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PARTE I: HISTÓRIA DO CONCEITO DE REVOLUÇÃO BRASILEIRA E CLASSES

1.5 VIA DO CONFLITO ARMADO

1.5.2 INSURREIÇÃO DEFENSIVA

O caminho da revolução brasileira, de Moniz Bandeira39 soma-se ao conjunto de livros publicados entre 1958 e 1966 a respeito do conceito de revolução brasileira. O livro foi escrito enquanto seu autor prestava assessoria política para Sérgio Magalhães40, articulando a candidatura deste ao estado da Guanabara pela a união entre o velho Partido Trabalhista Brasileiro e o velho Partido Socialista Brasileiro. Nas eleições de 1962, por estreita margem de votos e demasiado financiamento norte-americano, Carlos Lacerda venceu nas urnas o

39 Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira (1935 -) nasceu na Bahia, em Salvador, em 30 de dezembro de 1935, descende de uma família da aristocracia colonial luso-brasileira ainda muito influente na via política no período – descende de Garcia D‘Ávila, que conquistou o Nordeste. Desde cedo se dedicou aos estudos de ciências sociais e políticas, além de atividades como literato. Escritor, advogado, jornalista e defensor dos ideais do socialismo fez parte da elite política derrocada pela ditadura de 1964. Aos vinte anos de idade fez campanha para JK na Bahia, aos vinte e três tornou-se assessor do político nacionalista Sérgio Magalhães, tendo escrito seus discursos e projetos de lei. Trabalhou com o San Tiago Dantas, quando o mesmo comprou o Jornal do Comércio. Acompanhou, como jornalista, a viagem de Jânio Quadros a Cuba. Filiado ao Partido Socialista Brasileiro, organizou, naquela época, a Juventude Socialista, no Rio de Janeiro, e na Bahia, estabelecendo contato com a Juventude Socialista de São Paulo. Defensor da fusão do Partido Socialista com o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Foi um dos fundadores da Polop, organização brasileira de esquerda, fusão da Juventude Socialista com a Liga Socialista de São Paulo e a Mocidade Trabalhista de Minas Gerais. Além de três livros de poemas, publicara, antes de 1964, ―O 24 de Agosto de Jânio Quadros‖ e ―O caminho da revolução brasileira‖. Após o golpe de 1964, rompe com a Polop, torna-se perseguido pela ditadura e engaja-se como escritor, publicando diversos livros. BANDEIRA, Luiz Alberto de Vianna Moniz. Luiz Alberto de

Vianna Moniz Bandeira (depoimento, 2003). Rio de Janeiro, CPDOC, 2010, 93p. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/historal/arq/Entrevista746.pdf, acesso em 09/01/2016.

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Sérgio Nunes de Magalhães Júnior (1916-1991) foi um engenheiro Civil e destacado político nacionalista radical filiado ao velho Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Um dos fundadores da Frente Parlamentar Nacionalista (FPN) na Câmara Federal, defensora das ideias nacionalistas. Integrou o "grupo compacto" do PTB, que reuniu os parlamentares mais radicais do partido, defensores da reforma agrária e da estatização de diversos setores da economia. Propôs a lei de controle de remessa de lucros. Em 1962 ligou-se à Frente de Mobilização Popular (FMP), movimento recém-criado que se propunha a lutar como grupo de pressão em favor das chamadas reformas de base — agrária, urbana, tributária, bancária e constitucional. Participou do Comício das Reformas, no qual João Goulart assinou o decreto de nacionalização das refinarias de petróleo particulares e outro voltado para a reforma agrária. Teve seus direitos políticos caçados por dez anos pelo Ato Institucional nº 1. Disponível em: https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/JK/biografias/sergio_magalhaes, acesso em 09/01/2016.

político nacionalista radical assessorado por Moniz Bandeira, então, um jovem de 27 anos descendente da aristocracia colonial nordestina, mas adepto do marxismo-leninismo e da revolução socialista no Brasil, naqueles idos.

Moniz Bandeira (1962) usa o conceito de revolução brasileira para intervir no debate intelectual e propor um caminho socialista para a revolução brasileira, contra a linha defendida pelos membros do PCB e do ISEB contra os desenvolvimentistas, os nacionalistas e os comunistas estalinistas adeptos das ideias da Terceira Internacional Comunista. Usa o conceito para propor de forma racional e coerente um sentido político-ideológico de extrema esquerda para o conceito, minoritário no conjunto das forças sociais em disputa na sociedade brasileira no período.

Produz um avanço mais teórico, do ponto de vista da aplicação do marxismo na realidade brasileira41, do que político, uma vez que não é a racionalidade dos diagnósticos que encaminha as soluções políticas. O autor pretendia refutar as formulações desenvolvimentistas, pcbistas e nacionalistas acerca do conceito de revolução brasileira. Seu livro tinha como interlocutores as forças sociais interessadas na revolução brasileira, destinava-se à classe média alfabetizada e intelectualizada, pois defende no livro a necessidade de formação de uma vanguarda política, e vislumbrava como interessados ou portadores de suas formulações operários e camponeses.

Inspirado no marxismo-leninismo, o autor elabora um diagnóstico no qual opõe reforma e revolução. Afirma o caráter capitalista da economia brasileira à luz da lei do desenvolvimento desigual e combinado e do conceito de totalidade relacionado ao mercado mundial. Advoga o sentido socialista da revolução brasileira. Operários e camponeses protagonizariam essa luta tanto pela via legal e parlamentar quanto pela via da insurreição defensiva, se preparados por uma vanguarda, pois Moniz Bandeira previu o golpe burguês- militar. Em razão da crença em um iminente golpe, defendeu a insurreição preparada por uma vanguarda como resposta ao golpe.

Segundo o autor, a burguesia brasileira já havia realizado a revolução industrial. A crise daquela atualidade resultava do fato de a burguesia ser inconsequente com a própria revolução, iniciada em 1889 com a implantação da República, impulsionada pelo Estado e

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Nas referências bibliográficas do ensaio, constam autores como Marx, Engels, Lênin, Bukárin, Rosa Luxemburgo, Karl Kautsky, Che Guevara e marxistas brasileiros como Luiz Carlos Prestes, Jacob Gorender, Michel Lowy, Carlos Marighella, Rui Facó, Franklin de Oliveira, além de Celso Furtado e Guerreiro Ramos.

transformada em capitalismo monopolista de Estado na década de 1950. Tal comportamento de conciliação com o latifúndio e com o imperialismo tinha razões objetivas, uma vez que se a burguesia apoiasse a reforma agrária e aceitasse modificar o estatuto da propriedade privada, a lei poderia se votar contra suas fábricas, da mesma maneira, a ruptura com o imperialismo é suscetível de despertar as massas, sendo, para a burguesia, mais conveniente a associação com o imperialismo e a conciliação com o latifúndio para a exploração econômica dos trabalhadores nacionais.

Moniz Bandeira (1962) defende o sentido socialista da revolução brasileira com base na lei do desenvolvimento desigual e combinado, na interdependência econômica entre as formas pré-capitalistas e capitalistas de produção, na aliança entre o proletariado e o campesinato42. Segundo ele, embora o capitalismo se desenvolvesse de forma irregular, complexa e combinada, havia penetrado em todos os recantos do Brasil, de modo a incorporar as velhas relações de produção e constituindo-se parte de uma totalidade mais ampla, a economia mundial, que não é a soma de partículas nacionais. A revolução brasileira era uma condição para a propagação da revolução socialista mundial.

Desde 1955 com a Instrução 113 da Sumoc, o Estado burguês brasileiro se submeteu ao capitalismo financeiro internacional, o que tornaria inviável libertar ―o país do imperialismo sem quebrar a máquina do Estado e romper a estrutura do capitalismo brasileiro ao imperialismo, como se não compusessem o mesmo processo na economia mundial‖ (BANDEIRA, 1962, p.32). O crescimento industrial do Brasil havia criado atritos com a burguesia norte-americana, tornando ―o sistema imperialista dominante um freio para o desenvolvimento da economia nacional‖ (BANDEIRA, 1962, p.34). Ademais, a sociedade brasileira, ―pela sua posição econômica e geográfica, torna-se o ponto nevrálgico da guerra fria, porquanto arrastará ao cataclismo as classes dominantes de toda América latina‖ 43

. Conforme Moniz Bandeira (1962) as classes dominantes brasileiras estavam em crise, naquela conjuntura, em razão do desenvolvimento econômico capitalista brasileiro das décadas de 1930 a 1950, que mudou a correlação de forças da sociedade. A evolução econômica do Brasil no século XX o tornava um país de desenvolvimento capitalista. Predominava na economia o setor de transformação, a indústria de base, sobre a economia

42 Apesar disso, o autor usa conceitos de feudalismo e semi-feudalismo para se referir a regiões do nordeste brasileiro. Segundo Moniz bandeira, as sobrevivências de relações de produção semi-feudais e feudais não ditavam o caráter burguês da revolução, pois estavam articuladas ao modo de produção capitalista.

rural, na década de 1950. A mudança na infraestrutura da sociedade deslocou as classes sociais e as relações de força. A fusão do capital bancário com o industrial, a centralização e concentração de capitais e da riqueza, a socialização do trabalho e a apropriação privada eram indicadores da predominância do capitalismo monopolista de Estado. O autor mostra que as maiores empresas nacionais eram estrangeiras e as empresas nacionais estavam nas mãos da iniciativa estatal, com pequena participação da burguesia nacional.

Segundo Bandeira (1962) a burguesia brasileira lançou mão do capitalismo de Estado para satisfazer as necessidades mais primárias, como a instalação das indústrias de base, prestar demais favores. Manipulou o Estado para intervir nos ramos de produção para os quais não dispunha de meios e capacidade privada de capital, também manipulou o processo inflacionário como mecanismo de acumulação. Depois de 1937, ao dispor mais livremente do aparelho de Estado surgem os problemas da inflação, da presença de monopólios imperialistas depois de 1954 e da busca de reforma cambial pelos latifundiários do café, da promulgação da Instrução 113 da Sumoc. Além da deterioração dos termos troca, conforme o autor, a economia é espoliada, pois maior parte da mais-valia vai para fora na forma de ―royalties‖, dividendos, remessa de lucros e juros. Bandeira mistura as linguagens da Cepal com o marxismo-leninismo.

A emergência econômica e política da burguesia industrial alterou o equilíbrio relativo de posições com os setores ligados ao comércio externo e ao latifúndio. Setores da burguesia industrial estavam em luta para ampliar seu domínio e havia reação dos setores ligados ao latifúndio e ao capital mercantil e financeiro internacional. O impasse nas classes dominantes decorreria da necessidade e incapacidade de a burguesia nacional expandir a industrialização no país. Apesar disso, existe uma frente das classes dominantes, um bloco consolidado, cujas divergências e ―lutas [...] se travam com luvas de pelicas‖, conforme a expressão de Rui Facó citada pelo autor.

Assim, segundo Moniz Bandeira (1962), a burguesia brasileira está presa ao latifúndio e umbilicalmente ligada ao imperialismo. Prefere a dominação imperialista à sua morte como classe. Está associada com monopólios internacionais direta e indiretamente. Não tem interesse em romper tanto com o latifúndio quanto com o imperialismo, pois não lhe convém, além de sua impotência para tanto. Ademais, segundo ele, a burguesia brasileira tem tendências bonapartistas:

A burguesia precisa de um árbitro, de um governo que lhe permita ajustar as contas dentro de casa, tranquilamente, ou subjugando as massas pela força, com a reação aberta e franca, ou entorpecendo-as, ludibriando-as com paliativos. Deseja ‗um homem de direita que fale a linguagem de esquerda‘ solução que mais lhe agrada, porquanto na linha de conciliação, do que a repressão brutal, a violência direta, o golpe de força, de consequências ainda mais imprevisíveis e incontroláveis (BANDEIRA, 1962, p.168).

Moniz Bandeira considerava as reformas de base de João Goulart, como tentativas de ―reformar para consolidar o poder burguês‖ em crise. Segundo ele:

A revolução representa uma transformação total que se opera na sociedade, sendo a insurreição, o levante armado, um momento particular, em que as massas colocam na ordem do dia a conquista do poder político. O dever das vanguardas é preparar as massas para este momento. O chamado caminho pacífico não passa de mistificação. As classes dominantes não costumam entregar-se sem lutas [...] Sangrenta ou pacífica, porém, a revolução será sempre revolução. Um ato de força, de violência. Se pacífica ou violenta, isso depende do grau e do nível de organização das massas e da resistência das classes dominantes (BANDEIRA, 1962, p.163).

No Brasil, no plano da tática, a revolução deveria ser desencadeada em resposta ao golpe das classes dominantes, em gestação, por intermédio de lutas coordenadas em diferentes frentes nas cidades e no campo. Moniz Bandeira (1962) propõe uma tática insurrecional adequada à realidade brasileira. O foco guerrilheiro cubano não servia para o Brasil, pois o país tinha uma economia completamente distinta da cubana, assentada na produção rural. A insurreição devia ser defensiva e articulada a outras técnicas como a greve geral e a movimentação de massas, sem desprezar o papel do foco insurrecional e da luta de guerrilhas. O campesinato pela situação de vida mais miserável era menos influenciado pelo paternalismo getulista e mais suscetível de mobilização.

Na entrevista concedida ao projeto Elites Política do CPDOC/FGV, em 2002, Moniz Bandeira (2002, p. 44) revela que a ideia do foco guerrilheiro como resposta ao golpe tinha como objetivo tático

ser um pavio de explosão. Porque o governo, na hora que mandasse as tropas para reprimir, o Exército estava cheio de soldados e marinheiros... Os marinheiros estavam nisso, porque a Polop tinha uma grande penetração entre os sargentos e marinheiros. O Capitani e outros sargentos estavam participando desse projeto, porque tinham aderido à Polop.

A ideia da insurreição defensiva consistia em somar soldados e sargentos com operários e camponeses a uma vanguarda revolucionária nos termos do marxismo-leninismo. Buscava incentivar uma desagregação das Forças Armadas como reação ao golpe. Devia promover o colapso da economia e o estrangulamento dos pontos vitais e nevrálgicos da máquina do Estado para derrocar os fundamentos sociais do poder das classes dominantes. Moniz Bandeira afirma que a tarefa da insurreição era atacar as duas pernas das classes dominantes no Brasil: a indústria e o latifúndio. Depois de desencadeada não podia interromper a ofensiva contra o inimigo.

O critério usado pelo autor para pensar o conceito de revolução brasileira é a derrocada das classes dominantes, isto é, a desorganização econômica, o estrangulamento do poder de Estado e a tomada do controle do Estado pelo proletariado, a supressão da propriedade privada dos meios de produção e o planejamento econômico. Inspirado nas revoluções Russa, de 1917, e Cubana, de 1959, o autor propõe como meio a tática da insurreição defensiva. Segundo Bandeira (1962), inspirado em Engels, a democracia é o melhor fronte de batalhas do proletariado, porém o alargamento do regime suscita o golpe da burguesia, cabendo ao proletariado dar o ―segundo tiro‖, estar preparado para este momento.

Portanto, Moniz Bandeira (1962) escreve seu livro prevendo o golpe burguês- militar de 1964. A revolução brasileira seria desencadeada em reação ao golpe pela combinação de luta nas cidades e no campo e implicaria o deslocamento do poder político das mãos de uma classe para as mãos de outra. Envolveria a morte dos filhos de Brutus. Apesar da racionalidade e coerência das ideias desse autor, produzidas em um contexto histórico particular favorável à sua ambientação, as decisões políticas não se amparam nos diagnósticos racionais, mas no jogo das forças sociais, sendo esta visão minoritária no conjunto das forças.

PARTE II: REVOLUÇÃO BRASILEIRA E CLASSES DOMINANTES NO