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PARTE I: HISTÓRIA DO CONCEITO DE REVOLUÇÃO BRASILEIRA E CLASSES

1.3 REVOLUÇÃO BRASILEIRA E CLASSES DOMIANTES: DA QUARTELADA AO

1.3.5 INDUSTRIALIZAÇÃO E INTERNALIZAÇÃO DOS CENTROS DE

No pós-guerra foram criadas diversas instituições internacionais através da ONU com vistas a difundir o bem-estar social. Dada a existência de uma vasta área socialista ampliando-se pelo planeta, a preocupação com o bem-estar social esteve presente em diversos países capitalistas. ―O ―conceito de um rápido crescimento econômico‖ criou expectativas em torno de uma maior ‗sociedade da abundância‘, constituía um objetivo largamente aceito‖ (THOMSON, 1979, p.177). Nesse momento verifica-se um clamor popular geral em torno da difusão mais ampla das riquezas e do bem estar. Os valores perseguidos se relacionavam à prosperidade material, à segurança social e à independência nacional.

As políticas de reconstrução da Europa e do Japão protagonizadas pelos EUA no pós-guerra não foram aplicadas na América Latina. Em reação a esta indiferença surge a

Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), órgão que teve importância

decisiva para estimular e enriquecer o debate intelectual no período em torno da questão nacional.

Criada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas no ano de 1948, em meio às resistências das nações dominantes, em particular dos EUA, a Cepal tinha em vista contribuir para o desenvolvimento econômico da América Latina e para reforçar as relações econômicas dos países desta região com o resto do mundo. A Cepal, na década de 1950, elaborou uma teoria política que teve grande repercussão, voltada a pensar e transformar a América Latina.

Prebisch (1962), economista argentino diretor da Cepal, destacou-se em 1949 com o texto El desarrollo económico de la América Latina y algunos de sus principales problemas, no qual expõe e defende uma política econômica voltada para as questões históricas particulares da região. Cria uma matriz dualista de interpretação da América Latina, pautada em uma visão global do desenvolvimento capitalista, que distingue centro e periferia, países desenvolvidos e países subdesenvolvidos. Uma interpretação centrada na divisão internacional do trabalho, nas trocas econômicas entre países e na difusão desigual do progresso técnico-industrial.

O diagnóstico de Prebisch (1962) sugere que as raízes do ―atraso‖ latino-americano são econômicas e estão relacionadas ao subdesenvolvimento, à posição periférica ocupada pelas economias latino-americanas na economia mundial. O subdesenvolvimento é visto como ausência ou insuficiência de industrialização, heterogeneidade estrutural, ausência de meios, em razão de fatores históricos. Para ele, a periferia possui uma historicidade particular. Prebisch (1962) respondia às questões enfrentadas pelos governos latino-americanos naquele momento e promovia a economia como disciplina capaz de explicar as particularidades desses países. Modernização, desenvolvimento e industrialização eram termos intercambiáveis em função da problemática da construção das nações latino-americanas (Macedo, 1994).

As sociedades periféricas são interpretadas como se fossem divididas em dois segmentos pensados de forma disjuntiva: um setor moderno, ligado às exportações e ao consumo conspícuo; outro setor econômico tradicional, ligado a formas rudimentares de economia de subsistência, onde predominam baixos padrões de consumo e baixa produtividade. Desta divisão interna das economias latino-americanas resulta a ―heterogeneidade estrutural‖ particular dos países latino-americanos e periféricos, segundo Prebisch (1962)

Na década de 1950, esse pensamento era tido como essencial para compreender o processo de transição vivenciado à época pelos países latino-americanos e para a superação daqueles que seriam os obstáculos ao desenvolvimento. Tanto que as ideias de Raul Prebisch e, sobretudo, de Celso Furtado tiveram recepção favorável na Assessoria Econômica do

Presidente Vargas21, no BNDE, no ISEB, no partido comunista e mesmo na Cadeira de Sociologia I da USP22.

Ricardo Bielschowsky (2000) esclarece que a abordagem estruturalista proposta pela Cepal surgiu como um contraponto ou reação ao liberalismo e às políticas apregoadas pelo FMI como proposição política em defesa da industrialização dos países latino- americanos. Na concepção deste intérprete, em concordância com Octávio Rodriguez, Prebisch e a Cepal criaram uma teoria original sobre o desenvolvimento, lastreada em argumentos antiortodoxos, favoráveis à industrialização dos países subdesenvolvidos, a maioria dos quais foi incorporada pelos economistas brasileiros. Exceto Eugenio Gudin e Roberto Campos, principais opositores do estruturalismo. A instituição criou uma ―teoria da industrialização problemática, elaborada com objetivo de introduzir o planejamento como princípio orientador, de modo a abrir o caminho ao crescimento rápido equilibrado‖ (BIELSCHOWSKY, 2000, p.437).

Nos anos 1960, porém, com os golpes militares tomando de assalto o poder nos países do Cone Sul, as análises produzidas na Cepal tornaram-se mais pessimistas, oferecendo ao público uma concepção do subdesenvolvimento como um ―processo de transformação que perpetua o atraso‖, conforme defendeu Octávio Rodrigues (Bielschowsky, 2000).

Em texto escrito no ano de 1988, Celso Furtado qualifica a contribuição da Cepal para a região por meio de quatro atributos. Primeiro, a formação de especialistas, de pessoal de direção, capacitação de ―muitas centenas de funcionários dos governos latino-americanos‖ (FURTADO, 2013, p.97). Segundo, a defesa das ideias de integração regional latino- americana e da criação de instituições voltadas para o desenvolvimento regional. Essas ideias se tornaram realidade, no Brasil, por exemplo, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) e das Superintendências para o Desenvolvimento como a SUDENE, criada em 1959 por Juscelino Kubitscheck.

Terceiro atributo, Furtado (2013) sugere que a Cepal constitui uma escola de pensamento na região. Quarto atributo da Cepal, conforme Furtado (2013), o estruturalismo

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Composta por um grupo de intelectuais que tiveram importante papel no planejamento das ações do Presidente Vargas no período de 1953-1954 na área econômica. São eles: Rômulo de Almeida, Jesus Soares Pereira, Inácio Rangel, Tomás Pompeu Acióli Borges, Cleanto de Paiva Leite, todos nacionalistas e funcionários recrutados do Departamento de Administração Pública (Dasp).

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A sétima edição de Formação Econômica no Brasil, de 1967, foi publicada pela Companhia Editora Nacional, na coleção Biblioteca Universitária, cuja série Ciências Sociais era organizada e dirigida por Florestan Fernandes. Conforme Laurence Hallewell, alguns livros da seção de ciências sociais tiveram grande sucesso de edição, alcançando o público em geral, como o livro Teoria e Política do Desenvolvimento, de Celso Furtado, que teve a primeira edição de vinte mil exemplares esgotada em seis meses no ano de 1966. Cf. HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil: sua história. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2005.

cepalino foi um método que embasou reformas sociais e políticas na região, de grande alcance, com destaque ao papel das instituições na configuração do processo de desenvolvimento e das ―reformas estruturais‖, ―programação do desenvolvimento‖ e ―integração regional‖. As crenças e teses cepalinas serviram de inspiração para muitos governos latino-americanos, não foram aplicadas ao pé da letra como medidas de política econômica. Para Furtado (2013), a Cepal promoveu ―aberturas de horizonte‖ e continua a inspirar o pensamento latino-americano.

Esta matriz dualista de interpretação se desenvolve ao longo dos anos 1950. Nessa época, muitos acreditavam que a industrialização era o principal caminho para superação do subdesenvolvimento dos países da região. No limite, acreditava-se que o desenvolvimento era uma questão técnica, bastando o crescimento econômico para que fosse difundido o ―bem estar‖ a todos. Porém, após a experiência de governo de Juscelino Kubitschek como presidente da República, 1956-1961, tornou-se mais claro para esses intelectuais que o bolo havia crescido, mas permanecera mal distribuído – que o crescimento econômico não teve como consequência o desenvolvimento. Se hoje é mais perceptível a distinção entre crescimento econômico e desenvolvimento, naquele contexto não havia essa transparência. JK tentou dar realidade à tese da industrialização como meio de superação do subdesenvolvimento, sem sucesso. Embora tivesse êxito ao manter a estabilidade política, a crença no país do futuro, no qual todos ganhariam e concluiu seu mandato23.

Conforme Francisco de Oliveira, a publicação de História econômica do Brasil projetou Celso Furtado24 entre os grandes intérpretes do Brasil, com a singularidade de ser

23 Como lembra Skidmore (2007) a construção de Brasília foi uma forma de desviar o foco dos problemas econômicos e sociais, das reformas agrária e universitária. Como Vargas, JK jamais questionou o sistema de propriedade rural existente.

24 Celso Furtado (1920-1997) economista, cientista social, ‗homem de ação‘, professor universitário e intérprete do Brasil com mais de 38 livros publicados, nasceu no sertão da Paraíba, na cidade de Pombal. Aos 19 anos migra para o Rio de Janeiro, onde ingressa no DASP em 1943, instituição governamental criada por Getúlio Vargas com vistas à formação de quadros para a administração pública, e, se forma em Direito pela Faculdade Nacional de Direito, no ano de 1944. Em 1947 viaja para a Inglaterra para um período de estudos na London School of Economics. No ano de 1948 doutora-se em economia pela Universidade de Paris. Em 1949 vai para Santiago do Chile integrar a equipe da recém-criada Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), sendo, no ano seguinte, nomeado por Raul Prebish como diretor da divisão de Desenvolvimento Econômico desta Comissão. Em 1953 transfere-se para o Rio de Janeiro, para presidir o Grupo Misto de Estudos criado a partir de um convênio celebrado entre a Cepal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Depois de sair do nordeste e obter formação intelectual e prestígio no exterior Furtado é nomeado pelo presidente Juscelino Kubitscheck interventor do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste e, um ano mais tarde, incumbido de criar um projeto de política econômica para a região, marcada pelo atraso e castigada pela seca. Furtado participou da criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), agência voltada para o planejamento e coordenação de programas socioeconômicos para a região, ainda no governo JK e foi indicado, com resistência do Congresso, a superintendente da instituição. Celso Furtado permanece na SUDENE até 1962, quando nomeado por João Goulart para ocupar o Ministério do Planejamento e elaborar,

uma obra ―escrita in actione‖, isto é, escrita por alguém que concomitante à explicação do passado, ao mesmo tempo, contribuía para a construção do Brasil de sua atualidade enquanto homem de Estado. O livro teve enorme importância ideológica. Publicado originalmente em 1959, Formação Econômica do Brasil alcançou, no ano de 1964, a sexta edição. ―Ninguém, nestes anos pensou o Brasil a não ser em termos furtadianos‖, assegura Francisco de Oliveira (1983).

Furtado (1961), além de versar sobre a história econômica nacional, criou uma teoria política do subdesenvolvimento. Usando a teoria como arma para conhecer e atuar sobre a realidade fez uma análise original da problemática acerca do desenvolvimento econômico, vigente no pós Segunda Guerra Mundial, quando a Europa e o Japão se reconstruíam e o Estado de bem-estar social se difundia nas economias do centro do capitalismo. Neste período que se estende até os anos 1975, conforme Hobsbawm, os países capitalistas ricos estavam muito mais ricos e, para se defenderem do bloco socialista, ofereciam a seu povo, em geral, generosos sistemas de previdência e seguridade social, diminuindo a inquietação.

No contexto da era de ouro da expansão do capitalismo, porém, situado na periferia do sistema, Furtado participa do debate internacional sobre o desenvolvimento econômico. Assume o ponto de vista do empresário de país subdesenvolvido e defende a tese segundo a qual o ―processo de desenvolvimento por indução externa é distinto do processo clássico de formação das economias capitalistas europeias‖ (FURTADO, 1961, p. 196).

Neste momento de seu itinerário intelectual, Furtado concebia o desenvolvimento como crescimento econômico, aumento da produtividade do fator trabalho e de seus efeitos na organização da produção e na forma como se distribui e se utiliza a renda gerada socialmente. Para Furtado (1961), desenvolvimento requer acumulação de capital e implica aumento no salário real dos trabalhadores. Desenvolvimento e subdesenvolvimento são concebidos enquanto fenômenos com uma nítida dimensão histórica.

junto com San Tiago Dantas, uma política econômica para o governo, a qual foi divulgada no final do ano de 1962 sob o título: Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social. Sem apoio político, o fracasso do plano para estabilizar e fazer a economia voltar a crescer, implicou na saída de Furtado do ministério em junho de 1963, quando retoma suas atividades na SUDENE até o golpe empresarial-militar. O "Comando Supremo da Revolução" forçou a saída de Furtado da SUDENE e, com a publicação do Ato Institucional nº 1 (AI-1), Celso Furtado teve seu nome incluído na primeira lista de cassados. Depois de 1964, passa a se dedicar como pesquisador e docente em prestigiosas universidades como Yale, American University, Columbia, Cambridge, Sorbonne, e como diretor de pesquisa da École de Hautes Études em Sciences Sociales. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas2/biografias/celso_furtado. Acessado em 10/11/2015; Disponível em: CEPEDA, Vera. Celso Furtado. http://bvspensamentosocial.icict.fiocruz.br/index.php/vhl/interpretes/ Acessado em 10/01/2016. Cf. FURTADO (1983).

O subdesenvolvimento, para Furtado (1961) é um processo histórico autônomo e não uma etapa pela qual percorreram as economias desenvolvidas. A peculiaridade do subdesenvolvimento é a existência de estruturas híbridas ou dualistas, excesso de mão de obra desqualificada, dependência financeira e tecnológica. O subdesenvolvimento resulta da penetração de empresas capitalistas de fora e da existência de uma estrutura produtiva arcaica que não se vincula de forma dinâmica as empresas capitalistas, porque a massa de lucros gerados pela empresa não se integra a economia local. A empresa capitalista não modifica a situação local, absorve reduzida parcela de mão de obra, os salários não são determinados pela produtividade, mas pelas condições de vida locais.

Nesta perspectiva teórica, moderno e arcaico aparecem de forma disjuntiva, o que levava à crença segundo a qual os ‗resquícios da sociedade pré-capitalista‘ obstaculizavam e entravavam o pleno desenvolvimento capitalista brasileiro. Como se o atraso do Brasil decorresse, não da contradição entre trabalho e capital, mas da ausência de meios, de capitais, de indústrias e de empregos para a população, em razão de fatores históricos internos de nossa formação e de fatores externos ligados ao comércio entre países do centro e da periferia, conforme o credo cepalino.

Não obstante esta abordagem ter sido questionada pela historiografia dos anos 1970 e 1980, no contexto em que foram produzidas e circulavam, essas teses dualistas tinham racionalidade e coerência. Forneciam a tônica de uma percepção e interpretação do país pautada no conceito de subdesenvolvimento e nas relações comerciais assimétricas estabelecidas entre os países.

Quando, em 1962, publica A pré-revolução brasileira, Furtado era Ministro do Planejamento do governo de João Goulart. Esse texto, segundo Oliveira (1988), acentua ―as dimensões de um pensador político, numa linha que talvez nunca tenha retomado com o mesmo vigor‖. Escrevendo a partir desta posição política, Furtado assumia compromissos com determinadas forças sociais, em detrimento de outras. Embora a questão da revolução estivesse na ordem do dia nos debates intelectuais e no cotidiano das pessoas nas cidades e no campo, um conjunto de constrangimentos antepunha-se à própria escrita do livro, pois o autor era um homem forte do governo. Estava em jogo a reação que provocaria nos EUA, na Europa e nas forças políticas internas de oposição à direita e à esquerda.

Neste sentido, Furtado (1962) argumenta a favor das reformas de base, por serem ―necessárias para manter uma sociedade aberta e pluralista, que sobreviva às tensões de sua própria expansão‖. Ele critica tanto o marxismo-leninismo, doutrina oficial do Partido Comunista da União Soviética, quanto os liberais brasileiros, de diferentes vertentes, que

recusavam a ideia do papel interventor do Estado. Igualmente, Furtado (1962) voltou-se contra os interesses dos EUA, no sentido da construção de um capitalismo brasileiro autônomo que rompesse a dependência econômica, pois, para esse, as economias desenvolvidas são autônomas, ao passo que as economias subdesenvolvidas são dependentes.

Celso Furtado (1962) dirigia-se aos estudantes universitários, em geral e, à parcela da ―juventude universitária‖ seduzida pelo marxismo-leninismo. Usa o conceito de revolução brasileira por que via o seu presente histórico como bastante significativo para a vida nacional, um momento importante para a transformação processual iniciada pela revolução de 1930. Era agora ou nunca a efetivação do ―Brasil potência‖, crença bastante difundida entre os intelectuais do período. O Brasil potência era uma possibilidade objetiva que dependia das decisões das classes dominantes.

a pequena nação patriarcal que, nos albores do século, apenas emergia de um rudimentar sistema social escravista, poderá vir a ser uma das primeiras nações [...] vivemos momentos determinantes de nossa formação nacional [...] Abriremos uma nova fase de transformações qualitativas em nossa formação de nação continental, ou caminharemos para uma cristalização da estrutura já estabelecida? (FURTADO, 1962, p. 106-107).

Celso Furtado (1962) defende a seguinte tese. Apesar de todos os problemas inerentes apenas às estruturas subdesenvolvidas, o desenvolvimento brasileiro, entre 1930 e 1962, internalizou os principais centros de decisão, criando condições para o país se autodeterminar em termos de política econômica. Estavam criadas as bases econômicas para um desenvolvimento nacional capitalista independente e com democracia. A partir de 1930, o Brasil deixou de ser uma economia reflexa, graças a um conjunto de fatores externos, como a depressão de 1929, e internos, como a crise da economia cafeeira e a ascensão de Getúlio Vargas ao poder.

As consequências imprevistas das ações econômicas permitiram um elevado grau de diferenciação do sistema econômico e a internalização dos principais centros de decisão da vida econômica do país. O desenvolvimento da economia brasileira, entre 1930 a 1960, diferenciou progressivamente o sistema econômico, que conquistou autodeterminação, e individualização crescente. Pela primeira vez na história, a sociedade brasileira tinha criado a possibilidade objetiva de ―tomar as decisões mais fundamentais concernentes à atividade econômica do país‖, algo restrito aos países desenvolvidos. Por conseguinte, o ―leme do barco‖ estaria nas ―nossas mãos‖, na visão de Furtado (1962).

Desse modo, ao usar o conceito de revolução brasileira, Celso Furtado pretendia questionar e rejeitar os métodos revolucionários ditatoriais à direita e à esquerda. Recusava a semântica golpista, insurrecional e ditatorial existente em usos do conceito no sentido de episódio épico, concebendo a revolução brasileira de maneira processual. No horizonte de Furtado, estava a construção de um Estado democrático e de bem-estar social autônomo, do ponto de vista econômico do controle dos centros de decisão das políticas econômicas. Para ele, as funções do Estado deviam ser reformuladas, em vista da melhoria das condições de vida do povo.

Celso Furtado (1962, p.64) tem como visão normativa ―conciliar o máximo de bem-estar econômico para a maioria e uma rápida melhoria nas condições de vida do povo com um sistema político baseado no máximo de liberdade pessoal, inclusive no campo da organização da produção‖. Faz a defesa de políticas positivas em vista da conciliação entre liberdades individuais com rápido desenvolvimento material da coletividade. Furtado aponta a necessidade de modificar estruturas básicas, de criar condições para mudança rápida e efetiva da anacrônica estrutura agrária do país. Postula fins humanistas como liberdade e democracia com desenvolvimento econômico, visto como meio, condição para a plenitude do desenvolvimento humano, pois ―não é possível educar o homem sem antes lhe matar a fome‖ (FURTADO, 1962, p. 91).

Para o economista cepalino, o futuro do Brasil não implicava a opção entre capitalismo ou socialismo, mas entre desenvolvimento ou subdesenvolvimento. Ademais, Furtado acreditava que, depois de atingido determinado estágio de desenvolvimento, as formas de organização da produção teriam menos importância do que o controle dos centros de poder político. Pois, destes últimos é que provêm as ―normas de distribuição e de utilização da renda social, sob as formas de consumo público ou privado‖ (FURTADO, 1962, p. 18). Em razão disso, advoga a busca de objetivos políticos internos e externos próprios para a sociedade brasileira independente dos dois grandes centros de poder militar, os EUA e a URSS.

O critério usado por Celso Furtado (1962) para pensar a revolução brasileira é, então, aquilo que chamou de ―internalização dos centros de decisão‖. Por este conceito o autor entende a conquista dos mecanismos que permitem a elaboração de uma política econômica independente, na qual as decisões básicas da economia são tomadas sem consulta aos interesses externos, do comércio e da finança internacionais. O conceito significa a não subordinação interna aos grupos concorrentes no mercado mundial. Graças ao deslocamento do setor dinâmico das exportações para investimentos industriais e à autonomia de setores

básicos da produção industrial, no Brasil daqueles idos estavam criadas as condições para que os centros de decisão tivessem mais margem de manobra e pudessem ser postos a serviço de