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O comércio internacional de organismos geneticamente modificados (OGMs) e o risco à biodiversidade e ao consumidor

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Stricto Sensu em Direito

O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE ORGANISMOS

GENETICAMENTE MODIFICADOS (OGMs) E O RISCO À

BIODIVERSIDADE E AO CONSUMIDOR

Brasília - DF

2011

(2)

LEANDRO CARDOSO LAGES

O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS (OGMs) E O RISCO À BIODIVERSIDADE E AO CONSUMIDOR

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Direito Internacional Econômico e Tributário.

Orientador: Prof. Dr. Manoel Moacir Costa Macedo

(3)

7,5cm

L174c Lages, Leandro Cardoso.

O comércio internacional de organismos geneticamente modificados (OGMs) e o risco à biodiversidade e ao consumidor. / Leandro Cardoso Lages – 2011.

192f.; il.:30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2011. Orientação: Manoel Moacir Costa Macedo

1. Comércio internacional. 2. Biodiversidade. 3. Organismos

transgênicos. 4. Direito ambiental internacional. I. Macedo, Manoel Moacir Costa, orient. II. Título.

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A meus pais, Antônio e Teresinha, pelos constantes estímulos à leitura, estudo e retidão de caráter.

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AGRADECIMENTOS

Participar deste mestrado renderam-me alguns credores, abaixo enumerados não em ordem de importância, mas em ordem cronológica de contribuição para a conclusão do curso.

Primeiramente, ao amigo Alexandre Veloso que, em um encontro casual na véspera de sua viagem para a aula inaugural na UCB, convidou-me para acompanhá-lo informando que ainda havia vagas na instituição e que seria possível a matrícula. Difícil decidir de última hora. O estímulo do amigo representou o primeiro e decisivo passo.

Aos amigos, Luís Carlos Martins Alves Júnior e Mayra Cavalcante, pelas referências positivas junto à UCB.

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A dose faz o veneno. Todas as substâncias são venenosas e é a sua

quantidade que determina se o

medicamento terá ou não efeito positivo à saúde do paciente ou causará dano.

Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (Paracelsus) (1493 - 1541)

And when at last the work is end, don’t sit down it’s time to dig another one.

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RESUMO

Referência: LAGES, Leandro Cardoso. O comércio internacional de organismos

geneticamente modificados (OGM) e o risco à biodiversidade e ao consumidor.

192 páginas. Mestrado em Direito Internacional Econômico e Tributário - Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2011.

Os organismos geneticamente modificados (OGM), também conhecidos como transgênicos, resultam dos avanços da biotecnologia com o propósito de maximizar a produção e diminuir o tempo de colheita, além de tornar os alimentos resistentes a pragas e desenvolver novas características. Por meio de técnicas de engenharia genética, os organismos transgênicos são criados mediante inserção de materiais genéticos de outros organismos. As restrições a essa tecnologia decorrem do fato de não se saber quais as consequências que podem advir de sua inserção no meio-ambiente além dos riscos aos seres humanos. Em virtude dessas incertezas, alguns países da União Europeia criaram restrições à comercialização de produtos transgênicos, além de realizarem demoradas análises de risco, o que levou a Organização Mundial do Comércio (OMC) a pronunciar-se a respeito do caso, reconhecendo a ilegalidade das medidas europeias. O presente trabalho aborda esses aspectos referentes aos transgênicos, que envolve direito internacional econômico, direito ambiental e direito do consumidor. Na elaboração do trabalho utilizou-se a pesquisa bibliográfica em livros, artigos, leis e decisões judiciais com a finalidade de demonstrar o método de obtenção de OGM, suas aplicações práticas, argumentos desfavoráveis à sua utilização, a legislação de alguns países, tratados internacionais e a aplicação do princípio da precaução ao comércio internacional. Além disso, analisou-se o painel estabelecido na OMC a respeito do comércio de OGM, ocasião em que foi reconhecida a ilegalidade das medidas restritivas europeias aos produtos transgênicos. Por ser uma tecnologia que desperta receios em virtude das inovações trazidas, somente novas pesquisas poderão afastar esses receios ou atestar definitivamente a periculosidade dos OGM.

(9)

ABSTRACT

Genetically modified organisms (GMOs), also known as transgenic, resulting from advances in biotechnology in order to maximize production and reduce the time of harvest, and make foods resistant to pests and develop new features. Through genetic engineering transgenic organisms are created by inserting genetic material from other organisms. Restrictions to this technology due to the fact of not knowing what consequences may result from its insertion on the environment and risks to humans. Given these uncertainties some EU countries have established restrictions on the marketing of GM products, and perform time-consuming risk analysis, which led to the World Trade Organization (WTO) to rule on the case acknowledging the illegality of European measures. This paper discusses these aspects relating to genetic engineering, which involves international economic law, environmental law and consumer rights. In preparing the work we have used the literature in books, articles, laws and judicial decisions in order to demonstrate the method of obtaining GMOs, their practical applications, their use bad arguments, the laws of some countries, international treaties and application of the precautionary principle in international trade. In addition, we analyzed the panel established in the WTO regarding the trade in GMOs, when he was recognized the legality of restrictive measures to the European GM products. Being a technology that arouses fear because of the innovations brought, only further research can dispel such fears or definitely attest to the danger of GMOs.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

PROBLEMA DA PESQUISA ... 11

OBJETIVOS ... 12

METODOLOGIA ... 12

1. A BIOTECNOLOGIA E O COMÉRCIO DE OGM ... 14

1.1. INTRODUÇÃO ... 14

1.2. A BIOTECNOLOGIA ... 15

1.2.1. Noção de biotecnologia ... 15

1.2.2. Argumentos favoráveis à biotecnologia e aos OGMs ... 18

1.2.3. Argumentos desfavoráveis à biotecnologia e aos OGMs ... 25

1.3. O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE OGM E AS BARREIRAS COMERCIAIS DE NATUREZA SANITÁRIA E FITOSSANITÁRIA ... 31

1.3.1. O comércio internacional: o livre comércio e as barreiras comerciais . 31 1.3.2. As barreiras comerciais sanitárias e fitossanitárias ... 35

2. OS OGM E A APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO ... 42

2.1. O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E DA PREVENÇÃO ... 47

2.2. A ABORDAGEM PRECAUTÓRIA E OS OGM ... 49

2.3. A APARENTE INCOMPATIBILIDADE ENTRE O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E OS ACORDOS SOBRE MEDIDAS SANITÁRIAS E FITOSSANITÁRIAS ... 52

2.3.1. A certeza científica absoluta no princípio da precaução ... 53

2.3.2. A convergência entre o princípio da precaução e o acordo sobre medidas sanitárias e fitossanitárias ... 56

2.3.3. A OMC, o princípio da precaução e o acordo sobre medidas sanitárias e fitossanitárias ... 61

2.3.4. A avaliação de risco e prova científica: requisitos comuns ao princípio da precaução e ao acordo sobre medidas sanitárias e fitossanitárias ... 65

3. A REGULAÇÃO INTERNACIONAL DE OGM ... 68

3.1. O PROTOCOLO DE CARTAGENA ... 69

3.1.1. Objetivos, movimentos transfronteiriços de OGM e rotulagem ... 71

3.1.2. O Protocolo de Cartagena e a análise de risco ... 74

3.2. REGULAÇÃO DE OGM NA UNIÃO EUROPEIA ... 76

3.3. REGULAÇÃO DE OGM NOS ESTADOS UNIDOS ... 82

(11)

3.4.1. Normas nacionais ... 87

3.4.2. Normas estaduais ... 91

3.4.3. Normas municipais ... 93

3.4.4. Fomento, pesquisa, comercialização e rotulagem de OGM ... 93

3.5. OUTROS PAÍSES DO MERCOSUL: ARGENTINA, PARAGUAI E URUGUAI 97 4. O CASO DO PAINEL INSTAURADO NA OMC E OS OGMS ... 100

4.1. A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC ... 100

4.1.1. Noção e evolução da solução de controvérsias na OMC ... 100

4.1.2. O processo do mecanismo de solução de controvérsias na OMC ... 106

4.2. A DINÂMICA DO CASO ENVOLVENDO OGM NA OMC ... 110

4.2.1. Apresentação do caso envolvendo OGM na OMC ... 110

4.2.2. Argumentos sustentados pelos reclamantes: Estados Unidos, Canadá e Argentina ... 113

4.2.3. Argumentos sustentados pela reclamada: Comunidade Europeia ... 116

4.2.4. Relatório final do Painel envolvendo os OGMs na OMC ... 122

CONCLUSÕES ... 128

REFERÊNCIAS ... 131

ANEXO 1 PROTOCOLO DE CARTAGENA ... 140

ANEXO 2 LEI DE BIOSSEGURANÇA ... 163

(12)

INTRODUÇÃO

O dinamismo das relações internacionais encontra-se em estágio avançado. Nunca os países se relacionaram tão intensamente nos dias atuais, como demonstra o grande número de tratados firmados.

Reflexo das relações internacionais, o comércio entre os países promove a integração econômica e política. O fluxo de produtos preocupa se houver riscos à saúde ou ao meio ambiente, havendo necessidade de barreiras comerciais (BARRAL, 2007).

Exemplo desses produtos são os organismos geneticamente modificados (OGM). Conhecidos como transgênicos, resultam dos avanços da biotecnologia na agricultura com o propósito de maximizar a produção e diminuir o tempo de colheita, além de tornar os alimentos resistentes a pragas e doenças.

Por meio de técnicas de engenharia genética, os organismos transgênicos são criados mediante a inserção de materiais genéticos de outros organismos. O objetivo é criar organismos com características melhoradas em comparação com o organismo original.

Existe o receio de que essas técnicas da biotecnologia alterem o equilíbrio ambiental em virtude do risco da extinção de integrantes da cadeia alimentar, impactando o desenvolvimento sustentável. Predominam dúvidas quanto aos reflexos na saúde dos consumidores destinatários de alimentos transgênicos, que não recebem a devida informação a respeito da natureza e composição desses produtos (VARELLA, 2005).

As restrições a essa tecnologia decorrem do fato de não se saber quais as consequências que podem advir de sua inserção no meio ambiente e se é um potencial causador de riscos aos seres humanos.

Embates doutrinários e jurisprudenciais são travados a respeito do desenvolvimento da biotecnologia, pois acredita-se que os organismos geneticamente modificados desrespeitam os princípios da informação e do meio-ambiente equilibrado (MAE-WAN HO, 2004).

(13)

uso de determinados produtos transgênicos utilizados em ração animal. No Brasil, uma decisão judicial também de 2000 proibiu o plantio de produtos transgênicos enquanto não houvesse o estudo de impacto ambiental (MACHADO, 2009)

Discorrendo sobre o risco na sociedade contemporânea, Raffaele Di Giorgi (2008, p. 39) demonstra “o risco como um paradoxo constitutivo da modernidade da sociedade moderna, como um vínculo com o futuro que possibilita o agir em condições de desconhecimento em que são feitas escolhas no presente”. E conclui informando que, sempre que uma nova tecnologia for desenvolvida, o seu risco deve ser controlado.

A aplicação de produtos transgênicos ainda deve passar por várias formas de testes e evoluções em suas próprias técnicas, mas seus defensores afirmam que tais organismos, além de oferecer uma margem de segurança satisfatória seriam, também, uma saída alternativa aos problemas da fome e combate aos males que afetam as grandes plantações.

Ainda predominam dúvidas e incertezas quanto à inserção no meio ambiente desses organismos geneticamente modificados, pois apesar de haver algumas experiências em andamento, ainda não existem estudos científicos atestando que problemas podem advir dessas práticas (VARELLA, 2005).

Por outro lado, Capalbo, Villas-Bôas e Arantes (2008, p. 356) demonstram que “a agricultura sustentável do século XXI exige, cada vez mais, intervenções alternativas para controle e manejo de insetos que sejam ambientalmente seguras e que reduzam o contato humano com os pesticidas químicos sintéticos”. Segundo esses autores, qualquer sistema de produção agrícola termina por causar, de alguma forma, impacto ambiental, e os transgênicos constituem mais um desses fatores.

Em virtude dessas incertezas, alguns países da União Europeia criaram restrições ao comércio de transgênicos, o que levou a Organização Mundial do Comércio (OMC) a pronunciar-se a respeito do caso em 2006, reconhecendo a ilegalidade dessas medidas restritivas enquanto não estivesse demonstrado o malefício causado por OGMs.

(14)

mecanismos de segurança. Há necessidade de mais estudos a respeito do tema, que envolva o direito internacional, o direito ambiental e o direito do consumidor.

Para tanto, o presente trabalho divide-se em quatro capítulos. Inicialmente, o capítulo 1 aborda sobre o método de obtenção de OGM e os argumentos favoráveis e desfavoráveis à técnica. O capítulo 2 trata do comércio internacional, das barreiras comerciais não tarifárias de natureza sanitária e fitossanitária e do princípio da precaução. Em seguida, o capítulo 3 demonstra o marco regulatório do assunto no contexto de um tratado internacional e da legislação dos principais atores internacionais no comércio internacional de OGM. Por fim, no capítulo 4, é analisado o painel que tramitou na OMC envolvendo a disputa entre países exportadores e importadores de OGM.

PROBLEMA DA PESQUISA

O avanço da biotecnologia na área de OGM contribuiu para o surgimento de debates no campo do direito ambiental e do direito do consumidor, externando uma preocupação com os riscos destes novos produtos à sociedade. O assunto afetou o comércio internacional desses produtos comprometendo a relação entre países exportadores e importadores em virtude da possibilidade de imposição de barreiras comerciais no âmbito da OMC (VARELLA, 2005).

A análise do direito internacional econômico, do direito ambiental e do direito do consumidor consistem a base jurídica para a explicação dos problemas propostos:

A ausência de estudos conclusivos comprovadores de que os OGMs não causam riscos ao meio ambiente e aos consumidores é fato impeditivo à sua comercialização com base no direito ambiental, no direito do consumidor e no princípio da precaução?

Os avanços da biotecnologia na liberação de OGM representam um risco à sociedade contemporânea?

(15)

OBJETIVOS

a) Analisar se os avanços da biotecnologia com relação aos organismos geneticamente modificados (OGM) representam um risco à sociedade que possa ser controlado por meio de técnicas de segurança sem confrontar as normas de direito ambiental e direito do consumidor.

b) Verificar a aplicação do princípio da precaução em relação aos OGMs e às regras de comércio internacional da Organização Mundial do Comercial (OMC).

METODOLOGIA

Para o desenvolvimento do trabalho foram utilizados recursos metodológicos qualitativos como a pesquisa doutrinária, legislação, jurisprudência e análise do painel estabelecido na Organização Mundial do Comércio (OMC), envolvendo o comércio de produtos transgênicos com a União Europeia.

A interdisciplinariedade desta pesquisa está relacionada à sua natureza e seus propósitos, envolvendo não só o direito internacional, o direito ambiental e o direito do consumidor, como também a engenharia genética e a biotecnologia e suas aplicações na agronomia e na medicina.

Utilizou-se a pesquisa bibliográfica em livros, artigos científicos, leis e decisões judiciais, objetivando demonstrar o método de obtenção de OGM, as suas aplicações práticas, os argumentos desfavoráveis a sua utilização, o marco regulatório com a legislação de alguns países, a aplicação do princípio da precaução e o comércio internacional.

Além disso, analisou-se o caso de um painel estabelecido na Organização Mundial do Comércio (OMC) mediante pesquisa do relatório da decisão na página oficial do órgão1. No referido painel, os Estados Unidos, o Canadá e a Argentina formularam uma reclamação junto à OMC, questionando as restrições impostas por alguns países da União Europeia à comercialização de produtos transgênicos.

(16)

Inicialmente abordou-se o método de obtenção de OGM e os argumentos favoráveis e desfavoráveis à técnica. No mesmo capítulo tratou-se do comércio internacional, das barreiras comerciais não tarifárias de natureza sanitária e fitossanitária e do princípio da precaução.

Em seguida demonstrou-se o marco regulatório, a análise de um tratado internacional e a legislação dos principais atores internacionais no comércio internacional de OGM.

(17)

1. A BIOTECNOLOGIA E O COMÉRCIO DE OGM

1.1. INTRODUÇÃO

Uma das questões intrigantes no mundo atual diz respeito à criação de organismos geneticamente modificados (OGMs), mais conhecidos como transgênicos, fruto dos avanços da biotecnologia.

As maiores inovações transgênicas são plantas resistentes a herbicidas e pragas, amadurecimento mais rápido de frutos, alteração nutricional e do sabor original, criação de plantas exóticas e com potencial inseticida, além da possibilidade do desenvolvimento de técnicas que eliminem a necessidade de adubação.

Não se sabe com precisão quais as consequências que podem advir de sua inserção no meio-ambiente, ou ainda se representam um potencial causador de danos aos seres humanos (MAGALHÃES, 2005).

Esse conflito entre as vantagens e as restrições aos transgênicos extrapolou a órbita científica e alcançou os planos políticos, sociais e econômicos, estremecendo as relações entre países produtores e consumidores, bem como entre consumidores e produtores de transgênicos por meio de seus órgãos de representação e defesa.

Exemplo disso são as tentativas de regulamentação de OGM com a criação de regras diferentes em vários países bem como decisões judiciais contraditórias e contribuições científicas recentes, conforme restará evidenciado no capítulo 3 deste trabalho, que tratará da regulamentação internacional de OGM.

(18)

1.2. A BIOTECNOLOGIA

1.2.1. Noção de biotecnologia

A biotecnologia surgiu a partir do desenvolvimento da engenharia genética. De acordo com o art. 3º, IV da Lei n. 11.105/2005, que trata da Biotecnologia e da Biossegurança, considera-se engenharia genética a “atividade de produção e manipulação de moléculas de ADN/ARN recombinante”.2 Representa uma nova tecnologia para os padrões científicos, cujas possibilidades, apesar dos avanços, ainda estão apenas iniciando. Essa nova tecnologia tem a sua justificativa nos problemas e dificuldades enfrentados pelo homem na área de meio ambiente, agricultura, pecuária, medicina e alimentação.

Também chamada de tecnologia de modificação genética, a biotecnologia pode ser definida como sendo a utilização de organismos vivos ou de seus produtos para modificar a saúde humana ou o ambiente de maneira benéfica ao homem, possibilitando a criação de novos organismos geneticamente modificados (QUIRINO, 2008).

A criação desses novos organismos envolve a transferência do material genético de um organismo para a criação ou modificação de outro a fim de que contenha uma determinada característica ausente no organismo original. Dessa forma, os organismos geneticamente modificados (OGMs) são produzidos a partir da inserção de materiais genéticos de outros organismos.

Cada ser vivo possui uma base genética que o compõe. Os estudos nessa área iniciaram-se a partir dos anos 50, com a descoberta do DNA3, por Watson e Crick. Foi a partir daí que o homem percebeu que poderia alterar a sua estrutura, modificando as características dos seres vivos (VARELLA, 2005).

2 BRASIL. Lei no

11.105, de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do § 1o do art. 225 da

Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o Conselho Nacional de Biossegurança –

CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB, revoga a Lei no 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória no 2.191-9, de 23

de agosto de 2001, e os arts. 5o, 6o, 7o, 8o, 9o, 10 e 16 da Lei no 10.814, de 15 de dezembro de 2003, e dá outras

providências. Publicado no D.O.U. de 28.03.2005.

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Teixeira (2011, p. 302) explica a técnica de obtenção de um organismo geneticamente modificado da seguinte forma:

Para se obter o organismo geneticamente modificado, primeiro identifica-se e isola-se o gene desejável, por meio de técnicas de clonagem molecular. Depois, através de métodos apropriados, insere-se esse fragmento de DNA no organismo animal ou vegetal que se deseja modificar, que passa então a produzir uma proteína nova ou, em outros casos, inibir a produção de uma preexistente. Essa nova característica adquirida passa então a ser hereditária.

A explicação merece complemento de Borém e Giudice (2008, p. 64):

Uma vez que o código genético é universal, isto é, os genes dos diferentes seres vivos são codificados com a mesma linguagem e o mesmo material genético, é possível tomar um gene de um organismo e transferi-lo para qualquer outro, de forma que o indivíduo receptor possa também apresentar a característica conferida pelo gene transferido (transgene). Esta tecnologia permite a ampliação da variabilidade genética nas espécies, gerando oportunidade para os cientistas desenvolverem variedades adaptadas às mais diversas situações.

Ou seja, com o mapeamento do código genético, é possível identificar os genes responsáveis por determinadas características de um ser vivo, extrair esses genes e inseri-los em outro ser vivo que passará a ter uma nova característica que naturalmente não possui.

Apesar dos estudos sobre a biotecnologia iniciarem na década de 50, a primeira planta transgênica foi obtida no ano de 1985 e somente em 1994, após os testes de biossegurança, a primeira variedade geneticamente modificada chegou às prateleiras dos supermercados, o caso do tomate Flavr Savr (BOREM e GIUDICE, 2008).

A Lei nº 11.105, de 2005, que trata sobre a Biotecnologia e a Biossegurança no Brasil, no seu artigo 3º, inciso V, define OGM como sendo “o organismo cujo material genético tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética”. Silva (apud TEIXEIRA, 2011, p. 302) define os transgênicos como sendo:

(20)

O termo “transgênico” é utilizado para identificar qualquer organismo geneticamente modificado, seja em publicações científicas ou na imprensa e na linguagem coloquial. No entanto, quando os organismos recebem genes de outro organismo diferente, mas da mesma espécie são chamados de OGM e, quando recebem genes de organismos de outras espécies, são chamados de transgênicos, de forma que todos os transgênicos são organismos geneticamente modificados (VARELLA, 2005).

A modificação genética ocorre naturalmente conforme explicado por Darwin em sua teoria da seleção natural, segundo a qual as espécies mais aptas a cada meio ambiente sobrevivem mais facilmente perpetuando, as suas características nas espécies posteriores. Essa evolução natural ocorre de maneira lenta e gradual. A biotecnologia abrevia essa evolução inserindo nos seres vivos as características que não lhes são próprias, com a finalidade de adaptá-los a determinadas externalidades do meio ambiente ou incrementar as suas potencialidades (BOREM E DEL GIÚDICE, 2008).

Varella (2005) acredita que a biotecnologia deturpou a própria noção de evolução natural, pois de acordo com a definição tradicional, espécie é o conjunto de indivíduos que podem gerar descendentes férteis, e com a biotecnologia qualquer grupo de indivíduos, mesmo de reinos diferentes, pode gerar descendentes férteis.

A história da biotecnologia identifica três gerações de transgênicos. A primeira corresponde à facilidade de manejo agrícola e menor custo de produção, com plantas resistentes a herbicidas e pragas. A segunda geração oferece produtos com melhores qualidades nutritivas e maior tempo de conservação. Já a terceira geração atinge a produção de fármacos e vacinas em larga escala e a menores custos, representando um maior potencial de aceitação social por envolver aspectos da saúde humana (BENEDITO e FIGUEIRA, 2008).

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1.2.2. Argumentos favoráveis à biotecnologia e aos OGMs

Dentre os inúmeros benefícios apresentados pela biotecnologia a respeito dos transgênicos, destacam-se: maior produtividade agrícola em menor espaço físico, evitando desmatamento e desgaste de recursos naturais, erradicação da fome por promover maior produtividade agrícola, aplicação de menores quantidades de pesticidas e fertilizantes e produção de alimentos dotados de maiores propriedades nutricionais.

O receio com relação a essa tecnologia reside nos riscos de desequilíbrio ecológico, quebra da biodiversidade pela destruição de espécies integrantes da cadeia alimentar, invasão e destruição de culturas orgânicas, risco alergênico e de contaminação aos consumidores (VARELLA, 2005).

Entretanto Bonny (2005, p. 235) defende que a literatura científica sobre os benefícios dos OGMs suplanta os riscos apresentados e nem sempre comprovados consistentemente, ao contrário das vantagens para a sociedade global, consumidores, autoridades públicas, pesquisa públicas, agricultores, distribuição, indústria, empresas de sementes e empresas de biotecnologia, melhor especificados por meio da seguinte tabela:

Tabela 1 - Vantagens potenciais da engenharia genética para diferentes atores:

ATORES VANTAGENS

Sociedade global a) Nova via de desenvolvimento tecnológico baseado na matéria

viva, biologia e renovabilidade, em vez de se basear na química e em recursos fósseis.

b) Meio para um desenvolvimento mais sustentável no século XXI

c) Um meio (entre outros) de enfrentar a mudança climática: criação mais rápida de variedades adaptadas, química de plantas em vez de química de petróleo.

d) Como há menores perdas de produção, a mesma produção pode ser obtida em área menor ou maior quantidade na mesma superfície. Assim, é menos necessário aumentar a área cultivada por meio de desmatamento ou cultivo de novas terras.

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b) Menor risco de pesticidas químicos no ambiente e nos alimentos.

c) Produtos adequados a demandas específicas (nutracêuticos, produtos não-alergênicos, substâncias alimentícias com enriquecimento ou limitação de certos componentes).

d) Melhor equilíbrio nutricional de algumas substâncias alimentícias.

e) Preço menor de várias vacinas e produtos terapêuticos. f) Melhora do padrão global de vida se os ganhos de produtividade forem compartilhados por todos.

Autoridades

públicas a) Ajuda a manter a competitividade da biotecnologia e da indústria de sementes no país. b) Meio de desenvolver maior sustentabilidade.

c) Contribui para a solução de certos problemas (poluição, adaptação a mudanças climáticas).

Pesquisa pública a) Biotecnologia: instrumento de conhecimento, entendimento e

descoberta, indispensável para uma compreensão melhor de muitos mecanismos biológicos até agora não explicados.

Agricultores e

agrônomos a) Maior facilidade de cultivo (tratamento simplificado), maior flexibilidade em intervenções, possível meio de aumentar o rendimento.

b) Diminuição das perdas, e melhor adaptação das plantas a seu ambiente.

c) Menor poluição por pesticidas, bolor (fungos) ou impurezas. d) Menor necessidade de aumentar as superfícies cultivadas, possibilidade de uma agricultura mais sustentável.

Distribuição a) Produtos mais baratos, que podem ser melhor conservados –

diversificação do suprimento, aumento potencial na margem de lucro de produtos com alto valor agregado.

Indústria de

alimentação a) Matéria-prima diversificada, mais barata e melhor adaptada a uma variedade de usos, com menores perdas.

Empresas de

sementes a) Necessária para enfrentar a competição e evitar a morte da indústria francesa e europeia de sementes. b) Instrumento útil para introduzir novos traços em plantas (resistência, composição, etc).

c) Seleção mais rápida e maior resistência competitiva.

Empresas agroquímicas e de biotecnologia

a) Possibilidade de ir além dos limites da química; uma nova via de desenvolvimento.

b) Novos mercados; e talvez aluguel de inovações, permitindo desenvolver este setor.

(23)

Todos os atores mencionados na tabela participam da cadeia de produção, comercialização, fiscalização e consumo de produtos oriundos da engenharia genética e, para todos esses atores, a engenharia genética apresenta vantagens consideráveis, representando verdadeira evolução positiva.

Estudos realizados demonstram a ausência de periculosidade de alguns produtos geneticamente modificados, sendo possível enumerar 04 (quatro) exemplos de testes já realizados:

1 - A soja RR: criada através da insersão do gene de uma bactéria natural

do solo (evento GTS 40-3-2), é tolerante a herbicidas utilizados no controle de plantas daninhas. Em testes realizados, constatou-se a impossibilidade de fecundação com outras variedades ou de invasão de outros ecossistemas onde é cultivada e nem promove a toxidade a outros organismos, ou seja, não modifica a biodiversidade. Também não apresentou efeitos alergênicos (BOREM E DEL GIÚDICE, 2008, p. 448-452).

2 - O milho Bt (evento MON810) e o milho ICP-4 (evento VIP): criados a

partir da introdução do gene de uma bactéria natural do solo, inibe a ação de lagartas-praga do milho, sem necessidade de utilização de inseticidas químicos poluidores e de alto custo. Estudos e testes realizados comprovaram a impossibilidade de que essas plantas se estabeleçam ou afetem outros ecossistemas, ou ainda que essa resistência a lagartas se transfira a outras variedades nativas. Também não é tóxico aos seres humanos ou amimais. (BOREM E DEL GIÚDICE, 2008, p. 452-463 e 472-477).

3 - Outras variedades de milhos (eventos GA21, NK603 e T25): modificados geneticamente são tolerantes a herbicidas. Eles não apresentaram características alergênicas ou tóxicas e nem impactos ambientais por meio de invasão de ecossistemas ou cruzamento com outras espécies nativas. Ou seja, não apresenta risco para o meio ambiente nem para a saúde humana (BOREM E DEL GIÚDICE, 2008, p. 452-471).

4 - Algodão Bollgard (evento 531) e algodão COT102 (evento VIPCOT):

geneticamente modificados para resistência a pragas, não apresentaram ofensividade à saúde humana ou ao meio ambiente após diversos testes realizados (BOREM E DEL GIÚDICE, 2008, p. 477-490).

(24)

aprofundando-se nas questões técnicas, jurídicas e ambientais. Inicialmente a Justiça Federal impediu a comercialização de produtos transgênicos até a apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental, entendido como o único mecanismo hábil a avaliar os riscos ante a incerteza dos danos potenciais da comercialização de OGM (VARELLA, 2005).

Essa decisão foi objeto de recurso de apelação4 e o Tribunal Regional Federal da Primeira Região reformou a decisão no ano de 2004. Em seu voto seguido à unanimidade pelos demais integrantes do colegiado, a Ministra Relatora cita pareceres técnicos acostados aos autos favoráveis à liberação segura de OGM:5

A soja é uma espécie predominantemente autógama, cuja taxa de polinização cruzada é da ordem de 1,0%. Trata-se de espécie exótica, sem parentes silvestres sexualmente compatíveis no Brasil. Assim sendo, a polinização cruzada com espécies silvestres no ambiente natural não é passível de ocorrência no território nacional. A soja é uma espécie domesticada, altamente dependente da espécie humana para sua sobrevivência. Portanto, não há razões científicas para se prever a sobrevivência de plantas derivadas da linhagem GTS 40-3-2 fora de ambientes agrícolas. Além disso, na ausência de pressão seletiva (uso do Glifosate), a expressão do gene inserido não confere vantagem adaptativa. O evento de inserção do transgene está molecularmente caracterizado e não foram observados efeitos pleiotrópicos decorrentes desta inserção, em estudos conduzidos em diversos ambientes. Existem, no Brasil, pelo menos três espécies conhecidas de plantas daninhas que são naturalmente tolerantes ao herbicida glifosate (Poaia Branca - Richardia brasiliensis; Trapoeraba -Commelina virginica; Erva Quente - Spermacoce latifolia). A utilização do Glifosate no Brasil não ocasionou, nas últimas décadas, o aparecimento de outras espécies de plantas daninhas a ele tolerantes. A introdução de cultivares tolerantes ao Glifosate não aumentará a pressão de seleção sobre as plantas daninhas, em termos de concentração do Glifosate (produto/área). Não há evidências de que a utilização rotineira do herbicida Glifosate nas lavouras de soja no Brasil tenha efeito negativo no processo de fixação biológica de nitrogênio. Esta observação está baseada em ensaios realizados por entidades governamentais e privadas brasileiras, onde o uso continuado do herbicida não afetou a nodulação e a produtividade dos cultivares de soja. O gene marcador nptll, que confere resistência à Kanamicina, não foi transferido para a linhagem GTS 40-3-2. Não há indicação de que o uso de cultivares derivados da linhagem GTS 40-3-2 levará a alterações significativas no perfil e na dinâmica de populações de insetos associados à cultura da soja convencional.

Elementos da Saúde Humana e Animal. A CTNBio concluiu que a introdução do transgene não altera as características da composição química da soja, com exceção da acumulação da proteína transgênica CP4

4 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Cível n. 1998.34.00027682-0/DF. Apelante: Monsanto do Brasil S/A e outros, Apelado: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Relatora: Ministra Selene Maria de Almeida. Diário da Justiça 01.09.2004. Disponível em: <http://arquivo.trf1.jus.br/default.php?p1=199834000276820>. Acesso em 30 set. 2011.

5 A citação, apesar de extensa, mostra-se necessária pois se trata de uma extensa ementa com 89 tópicos e 15

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EPSPS. Esta conclusão de equivalência de composição química é baseada em avaliações realizadas através de metodologia científica, publicadas em revistas científicas indexadas e de circulação internacional. A segurança da proteína CP4 EPSPS, quanto aos aspectos de toxicidade e alergenicidade, também, foi comprovada. É importante registrar que, após a utilização da soja geneticamente modificada e de seus derivados na América do Sul, Central e do Norte, na Europa e na Ásia, não foi verificado um só caso de desenvolvimento de reações alérgicas em humanos que não fossem previamente alérgicos à soja convencional. Adicionalmente, é importante registrar que indivíduos sensíveis à soja convencional continuarão sensíveis à soja transgênica e, portanto, não deverão fazer uso deste produto. A análise dos resultados descritos na literatura não confirmou um possível aumento, na soja geneticamente modificada, da concentração de proteínas que reagem com uma combinação de soros de pacientes alérgicos à soja convencional. De fato, os artigos científicos disponíveis e citados sobre a matéria mostraram que a expressão do transgene não resultou no aumento dos níveis de proteínas reativas, especialmente daquelas de peso molecular próximo a 30 kilodáltons, a uma combinação de soro de indivíduos sensíveis à soja comercial (BURKS and FUCHS, 1995, Journal of Allergy and Clinical Immunology, 96: 1008-1010). Os autores do artigo científico acima mencionado afirmaram que "nossos estudos demonstram que a introdução do gene codificador da proteína EPSPS, que confere tolerância a Glifosate, não causou modificação discernível, qualitativa ou quantitativamente, na composição de proteínas alergênicas endógenas de soja em qualquer dos cultivares resistentes a Glifosate analisados.

Apesar de ainda não ter ocorrido trânsito em julgado da decisão em virtude de Embargos Infringentes interpostos no âmbito do próprio Tribunal Regional Federal (TRF) onde tramita o processo, o acórdão traz consistentes argumentos favoráveis à comercialização de transgênicos, refutando argumentos contrários atinentes aos seus efeitos alergênicos, toxidade e comprometimento da diversidade biológica.

Sobre a possível infestação de plantas transgênicas em ecossistemas locais, com o risco de transferência de sua resistência às pragas e às plantas nativas, a doutrina especializada refuta tal evento, afirmando que “a possibilidade do surgimento de uma „superplanta daninha‟ é extremamente remota e improvável” (PITELLI E PAVANI, 2008, p. 445).

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Siqueira e Trannin (2008, p. 301), esclarecem que a possibilidade do surgimento de formas resistentes a herbicidas e inseticidas não é exclusivo de cultivos transgênicos, podendo ocorrer também nos cultivos convencionais, mas existem medidas preventivas para tanto.

Da mesma forma, Capalbo, Villas-Bôas e Arantes (2008, p. 356) demonstram que o uso de inseticidas químicos sempre causou danos ao homem e ao meio ambiente, comprometendo a biodiversidade, e contaminando alimentos, solo e água, e que a agricultura sustentável busca intervenções alternativas que sejam ambientalmente seguras e que reduzam o contato humano com os pesticidas e herbicidas. Além disso, todo e qualquer sistema de produção agrícola termina por causar, de alguma forma, impacto ambiental, e os transgênicos constituem mais um desses fatores.

Siqueira e Trannin (2008, p. 299) corroboram com esse entendimento ao afirmar o seguinte:

Como a atividade agrícola é, inerentemente, impactante ao meio ambiente, nenhuma tecnologia aplicada ao campo está completamente isenta de riscos. Até mesmo a agricultura orgânica, considerada a mais natural e segura maneira de produzir, oferece vários tipos de riscos, como o de contaminação biológica e por nitrato do solo e dos alimentos por micotoxinas.

E concluem (2008, p. 302) que “os cultivos transgênicos causam alterações no agrossistema, mas estas diferem muito pouco em natureza e magnitude daquelas causadas pelos cultivos convencionais, de modo que os cultivos transgênicos não representam riscos reais de impactos significativos ao meio ambiente”.

Benedito e Figueira (2008, p. 168 e 174) comungam do mesmo pensamento ao concluírem que “não se deve perder a perspectiva do impacto ambiental causado pela própria agricultura convencional”, pois muito embora seja reconhecida como natural, introduz novas espécies no ecossistema ou modifica as proporções de espécies nativas.

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Sobre o risco de que os alimentos transgênicos possam causar uma resistência aos antibióticos nos seres humanos e animais, Capalbo, Villas-Bôas e Arantes (2008, p. 376) refutam a hipótese defendendo que:

A preocupação com os possíveis efeitos ambientais indesejáveis dos genes de resistência aos antibióticos foi um dos principais fatores que incentivaram o desenvolvimento de novas tecnologias de clonagem a fim de permitir a obtenção de plantas transgênicas em que o gene de resistência ao antibiótico foi excisado.

Porém, o mesmo autor adverte que a própria comunidade científica reconhece que os processos regulatórios de transgênicos precisam de maiores ajustes, e que antes de liberar no ambiente qualquer OGM, há necessidade de se conhecer como esse organismo irá interagir no meio ambiente, haja vista que muito embora os benefícios para a agricultura sejam consideráveis, é preciso considerar a possibilidade de impactos ambientais (CAPALBO, VILLAS-BÔAS E ARANTES, 2008).

Ainda sobre o risco, Siqueira e Trannin (2008) esclarecem que antes da liberação comercial, os OGMs enfrentam um rígido processo de avaliação da biossegurança, passando por estudos em laboratório e liberação controlada no ambiente para avaliação de suas características, formas de interação e efeitos. Esclarece ainda o autor que “nenhuma outra tecnologia é submetida a regulamentação tão rigorosa e ampla quanto a estabelecida para liberação comercial dos OGMs”.

Para uma maior garantia de segurança ao meio ambiente e aos consumidores, Capalbo, Villas-Bôas e Arantes (2008, p. 382), entendem que:

Compete aos órgãos públicos de cada país controlar o uso de produtos utilizados no ambiente (alimentos, agricultura, pecuária, saúde pública, entre outros), requerendo sua avaliação adequada previamente ao seu registro para uso comercial. Compete ainda aos mesmos órgãos públicos estabelecer os critérios para a avaliação destes produtos, dentro de normas específicas compatíveis com os padrões internacionais.

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(2005, p. 128) entende que nos últimos anos ocorreu um arrefecimento dos ânimos ambientalistas contrários a OGM, e explica:

A confiança popular no progresso tecnológico voltou a crescer, haja vista o fim da histeria anti-OGM causada por atores transnacionais, principalmente europeus, ao longo dos anos 90 do século passado. Como não houve casos de falecimento por consumo de OGM, e a comunidade científica continua dividida sobre conclusões relativas à inocuidade dos OGM, a mobilização pública foi progressivamente perdendo sua razão de ser.

Entendimento também corroborado por Teixeira (2011, p. 303), ao demonstrar que até o momento não houve concretização de nenhum dos alardeados efeitos negativos dos transgênicos, ao contrário das características positivas constantemente reforçadas e comprovadas por estudos científicos avançados.

O debate ainda comporta várias digressões. A biotecnologia, assim como as várias descobertas científicas, ainda causa temores muitas vezes justificáveis a seus destinatários.

Como este tópico discorreu sobre os argumentos favoráveis apresentados pelos defensores da biotecnologia e dos OGMs, o próximo tópico deste trabalho apresentará os principais argumentos construídos e sustentados pelos que se mostram contrários à biotecnologia e OGM.

1.2.3. Argumentos desfavoráveis à biotecnologia e aos OGMs

Conforme mencionado no início do item 1.2.2, os benefícios apresentados pela biotecnologia a respeito dos transgênicos consistem em maior produtividade agrícola em menor espaço físico, evitando desmatamentos e desgaste de recursos naturais, redução da aplicação de pesticidas e fertilizantes, produção de alimentos com maiores propriedades nutricionais.

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Teixeira (2011, p. 303) sintetiza os argumentos dos opositores aos transgênicos da seguinte forma:

Ao introduzir genes de uma cultura em outra é possível que haja, no futuro, reflexos danosos irreversíveis ao meio ambiente, sobre os quais os cientistas não terão qualquer controle, ante a capacidade de reprodução autônoma desses genes modificados geneticamente. Existe, também, um grande temor generalizado do impacto que a ingestão de tais alimentos pode ter na saúde humana a longo prazo.

Conforme mencionado no item 1.2.2, um dos motivos sustentados para as modificações genéticas soa altruísta: aumentar a produção de alimentos para auxiliar no combate à fome, um dos graves problemas da humanidade.

Fritjof Capra (2005, p. 196) refuta tal argumento ao declarar que “a verdade nua e crua é que a maioria das inovações na área de biotecnologia alimentar foram motivadas pelo lucro e não pela necessidade”. Esse argumento também é sustentando por Mae-Wan Ho (2009, p. 31), para quem “a fome é provocada pela pobreza e pela desigualdade, e não por uma produção insuficiente de alimentos”, e por Benedito e Figueira (2008, p. 173) ao afirmar que “a fome no mundo já não se deve mais à falta de alimento, mas à má distribuição de riquezas entre países e entre as classes sociais de um país”.

Além disso, há relatos de agricultores reportando menores rendimentos na produção, a contínua dependência de agrotóxicos, a perda de acesso a mercados e uma maior dependência da produção de alimentos aos interesses das empresas de biotecnologia e mais dependentes de subsídios. Essa dependência decorre de dois fatores. Primeiro porque as sementes transgênicas são estéreis para impedir que os agricultores as guardem ou replantem. Segundo porque os cultivos transgênicos são tolerantes a herbicidas fabricados pelas mesmas empresas que produzem as sementes, configurando uma modalidade de venda casada, além do fato de que a potencialidade desses herbicidas afeta plantas, animais e seres humanos (MAE-WAN HO, 2009).

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animais, além de espécies de plantas, o que pode comprometer toda uma cadeia alimentar. Sobre esse fato Mae-Wan Ho (2009, p. 45) afirma que “a coexistência da agricultura transgênica e não transgênica ou orgânica é impossível em muitos casos”.

Ao afetaram os animais, os OGMs influenciariam diretamente a saúde humana com a possibilidade clara de alteração do metabolismo e até mesmo rejeições alimentares expressas sob a forma de alergias ou até mesmo câncer. Vejamos o posicionamento de Capra (2005, p. 207) a respeito:

A história mais horripilante, e a esta altura também a mais conhecida, talvez seja a do hormônio geneticamente alterado chamado “hormônio recombinante de crescimento bovino”, usado para estimular a produção de leite das vacas apesar do fato de os pecuaristas norte-americanos já estarem há cinqüenta anos produzindo muito mais leite do que as pessoas são capazes de consumir. Os efeitos dessa loucura da engenharia genética sobre a saúde das vacas são bastante graves: timpanitite, diarréia, doenças dos joelhos e dos cascos, cistos no ovário e muitas outras coisas. Além disso, o leite dessas vacas pode conter uma substância relacionada à ocorrência de câncer de mama e do estômago nos seres humanos. Como essas vacas geneticamente modificadas precisam de mais proteína em sua dieta, a ração passou a ser suplementada, em alguns países, por farinha de carne de gado. Essa prática absolutamente antinatural, que transforma as vacas de vegetarianas em canibais, foi associada à recente epidemia da „doença da vaca louca‟ e à maior incidência da doença análoga no ser humano, o mal de Creutzfeeldt-Jakob.

Esta citação demonstra uma clara associação entre um produto geneticamente modificado e os efeitos maléficos causados em seres humanos e animais, fato que justifica o posicionamento contrário do autor do texto à biotecnologia e aos OGMs, entendendo-os como riscos desnecessários.

Temendo esses riscos mencionados, o Governo Francês, em decisão pioneira, utilizando-se do princípio da precaução, proibiu a utilização da farinha de carne como ração animal em outubro de 2000, antes mesmo da apresentação de um parecer da Agência Francesa de Segurança Sanitária Alimentar (MACHADO, 2007).

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Hoje lamentamos o modo como nossos predecessores introduziram espécies de animais em terras estranhas só por diversão. O esquilo-cinzento americano foi introduzido na Grã-Bretanha por um dos duques de Bedford: um capricho que hoje vemos como desastrosamente irresponsável. É interessante indagar se os taxonomistas do futuro poderão lastimar o modo como nossa geração brincou com os genomas: transportando, por exemplo, genes "anticongelantes" de peixes do Ártico para tomates a fim de protegê-los do frio. Cientistas extraíram da água-viva um gene que lhe dá uma fulguração fosforescente e o inseriram no genoma da batata, na esperança de fazê-la brilhar quando precisasse de irrigação. Li até sobre um "artista" que planeja criar uma "instalação" composta de cães luminosos que brilham com a ajuda de genes de água-viva. Essa licenciosidade com a ciência em nome de uma pretensa "arte" fere as minhas sensibilidades. Mas o dano poderia ir além? Esses frívolos caprichos poderiam solapar a validade de futuros estudos sobre as relações evolucionárias? Na verdade, duvido disso, mas talvez pelo menos valha a pena levantar a questão, em nome da prudência. O objetivo da prudência, afinal, é evitar futuras repercussões de escolhas e ações cujo perigo não é evidente neste momento.

A conclusão sobre a possibilidade de danos ante as incertezas dos estudos ou até mesmo sua utilidade prática e a evocação da prudência nas pesquisas demonstram a tendência de Dawkins (2009) em filiar-se ao princípio da precaução como meio a evitar uma liberação mais flexível dos OGMs.

Shiva (2004, apud WEDY, 2009, p. 64) apresenta o rol dos riscos relacionados aos transgênicos: efeitos tóxicos ou alergênicos devidos à interação com genes hospedeiros; aumento do uso de inseticidas tóxicos nas culturas resistentes a esses produtos, causando doenças relacionadas a seu uso em trabalhadores agrícolas e à contaminação dos alimentos e da água potável; disseminação de genes de resistência aos antibióticos nas bactérias intestinais; disseminação da virulência entre as espécies pela transferência de genes; potencial de transferência genética e criação de novos vírus e bactérias; infecção potencial de células após a ingestão de alimentos, quando pode ocorrer a regeneração de vírus ou os danos ao genoma da célula podem provocar efeitos danosos ou letais, inclusive câncer.

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Da mesma forma, Teixeira (2011, p. 303) esclarece que ainda não houve o devido decurso de tempo suficiente à constatação da segurança da biotecnologia, pois os estudos científicos atuais, não obstante os avanços alcançados, não permitem concluir sobre os efeitos à saúde humana e ao meio ambiente no médio e longo prazo.

Mae-Wan Ho (2004) também refuta os argumentos apresentados a respeito dos supostos benefícios esperados pelos transgênicos, demonstrando que as metas de aumento da produtividade das lavouras e a redução da utilização de herbicidas e agrotóxicos não foram alcançadas. Demonstra, ainda, a constatação evidente dos seguintes malefícios: nocividade a insetos benéficos, risco de abortos espontâneos, transtornos de neurocomportamento, atraso no desenvolvimento do esqueleto fetal, criação de supervírus imunes aos atuais medicamentos, reativação de vírus latentes e o desencadeamento de câncer pelo fato de o DNA transgênico sobreviver à digestão no intestino e ingressar na corrente sanguínea, além de saltar para o genoma das células. Entende que esses efeitos decorrem do fato de não serem os transgênicos naturais, além de nunca integrarem a cadeia alimentar dos seres humanos e animais.

Inclusive uma dessas evidências materializou-se nos Estados Unidos com uma variedade de milho geneticamente modificada denominada Starlink, produzida pela multinacional Aventis. A variedade era destinada exclusivamente à alimentação animal, mas foram encontrados vestígios desse milho em produtos destinados à alimentação humana, o que levou a empresa a arcar com vultosas indenizações (HOMMEL E GODARD, 2005).

Além disso, entende-se que os riscos apresentados não deveriam recair sobre os ombros dos consumidores, do meio ambiente e até mesmo dos agricultores, haja vista que estes não auferem nenhum benefício com a nova tecnologia, apenas as multinacionais do agronegócio, que nele encontram sua fonte de incremento dos dividendos.

Todas essas evidências demonstram as incertezas do cultivo de transgênicos, despertando preocupações sobre sua segurança, além dos riscos de danos irreversíveis à saúde e ao meio ambiente.

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aos OGMs. Os setores mais bem informados e educados da população mundial já não se mostram favoráveis à biotecnologia (BONNY, 2005).

Um dos principais grupos industriais do setor de biotecnologia, a Monsanto, divulgou no ano de 1998 um documento6 sobre a baixa aceitação da biotecnologia:

O clima geral é extremamente pouco favorável à aceitação das biotecnologias. A situação deteriorou-se no decorrer do último ano e o movimento parece acelerar-se. As últimas pesquisas evidenciam uma queda brutal da adesão do público às biotecnologias, particularmente no setor de produtos alimentares geneticamente modificados. A cada etapa deste projeto, pensávamos que tínhamos atingido o nível mais baixo e que a opinião pública se estabilizaria. Mas parece que não alcançamos ainda este nível.

É interessante destacar que a rejeição à biotecnologia se torna evidente apenas quando aplicada aos alimentos, pois, quando os OGMs são destinados à medicina ou a medicamentos, há uma larga aceitação popular (HOMMEL E GODARD, 2005).

Em virtude dessas repercussões sociais de rejeição à biotecnologia, Benedito e Figueira (2008, p. 194) defendem a criação de uma política de análise específica e individualizada de cada caso, permitindo à sociedade o acesso aos dados científicos de forma clara e com o intuito de afastar preconceitos, para que as opiniões se formem de maneira objetiva e as pessoas decidam conscientemente sobre o consumo ou não de alimentos transgênicos.

Tudo isso demonstra não só o desconhecimento quanto à nova tecnologia, como também a ausência de informações claras e precisas sobre o assunto, fato que gerou discussão no âmbito do comércio internacional com a imposição de barreiras comerciais aos produtos transgênicos.

Com essas considerações sobre os argumentos favoráveis e desfavoráveis á biotecnologia e OGM, o presente trabalho discorrerá a respeito do modo como esta problemática interferiu no comércio internacional.

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1.3. O COMÉRCIO INTERNACIONAL DE OGM E AS BARREIRAS COMERCIAIS DE NATUREZA SANITÁRIA E FITOSSANITÁRIA

1.3.1. O comércio internacional: o livre comércio e as barreiras comerciais

As nações sempre se relacionaram em troca de benefícios recíprocos. O comércio internacional é um dos reflexos constantes das relações entre as nações, desempenhando cada vez mais um papel de destaque na economia mundial.

O comércio internacional contemporâneo teve o seu marco definido nos anos 90 em virtude do processo de liberalização comercial, consequência direta do processo de globalização.

Esse processo de liberalização da economia iniciou-se com Adam Smith, em 1776, com a obra A Riqueza das Nações, onde defendeu que “o funcionamento do mercado levaria a um maior crescimento econômico, pois uma „mão invisível‟ controlaria o sistema” (BARRAL, 2007, p. 13).

O ponto de sustentação das ideias de Adam Smith decorria de sua discordância com o sistema de subsídios e barreiras comerciais praticadas pelo governo britânico à época. De acordo com o pensador escocês, cada Estado deveria especializar-se no setor econômico para o qual tivesse maiores propensões, importando os demais recursos de outros países. O país exportaria os excedentes, importaria produtos escassos, aprofundaria sua especialização e expandiria seus mercados (BARRAL, 2007).

As ideias de Adam Smith encontraram resistência no século XIX com a sistematização do socialismo, segundo o qual o mercado não possuía a racionalidade defendida pelo liberalismo, sendo perverso à sociedade. Tais ideias ganharam força com a crise mundial de 1929, o que refletiu em políticas protecionistas praticadas pelos Estados com o objetivo de resguardar o mercado interno.

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Franklin Delano Roosevelt foi consequência direta desse entendimento, e consistiu no corte de gastos públicos, criação de subsídios e auxílio ao setor agrícola.

A crise de 1929 e a 2ª guerra mundial deixaram várias lições, e uma delas demonstrava a necessidade de intervenção estatal pelo menos em situações de crise. Isso ficou bem evidente na histórica Conferência de Bretton Woods, realizada logo após o término da 2ª guerra mundial. Bretton Woods consolidou os ideais keynesianos através da implantação de políticas de bem-estar social e crescimento econômico baseado no ciclo emprego-consumo-produção-emprego (BARRAL, 2007).

Também em Bretton Woods as nações chegaram ao um consenso quanto à necessidade da criação de instituições multilaterais que atuassem cooperando e colaborando para a estabilidade mundial, surgindo daí as ideias a respeito da FMI, BIRD e OIC.

No âmbito comercial, a proposta de criação de uma Organização Internacional do Comércio (OIC) tinha por objetivo a uniformização de regras comerciais e o desenvolvimento do comércio internacional. Essa organização internacional terminou por não se estruturar em virtude de desinteresse dos EUA, o qual temia que a instituição se fortalecesse, comprometendo assim sua supremacia no comércio internacional.

O afastamento dos EUA comprometeu a adesão dos demais países, contribuindo para o fracasso da OIC. Apesar de a OIC sequer sair do papel, pelo menos os debates envolvendo a parte tarifária fez surgir o General Agreement on

Tariffs and Trade –GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio).

As partes contratantes do GATT, inclusive os EUA, estabeleceram regras gerais sobre o comércio internacional. Essas regras envolviam a adoção de dois princípios (cláusula da nação mais favorecida e princípio do tratamento nacional) e várias exceções. Ou seja, a regra prevalente consistia no livre comércio entre os países, desde que não houvesse exceções expressamente previstas e acordadas.

Segundo Mello (1993), o princípio fundamental do GATT é o da “não -discriminação”, e todos os outros princípios são consequência deste. Significa, em síntese, “igualdade de tratamento” a fim de inibir o protecionismo, visando expandir o comércio internacional.

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Favorecida, sempre que um Estado conferisse uma vantagem a um determinado país, essa vantagem deveria ser estendida ao parceiro comercial, denominado, no caso, de “o mais favorecido”. A única exceção a esse princípio decorre de acordos de integração regional, onde as preferências concedidas aos países integrantes não se estendem aos demais membros acordantes do GATT. Já pelo Princípio do Tratamento Nacional, vedava-se a discriminação do produto importado por meio de uma tarifação interna diversa da tarifa negociada, ou seja, o país não poderia criar barreiras internas ao produto importado.

Os princípios consolidam o ideal do GATT consistente em uma maior liberalização para o comércio de bens entre os países. Curiosamente os EUA, apesar de refutarem a criação de um organismo multilateral (OIC), aderiram ao GATT concordando com a liberalização do comércio entre os países. Mello (1993, p. 87) explica a razão desse posicionamento contraditório norte-americano:

A liberdade de comércio vai ser defendida por alguns estados, como os EUA, que falam na política de „porta aberta‟ em relação à China, significando isto que todos os países tinham o direito de comerciarem com este país. Na verdade, os EUA que haviam chegado atrasados à China em relação às demais potências imperialistas, procuravam um pretexto para o seu ingresso no mercado chinês defendendo uma „igualdade de oportunidades‟.

Afora os princípios gerais do GATT, que têm por objetivo consolidar o livre comércio entre as nações, foram admitidas várias exceções a esse livre comércio.

As exceções dependem de expressa previsão acordada entre as partes, e correspondem, por exemplo, à proibição de comercialização de produto ou serviço que comprometa a moralidade pública, oriundos de trabalho escravo, que comprometa a saúde ou o meio ambiente, referente ao patrimônio histórico e cultural, dentre outros. A grande dificuldade enfrentada com as exceções diz respeito à criação de barreiras comerciais disfarçadas de propósitos nobres. A Tailândia, por exemplo, proibiu a importação de cigarros alegando problemas de saúde pública, mas permitia a venda interna por meio de uma estatal (BARRAL, 2007).

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Organização Mundial do Comércio (OMC). Ao tratar sobre a Rodada Uruguai, Thorstensen (2003, p. 40) esclarece:

Os resultados da Rodada Uruguai passaram a determinar as regras do comércio internacional, não só dos grandes parceiros internacionais, para dirimir os conflitos entre eles, mas também dos pequenos e médios parceiros, que passam a ter na OMC a organização de supervisão e de apoio para assegurar o acesso aos mercados protegidos dos próprios países mais desenvolvidos, bem como dos grande acordos regionais de comércio.

O principal objetivo da OMC consiste em incentivar o livre comércio como mecanismo de promoção do crescimento econômico, pois segundo Mello (1993, p. 87), “o estudo do comércio internacional tem uma importância fundamental, vez que ele é um instrumento que pode agravar o subdesenvolvimento ou ainda ser um dos meios de combate a ele”.

Além da criação da OMC, a Rodada Uruguai culminou com a negociação de variados acordos, dentre eles os acordos sobre barreiras comerciais tarifárias e não- tarifárias, s são exemplos dessas últimas as barreiras técnicas, sanitárias e fitossanitárias, além de outros acordos relacionados com práticas aduaneiras.

As barreiras tarifárias consistem na imposição de tarifas aos produtos importados, contribuindo para majorar o preço interno. As barreiras não tarifárias são bastante variadas e têm por objetivo restringir os produtos importados por meio de proibição direta ou exigência de rígidos padrões técnicos, ou ainda aspectos relacionados à saúde, meio ambiente, valores éticos, morais, religiosos, culturais, dentre outros.

Os acordos de barreiras comerciais consistem em evitar a adoção de medidas protecionistas que obstam o livre comércio, evitando a entrada de produtos estrangeiros no mercado nacional.

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O presente trabalho abordará apenas os acordos sobre barreiras comerciais não tarifárias de natureza sanitária e fitossanitária, diretamente afetas à comercialização de produtos geneticamente modificados. O próximo item do trabalho discorrerá especificamente sobre essas barreiras comerciais.

1.3.2. As barreiras comerciais sanitárias e fitossanitárias

O Acordo sobre Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (MSF)7 representa um dos temas mais amplos e importantes do comércio internacional. A discussão teve por objetivo impedir que tais medidas fossem convertidas em barreiras protecionistas ao comércio internacional (OLIVEIRA, 2005).

A imposição de barreiras como restrição ao livre comércio representaria um modelo perfeito se todos os países tivessem a mesma visão de segurança e proteção à vida, saúde e meio ambiente. Como isso não é possível em virtude de aspectos culturais, históricos, econômicos e políticos, cabe aos países harmonizarem seus interesses comerciais através de acordos multilaterais como é o caso do acordo sobre medidas sanitárias e fitossanitárias.

O Acordo permite a imposição de barreiras ao comércio desde que tenham por objetivo a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal8. As restrições devem ter base científica a fim de que não se revistam de caráter discriminatório9. Além disso, recomenda-se a utilização de padrões internacionais e a harmonização dos padrões existentes nos diferentes países a fim de evitar que em nome da proteção criem-se padrões discriminatórios10.

7 O acordo derivou de uma das várias negociações entabuladas durante a Rodada Uruguai. A adesão do Brasil ao

acordo deu-se através do Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994. Texto integral do acordo disponível em <http://www2.mre.gov.br/dai/omc_ata008.htm>. Acesso em: 18 jun. 2011.

8Decreto n. 1.355/94: “Art. 2 (1): Os Membros têm o direito de adotar medidas sanitárias e fitossanitárias para a

proteção da vida ou saúde humana, animal ou vegetal, desde que tais medidas não sejam incompatíveis com as

disposições do presente Acordo.”

9Decreto n. 1.355/94: “Art. 2(2): Os Membros assegurarão que qualquer medida sanitária e fitossanitária seja

aplicada apenas na medida do necessário para proteger a vida ou a saúde humana, animal ou vegetal; seja baseada em princípios científicos e não seja mantida sem evidência científica suficiente, à exceção do determinado pelo parágrafo 7 do Artigo 5.”

10Decreto n. 1.355/94: “Art. 2 (3): Os Membros garantirão que suas medidas sanitárias e fitossanitárias não farão

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Noiville (2004, p. 326) justifica a adoção do critério científico para a imposição de medidas restritivas:

Isso justifica a arquitetura do Acordo, inteiramente construído em torno do conceito de prova científica, critério julgado como o mais universal e mais confiável para criar a divisão das águas entre, de um lado, as medidas sanitárias necessárias e legítimas e, do outro, aquelas que dificultam de maneira ilegítima o comércio.

A exigência de prova científica, desta forma, repousa na ideia de segurança e transparência entre os países no sentido de que restrições ao comércio não podem surgir de maneira aleatória, necessitando de uma evidência que contenha uma justificativa mínima.

Ao discorrer a respeito das MSF, Thorstensen (2003, p. 84-85) alerta:

De um lado está a liberdade dos países de estabelecerem seus próprios padrões de exigência na determinação de regras sobre a produção, o processamento e o consumo de produtos alimentares. Por outro lado, tal nível de exigência pode se converter em barreira intransponível para países exportadores desses produtos, muitas vezes barreiras estabelecidas com a finalidade de proteger o setor produtor doméstico.

Esse entendimento é ratificado por Oliveira (2005, p. 327), ao explicar que “uma restrição sanitária ou fitossanitária não imposta por razões legítimas pode constituir um dispositivo protecionista muito efetivo em razão da sua complexidade técnica que dificulta enormemente sua contestação”.

Segundo Barral (2007) essas regras não representaram nenhuma inovação, pois o art. XX do GATT já estabelecia que os Estados poderiam adotar “medidas de proteção à saúde humana, animal e vegetal”. O próprio texto do acordo faz menção à regulamentação anterior do GATT11. Na Rodada Uruguai houve uma discussão mais aprofundada a respeito de tais medidas, o que resultou no Acordo sobre as barreiras sanitárias e fitossanitárias com o objetivo de se estabelecerem regras a respeito da adoção e implantação das medidas de modo a minimizar seus efeitos negativos sobre o comércio.

11Decreto n. 1.355/94: “Art 2 (4): As medidas sanitárias e fitossanitárias que estejam em conformidade com as

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