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3. A REGULAÇÃO INTERNACIONAL DE OGM

3.4. A REGULAÇÃO DE OGM NO BRASIL

3.4.1. Normas nacionais

A Lei de Biossegurança criou instituições com o objetivo de regulamentar o assunto, delegando competência e atribuições a cada uma. São elas: o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) e as Subcomissões Setoriais.

O Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), vinculado à Presidência da República, é composto por representantes de diversos ministérios enumerados no artigo 9º da Lei de Biossegurança, com a atribuição de decidir sobre liberação comercial de OGM nos termos do artigo 8º, parágrafo 1º, inciso III da citada lei.

De acordo com Varela (2005), a decisão do CNBS não é técnica; envolve aspectos políticos relacionados à segurança alimentar e aos interesses nacionais sobre a produção agrícola, os quais exorbitam as competências dos órgãos que analisam apenas os aspectos técnicos. A própria Lei de Biossegurança, em seu artigo 8º, parágrafo 1º, inciso II, admite a possibilidade de adoção de critérios socioeconômicos ao analisar pedidos de liberação de OGM.

Ainda assim, de acordo com o artigo 16, incisos II e III da Lei de Biossegurança, a decisão final quanto à liberação de OGM caberá, dependendo da matéria, ao Ministério da Saúde, Ministério da Agricultura, Ministério do Meio Ambiente ou à Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presidência da República.

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) foi criada com o objetivo de auxiliar os Ministérios através da elaboração de pareceres técnicos conclusivos e instruções normativas a respeito de OGM. De acordo com o artigo 11 da lei de biossegurança, a CTNBio é um colegiado multidisciplinar composto de 27 membros, sendo a maioria de técnicos de diferentes áreas, além de representantes políticos.

Ao analisar determinados processos, a CTNBio poderá exigir da entidade interessada na liberação do OGM a realização de estudo prévio de impacto ambiental nos termos do art. 225, § 1º da Constituição Federal.53 A decisão de exigir ou não o referido estudo cabe à CTNBio, caso entenda importante. Não se trata de exigência obrigatória em todas as situações, pois o artigo 14, inciso IV da Lei de Biossegurança apenas informa que o órgão deverá avaliar os riscos, caso a caso.

Magalhães (2005, p. 86) defende que, de acordo com o citado artigo 225 da Constituição Federal, basta a mera potencialidade de que o dano ocorra para se tornar obrigatório ao poder público exigir o estudo prévio de impacto ambiental para avaliar o risco de dano ambiental de qualquer atividade envolvendo OGM.

Teixeira (2011, p. 308) também critica o fato de a exigência do estudo prévio de impacto ambiental não ser obrigatório e ainda estar subordinado a decisão da CTNBio, pois não se trata de um órgão ambiental. Assim, caso o estudo não seja exigido, nem mesmo o Ministério do Meio Ambiente, através de seus órgãos de fiscalização, poderia exigi-lo posto que dispensado pela CTNBio.

Por outro lado, Nery Júnior (2002) acredita que a partir do momento em que a própria Constituição Federal (art. 225) incumbiu ao poder público exigi-lo na forma da lei, deixou para a lei ordinária fixar as hipóteses de incidência do estudo prévio de impacto ambiental. Sendo assim, nada impede que a atual lei informe como o referido estudo deve ser exigido.

Os pareceres da CTNBio, mesmo quando precedidos de estudo prévio de impacto ambiental, não autorizam a disseminação do OGM no meio ambiente. A competência para tal autorização cabe à União através de seus Ministérios, após análise dos pareceres técnicos da CTNBio.

Discorrendo sobre a análise de biossegurança nos cultivares transgênicos, Siqueira e Tranin (2008, p. 256) esclarece que “nenhuma outra tecnologia é submetida à regulamentação tão rigorosa e ampla quanto a estabelecida para a liberação comercial dos OGMs”. Por consequência, a liberação para plantio comercial somente ocorre para aqueles considerados seguros, e ainda assim mediante uma série de recomendações agronômicas, tais como estabelecimento de

53 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (grifo nosso);

áreas de refúgio, rotação com culturas não-transgênicas e isolamento periódico da área (SIQUEIRA E TRANIN, 2008).

Apesar de consistir em uma opinião técnica sobre o assunto e ainda que conclua favoravelmente à disseminação do OGM, nada impede que a União desautorize a disseminação, ou ainda que a condicione à realização de um estudo prévio de impacto ambiental, mesmo que a CTNBio não o tenha exigido por entender desnecessário.

A Lei de Biossegurança veda que os Ministérios autorizem a disseminação de OGM sem análise prévia do parecer da CTNBio. Mas o parecer da CTNBio não vincula a decisão final dos Ministérios. Assim, não se admite uma decisão final sem a opinião da CTNBio, mesmo que seja uma decisão em sentido contrário ao parecer, a qual, nesse caso, deve ser fundamentada expondo-se os motivos da discordância.

Desta forma, a decisão dos ministérios pode ser política, já que podem agir contrariamente à opinião técnica da CTNBio. Varela (2005, p. 32) explica que essas decisões políticas decorrem do fato de que “no setor de biotecnologia existem muitos elementos não-técnicos, como os políticos, oriundos da pressão de empresas multinacionais ou de organizações não-governamentais que têm receios contra as novas tecnologias aplicadas aos seres vivos”.

Para Noiville (2004, p. 343), qualquer regulamentação de risco supõe uma escolha política, pois de posse dos dados científicos, cabe ao responsável medir e optar pela medida de risco mais aceitável. E esclarece:

Toda medida de gestão de riscos sanitários compromete irredutivelmente escolhas políticas: uma vez os dados científicos na mão, a esfera política deve necessariamente cumprir sua parte. Assim, o Estado deve posicionar- se melhor para decidir entre os riscos que lhe parecem aceitáveis e aqueles que quer prevenir a qualquer custo.

Por outro lado, Magalhães (2005, p. 81) apresenta uma visão mais pessimista quanto ao viés das decisões políticas:

Infelizmente, como sabemos muitas decisões dos órgãos do Executivo – como o CTNBio – são políticas e tomadas não conforme o interesse da sociedade como um todo, mas conforme os interesses dos setores sociais mais fortes, articulados e com poder de pressão no governo, como o empresariado nacional e transnacional dos ramos da agroindústria e da biotecnologia, que são os maiores interessados na comercialização dos OGM, com a menor restrição possível.

Machado (2009) lembra que também as decisões técnicas da CTNBio, por serem atos administrativos, sujeitam-se à motivação ou fundamentação, posição também adotada por Wedy (2009, p. 70), para quem a motivação dos atos administrativos, mesmo que discricionários, é necessária principalmente em matérias que envolvam risco ambiental e à saúde, para fins de constatação dos níveis aceitáveis de probabilidade de ocorrência de eventos que possam gerar consequências gravosas ao meio ambiente.

Essa interpretação quanto à análise de risco por parte da CTNBio mereceu apreciação do Poder Judiciário em junho de 199954, conforme foi descrito no capítulo 2 deste trabalho, cabendo neste momento comentar novamente a respeito da referida ação judicial com enfoque no estudo prévio de impacto ambiental. Com base no princípio da precaução, a Justiça Federal impediu a comercialização de produtos transgênicos até que houvesse a apresentação de um estudo de impacto ambiental, entendido como o único mecanismo hábil a avaliar os riscos ante a incerteza dos danos potenciais da comercialização de OGM.

Essa decisão foi objeto de recurso de apelação55 e o Tribunal Regional Federal da Primeira Região reformou a decisão no ano de 2004. No voto de mais de 700 laudas seguido à unanimidade pelos demais integrantes do colegiado, a Ministra Relatora cita pareceres técnicos acostados aos autos, os quais demonstram ser desnecessário o estudo prévio de impacto ambiental para o caso específico.

Além da emissão de pareceres, também compete à CTNBio estabelecer normas sobre pesquisa envolvendo OGM conforme disposto no artigo 14, incisos I, II e XVI da Lei de Biossegurança. De acordo com Machado (2009, p. 1018), “a capacidade de inovação dessas normas é relativa, pois devem ajustar-se à Constituição Federal e à legislação relativa à saúde, à agricultura, ao meio ambiente, e às normas referentes à Ciência e Tecnologia”.

Compete ainda à CTNBio, nos termos do artigo 14, inciso XI da Lei de Biossegurança, a emissão de Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB),

54 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Ação Civil Pública n. 1998.34.00027682-0/DF. Autor: Instituto de Defesa do Consumidor – IDEC, Réu: Monsanto do Brasil S/A e a União. Juiz Federal Antônio de Souza Prudente, titular da 6ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal. Disponível em: <http://arquivo.trf1.jus.br/default.php?p1=199834000276820>. Acesso em: 30 set. 2011.

55BRASIL. Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Apelação Cível n. 0009785-21.2000.4.01.0000. Apelante:

Monsanto do Brasil S/A e outros, Apelado: Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Relatora: Ministra Selene Maria de Almeida. Diário da Justiça 01.09.2004. Disponível em: <http://arquivo.trf1.jus.br/default.php?p1=199834000276820>. Acesso em: 30 set. 2011.

atestando que a instituição que desenvolve atividades envolvendo OGM possui infra- estrutura adequada e condições técnicas para desempenho de seus trabalhos.

Além do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) e da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), a Lei de Biossegurança, no artigo 13, criou também as Subcomissões Setoriais, compostas por membros da CTNBio, que têm como objetivo dinamizar o trabalho do CNBS no âmbito dos ministérios.

Em resumo, a CTNBio atua em assuntos técnicos emitindo pareceres a respeito de OGM, o CNBS auxilia os Ministérios no ato de tomar a decisão final quanto à liberação de OGM após análise do parecer da CTNBio e as Subcomissões Setoriais auxiliam o CNBS na análise dos pareceres técnicos emitidos pela CTNBio. Esses três órgãos representam os meios instituídos pelas normas nacionais para atuar em matéria de biossegurança.

Após analisar a legislação nacional a respeito de OGM, este trabalho abordará a partir do próximo tópico a competência dos Estados para legislar sobre o assunto.