “Brazil Builds”, no Museu de Arte Moderna de Nova York, em 1943. O cimento armado largamente utilizado, observa, submete-se ao arquiteto. Curiosamente, não critica esse largo uso do material, embora, defenda que a brasilidade dessa arquitetura:

a nós nos basta a certeza de que a nova arquitetura brasileira corresponde fielmente às necessidades, às condições e à mentalidade do país e que, entre ela e a autêntica arquitetura dos tempos da colônia, só vai a diferença imposta pela dimensão temporal em cuja função variou a sociedade transformando-se no tocante às condições de vida e ao alcance da técnica. Tão perfeita é a correspondência que, por vezes, o observador sente revelar-se no risco dos edifícios novos, não o cubismo

      

270

europeu do mestre [Le Corbusier], mas a gratuidade e as ilusões de perspectivas que foram, em seu tempo, o apanágio do barroco, elemento histórico da arte no Brasil271.

Por fim, menciona a atualização da arquitetura paulistana por estrangeiros e estudantes que viajaram ao exterior, como Bernardo Rudofsky e Rino Levi, respectivamente.

Os comentários de Gomes Machado sobre arquitetura evidenciam seu alinhamento com a idéia de que a arquitetura moderna brasileira retomava, após a lacuna do academismo, a arquitetura colonial “autenticamente brasileira”, divulgada pelo urbanista Lucio Costa, mas cuja base está em Mário de Andrade272. Porém, como exatamente se unem períodos históricos tão distantes? Elegendo, como havia feito Andrade e faria Gomes Machado, um passado “adequado” para a produção contemporânea, isto é, um passado artístico e arquitetônico que legitimasse a arte “brasileira” produzida no presente.

Costa era diretor, desde 1937, da Divisão de Estudos e Tombamentos – DET do Serviço do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional, o SPHAN, sob direção de Rodrigo Mello Franco de Andrade, de 1937 até 1967. Em 1972, Costa de aposenta do SPHAN, na época já denominado IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

É necessário uma pequena digressão para compreender melhor o que era o SPHAN, uma vez que Gomes Machado tinha proximidade com Mello Franco, que encomendava a ele textos273. A história da gênese do SPHAN, como indica Silvana Rubino, se apóia numa origem mítica, que se funda no modernismo e, em particular, na figura de Mário de Andrade, autor do anteprojeto do SPHAN, na época em que era diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, a pedido do então Ministro da Educação Gustavo Capanema, entre 1935 e 1938274. A autora se refere a essa história como mito porque se trata de um relato       

271

Idem.

272

“a arquitetura moderna que é socialmente falando a mais adiantada das manifestações eruditas de arte, voltou de novo a se confundir com a essência fundamental do folclore: a presença do ser humano com abstenção total da individualidade”. (ANDRADE, Mário. “Arquitetura colonial”. Arte em Revista, n.4, 1980, p.13). Segundo Wisnik, Andrade e Costa aderem ao movimento neocolonial, mas, em 1930, já abandonaram essa posição. (WISNIK, op.cit.).

273

Em carta de 23 de maio de 1951, Gomes Machado pede dados sobre obra de Marc Ferrez e material fotográfico de Almeida Reis para escrever texto, embora não especifique qual. Interessante seu comentário sobre sua própria deficiência de análise “um pouco abstrata demais: “Já tenho esboçado todo o conjunto teórico e de interpretação do meu capítulo. Começo a reajustar os dados precisos e, logo, passarei à redação final. Mas, preciso dos elementos que você, porventura puder adiantar porque a coisa, de modo geral, se vai prefigurando um pouco abstrata demais, antes generalização que matéria histórica propriamente dita. Ajude seu amigo a disfarçar, o mais possível, esse cacoete sociológico e universitário”. (Arquivo Histórico Wanda Svevo. Fundação Bienal).

274

Segundo Silvana Rubino: O projeto de Mário aparece na medida em que está vinculado a um projeto político mais amplo e a longo prazo: o crescente papel de órgãos públicos de cultura, a unificação das classes cultas, e a utilização das classes cultas como elemento transformador. Projeto político que teve seus rumos desviados depois de 1937, quando o apoio com que o grupo do Departamento de Cultura contava, com o prefeito Fábio Prado e Armando de Salles Oliveira, ruiu.” (RUBINO, Silvana. As Fachadas da História: os antecedentes, a

contado por pessoas distintas numa construção heróica dos fatos cujos personagens centrais são Andrade e Mello Franco, além dos arquitetos Luis Saia e Lucio Costa. “O SPHAN (...) busca sua legitimidade em Mário, um líder carismático originário do movimento moderno e através de Rodrigo, um sucessor, se racionaliza, legaliza e tradicionaliza. Sua ação cotidiana se dá por meios técnicos, mas sua legitimidade é buscada no herói carismático”275.

De certa maneira, até o próprio Gomes Machado acabaria integrando o grupo uma vez publicados seus artigos sobre o barroco mineiro. Ademais, a preocupação do crítico com o processo de formação da arte brasileira alinhava-se ao objetivo do SPHAN, como exposto por Mello Franco no primeiro número da Revista do Serviço:

Tendo por objeto questões gerais ou aspectos particulares da formação e do desenvolvimento das artes plásticas no Brasil, assim como estudos sobre matérias da nossa arqueologia, de nossa etnografia, de nossa arte popular, de nossas artes aplicadas e dos monumentos vinculados à nossa história, os trabalhos que serão dados à publicidade (...) visaram a informar e a instruir com seriedade sobre aqueles assuntos276.

Além da identificação do SPHAN com o desejo pessoal de constituir instituições que estudassem e fixassem a produção cultural de Andrade, o Serviço se confunde ainda com a própria pessoa de Mello Franco, nos muitos anos que liderou o SPHAN. Para ele, os bens culturais brasileiros representavam não apenas a cultura local, mas a “civilização” que havia se formado aqui:

O que constitui o Brasil não é apenas seu território, cuja configuração no mapa do hemisfério sul do continente americano se fixou em nossa memória, desde a infância, nem esse território acrescido da população nacional, que o tem ocupado através dos tempos. Para que a nação brasileira seja identificada, há que considerar- se a obra de civilização realizada neste país. Somente a extensão territorial, com seus acidentes e riquezas naturais, somada ao povo que a habita, não configuram de fato o Brasil, nem correspondem à sua realidade. Há que computar também, na imensa área povoada e despovoada, as realizações subsistentes dos que a ocuparam e legaram às gerações atuais: a produção material e espiritual duradoura ocorrida do norte ao sul e de leste a oeste do pais, constituindo as edificações rurais e urbanas, a literatura, a musica, assim como tudo mais que ficou em nossas paragens, com traços de caráter nacional do desenvolvimento histórico do povo brasileiro277.

      

criação e os trabalhos do Serviço Histórico e Artístico Nacional, 1937-1968. Dissertação (mestrado) em

Antropologia. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 1992, p.77). Guiomar de Grammont também nota que há um desacordo entre o ideal nacionalista do Estado Novo e aquele de Andrade, pois o modernista entendida as etnias raciais como dado importante da “identidade cultural” brasileira, incentivando inclusive o registro da cultura imaterial produzida, enquanto que o governo getulista as via como entrave ao projeto nacionalista de fortalecimento do Estado. (GRAMMONT, 2002, p.207).

275

Idem, p.58.

276

MELLO FRANCO de ANDRADE apud RUBINO, 1992, p.161.

277

O patrimônio era, enfim, o “documento de identidade da nação brasileira”.

A ligação entre arte colonial, particularmente a mineira, e o modernismo é criada pelos próprios modernistas que, numa busca do que seria o período de formação da cultura brasileira, buscando legitimar sua própria produção como algo “autenticamente” nacional, empreendendo viagem pelas cidades históricas de Minas Gerais em 1924278. Ouro Preto, com grande concentração de arte sacra barroca e palco da Inconfidência Mineira e portanto de formação do que viria a ser uma identidade propriamente brasileira, isto é, um sintoma da tomada de consciência dessa identidade em oposição à portuguesa, torna-se local privilegiado de interesse279. Evidentemente, a primeira cidade tombada pelo Serviço é Ouro Preto e o primeiro museu criado o Museu da Inconfidência, na mesma cidade, em 1944.

Da mesma maneira que os modernistas, o grupo de intelectuais e artistas ligados ao SPHAN objetiva à criação de um passado ideal a partir de suas balizas contemporâneas – um passado colonial, anterior à instauração da Academia e, portanto, quando, acreditavam, se processava na cultura local uma síntese orgânica das várias culturas que compõem a brasileira.

Nos primeiros anos, o SPHAN promoveu tombamentos em particular no Rio de Janeiro e em Minas, ocupado em resguardar primeiramente tanto os aspectos do Império como do século XVIII mineiro, século aliás privilegiado nesse período do Serviço. A política de tombamento do SPHAN era, portanto, vazada por uma ideologia que seguia as posições de Andrade e Mello Franco em relação ao que entediam por “cultura brasileira”.

O patrimônio mineiro, segundo Silvana Rubino, era cuidado diretamente por Mello Franco, para quem havia existido uma “escola mineira” da qual eram fruto as igrejas barrocas – “a melhor contribuição brasileira para o patrimônio universal280”. Se, para Mello Franco, a arte colonial mineira era de tão alta qualidade, para Mário de Andrade, aquela paulista deixava a desejar: tratava-se de uma “pobreza artística tradicional” decorrente da imigração de paulistas “empreendedores” nos séculos XVII e XVIII e o progresso devido ao café281. De acordo com a autora,

      

278

Sobre o assunto, consultar: AMARAL, Aracy. Artes Plásticas na Semana de 22. São Paulo: 34, p.19.

279

Segundo Dalton Sala, há uma correspondência entre a imagem da Inconfidência Mineira e aquela de Aleijadinho como gênio nacional: “Enquanto os Inconfidentes tramavam a liberdade política, o genial mestiço esculpia e desenhava a liberdade cultural”. (SALA, Dalton. Artes Plásticas no Brasil Colonial. Tese (Doutorado em Ciências da Comunicação). Escola de Comunicações e Artes. Universidade de São Paulo. 1996, p.53).

280

FRANCO DE ANDRADE apud RUBINO, 1992, p.126.

281

ANDRADE, Mário de. Cartas de Trabalho: correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade (1936-

1946). Brasília: Ministério da Cultura/Secretaria da património Histórico e Artístico Nacional/Fundação

Contra o passado recente, um salto para trás, para o passado legitimo, onde se pode descobrir e inventar inclusive uma modernidade avant la lettre. Pares como Pampulha/Igreja de Aleijadinho, ou Portinari/Mestre Valentim não formam uma excrescência, ao contrario: mais do que uma oposição, eles indicam uma complementaridade e explicam por que no interior do SPHAN havia espaço para a parte cabível desse conflito geracional282.

Esses “pares” dizem respeito inclusive aos tombamentos – note-se que a Igreja da Pampulha, de 1943, decorada com azulejos de Portinari, é tomada em 1947; o Edifício do Ministério da Educação e Saúde, terminado em 1944, também com trabalhos do pintor, é tomado em 1948. Como mencionado, o edifício do Ministério foi projeto de um grupo de arquitetos em torno de Lucio Costa283, uma figura-chave para o SPHAN e, no entender de Silvana, que se apoiava em idéias do sociólogo Gilberto Freyre para fazer uma leitura “sociológica” da arquitetura colonial. Freyre havia escrito sobre a arquitetura moderna carioca vendo nela algo de tipicamente brasileiro. Costa, interessado na casa brasileira, da mesma maneira une modernidade e tradição: a casa brasileira tradicional apresenta a “pureza de formas” que norteia a arquitetura moderna284.

Gilberto Freyre

afirma a unidade cultural luso-brasileira ou luso-afro-brasileira. O português aparece como tendo capacidade de dissolver e perpetuar-se em outros povos, e a arquitetura – religiosa, militar e das casas-grandes – conservaram-se portuguesas, apesar da influencia do que Freyre denomina um meio social colorido pela escravidão e miscigenação. Assim, Lucio Costa explica a casa sociologicamente enquanto Gilberto Freyre localiza sua sociologia na vida da casa.285

Ainda buscando explicar um pouco a aproximação que Lucio Costa constrói entre o barroco e a arquitetura moderna, vale uma citação do arquiteto:

Ambos encontram o novo vocabulário plástico fundamental já pronto, mas de tal maneira se houveram casando, de modo tão desenvolto e com tamanho engenho, graça e força, o refinamento e a rudeza, a medida e a paixão que, na sua respectiva obra, os conhecidos elementos e as formas consagradas se transfiguram, a ponto de

      

282

RUBINO, 1992, p.115.

283

Gomes Machado, em 1945, responde ao livro À margem do Problema Arquitetônico Nacional, 1943, de José Mariano Filho, ex-diretor da Escola Nacional de Belas Artes. Segundo o crítico, Mariano, no livro, persegue Anísio Teixeira, além de tecer comentários preconceituosos em relação aos judeus e comunistas: “Pois bem, nesse tempo o senhor José Mariano Filho, usando o binômio judeu-bolchevista que fez época, dizia que os discípulos de Le Corbusier, “que é derrotista universal, por conseguinte comunista do melhor estofo” (para 54) tudo faziam “para ser agradável a Moscou”, mas que a isso se opunha o brasileiro cujo ideal é “a sua casinha com a latada de chuchu, o galo de briga e a viola”. A resposta de Gomes Machado é clara: os arquitetos “comunistas” são responsáveis pela renovação da arquitetura brasileira e foram escolhidos como colaboradores do SPHAN porque apresentaram “o máximo de capacidade para preservar e assimilar os despojos do nosso passado artístico”. (MACHADO, Lourival Gomes. “Pelo não...”. São Paulo, Folha da Manhã, 28 fev. 1945).

284

RUBINO, 1992, p.164.

285

poder afirmar que, neste sentido, há muito mais afinidades entre a obra de Oscar, tal como se apresenta no admirável conjunto da Pampulha e a obra do Aleijadinho, tal como se manifesta na sua obra-prima que é a igreja de São Francisco de Assis, em Ouro Preto, do que entre a obra do primeiro e Warchavchik – o que, a meu ver, é significativo”286.

A citação de Costa é de 1948, aliás bastante próxima temporalmente do ensaio de Gomes Machado discutido antes. Absolutamente imprescindível é notar a maneira como o arquiteto reúne Niemeyer e Aleijadinho: há uma coincidência entre eles em termos de atitude. A operação de ambos, segundo Costa é semelhante: a partir de um léxico formal dado, articulam relações formais novas287. Não há ruptura moderna, mas continuidade entre passado e presente por meio da manutenção do vocabulário plástico que é reorganizado.

Como visto, a visão de arte de Mário de Andrade tendia também para uma modernidade calcada na tradição, nas manifestações relacionadas ao retorno à ordem, às tendências realistas e conservadoras do entre-guerras. Assim, como afirma Guilherme Wisnik, um paralelo entre as idéias de Costa e Mário de Andrade é possível, pois ambos se pautam em