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Filhos de Brutus : Revolução brasileira e modelo crítico de Florestan Fernandes (1945-1964)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

RICARDO RAMOS SHIOTA

FILHOS DE BRUTUS:

REVOLUÇÃO BRASILEIRA E MODELO CRÍTICO DE FLORESTAN FERNANDES (1945-1964)

CAMPINAS 2016

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RICARDO RAMOS SHIOTA

FILHOS DE BRUTUS:

REVOLUÇÃO BRASILEIRA E MODELO CRÍTICO DE FLORESTAN FERNANDES (1945-1964)

Tese apresentada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Sociologia, na Área de Teoria e Pensamento Sociológico.

Orientador: RUBEM MURILO LEÃO REGO ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À

VERSÃO FINAL

DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO RICARDO RAMOS SHIOTA,

E ORIENTADA PELO PROF. DR. RUBEM MURILO LEÃO REGO

____________________________

CAMPINAS 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

A Comissão Julgadora dos trabalhos de Defesa de Tese de Doutorado, composta pelos Professores Doutores a seguir descritos, em sessão pública realizada em 31/03/2016, considerou o candidato Ricardo Ramos Shiota aprovado.

Profa. Dra. Ana Maria Motta Ribeiro Prof. Dr. André Pereira Botelho Prof. Dr. Angelo Del Vecchio Prof. Dr. Aluísio Schumacher

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

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Dedico este trabalho a Paulo Kazumi Shiota (in memoriam)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à Ricarda Canozo, amável mulher, por ter estado presente desde quando me inscrevi no doutorado. Sou grato ao apoio da família dela: Ana, Sofia, Cida Neno, Mila, Bil e Pedro e demais. Sou grato também ao apoio de minha mãe Suely e de meus irmãos Isabela e Isaías e compreensão de meus demais familiares da minha ausência.

Sem o trabalho dos bibliotecários esta tese também teria sido mais difícil. Sou grato, principalmente, à Júlia da bilioteca do IFCH. Sou grato ao Bene pelas cópias, ao Beneti por sempre ser prestativo e atencioso na manutenção e resolução dos problemas do prédio do Instituto. Agradeço ao meu orientador Rubem Murilo Leão Rego pelas sugestões ao longo do desenvolvimento do trabalho. Sou grato ao professor Nildo Ouriques que me enviou seu, até então, desconhecido texto sobre Florestan Fernandes publicado no México em uma coletânea organizada por Ruy Mauro Marini sobre o pensamento latino-americano e ao professor Gilson Volpato e o seu método lógico de redação científica.

Agradeço os alunos e as alunas dos cursos de graduação da Unicamp que participaram das disciplinas que ministrei – A sociologia de Florestan Fernandes, Estrutura e estratificação

social e Formação da sociedade brasileira–, através do Programa de Estágio Docente por três

semestres, de fevereiro de 2012 a agosto de 2013. Uma experiência muito construtiva e importante para minha formação.

Sou intelectualmente grato aos professores do IFCH: Josué Pereira da Silva, Jesus Ranieri, Sílvio Camargo, Fernando Lourenço, Élide Rugai Bastos, Mariana Chaguri, Mário Medeiros. Também agradeço aos membros da banca pelas sugestões: André Botelho, Aluísio Schumacher, Angelo Del Vecchio e Ana Motta Ribeiro. Sou grato ao Wilson Vieira e ao Lucas Batista pelos tempos que participei do Centro de Estudos Brasileiros. Agradeço Janaina Sevá, Sara Freitas, Raffaella Fernandez, Ulisses, Felipe, Igor , Nego Léo e Tom e aos meus amigos e colegas pela amizade e companheirismo.

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Continental Drift [Deriva continental], 1986. Lápis, pastel e tinta sobre papel, 129,5 x 109,25 cm. Coleção: Estateof Juan Downey – Marilys B. Downey.

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É necessário imolar os filhos de Brutus para consolidar a liberdade recém-conquistada.

Nicolau Maquiavel - Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio.

Articular o passado historicamente não significa conhecê-lo "tal como ele propriamente foi". Significa apoderar-se de uma lembrança tal como ela lampeja num instante de perigo. Importa ao materialismo histórico capturar uma imagem do passado como ela inesperadamente se coloca para o sujeito histórico no instante do perigo. O perigo ameaça tanto o conteúdo dado da tradição quanto os seus destinatários. Para ambos o perigo é único e o mesmo: deixar-se transformar em instrumento da classe dominante. Em cada época é preciso tentar arrancar a transmissão da tradição ao conformismo que está na iminência de subjugá-la. [...]. O dom de atear ao passado a centelha da esperança pertence somente àquele historiador que perpassado pela convicção de que também os mortos não estarão seguros diante do inimigo, se ele for vitorioso. E esse inimigo não tem cessado de vencer.

Walter Benjamin – Sobre o conceito de história.

Vocês produzem a miséria; E nos impedem de chegar a nível social.

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RESUMO

A tese objetiva demarcar, no plano das ideias e das formas, a existência de continuidades, rotinizações e instabilidade semântica nos diferentes usos da categoria revolução brasileira no pensamento social e político elaborado no interregno democrático (1945-1964), destacando a problemática das classes dominantes. O trabalho divide-se em duas partes e sugere que, por meio da reconstrução do léxico e leitura imanente, é possível qualificar o sociólogo Florestan Fernandes como teórico crítico. A primeira parte delineia a história dos usos do conceito de revolução brasileira e das referências às classes dominantes, analisando um conjunto de livros do pensamento político. A segunda parte apresenta o modelo crítico de Florestan Fernandes a partir dos textos escritos pelo catedrático até 1964. O autor atua e inova sobre o léxico, pois revela os dilemas social, racial e educacional brasileiros ao discutir a revolução burguesa, pensada no plano da história de média e longa duração à luz da contrarrevolução, da resistência às mudanças, do jogo de forças instituído na sociedade, das ideologias elaboradas pelas classes dominantes e seus intelectuais. Para Fernandes, a revolução brasileira depende de consciência social, organização política e ação coletiva dos agentes marginalizados, trabalhadores e demais interessados. Pode ser mudança social dentro da ordem – criação de novo horizonte cultural, instituição de controles sociais democráticos, ampliação das liberdades individuais e garantias sociais, efetivação da emergência dos agentes marginalizados na história, nos processos políticos deliberativos –, e, por conseguinte, pode ser mudança social contra a ordem – no sentido da superação da autocracia burguesa. No conjunto, a tese rememora uma linhagem de autores que versaram sobre a categoria e a problemática da revolução brasileira antes de 1964.

PALAVRAS-CHAVE: Fernandes, Florestan; 1902-1995; Revoluções – Brasil; Classes Sociais; Sociologia – História; Teoria Crítica;

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ABSTRACT

This thesis intends to demarcate, in terms of ideas and forms, the existence of continuities, semantic routinization and instabilities in the different uses of the Brazilian revolution category in social and political thought developed in the democratic interregnum (1945-1964), highlighting the problem of the dominant classes. The work is divided into two parts and suggests that through the reconstruction of the lexicon and immanent reading, is possible to qualify the sociologist Florestan Fernandes as critical theorist. The first part presents the history of use of the concepts of Brazilian revolution and of the references to the dominant classes, analyzing a set of books of political thought. The second part presents the Florestan Fernandes´s critical model from texts written by him until 1964. The author operates and innovates on the lexicon, when discussing the subjects of social change, revolution and dominant classes in Brazil. He presents revolution through long term History, as he does with the subjects of counterrevolution, change resistance, political and sociological games instituted on the Brazilian society, and ideologies produced by the dominant classes and their intellectuals. For Fernandes, a Brazilian revolution depends on social consciousness, political organization and collective action of marginalized agents, workers and other interesteds. It can be social change within the order - creation of new cultural horizon, establishment of democratic social controls, expansion of individual freedoms and social guarantees, effectivation of the emergence of marginalized actors in history, in the deliberative political processes - and therefore can be social change against the order - in the sense of overcoming the bourgeois autocracy. Overall, the thesis recalls a line of authors who wrote about the problematic and category of the Brazilian revolution before 1964.

KEY WORDS: Fernandes, Florestan; 1902-1995; Revolutions – Brasil; Social Classes; Sociology – History; Critical Theory;

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 1

PARTE I: HISTÓRIA DO CONCEITO DE REVOLUÇÃO BRASILEIRA E CLASSES DOMINANTES NO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO (1958-1964) ... 9

1.1 INTRODUÇÃO ... ...9

1.2 GENEALOGIA DO CONCEITO DE REVOLUÇÃO BRASILEIRA ... 20

1.3 REVOLUÇÃO BRASILEIRA E CLASSES DOMIANTES: DA QUARTELADA AO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA COM INDEPENDÊNCIA ECONÔMICA, DEMOCRACIA E SOBERANIA NACIONAL ... 27

1.3.1 RUPTURA COM O LATIFÚNDIO E COM O IMPERIALISMO ... 31

1.3.2 AMPLIAÇÃO DO REGIME DEMOCRÁTICO E ESTATIZAÇÃO DA EXPLORAÇÃO DE NOSSAS RIQUEZAS ... 38

1.3.3 PROCESSO GLOBAL DE MUDANÇAS ESTRUTURAIS E CULTURAIS . 44 1.3.4 CONSCIÊNCIA CRÍTICA E PROTAGONISMO DAS MASSAS ... 49

1.3.5 INDUSTRIALIZAÇÃO E INTERNALIZAÇÃO DOS CENTROS DE DECISÃO... 59

1.3.6 REFORMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA E ATITUDE PARENTÉTICA ... 69

1.3.7 DESCOLONIZAÇÃO E SENSIBILIDADE PARA O CONCRETO PENSADO 79 1.4 A REVOLUÇÃO BRASILEIRA COMO DESENVOLVIMENTO SOCIALISTA CONTRA AS CLASSES DOMINANTES ... 86

1.4.1 VIA PACÍFICA ... 91

1.4.2 DIREITO DE REVOLUÇÃO E LIBERDADE DE VIVER ... 91

1.4.3 INIMIGOS DO POVO ... 96

1.4.4 PROTAGONISMO DE OPERÁRIOS E CAMPONESES ... 101

1.5 VIA DO CONFLITO ARMADO ... 105

1.5.1 LUTA ARMADA E CONSTITUIÇÃO DE UMA BASE TERRITORIAL .... 105

1.5.2 INSURREIÇÃO DEFENSIVA ... 108

PARTE II: REVOLUÇÃO BRASILEIRA E CLASSES DOMINANTES NO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO ... 114

1.6 INTRODUÇÃO ... 114

1.7 RECUSA E SILÊNCIO: O CONCEITO DE REVOLUÇÃO BRASILEIRA NO PENSAMENTO SOCIOLÓGICO BRASILEIRO E CLASSES DOMINANTES ... 117

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1.8 CONTEMPORIZAÇÃO OU ANIQUILAMENTO DAS RAÍZES IBÉRICAS120

1.9 O NORDESTE, A CASA GRANDE E A REVOLUÇÃO BRASILEIRA ... 128

1.10 FOLCLORISTAS, INTELECTUAIS REGIONALISTAS E CONTRAPONTO DE FLORESTAN FERNANDES ... 134

1.11 OS DOIS BRASIS E A REVOLUÇÃO BRASILEIRA ... 139

1.12 TERRA DE CONTRASTES: UMA CRÍTICA AOS DOIS BRASIS ... 146

1.13 RESISTÊNCIAS À MUDANÇA ... 149

1.14 EMPRESARIADO INDUSTRIAL E DESENVOLVIMENTO ... 159

PARTE III: MODELO CRÍTICO DE FLORESTAN FERNANDES (1954-1964), MUDANÇA SOCIAL E CLASSES DOMINANTES ... 164

1.15 INTRODUÇÃO ... 164

1.16 PESQUISAS EMPÍRICAS POR EMANCIPAÇÃO ... 170

1.17 TRAÇOS DE UM MODELO TEÓRICO ... 176

1.17.1 CONCEITO DE MUDANÇA SOCIAL... 193

1.17.2 TEORIA DA MUDANÇA SOCIAL DE FLORESTAN FERNANDES ... 197

1.18 REVOLUÇÃO SOCIAL E REVOLUÇÃO BURGUESA ... 206

1.18.1 PERSISTÊNCIA DO PASSADO ... 216

1.18.2 REVOLUÇÃO BURGUESA E MARGINALIZAÇÃO ... 223

1.18.3 DEMOCRACIA E (DES) RACIALIZAÇÃO DA ECONOMIA-POLÍTICA . 231 1.18.4 FILHOS DE BRUTUS ... 239

1.18.5 CARRUAGEM DA REAÇÃO ... 251

CONCLUSÃO ... 262

REFERÊNCIAS ... 266

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APRESENTAÇÃO

A República romana (509-390 a. C), para muitos pensadores políticos, é a expressão máxima do princípio de governo republicano ao longo da história ocidental, em razão das virtudes políticas praticadas pelos romanos ao longo de 120 anos, entre 509-390 a.C.. Segundo o historiador Tito Lívio (1997), a implantação da República Romana, porém, foi bastante árdua e aconteceu em meio a, pelo menos, três tragédias, episódios que, séculos mais tarde, despertaram a argúcia e tornaram-se objeto de reflexão de Nicolau Maquiavel (1979). Em razão de que partimos desta reflexão de Maquiavel para interpelar o pensamento político e sociológico e questionar a história política brasileira, é conveniente conhecer mais de perto a narrativa de Tito Lívio sobre os eventos.

Antes disso, para elucidar a problemática em jogo, cabe lembrar com Montesquieu (1973), a distinção, pautada na história romana, dos princípios políticos monárquico e republicano.

Conforme o pensador citado, o princípio monárquico fundamenta-se na desigualdade, pois cria distinções, preeminências, hierarquias sociais, uma nobreza de origem apegada à honra, que significa preferências, privilégios e distinções. Já o princípio político republicano, segundo Montesquieu (1973), é lastreado na igualdade e no compromisso com a coletividade, baseia-se na virtude política dos cidadãos, que não são virtudes morais ou religiosas. O princípio republicano dá origem a duas formas: democrática ou autocrática; uma na qual o povo em seu conjunto possui o poder soberano; e, outra, na qual apenas uma parte do povo usufrui o poder de Estado. Nota-se que, apesar das formas diversas assumidas pelo princípio republicano, este ele é muito distinto do princípio político monárquico. Assim sendo, como se dá a transição da forma de organização política monárquica para a republicana? Ocorre de forma súbita, automática, linear, sem dificuldades, conflitos e resistências?

Na história de Roma o fim da monarquia romana antiga, segundo Tito Lívio (1997), deveu-se a três tragédias: a tragédia de Lucrecia, a tragédia ligada aos filhos de Brutus, Tito e Tibério, e a tragédia do próprio Lucius Junius Brutus, exemplo de homem virtuoso, do ponto de vista do princípio republicano. A monarquia romana durou entre 753-509 a. C. O final foi precipitado pela tragédia de Lucrecia, que provocou a queda do rei

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Tarquínio, o Soberbo, seguida pela eleição dos primeiros cônsules Lucio Junios Brutus e Lucio Tarquínio Colatino.

Antes disso, segundo Tito Lívio (1997) Lucius Junius Brutus, filho de Tarquínia, a irmã do rei, ao saber que seu tio materno, o rei Tarquínio, o Soberbo, mandou matar os principais cidadãos, entre eles seu irmão, Brutus fez-se de ingênuo para não despertar o temor de seu tio. A população de Roma, miserável, já se voltava contra o soberano em razão de ser empregada durante muito tempo em tarefas manuais, consideradas na época trabalho de escravos. Os súditos também se rebelavam e em razão das atitudes de arrogância e intolerância do monarca.

Tito Lívio (1997) narra que Sexto Tarquínio, filho do rei e primo de Brutus, ao passar uma noite como hóspede na casa de Lucrecia a estupra, sob ameaças de morte. Lucrecia, abatida pelo ocorrido escreve para seu pai, Tricipitino, e seu marido, Espúrio Lucrécio, pedindo que voltassem com urgência a Roma, acompanhados de seus amigos mais fiéis. Retornam junto com Públio Valério e Lucius Junus Brutus. Depois de contar-lhes o ocorrido, em nome da própria honra, Lucrecia empunha uma faca que guardava escondida na vestimenta e a crava no coração, em meio aos gritos de seu marido e de seu pai. Brutus retira o punhal do corpo de Lucrecia e promete vingança contra seu primo e contra toda a realeza com a intenção de libertar Roma para sempre da tirania.

O crime comove a população romana que se volta contra o rei, de acordo com Tito Lívio (1997). A juventude plebeia e nobre se arma, liderada por Brutus marcha sobre Roma para vingar-se de Sexto Tarquínio, que é morto pelo exército republicano. O rei Tarquínio, o Soberbo é desterrado para o Campo de Marte com a mulher e os filhos. Lucius Junius Brutus e Lucio Tarquínio Colatino se tornam os cônsules da república romana. No entanto, a reação dos que foram deslocados do poder estava por vir.

Os Tarquínios, segundo Tito Lívio (1997), eram a antiga nobreza, habituados a reinar, a desfrutar de privilégios, não aceitavam viver como simples cidadãos, e o cônsul Tarquínio Colatino era um perigo para a liberdade instituída. Brutus declara em público que não toleraria quaisquer atos de restauração da monarquia e solicitava a Lucio Tarquínio Colatino que aderisse a república, renunciando seu sobrenome, como fizera Brutus. Porém, a nova situação igualitária imposta pela República não agradava a antiga nobreza, acostumada a viver de privilégios. Os nobres se queixavam da liberdade do povo, que os convertiam de

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senhores a escravos. Se o rei atendia os favores da nobreza, a lei republicana era denunciada pela nobreza como ―força surda e inexorável‖, vantajosa apenas para a plebe.

Conforme a narrativa histórica de Tito Lívio (1997), nos primeiros anos conturbados da república romana, após a expulsão da nobreza que estava no poder, ocorre uma conspiração para restaurar a monarquia e o despotismo anterior, contra a liberdade e as leis republicanas recém instauradas. Os emissários enviados da família real, que estava no exílio, ao mesmo tempo em que reclamavam os bens daquela ao Senado, conspiravam a restauração através de agitação política violenta, tumulto, insurreição, conjuração, rebelião, levante e distúrbio com o apoio dos jovens nobres guerreiros. Os Tarquínios levam a diante seus propósitos de restauração da monarquia em Roma. Contam com o apoio dos filhos de Brutus, Tito e Tibério, os quais aderem à conspiração contra o próprio pai. Todavia, a conspiração dos antigos beneficiários do poder foi descoberta por um escravo, que denunciou os intentos restauradores dos Tarquínios. Mais tarde o escravo foi recompensado com a liberdade, com dinheiro do tesouro público e cidadania romana.

Lucius Junius Brutus detém a conspiração de seus filhos antes de ser desencadeada. O senado republicano nega a restituição dos bens da família real e os entrega ao povo, que saqueia as propriedades da nobreza. Os conspiradores tornaram-se inimigos da república e são julgados. Coube a Brutus, o cônsul, presidir o julgamento de seus filhos desleais. Em nome dos princípios políticos republicanos, Brutus ordenou o castigo de todos os envolvidos, inclusive de seus próprios filhos, jovens da mais alta nobreza, que foram imolados na frente do pai. Conforme o relato de Tito Lívio (1997, p.276)

Desnudan a los reos, los azotan con las varas y los hieren de muerte con el hacha: durante todo este tiempo los ojos del público contemplan al padre, su semblante, su expresión, donde despuntaban al los sentimientos paternales en medio su pública función de justicia.

Depois deste episódio ocorre a terceira tragédia ligada à implantação da república romana. Segundo Tito Lívio (1997), os Tarquínios declaram guerra contra Roma e iniciam as hostilidades. Ao lutar contra o exército inimigo, Lucius Junius Brutus morre durante uma batalha, na qual comandava a cavalaria, em defesa da República Romana. Naquela época os generais agiam motivados pela honra, participavam em pessoa na linha de frente das batalhas. Brutus morre defendendo a república romana.

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Séculos mais tarde, Maquiavel (1979), ao contrário da tradição cristã, identifica virtude nas ações de Brutus, no sentido do ideal antigo do ―bem-viver‖, que vai além do simples fato do "viver-junto‖ – pois, a virtú está em oposição à sorte e Brutus é considerado o ―pai da liberdade em Roma‖, revela bem isso. Conforme Maquiavel, Brutus ao se fingir de louco e ingênuo ensina que, antes de agir, de lutar ou declarar guerra contra o inimigo, é necessário pesar bem as próprias forças políticas. Ademais, a reflexão mais profunda que Maquiavel (1979, p.317) extrai das ações políticas de Brutus em defesa da república e nos interessa de perto, consiste no seguinte:

Os que estudaram com cuidado a história da antiguidade estarão convencidos de uma coisa: quando há uma revolução (a transformação de uma república em tirania, ou de uma tirania em república), faz-se necessário algum exemplo que atemorize os inimigos das novas instituições. Quem se apodera da tirania e deixa Brutus vivo é logo derrubado, como também quem funda um Estado livre e não imola os filhos de Brutus.

Assim, nos processos de grandes transformações políticas de uma sociedade, para salvaguardar a liberdade recém-conquistada, segundo Maquiavel, é necessária a severidade demonstrada por Brutus contra aqueles que se beneficiavam do antigo regime. Para além de juízos morais ou religiosos, esse ato faz parte da política, uma dimensão particular das relações humanas que, segundo Maquiavel (1979), consiste na tomada e manutenção do poder político.

Lastreado nesta reflexão, podemos indagar se as principais transformações políticas, econômicas e sociais da república brasileira imolaram os filhos de Brutus, os quais representam os beneficiários da antiga ordem monárquica, ou Brutus, que simboliza as virtudes republicanas? Como o pensamento político e sociológico republicano brasileiro, elaborado antes do golpe de 1964 refletiu esta questão? A presente tese delimita o ano de 1964 como marco temporal da análise, porque neste ano ocorreu uma mudança política, o golpe empresarial militar, que transformou o contexto intelectual doravante. Além disso, o recorte facilitou a escolha de um repertório de textos. É arbitrário e essa delimitação não significa que defendo a existência de uma ruptura epistemológica na obra de Florestan Fernandes, como apontou Bárbara Freitag (1987).

Conforme Robert Blackey (1982), as revoluções estão entre os fenômenos sociais mais extraordinários. Elas interpretam, marcam o passado e criam promessas ao futuro. O sonho da revolução envolve o desejo das pessoas de poderem controlar seus próprios destinos

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e construírem uma vida, comunidade, nação ou República extremamente melhorada, se não desconstruída e renovada totalmente. A ideia moderna de revolução significou a possibilidade de criação de uma nova ordem e de um novo homem, o inicio de uma história, renovada. Regularmente, revoluções tendem a envolver mais de um país e problemas internacionais. Como os golpes e rebeliões tendem a serem endêmicos, eles são geralmente previsíveis, frequentes, e distintos em certa área geográfica. As revoluções, pelo contrário, são epidêmicas; sua ocorrência é pouco usual e geralmente inesperada. Na América Latina, por exemplo, golpes e rebeliões têm sido endêmicos no século vinte, enquanto que revoluções genuínas são na mesma medida raras.

Na historiografia da esquerda brasileira, muitos trabalhos foram dedicados a refletir sobre as razões da derrota política sofrida em 1964, identificada pelos golpistas à revolução brasileira, contextualizando os movimentos e partidos de esquerda com a época vivida por eles e que dava sentido no tempo às suas ações (Moraes, 1989; Reis Filho, 1990; Ridenti, 1993).

Marco Aurélio Garcia (1997, p.40), ao fazer um balanço historiográfico em torno do conceito de revolução no Brasil, mostra ―o paradoxo de pensar a revolução em um país onde nunca houve uma revolução, onde ela é muito mais um conceito, construído de modo canhestro, do que uma experiência histórica vivida‖. Pondera e conclui que a visão economicista e catastrófica da história, que deduz as possibilidades da revolução da crise do capitalismo, estabelecendo uma relação causal entre ambos, como se não houvesse possibilidade contrária de triunfo da contrarrevolução, assim como a disjunção entre reforma e revolução, presentes nalgumas concepções da revolução brasileira no pensamento político, são concepções datadas. Porém, se alargarmos o conceito de esquerda, veremos que tais concepções não eram dominantes.

Concordo com Daniel Aarão Reis Filho (1997) a respeito da conclusão de seu balanço historiográfico. ―Enquanto a historiografia de esquerda não assumir a tradição trabalhista como uma vertente de esquerda, ela estará decisivamente empobrecendo a reflexão sobre a esquerda brasileira, ela estará mutilando a história da esquerda brasileira‖. Amparando-me em um conhecido prefácio de Antônio Cândido, é inegável: essa literatura sobre a revolução brasileira é galho secundário da literatura escrita no contexto das grandes revoluções sociais burguesas e socialistas feitas por outros povos.

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Comparada às grandes, a nossa literatura [sobre a revolução] é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e se não a amarmos ninguém o fará por nós. Se não lermos as obras que a compõem, ninguém as tomará do esquecimento, descaso e incompreensão. Ninguém, além de nós, poderá dar vida a essas tentativas muitas vezes débeis, outras vezes fortes, sempre tocantes, em que os homens do passado, no fundo de uma terra inculta, em meio a uma aclimação penosa da cultura europeia, procuravam estilizar para nós, seus descendentes, os sentimentos que experimentavam, as observações que faziam, - dos quais se formaram os nossos (CÂNDIDO, 2000, p.10).

Assim, não obstante as análises críticas, como a de Garcia (1997), nenhum texto ou tese foi escrito, tomando com base essa reflexão de Maquiavel, tendo em vista historiar os diferentes usos do conceito de revolução brasileira no pensamento sociológico e político entre 1945 e 1964, conectados aos modos pelos quais as classes dominantes aparecem em tais formulações, destacando a presença de Florestan Fernandes neste debate em termos da elaboração de uma teoria crítica da sociedade brasileira.

A categoria revolução codifica um campo interpretativo e político sem dissociar essas dimensões. Skinner (2007a) ensina que os usuários da linguagem não partilham as mesmas percepções sociais, de modo que o mesmo conceito pode ser empregado com diferentes sentidos e usos por um mesmo intelectual em contextos diferentes. O mesmo conceito muda de significado conforme os vocabulários políticos usados para exprimi-lo. O mesmo conceito é visto de modo distinto pelas diferentes classes sociais e grupos, sendo condicionado conforme interesses específicos dos intelectuais, do grupo que fazem parte e da classe social que defendem. O mesmo conceito exprime formas diferentes e contrapostas de os agentes situados em espaços sociais e vocabulários diferentes verem e experimentarem o mundo.

A literatura sobre a revolução brasileira escrita antes do golpe de 1964 pelos intelectuais brasileiros com vistas a transformar o país ainda fornece um conjunto de argumentos para interpelar a sociedade nacional. A não transformação da estrutura brasileira mantém quase a mesma realidade na qual os autores pensaram o Brasil. Pelo menos, desde 1950,

[...] houve profundas mudanças, mas nenhuma mutação ontológica radical de uma inteira constelação histórica; as modificações cíclicas ocorridas, o aparecimento de novas concepções, teorias e interpretações em resposta aos problemas postos pelo desenvolvimento social, não alteraram ou não esgotaram a estrutura básica da realidade sobre a qual nossos escritores refletem (BRANDÃO, 2007, p. 31).

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O conceito de revolução brasileira, por se tratar de uma abstração repleta de promessas não realizadas, ainda é um conceito importante para a luta política contemporânea e merece ter seus usos passados conhecidos a partir da crítica imanente. Procedimento que consiste, segundo Adorno (2008), em confrontar o conceito com as suas pretensões e limites, cobrar as promessas não realizadas pelos conceitos. Afinal, a ―atitude de desconsiderar como liquidado ou ultrapassado qualquer fenômeno sociológico em relação ao qual algum professor expressou alguma crítica significa privar os estudos do que é mais fecundo para os mesmos‖ (ADORNO, 2008, p.252). Sem a postura de crítica imanente, o crítico se situa em uma posição superior, em razão de uma pretensa informação, acredita poder se colocar por cima das coisas, deixando de fazer justiça ao objeto.

A maioria dos autores estudados aponta no mesmo sentido: as transformações políticas ao longo da história republicana brasileira se processaram sem que os filhos de Brutus, os beneficiários da antiga ordem, as classes dominantes de bases agrárias fossem eliminadas da cena histórica junto com seus fundamentos econômicos e políticos. Ao longo da leitura será possível notar que apenas Brutus tem sido eliminado da participação política na história republicana brasileira. Brutus simboliza os princípios republicanos, as ideologias avançadas que defendem os interesses da classe trabalhadora, dos desvalidos, dos espoliados, dos esbulhados, dos marginalizados, dos explorados, da maioria do povo brasileiro subjugada pelo bloco de poder das classes dominantes locais e forâneas.

Florestan Fernandes não ficou indiferente aos temas políticos, à literatura sobre a revolução brasileira, reagiu às principais teses que circulavam em seu tempo, quando era professor da USP na Cadeira de sociologia I. Existe centralidade da questão da revolução social em toda a obra do sociólogo paulista de interpretação do Brasil. Revolução social e revolução burguesa são temas nucleares nos livros de Florestan Fernandes de interpretação da sociedade brasileira, servem de ponto de referência teórica para suas pesquisas empíricas.

Mostraremos que Florestan Fernandes, ao interpretar a problemática da revolução e dissertar sobre as classes dominantes produz uma teoria crítica da sociedade brasileira, no sentido de reivindicar os princípios da crítica da economia política de Karl Marx e oferecer uma contribuição teórica singular no âmbito desta tradição, combinando-a com outras fontes.

A exposição foi dividida em três partes. Na primeira é delineada a genealogia, o significado e os diferentes usos do conceito de revolução brasileira e classes dominantes no

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pensamento político brasileiro (1945-1964); a organização da exposição está lidada aos critérios usados pelos autores para pensar a revolução brasileira. Na segunda parte é ponderada a reação ao conceito de revolução brasileira no pensamento sociológico ao lado da problemática das classes dominantes. Na terceira parte é apresentado o modelo crítico de Florestan Fernandes com base na questão da mudança social e das classes dominantes. Não sou filiado a nenhum partido político e os argumentos expostos pretendem ser objetivos e fundamentados, mas não neutros do ponto de vista político.

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PARTE I: HISTÓRIA DO CONCEITO DE REVOLUÇÃO BRASILEIRA E CLASSES DOMINANTES NO PENSAMENTO POLÍTICO BRASILEIRO (1958-1964)

Era uma beleza o que ocorria na época. No setor das artes, da música popular, do cinema. Tudo florescia no Brasil. E nós todos estávamos cheios de entusiasmo. Todos acreditavam, com otimismo, que o Brasil ia dar certo.

Darcy Ribeiro. Entrevista. Documentário O povo brasileiro.

1.1 INTRODUÇÃO

O objetivo desta primeira parte consiste em construir um quadro geral no qual possam ser situados os textos que versam sobre a categoria e a problemática da revolução brasileira. É elaborado um léxico sobre o conceito de revolução brasileira conectado à discussão das classes dominantes no pensamento político escrito no Brasil republicano, no período entre 1945 e 1964. Delineia-se uma linhagem de pensadores, considerando as suas descontinuidades e desafetos.

Por este motivo são analisados e comentados os livros produzidos no interregno democrático que contém no título a categoria revolução brasileira. O levantamento dos livros ocorreu mediante pesquisa nos catálogos das bibliotecas Octávio Ianni (IFCH/Unicamp), Florestan Fernandes (FFLCH/USP) e Biblioteca Nacional. Nesta pesquisa foram identificados 20 livros1. Além deles, foram utilizados como fonte livros de Álvaro Vieira Pinto (1960),

1 São eles, por ordem de publicação: Galeria histórica da revolução brasileira 1889 de Urias Antônio da Silveira;

Á guisa de depoimento sobre a revolução brasileira, de 1924de [1928] Juarez Távora;

A revolução brasileira na Amazonia: notas para a historia da Amazonia, de [1931] Amilcar Salgado dos

Santos; A experiência Roosevelt: e a revolução brasileira, de [1940] Danton Jobim; A primeira revolução

social brasileira (1798), de [1951] Affonso Ruy; Introdução à revolução brasileira, de [1958] Nelson

Werneck Sodré; A revolução brasileira: uma análise da mudança social desde 1930, de [1959] Charles Wagley; Revolução cubana e revolução brasileira, de [1961] Jamil Almansur Haddad; A pré-revolução

brasileira, de [1962] Celso Furtado; O caminho da revolução brasileira de Moniz Bandeira; Perspectiva da revolução brasileira: para onde vai o proletariado brasileiro? Reforma ou revolução? de [1963] Marcos

Peri; Que é a revolução brasileira? de [1963] Franklin de Oliveira; Ensaio sobre a revolução brasileira:

1931-1934. Contribuição para o estudo dos problemas da brasilidade, de [1963] Ignácio M. Azevedo do

Amaral; Mito e verdade da revolução brasileira, de [1963] Guerreiro Ramos; Operários e camponeses na

revolução brasileira, de [1963] Moises Vinhas; A revolução brasileira, de [1964] Paulo Ayres Filho; A política exterior da revolução brasileira: discursos de suas excelências os senhores Presidente da Republica, Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, de [1966]; Sociologia da revolução brasileira:

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Theotonio dos Santos (1962) e Bolívar Costa (1962), autores que usaram o conceito de revolução brasileira.

A delimitação do período de 1945-1964 se justifica em razão de que, no interregno democrático, o uso consciente do conceito de revolução brasileira valeu-se de novos vocabulários em termos dos quais passou a ser articulado e desenvolvido, mobilizou outras categorias usadas na época como subdesenvolvimento, modernização, industrialização, desenvolvimento, alienação, marginalidade, latifúndio, imperialismo, resistência à mudança, democracia, dilemas, planejamento, socialismo, comunismo etc.

Após o golpe militar-empresarial houve uma tentativa sistemática de esvaziar o conceito, apropriado pelas forças golpistas para legitimar um golpe de direita contrarrevolucionário, antípoda do que pretendia legitimar e fazer a maioria dos pensadores políticos usuários do conceito de revolução brasileira. O golpe militar-empresarial de 1964 aproxima-se mais do conceito de ―revolução integralista‖ do que da categoria revolução brasileira, como discutida antes do golpe.

Pois, apesar da polissemia ou variação semântica em torno da argumentação dos autores sobre a ―revolução integralista‖, os integralistas defendiam o nacionalismo chauvinista, o anticomunismo, o catolicismo fundamentalista, as ideias de ordem e de hierarquia como fundamentos da sociedade brasileira e um Estado teocrático e corporativista. No discurso eles se colocavam contra a burguesia, mas houve alguns integralistas endinheirados. Os integralistas apoiaram explicitamente o golpe de 1964. O general Olímpio Mourão Filho participou ativamente do movimento integralista. Plínio Salgado foi um dos articuladores e oradores da "marcha da família com Deus pela liberdade". Os integralistas foram deputados pelo Arena e exerceram cargos durante a ditadura militar, a qual pôs em prática um repertório de ideias conservadoras e autoritárias2.

Ademais, depois do golpe houve perseguição sistemática a quase todos os intelectuais que fizeram uso do conceito de revolução brasileira e contribuíram para

analise e interpretação do Brasil de hoje de [1965] Pessoa de Morais; A revolução brasileira de [1966] Caio

Prado Júnior. 2

Desconheço um estudo sobre os efeitos sociais das ideias e participação dos integralistas nas ditaduras brasileiras do século XX. Sobre o conceito de revolução integralista, ver: RAMOS, Alexandre Pinheiro. Uma ―revolução necessária‖: o conceito de revolução nos textos dos intelectuais da Ação Integralista Brasileira (1932-1937). Dimensões, vol. 26, 2011, p. 255-276. E: ARAUJO, Ricardo Benzaquem. A Cor da Esperança: Integralismo e Revolução. In: Totalitarismo e revolução. O integralismo de Plínio Salgado. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. Agradeço a André Botelho, que chamou atenção sobre este aspecto, e a Jeferson Barbosa pelos esclarecimentos.

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ideologizá-lo, ates do golpe. A categoria declina com a vitória da contrarrevolução de 1964, apesar de Caio Prado Júnior (1966) e Florestan Fernandes (1984) questionarem e denunciarem a apropriação do conceito de revolução pelas forças que tomaram o poder de Estado em 1964.

A vida política coloca os problemas para os pensadores sociais e políticos. A compreensão das ideias deve considerar os problemas históricos que elas tentam oferecer respostas, deve também apreender os modos específicos pelos quais as ideias são formuladas e discutidas. As ideias respondem aos dilemas postos pelo desenvolvimento social, não pairam acima do processo social. Elas apresentam-se como ―momentos da constituição de atores específicos, tentativas de diagnosticar e resolver problemas reais, de dirigir política e culturalmente a ação de forças sociais determinadas‖ (BRANDÃO, 2005, p.243). Em países como o Brasil e os demais latino-americanos, onde há um atraso em relação ao processo democrático e suas constelações, os intelectuais assumem protagonismo político, avocam para si papéis políticos enquanto atores políticos de fato.

Conforme Gildo Marçal Brandão (2007) as ideias fornecem respostas aos problemas históricos reais, por isso devemos ir das ideias e formas ao social com a clareza de que o sentido progressista ou regressivo do pensamento depende dos problemas postos pela sociedade nas diferentes conjunturas históricas.

Não obstante, como ensina Skinner (1996), o pensamento social e político não é um reflexo imediato das conjunturas ou reflexo de sua base social, mas uma das forças em jogo na situação investigada, pois as práticas sociais conferem novos significados ao vocabulário social e o vocabulário social ajuda a constituir o caráter das práticas. A aplicação dos vocabulários normativos herdados são um dos motores da mudança social, pois contribuem para legitimar determinadas ações. O pensamento político segue algumas convenções e vocabulários normativos que circunscrevem as possibilidades de ação e tornam possíveis as contribuições individuais. Estas sempre reagem a um conjunto de axiomas herdados a propósito dos assuntos discutidos.

O pensamento social e político é uma atividade feita com diversos idiomas, em sociedades distintas e em épocas diferentes (Skinner, 2007b). Os textos orientam-se a partir de problemas que os autores procuram resolver, respeitam as convenções vigentes, os textos são atos de comunicação em um contexto de enunciação particular. Para compreender o sentido

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dos textos e recuperar a força ilocucionária (as ações feitas ao dizer algo; o que o autor pretendia significar), é preciso situar no

(...) contexto intelectual em que foram concebidos os principais textos - o contexto das obras anteriores e dos axiomas herdados a propósito da sociedade política, bem como o contexto das contribuições mais efêmeras da mesma época ao pensamento social e político. Pois é evidente que a natureza e os limites do vocabulário normativo disponível em qualquer época dada também contribuirão para determinar as vias pelas quais certas questões em particular virão a ser identificadas e discutidas (SKINNER, 1996, p.11).

A pergunta dirigida a esses textos tenciona compreender o significado semântico e pragmático do conceito de revolução brasileira através de seus diferentes usos e intenções subjacentes a tais, com vistas à elaboração de um léxico em torno do qual possamos situar Florestan Fernandes em seu contexto intelectual, para além das questões relacionadas à vida universitária e aos condicionantes de seu discurso, sem deixar de reconhecer a especificidade dos diversos contextos e linguagens que regem o uso do conceito de revolução brasileira.

Neste sentido, o que esses diferentes autores dizem sobre o conceito de revolução brasileira e acerca das classes dominantes? Que critérios adotam para pensar o conceito? O que pretendiam dizer ao usá-lo? Quais comprometimentos esses intelectuais tinham? Quem usou? Quem se opôs? Aqueles que usaram o conceito endereçam suas formulações para quais grupos sociais? Em que contexto histórico? Que processos sociais, problemas políticos e problemas sociais iluminam seus diferentes usos contextuais? O que desejavam legitimar?

Para responder a estas questões e atingir o objetivo proposto, a forma de análise da documentação empírica se inspira na história dos conceitos de Quentin Skinner (2007a, 2007b), que problematiza as relações entre autor e obra e as condições semânticas de produção ou o contexto de emergência da obra.

Skinner faz estudo pontual de repentinas mudanças conceituais, interessa-se pelos diferentes usos de uma palavra-chave e atenta-se para as intenções, maneiras de agir com palavras, os usos, os critérios e os comportamentos que o conceito inspira ou legitima. Ele enaltece a perspectiva retórica na mudança dos conceitos, opera com conceitos normativos. (García; Abellan, 2007).

Skinner (2007a, 2007b) acredita que os fatos dependem da linguagem, por isso, as ideias devem ser julgadas em relação a um conjunto de crenças e convenções e não de fatos

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objetivos, em relação aos contextos intelectuais e não às determinações sociais imediatas. O uso dos conceitos depende do critério de aplicação, das intenções e atos de fala presentes na enunciação, para além das variações semânticas.

Para Skinner (2007a, 2007b), não existe uma história do conceito, mas de diferentes enunciações, usos com critérios distintos, em contextos específicos, conforme problemas particulares suscitados pelos autores. Skinner se interessa pelas continuidades, apesar de assinalar instabilidades semânticas e aponta dois níveis de análise histórica: o de identificar e examinar as convenções linguísticas, dos consensos, das crenças, do contexto linguístico; e o de tornar ideologias inteligíveis como atos de fala intencionais.

Conforme Skinner (2007a, 2007b) as ―palavras-chave‖ ou conceitos fundamentais estão em disputa, manipulados por ―jogos de linguagem‖ são armas políticas, servindo também para legitimar ações e produzir consensos. Os conceitos fundamentais não apenas indicam ou compreendem os significados, mas também são fatores da experiência, na medida em que a limita ou a condiciona. A disputa para definir o verdadeiro sentido semântico de um conceito político e os diferentes usos rotinizados exprimem a luta política mais ampla, assim como a mudança de significado dos conceitos indica inovações ideológicas e transformações sociais.

Assim, o caminho a ser trilhado na análise da literatura investigada fundamenta-se na identificação das relações de continuidade, mudança e inovação dos significados e aplicações do conceito de revolução brasileira. Busca-se delinear uma linhagem de pensadores, considerando as descontinuidades, porque ―como ocorre em toda família, por vezes os mais próximos são os mais distantes, e ninguém pode impedir que um Montechio se apaixone por uma Capuleto‖ (BRANDÃO, 2005, p.241).

Conforme Ianni (1984, 1989), a problemática contida nos conceitos de revolução burguesa e revolução brasileira implica uma reflexão sobre a história e a atuação das classes dominantes locais. Até para se pensar as condições e possibilidades de uma revolução popular é necessário indagar qual foi o desenvolvimento da revolução burguesa. A problemática desses conceitos consiste em estabelecer os traços distintivos das ―mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais havidas no Brasil no curso da industrialização e ascensão da burguesia industrial‖ (IANNI, 1989, p.7). Abrange fundamentalmente as relações entre o poder político e o desenvolvimento econômico. As respostas a tal problemática, em torno da especificidade

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da revolução burguesa no Brasil, dependem de como os autores compreendem o conceito, das diferentes entonações e linguagens empregadas. Em geral, a análise da problemática resulta na proposição de modelos, de estratégias, de ideologias e de opções políticas relativas à organização, dinamização e direção do desenvolvimento econômico.

Nota-se que na conjuntura antes do golpe empresarial-militar, ainda durante o governo de Juscelino Kubitschek, em 1958, diversos escritores, políticos, jornalistas, cientistas sociais, estadistas usaram o conceito de revolução brasileira e outros, sobretudo sociólogos, recusaram usar o mesmo, ainda que versem sobre a problemática do conceito. Alguns preconizaram formas autoritárias de organização do Estado (Oliveira Vianna, Gilberto Freyre etc.), outros recomendaram soluções liberais (Rui Barbosa, Otávio Gouveia Bulhões, Fernando Henrique Cardoso); outros ainda defenderam prognósticos nacionalistas ou estatizantes (Nelson Werneck Sodré, Álvaro Vieira Pinto, Guerreiro Ramos, Caio Prado Júnior), alguns apregoaram medidas democráticas na organização do Estado e da sociedade (Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes); e há aqueles que apontaram na direção do sentido do socialismo (Astrojildo Pereira, Theotonio dos Santos, Franklin de Oliveira, Bolívar Costa, Moniz Bandeira). Há também os que oscilam entre uma e outra convicção, aproximando nacionalismo, socialismo, democracia, comunismo e anarquismo; ou somando chauvinismo, liberalismo econômico e conservadorismo.

O conceito de revolução foi usado por diversas ideologias e movimentos políticos no Brasil durante a República. O conceito foi sendo rotinizado pelos tenentistas, pelo movimento que levou Getúlio Vargas ao poder em 1930, pelos liberais paulistas contra Vargas em 1932, por militantes e intelectuais comunistas, anarquistas, socialistas, nacionalistas, democratas, conservadores e integralistas. Estes qualificavam a revolução como sendo ―integralista‖, criando uma linguagem ou vocabulário político específico ao usar o conceito e construir significados semânticos e pragmáticos particulares. O mesmo conceito foi sendo usado em contextos históricos e linguísticos diversos, despertando reações.

As classes dominantes, ao lado da igreja católica, do generalato da Escola Superior de Guerra (ESG), além das forças vinculadas ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), tinham medo e pavor do conceito de revolução brasileira.

A igreja preocupava-se com a estabilidade da família, era contrária ao divórcio, ao aborto, ao planejamento familiar, à construção de motéis. Entre os interesses confessionais estava a defesa dos efeitos civis do casamento religioso, além da adoção do ensino religioso nas escolas públicas com financiamento público de instituições confessionais de educação.

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Conforme Roque Spencer Maciel (1959), na visão dos católicos mais tradicionalistas, a revolução era vista como ―o esforço satânico para construir uma sociedade sem Deus‖.

O generalato da ESG também não via com bons olhos a categoria revolução. Tomas Skidmore (2003, p.444) cita um artigo publicado na revista A Defesa Nacional3, no qual foi expressa a posição da ESG antes do golpe de 1964 diante do conceito: ―Qual seria a solução para o problema que fosse criado pela alegação da existência de uma corrupção desenfreada que estivesse abalando a própria estrutura do Estado? Responderíamos que o pior dos governos é ainda melhor que a melhor das revoluções‖. Para a ESG, que endossava o discurso da guerra fria, havia uma disputa entre dois mundos que se repeliam e se antagonizavam: ―o hemisfério comunista e o hemisfério cristão‖ (SKIDMORE, 2003, p.443).

Conforme Debert (1986) a ESG tinha uma visão particular da realidade brasileira e do desenvolvimento nacional. Ao surgir visava à formação de elites com vistas a orientar o desenvolvimento do país encabeçando o aparelho político, tal como a USP e o ISEB, tentava influenciar as decisões políticas e econômicas. A ESG defendia o papel decisivo dos militares internacionalistas na condução da vida política nacional, desconfiava da participação popular, defendendo soluções ―pelo alto‖. Suas bandeiras eram: ―segurança e desenvolvimento‖; ―bem-estar e segurança‖. Bem estar estava dissociado dos conceitos de igualdade, liberdade e justiça. Os desafios eram alcançar um desenvolvimento acelerado para combater a miséria, terreno fértil para o comunismo, e garantir a segurança contra o inimigo interno, que ameaçava envolver o planeta em uma guerra total. Ademais, as massas populares eram vistas como mobilizáveis, o Estado como fraco, desorganizado e sem autoridade, o Congresso aberto à corrupção e demagogia e os partidos como ineficientes.

Para a ESG o maior conflito da época era entre leste e oeste, capitalismo e comunismo. O anticomunismo pregado pela instituição era usado como meio de aproximação e de pressão aos EUA, no sentido da redefinição das relações deste com o Brasil, reivindicando iniciativas similares ao Plano Marshall. Para a ESG o Brasil devia se aliar aos EUA e não aos países socialistas ou terceiro-mundistas e os EUA deviam fazer sua parte, daí a valorização da Aliança para o Progresso. A instituição pretendia buscar soluções acima de controvérsias, negando conflitos de interesse, valendo-se de um saber técnico científico neutro com relação às forças políticas. Via o brasileiro como um sujeito, ―por natureza bom, cordial, religioso e democrático‖ (DEBERT, 1989, p.411). Era preciso impedir que essas qualidades

3 Francisco de Souza Maia Jr. Sejamos otimistas na análise da conjuntura nacional. A Defesa Nacional, LXIII, n479, 1959, p.61-65.

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fossem perdidas em nome de ideologias externas. A ESG se dirigia ao Estado para que este contivesse a mobilização da sociedade civil.

No Brasil as forças sociais contrárias a qualquer revolução (bloco das classes dominantes, com destaque ao empresariado aliado ao imperialismo de Washington, à grande imprensa e à classe média caudatária), forças que se mobilizaram para impedir qualquer ação transformadora das estruturas da sociedade pelo governo de João Goulart, imediatamente após o golpe empresarial-militar de 1964, apropriaram-se e passaram a usar o conceito de revolução. Uso radicalmente contrário ao dos pensadores críticos da época, fato que contribuiu para o esvaziamento do conceito de revolução brasileira.

Porém, a ―revolução de 1964‖ só tem coerência semântica à luz do conceito de ―revolução integralista‖, pois comparado aos usos e a semântica da categoria revolução brasileira, a ditadura iniciada em 1964 foi a contrarrevolução brasileira.

O movimento que levou ao golpe de abril, em resposta à enorme e pouco estudada efervescência social, política e cultural de 1961-64, acabou sintomaticamente por auto intitular-se como "revolução". Buscava assim revestir-se semanticamente de um conteúdo cheio de significação, para encobrir e legitimar a verdadeira contrarrevolução que estava desencadeando naquele momento e que deixaria marcas permanentes na história do país (GARCIA, 1997, p.39).

Como mostra Garcia (1997), o paralelo entre 1930 e 1964 é revelador. Foram duas vitórias conservadoras das classes dominantes, nas quais o perfil do sistema político se define depois, anos mais tarde. O Estado Novo, em 1937 e o AI-5, em 1968. Além disso, ―os dois regimes que se instauraram retomaram, cada um à sua maneira, a agenda de mudanças que as esquerdas havia, explícita ou implicitamente, levantado anteriormente, implementando-a "por cima", de forma autoritária e excludente‖ (GARCIA, 1997, p. 40). Em ambos os episódios também havia ascensão dos movimentos políticos, sociais e de novas ideias que contribuíam para requalificar as demandas das classes trabalhadoras.

Conforme visto, a revolução brasileira não é uma simples palavra ou relíquia da nossa historiografia, detentora de um único significado fixo e imanente, mas um conceito, e como tal articula-se a outros conceitos, prestando-se a diferentes usos, interpretações e, até, teorizações com vistas à transformação do Brasil republicano.

Nesse sentido, a revolução brasileira não é uma ideia essência, perene à maneira do realismo escolástico, mas uma expressão de sentido equívoco: uma expressão espinhosa. Sobretudo, porque empregada em um país no qual o conflito é proscrito pelos costumes e indesejado por muitos intelectuais, país cuja história não é esculpida por revoluções, em vista

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do critério da derrocada das classes dominantes com seus fundamentos econômicos e sociais. A revolução brasileira é uma expressão equívoca, porque cada autor que a mobiliza, a usa conforme um ponto de vista diferente, teórico e político, representando os interesses de seu grupo ou da classe social que se identifica.

No interregno democrático (1945-1964) as forças populares desde o fim da Segunda Guerra Mundial e início da democratização vivenciaram em sintonia com o clima da época, com os processos de libertação colonial e da presença de um bloco socialista, um processo de ascensão na luta política parlamentar. Processo logo contido pelas classes dominantes, em 1947 com a exclusão do PCB do jogo político institucional. Não obstante, as forças populares, inspiradas em novas ideias, desenvolvimentistas, nacionalistas, socialistas, sociológicas, econômicas e políticas ganharam força crescente durante a luta pela criação da Petrobrás, em 1953, com o suicídio de Getúlio Vargas, as aventuras golpistas de 1955 (Jacareacanga e, 1958 Aragarças), as greves constantes em razão da inflação e dos baixos salários dos trabalhadores. O surgimento do ISEB, das ligas camponesas e dos movimentos de alfabetização. Nos anos 1950 colhiam-se os frutos da criação da universidade e um conjunto de novas instituições criadas desde 1930.

É consenso entre os autores que escrevem no período a existência de um processo de politização crescente do ―povo brasileiro‖, composto majoritariamente pelos trabalhadores urbanos e rurais. Aqueles faziam greves para assegurar direitos, já os trabalhadores rurais formavam ―ligas‖ para conseguir direitos de sindicalização. Os estudantes de classe média também assumiam protagonismo no processo de transformação da sociedade através do movimento estudantil e da União Nacional dos Estudantes (UNE). A Revolução Cubana em 1959 incendiou corações e mentes no Brasil e em toda América do Sul. Ao declarar-se socialista, no ano de 1962, a Revolução Cubana abriu o caminho da viabilidade histórica do socialismo nas Américas, com isso, amedrontou e apavorou as classes dominantes (nacionais e estrangeiros).

No ano de 1962, muitos pensadores políticos acreditavam que o país estava vivenciando um momento pré-revolucionário no dizer de Celso Furtado, e revolucionário para muitos outros, como Franklin Oliveira, Theotonio Santos, Guerreiro Ramos etc. Tais pensadores utilizavam o mesmo conceito, revolução brasileira, mas com critérios distintos, significando coisas diferentes na forma (linguagem) e no conteúdo (semântica).

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O conceito de revolução brasileira aparece grafado em título de livro, pela primeira vez, logo após a proclamação da República por intermédio de um golpe militar. Ao longo da I República (federalista), revolução era entendida como quartelada, golpe promovido pelas forças armadas, com a marinha mais alinhada às classes dominantes. Revolução era visto como um episódio épico de tomada do poder pelo exército. Tanto que os tenentistas contribuíram bastante para ideologizar a expressão, assim como o PCB. Revolução aparecia associada às investidas contra o poder de Estado instituído pelas classes dominantes, de extração agrária e comercial. Este é o sentido comum da palavra no vocabulário político da época.

Porém, depois de 1930, em sintonia com as transformações da sociedade adensadas desde 1920, o conceito de revolução ganha complexidade e passa a ser usado por intermédio de horizontes teóricos específicos por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Jr. Tais autores, ao romperem com a historiografia ainda vigente, divulgada pelos Institutos Históricos Geográficos Brasileiros (IGHB‘s) e Pedro II, fundam novas interpretações sobre o país, nas quais a revolução deixa de ser vista como quartelada e passa a ser concebida como processo histórico de média e longa duração, a partir de critérios distintos para enquadrar o mesmo conceito.

Gilberto Freyre (1977, 2004) repudia este conceito, teme a revolução e defende uma revolução conservadora. Sérgio Buarque de Holanda também não utiliza a expressão revolução brasileira, prefere ―nossa revolução‖. Encaminha o processo no sentido da suplantação do iberismo enaltecido e privilegiado por Gilberto Freyre. Caio Prado Jr. utiliza o conceito de revolução brasileira, apontando este como um processo de descolonização, criticando a classe dominante, sem concebê-la como agente de tais transformações. Apenas vai escrever de modo sistemático sobre o conceito depois do golpe, no ano de 1966, em livro no qual questiona a orientação teórica e política de seu partido, o PCB.

No final da década de 1950, durante o governo de Juscelino Kubitscheck, o conceito de revolução brasileira circula no Instituto Superior de Estudos Superior (ISEB), circula entre os quadros e intelectuais comunistas - lembrando que depois de 1956 o PCB começa a se ―desestalinizar‖ e se abre para a vida nacional. É um conceito usado por Celso Furtado, Nelson Werneck Sodré, Álvaro Vieira Pinto e Guerreiro Ramos em vista de legitimar ações em prol do desenvolvimento de um capitalismo nacional autônomo.

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Mas, após a Revolução Cubana, ocorre uma mudança no conceito de revolução brasileira, o qual passa a ser utilizado com base em outros critérios, reabilitando a semântica socialista, que se difunde após a Revolução Russa de 1917. Esta mudança ocorre no ano de 1961, quando Cuba, para realizar as reformas defendidas no programa dos guerrilheiros, alinha-se à União Soviética e declara-se uma revolução marxista-leninista. As classes dominantes, a burguesia nacional e o imperialismo passaram a temer o conceito de revolução brasileira depois que os guerrilheiros em Cuba tomaram o poder e o conservaram matando os filhos de Brutus, através da revolução nacional e agrária.

No ano de 1961 instaura-se a crise. Jânio Quadros renuncia à presidência e João Goulart, temido pelas classes dominantes da qual era parte, assume o executivo graças à intervenção do Terceiro Exército do Rio Grande do Sul e de Brizola. Porém, o executivo foi transformado em regime parlamentar pela reação e pelo Congresso, com vistas a restringir os poderes da presidência. No ano de 1963, Goulart vence o plebiscito para restituir o regime presidencialista. Doravante, pressionado pelas massas, passa a defender com mais ímpeto a realização de reformas de base e lograva elevada aprovação popular, antes de ser derrubado, conforme descoberta recente no AEL/Unicamp.

É nesta conjuntura pós-Revolução Cubana e de ascensão de Goulart à presidência que surgem novas coleções Cadernos do Povo Brasileiro, História Nova e Universidade

Popular. Publicações com a finalidade de retomar o passado brasileiro, fomentar a luta

política, de divulgar novas ideias políticas sobre o Brasil para promover debates e orientar a vanguarda dos trabalhadores, dos estudantes nas lutas sociais. São textos de divulgação de conhecimentos a respeito do país daquela atualidade histórica, tratam de problemas vistos como essenciais, assim como da história e do processo de transformação da sociedade nacional. Nesta tese, porém, apenas analiso alguns números da coleção Cadernos do Povo

Brasileiro, relacionados ao tema.

É somente no ano de 1961 que os intelectuais reabilitam o caminho socialista para a revolução brasileira, presente no imaginário político desde a Revolução Soviética e a Revolução Chinesa. Além da velha guarda Astrojildo Pereira, Octávio Brandão, jovens militantes como Theotonio dos Santos, Franklin Oliveira, Bolívar Costa, Rui Mauro Marini, Moniz Bandeira etc. passaram a defender um caminho socialista, antes de 1964, para a revolução brasileira. Eram, entretanto, vozes minoritárias.

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Nesta primeira parte veremos que, apesar de ser utilizado com fundamento em diferentes critérios, o conceito de revolução brasileira no pensamento político pode ser compreendido tanto no sentido de rebelião, de quartelada, de insurreição, de intentona, de tomada do poder de Estado pela força e de guerra civil quanto no sentido de um processo histórico de transformações irreversíveis na temporalidade de média e longa duração. Ruptura processual que se encaminha pelo desenvolvimento capitalista independente, pensado a partir de diferentes critérios, ou para o desenvolvimento socialista pela via armada ou pacífica. 1.2 GENEALOGIA DO CONCEITO DE REVOLUÇÃO BRASILEIRA

A presente investigação corroborou o delineamento de Koselleck sobre a história do conceito de revolução, pois o conceito tem dois significados básicos, no plano semântico, de evento épico, catastrófico e guerra civil ou de transformação processual de médio e longo prazo.

Ao narrar a história do conceito de revolução, Koselleck (2012) pondera informações relevantes sobre as diferenças semânticas existentes neste conceito, que surge na Itália, por volta do século XV, e se difunde pelos quatro cantos do planeta nos séculos seguintes. O autor mostra que o conceito de revolução possui diversos estratos de significados, os quais remetem, na história ocidental, à antiguidade clássica, passando pela era medieval e pela astrologia, pelo renascimento e pela astronomia, pela religião e pela filosofia da história. Revolução, para o autor, é, ao mesmo tempo, conceito sócio-político, termo científico e metáfora.

Segundo Koselleck (2012) revolução é um conceito fundamental da modernidade. O uso atual se generalizou a partir da Revolução Francesa. Abarca dois campos de experiência histórica que não pertencem necessariamente à mesma categoria. De um lado, refere-se aos distúrbios violentos de uma sublevação que pode se transformar em guerra civil, ou que provoca uma mudança na constituição. De outro lado, o conceito indica uma transformação estrutural que tem origem no passado e que pode afetar o futuro, revolução permanente, ou processo de evolução que transcende o político e abrange toda sociedade. Assim, o conceito designa tanto uma mudança violenta em curto prazo quanto um processo histórico de transformação de média e longa duração.

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O primeiro sentido, de distúrbio violento, segundo Koselleck (2012) provém da antiguidade clássica, nos usos recorrentes durante a história grega e romana. Tais conceitos eram jurídicos, referidos a uma ordem política existente que, ameaçada por conflitos, recorria ao direito potencialmente comum. Acreditava-se que as mudanças nas formas de governo, eram circulares e limitadas pelas formas humanas de exercício do poder: monarquia, aristocracia, democracia e oclocracia4. Assim, revolução é entendida de modos diversos pelas forças sociais. Quando vista pelos poderes governantes, significava agitação política violenta, tumulto, insurreição, conjuração, rebelião, levante e distúrbio. Em uma visão mais neutra, era descrita por palavras como discordância, guerra civil, movimento e mudança. Na visão dos insurgentes, uma descrição legitimadora, revolução é a resposta a um distúrbio, que acabaria justificando a ação, primeiro dirigida contra os tiranos, o despotismo, ao longo de séculos, doravante 1789, contra as ditaduras.

O segundo sentido processual do conceito advém da ciência e de seu uso metafórico conforme Koselleck (2012). Durante o Renascimento a astrologia vinculava o destino dos homens à constelação dos astros e, por conseguinte, tornou a ascensão e queda dos homens um destino previsível. É a partir de Copérnico que o segundo sentido, processual, surge no âmbito científico para se converter em metáfora. O uso que Copérnico fez na astronomia para designar o movimento da terra, de rotação e translação, deu origem a uma concepção de processo.

O conceito, ao se estender para o movimento, junto com o sistema solar, generaliza-se com a metáfora da espiral, própria da filosofia da história burguesa. A metáfora da espiral também é um efeito do sentido natural do conceito, da ideia de circularidade, mas avança mostrando que existe um movimento no processo circular, que o movimento de órbita da terra nunca regressa ao mesmo ponto. Apesar da ocorrência de círculos a transformação avança para novos pontos, produzindo circunstâncias novas, no contexto de um movimento constante. Essa metáfora estende a linha espiral historicamente, sem prescindir por completo da curva da repetição. Ela pressupõe a ideia de aperfeiçoamento. A metáfora da espiral permitiu o reconhecimento histórico de que a revolução pode ser derrubada mediante uma guerra civil e retroceder seu curso concebido teleologicamente.

Referências

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