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3. A REGULAÇÃO INTERNACIONAL DE OGM

4.1. A SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA OMC

4.1.1. Noção e evolução da solução de controvérsias na OMC

O presente tópico abordará o mecanismo de solução de controvérsias na OMC, bem como a sua evolução e utilização pelos países-membros desde que foi originalmente idealizado com o objetivo de compreender o contexto em que foi instaurado e concluído o painel instaurado sobre os OGMs.

O surgimento da OMC ocorreu durante a Rodada Uruguai69. Na ocasião, os países membros trataram de assuntos relacionados ao comércio internacional e os acordos comerciais.

Além disso, os países membros organizaram um sistema para análise e verificação do cumprimento dos acordos entabulados durante a Rodada Uruguai. Esse sistema restou conhecido como Entendimento de Solução de Controvérsias (ESC), um acordo específico e obrigatório aos membros da OMC. O ESC envolve várias etapas até a sua conclusão sobre a análise do comportamento dos países membros quanto ao cumprimento dos acordos instituídos no âmbito da OMC,

inclusive com a possibilidade de aplicação de sanções ao país membro infrator (BARRAL, 2007).

O ESC possui a seguinte estrutura: um Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) formado por todos os Países-Membros; um Órgão de Apelação e uma lista de especialistas escolhidos para compor um painel que analisará a reclamação e emitirá um parecer.

O sistema anterior a essa nova estrutura de solução de controvérsias apresentava algumas diferenças que comprometiam o cumprimento dos acordos comerciais. Pela sistemática anterior, surgida do antigo GATT, para aplicação de sanções havia necessidade de um consenso geral e unânime de todos os países para reconhecer o descumprimento de algum acordo comercial. O sistema era bastante frágil, pois bastava que o país infrator discordasse da sanção para que o consenso não ocorresse. Essa fórmula é conhecida como “consenso positivo” (THORSTENSEN, 2003).

Lampreia (1997, p. 12) criticou a fórmula do consenso positivo apresentando-o como uma das grandes lacunas no arcabouço jurídico do comércio internacional, em face da necessidade de um sistema de solução de controvérsias que efetivamente fosse mandatário e eficaz. Toulmin (1997, p. 25) também criticou o modelo vigente declarando que o consenso positivo sofria de um “grande defeito, pois qualquer uma das partes, mesmo a que perdeu, tinha o direito de bloquear a operação do sistema de solução de controvérsias”.

A nova sistemática inverteu a fórmula do consenso positivo, recebendo a denominação de “consenso negativo”. Através do novo sistema, caso se constate o descumprimento de um acordo comercial no âmbito da OMC, o reconhecimento dessa infração somente pode ser afastada se todos os países concordarem.

Thorstensen (2003, p. 371) comenta o consenso negativo da seguinte forma:

O novo sistema é mais forte, porque o relatório do painel passa a ser obrigatório, exigindo que o novo Órgão de Solução de Controvérsias derrube a decisão por consenso, o que é muito mais difícil de ser conseguido. É o chamado consenso negativo, que garante a automaticidade das decisões do Órgão.

De igual forma, Barral (2007, p. 53) ao discorrer sobre a possibilidade de não se atingir o consenso negativo comenta que “esta hipótese até hoje nunca ocorreu, e

dificilmente ocorrerá, pois no mínimo o Membro vencedor terá interesse em que o relatório do painel ou do Órgão de Apelação, se houver recurso, seja confirmado”. Assim, Lafer (apud Prazeres, 2003, p. 34) afirma que:

A função do consenso, como medida de construção de confiança (confidence bulding measure), é a de reduzir o medo de se vincular por uma decisão não desejada, contribuindo desta forma para a segurança jurídica de todos os membros da OMC.

O consenso negativo outorgou mais força à OMC, conferindo uma maior garantia no cumprimento dos acordos comerciais, pois o descumprimento acarreta sanções ao infrator. As sanções não são aplicadas diretamente pela OMC. Esta apenas autoriza que o país membro vencedor da disputa aplique retaliações ao país membro infrator. A retaliação pode consistir no aumento de tarifas de exportação até a compensação das perdas sofridas em virtude do descumprimento do acordo.

Outra novidade do novo sistema de solução de controvérsias consistiu na criação de uma segunda instância, que funciona como um Tribunal de Apelação.

Toulmin (1997, p. 34) elogia os avanços e o sucesso do novo sistema de solução de controvérsias:

Para o momento é suficiente que tenhamos uma visão inteiramente positiva para aplaudir o sucesso do sistema onde os países de todos os tamanhos, do ponto de vista físico e econômico, estarão preparados para usar e resolver suas disputas.

A criação de um Tribunal de Apelação e a substituição do consenso positivo pelo consenso negativo garantiram eficácia ao sistema de solução de controvérsias na OMC, permitindo que os membros pudessem recorrer ao órgão no sentido de tornar equânimes as relações comerciais internacionais.

Desde a instituição do atual modelo, 424 disputas foram trazidas para análise pela OMC, o que demonstra a credibilidade dos países no sistema de solução de controvérsia. Os países recorreram à OMC alegando descumprimento das regras do comércio internacional conforme demonstra a tabela 5 abaixo:

Tabela 5 - Organização cronológica das disputas na OMC

Ano 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Disputas 25 39 50 41 30 34 23 37 26

Ano 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011

Disputas 19 12 20 13 19 14 17 5

Fonte: ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/dispu_status_e.htm>. Acesso em: 18 set. 2011.

É importante destacar que das 424 disputas, 137 ainda estão na fase de consultas entre as partes, algumas inclusive desde a instituição do atual sistema de solução de controvérsias. Esse número representa aproximadamente um terço das disputas.

A tabela 6 discrimina as consultas em andamento e especifica desde o momento em que se encontram nesta fase:

Tabela 6 - Consultas em andamento na OMC

Data Referência do caso (137 casos)

Desde 1995: DS3, DS15, DS16, DS17, DS25 Desde 1996: DS29, DS30, DS41, DS45, DS47, DS49, DS51, DS52, DS53, DS57, DS61, DS63 Desde 1997: DS65, DS66, DS71, DS78, DS80, DS81, DS97, DS100, DS101, DS104, DS105, DS107, DS109, DS111, DS112 Desde 1998: DS116, DS117, DS118, DS120, DS123, DS127, DS128, DS129, DS130, DS131, DS133, DS134, DS137, DS140, DS143, DS144, DS145, DS147, DS148, DS149, DS150, DS153, DS154 Desde 1999: DS157, DS158, DS159, DS167, DS168, DS172, DS173, DS180, DS182, DS183, DS185 Desde 2000: DS186, DS187, DS191, DS197, DS200, DS201, DS203, DS205, DS208, DS209, DS215, DS216, DS218 Desde 2001: DS220, DS223, DS224, DS225, DS226, DS229, DS230, DS233, DS239, DS242 Desde 2002: DS256, DS262, DS263, DS271, DS272, DS274, DS275, DS278, DS279 Desde 2003: DS288, DS289, DS300, DS303, DS304

Desde 2004: DS307, DS310, DS314, DS318, DS319, DS324 Desde 2005: DS325, DS328, DS330, DS333 Desde 2006: DS338, DS346, DS349 Desde 2007: DS361, DS364, DS368 Desde 2008: DS370, DS380, DS385, DS387, DS388 Desde 2009: DS390, DS393 Desde 2010: DS407, DS408, DS409, DS410, DS411, DS412, DS419 Desde 2011: DS420, DS422, DS423, DS424

Fonte: ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Disponível em:

,http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/dispu_current_status_e.htm>. Acesso em: 18 jul. 2011.

A demora na conclusão desta fase pode ser explicada pelo espírito do próprio mecanismo de solução de controvérsias, com objetivos declarados de buscar uma composição por meio do entendimento entre as partes.

Também durante a fase de consulta, as partes são ouvidas com a finalidade de explicar as medidas impostas. Nessa fase, são analisados os questionamentos do país-membro que entendeu que as medidas contrariaram as regras da OMC, circunstância que demanda tempo para colher as informações necessárias.

O caso específico envolvendo os OGMs na OMC representou uma exceção a essa regra de demora na fase de consultas. A consulta à OMC ocorreu em maio de 2003 e o painel foi instaurado em março de 2004, ou seja, menos de um ano após a consulta. O curto espaço de tempo demonstra a ânsia dos Reclamantes (Estados Unidos, Canadá e Argentina) contra a Reclamada (União Europeia), eis que a moratória aplicada aos transgênicos pela Reclamada perdurava desde o ano de 1998 (CARDOSO, ALMADA E MIRANDA, 2009).

Dentre os países que mais figuram em disputas na OMC, destacam-se os Estados Unidos e a União Europeia, e o painel a respeito de OGM é mais um desses casos que envolvem ambos os países.

Tabela 7 - Países com maior número de disputas na OMC

PAIS-MEMBRO70 Disputas Disputas como

Reclamante Disputas como Reclamado

Estados Unidos 200 97 113 União Europeia 153 83 70 Canadá 49 33 16 Brasil 39 25 14 Índia 39 19 20 México 35 21 14 Argentina 32 15 17 China 29 8 21 Japão 29 14 15 Chile 23 10 13 Austrália 17 7 10

Fonte: ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Disponível em: <http://www.wto.org/english/tratop_e/dispu_e/dispu_by_country_e.htm>. Acesso em: 18 jul. 2011.

O maior número de disputas ocorreu entre os Estados Unidos e a União Europeia, totalizando 51, sendo 19 reclamações movidas pelos Estados Unidos contra a União Europeia e 32 reclamações da União Europeia contra os Estados Unidos71.

O número de disputas levadas à OMC, principalmente nos primeiros anos após a instituição no novo sistema de resolução de controvérsias, demonstra a confiança depositada pelos países membros.

De qualquer forma, a verificação do cumprimento dos acordos comerciais multilaterais e a consequente aplicação de sanções envolve todo um processo, com fases, prazos e trâmites específicos com direito de manifestação e defesa por todos os países diretamente envolvidos no conflito apresentado, conforme exposição mais detalhada no próximo tópico deste trabalho.

70 Não computadas as participações em disputas na condição de terceiros interessados.

71 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Disponível em: