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GIANNA FILGUEIRAS MOHANA PINHEIRO

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Academic year: 2018

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A LATÊNCIA HOJE:

Reflexões acerca da organização psíquica da sexualidade

em crianças de 9 anos

PUC/ SP SÃO PAULO

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GIANNA FILGUEIRAS MOHANA PINHEIRO

A LATÊNCIA HOJE:

Reflexões acerca da organização psíquica da sexualidade

em crianças de 9 anos

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica, sob a orientação da Prof. Livre-docente Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo.

PUC/ SP SÃO PAULO

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BANCA EXAMINADORA

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por me dar forças nos momentos em que tudo parecia tão escuro e impossível. À PUC, por possibilitar a realização desta pesquisa.

A querida Leila Cury Tardivo, que com grande disponibilidade, carinho e sabedoria me orientou nesse difícil processo de construção de um pensamento.

À Professora Maria Emília Lino Silva, por me abrir as portas do mundo da pesquisa. À Professora Gohara Yvette, pelas suas valiosas contribuições no exame de qualificação. À Gina Khafif Levinzon, que, em meus turbulentos momentos de aflição, foi continente da minha angústia, sabendo transformá-las em palavras e guiando-me com sabedoria pelas curvas da estrada.

Às crianças que fizeram parte desta pesquisa, pela confiança, carinho, e por dividirem comigo o seu instigante mundo interno.

Às diretoras e professoras do colégio em que a pesquisa foi realizada, pela calorosa acolhida. Aos meus queridos irmãos, pelo amor, paciência e compreensão.

Aos meus avós pela doçura e aconchego. À querida Dinda, pela sua amizade e lealdade.

A Holídice, amigo, namorado e companheiro nas horas mais difíceis.

As afetuosas e queridas amigas, Tia Antônia e Tia Helena, pelo amor de mãe que demonstram ao longo da minha caminhada.

A minha analista, pela esperança presente nas entrelinhas da nossa conversa.

Às amigas do curso de pós-graduação da USP: Célia Koike, Helena Benese, Helena Dias, Elza e Silvia Karacristo, pela convivência, pelas palavras de incentivo e amizade.

Às amigas da PUC: Raquel, Kátia, Daniela e Gina, pelas nossas conversas, pelo café, pelas experiências compartilhadas.

A Hayleno, pela preciosa ajuda na área da computação. A Raquel, pela cuidadosa revisão do meu texto.

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“Desejo que você, sendo jovem Não amadureça depressa demais,

E que, sendo maduro, não insista em rejuvenescer E que, sendo velho, não se dedique ao desespero. Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e É preciso deixar que eles escorram por entre nós”

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RESUMO

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ABSTRACT

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PALAVRAS INICIAIS... 1 CAPÍTULO UM... 1.1 Pegando o trem da História: reflexões sobre a contemporaneidade... 1.2 O desenvolvimento infantil e a sexualidade... 1.3 O conceito de período latência em Freud... 1.4 O conceito de período de latência em Melanie Klein... 1.5 O conceito de período de latência segundo a teoria do desenvolvimento de Erik

Erikson... 1.6 As pesquisas de Berta Bornstein sobre o período de latência... 1.7 Reflexões sobre o período de latência hoje: novas perspectivas... 1.8 Sobre a puberdade e a adolescência: Considerações... 2 CAPÍTULO DOIS... 2.1 Sobre o Procedimento de Desenhos-Estórias: fundamentação teórica... 2.2 Aplicação e avaliação... 2.3 Algumas pesquisas realizadas com o Procedimento de Desenhos-Estórias... 3 CAPÍTULO TRÊS... 3.1 Objetivos e Justificativa... 4CAPÍTULO QUATRO... 4.1 Metodologia... 4.1.1 A Pesquisa qualitativa em psicanálise... 4.1.2 O método clínico-qualitativo como guia... 4.2 Sujeitos... 4.3 Local em que a pesquisa foi realizada... 4.4 Instrumentos e Procedimentos... 4.4.1 O contato com a escola... 4.4.2 O contato inicial com as crianças... 4.4.3 Aplicação dos Procedimentos de Desenhos-Estórias... 4.4.4. Avaliação do Procedimento de Desenhos-Estórias... 5 CAPÍTULO CINCO... 5.1 Apresentação e Análise dos casos clínicos... 5.1.1 Caso 1... 5.1.1.1 Sobre o contato com a criança... 5.1.1.2 Aplicação e análise do Desenho Estória... 5.1.1.3 Síntese do caso... 5.1.2 Caso 2... 5.1.2.1 Sobre o contato com a criança... 5.1.2.2 Aplicação e análise do Desenho Estória... 5.1.2.3 Síntese do caso... 5.1.3 Caso 3... 5.1.3.1 Sobre o contato com a criança... 5.1.3.2 Aplicação e análise do Desenho Estória...

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Iniciar uma pesquisa de mestrado é lançar-se em uma longa viagem repleta de encontros, desencontros, angústias, alegrias, descobertas. Não sabemos aonde vamos chegar. Nós, pesquisadores-viajantes, fazemos e re-fazemos o roteiro diariamente. Não sabemos o fim da estrada e nem se a estrada terá um fim. Ao longo dessa caminhada conhecemos diferentes autores, pesquisadores e idéias. E, assim, começo a narrativa da minha viagem.

Quando ingressei no mestrado da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, tinha como objetivo estudar o período de latência nos dias de hoje. Não sabia muito bem por onde começar. Li artigos e entrevistas que falavam sobre a erotização infantil, a influência da mídia na subjetividade da criança, as novas constituições familiares e a sua influência na formação do psiquismo infantil, as novas patologias modernas. Ou seriam pós-modernas? Todos esses temas me interessavam muito e comecei a pensar qual era a relação da latência com tudo isso.

Em uma de minhas leituras, me deparei com a seguinte reflexão:

Uma das maneiras pelas quais o ‘extrapsicanalítico’ se impõe à psicanálise é o surgimento de novas patologias, inexistentes ou talvez pouco notadas na época em que a psicanálise se estabeleceu como prática e como teoria (o estresse, certas formas de depressão, etc). Outra deriva da evolução dos costumes: será que ainda existe, nos dias de hoje, uma fase de latência? E, se existir, terá ou não as mesmas características que tinha em 1905, quando Freud a descreveu pela primeira vez? (MEZAN, 2002, p. 317-318).

Eureca! Era essa a pergunta ou inquietação que estava rondando a minha cabeça - saber se hoje ainda existe uma fase de latência, ou melhor, se a fase de latência hoje ainda é igual como Freud a descreveu em 1905. Afinal, um século se passou e várias transformações sociais, culturais e tecnológicas ocorreram. Sobre essas mudanças, Bezerra Júnior (1997, p. 9) faz a seguinte consideração:

Ora, o mundo que compartilhamos com nossos contemporâneos tem sofrido mudanças drásticas, inesperadas em seus efeitos sobre as subjetividades, e é isso que estamos vendo no dia a dia da clínica e da cena social. Não creio que algum psicanalista atento duvide disso. Todos estamos às voltas com essas transformações, e com seu impacto sobre a clínica. A psicanálise defronta-se com a estranheza de novos modos de subjetivação, novas modalidades de construção identitária, novos caminhos do desejo, e modalidades de sofrimento decorrentes dessas trajetórias.

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caracteriza, parecia ser uma idéia um tanto ambiciosa. A estrada parecia longa e difícil. Contudo, estava disposta a começar essa pesquisa-viagem.

E, ao longo da minha caminhada, fui descobrindo vários autores que compartilhavam das mesmas inquietações que possuía. Um desses autores foi José Outeiral que, com suas valiosas considerações sobre a clínica na contemporaneidade, me ajudou a ir formulando de forma mais clara o meu tema de pesquisa. Outeiral (2005,p. 71) convidou-me a refletir quando escreveu:

A observação clínica me permite conjecturar que operíodo de latência, essencial ao desenvolvimento e tal como descrito por Sigmund Freud, se abrevia, invadido por uma adolescência cada vez mais precoce.

[...]

A abreviação do período de latência resulta em dificuldades que repercutirão, é evidente, em vários aspectos da estruturação do psiquismo, interferindo no desenvolvimento normal, tanto na área da conduta como nos processos afetivos e cognitivos. Num contraponto à ‘invenção’ da infância pela modernidade, temos, hoje, a ‘des-invenção’ da infância pela pós-modernidade.

A minha hipótese de pesquisa começou a ganhar contornos mais definidos. Estaria a puberdade começando mais cedo? O período de latência estaria, então, diminuindo? Como afirma Mezan (2002, p. 359),

Quase cem anos depois do artigo1 que estamos comentando, as condições sociais mudaram muito, e a área em que mais ocorreram transformações é certamente a dos costumes sexuais: a vida erótica no início do século XXI é incomparavelmente menos secreta do que seu equivalente no século XIX. A exposição do corpo, a possibilidade de satisfação de tendências voyeristas e sádicas por meio de filmes, da televisão, de fotografias impactantes nos jornais – ou seja, o espetáculo do sexo de formas muito pouco indiretas, para dizer o mínimo – é onipresente na publicidade e na mídia.

Vale a pena perguntar como essas mudanças que estão ocorrendo na sociedade afetam a subjetividade infantil, ou mais especificamente, a sexualidade infantil. Muitos autores estão discutindo essa questão por meio de artigos, palestras, mas constatei que praticamente não existem pesquisas científicas sobre esse tema.

Nesta pesquisa de mestrado não tenho como objetivo esgotar esse tema. Pretendo estudar o período de latência, tendo como foco principal a organização psíquica da sexualidade. Foi no artigo de 1905 que Freud postulou, pela primeira vez, o conceito de período de latência, observando que

A atividade sexual da criança não se desenvolve no mesmo passo que as demais funções, mas sim, após um breve período de florescência entre os dois e cinco anos, entra no chamado período de latência. Neste a produção de excitação sexual de modo algum é suspensa, mas continua e oferece uma provisão de energia que é empregada, em sua maior parte, para outras finalidades que não as sexuais, ou seja, de um lado, para contribuir com os componentes sexuais para os sentimentos

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sociais, e de outro (através do relacionamento e da formação reativa), para construir as barreiras posteriores contra a sexualidade (FREUD, 1996, p. 219).

O tema da pesquisa já estava se definindo, mas algo ainda me inquietava. Não estava nos meus planos fazer uma pesquisa apenas teórica. No consultório, não atendia pacientes que estivessem nessa faixa etária, logo não tinha material proveniente de casos clínicos. Como fazer? Queria ir a campo, usar o método clínico e fazer uma pesquisa qualitativa. Pensei em fazer entrevistas com pais e professores, mas não teria um contato direto com as crianças, logo desisti dessa idéia. Em seguida, fui apresentada pela professora Gina Khafif Levizon ao Procedimento de Desenhos-Estórias.

Este procedimento foi idealizado em 1972 por Walter Trinca. É uma técnica de investigação clínica e tem por base os desenhos livres e o emprego do recurso de contar estórias, com o objetivo de obter informações sobre a personalidade dos sujeitos em aspectos que não são facilmente detectáveis pela entrevista psicológica nos moldes tradicionais. Interessei-me, então, pelo Procedimento de Desenhos-Estórias por me proporcionar um fácil acesso ao material latente proveniente do psiquismo infantil.

O procedimento de Desenhos-estórias revela a particularidade de facilitar a expressão de aspectos inconscientes relacionados a pontos focais de angústias presentes em determinado momento ou em determinada situação de vida da pessoa. Muitas vezes, verifica-se na situação atual detectada pelo D-E uma reinscrição de angústias pregressas, que são indicadas por focos profundos fomentadores de perturbações. Nesse caso, a função principal do D-E não é realizar um inventário horizontal e extensivo da personalidade, e sim um exame vertical e intensivo de certos pontos nos quais se representam, como fatos selecionados, os focos conflitivos e as perturbações emergentes (TRINCA, 1997, p. 22-23).

Acidentes, dificuldades, mudanças de roteiros acontecem ao longo de uma viagem. Durante o meu percurso fez-se necessário uma troca de orientador. Iniciei a pesquisa orientada pela professora doutora Maria Emília Lino Silva, no entanto, por motivos institucionais, a referida professora não pôde dar continuidade à orientação. Neste momento difícil, a coordenação do programa de Pós-graduação em Psicologia Clínica mostrou-se sensível à minha situação. Solicitei à coordenadora um orientador externo, no caso a professora livre-docente da Universidade de São Paulo – USP Leila Tardivo, por motivos de compatibilidade de linhas de pesquisa.

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normais. Em sua tese de doutorado, Tardivo (1992) estabeleceu normas para a população paulistana relativas aos testes projetivos CAT-A e Fábulas de Duss, comparando os resultados obtidos com o Procedimento de Desenhos-Estórias baseado nas semelhanças e diferenças existentes. Na sua pesquisa de livre-docência, Tardivo (2004) utilizou o Procedimento de Desenhos-Estórias com tema, buscando compreender o grande número de suicídios, tentativas de suicídio e homicídios que estavam acontecendo entre jovens indígenas aculturados na cidade de São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas.

Ao solicitar orientação à professora Leila Tardivo explicitando os motivos da mesma, fui recebida de forma acolhedora, obtendo todo o suporte e apoio necessário para que esta pesquisa pudesse ter continuidade. Retomei à minha caminhada. Fui apresentada a novas idéias e possibilidades. E, assim, esta pesquisa começou a ganhar formas mais definidas.

Você, leitor, irá encontrar ao longo destas páginas um estudo sobre a organização psíquica da sexualidade de dez crianças de nove anos da terceira série de um colégio particular em São Luís do Maranhão. Um estudo baseado na análise de material clínico, proveniente da aplicação do Procedimento de Desenhos-Estórias. A partir dessa análise, pretendo investigar: a) se existem indícios de erotização precoce; b) a solidez do ego para lidar com as demandas pulsionais; c) a existência de um psicodinamismo que caracterizasse uma adolescência precoce; d) a utilização do mecanismo da repressão na intensidade própria ou característica da fase de latência.

Para não nos perdermos ao longo desta viagem, é importante traçar uma espécie de roteiro, um plano de vôo. Desse modo, esta dissertação encontra-se assim organizada: no primeiro capítulo discutirei o conceito de período de latência partindo de Freud e caminhando em direção a alguns autores contemporâneos como Melanie Klein e Erik Erikson; visitando, também, trabalhos e pesquisas mais recentes. Ainda no primeiro capítulo, serão discutidas algumas características referentes à puberdade, à adolescência e a sociedade contemporânea. O segundo capítulo trata de uma reflexão acerca do Procedimento de Desenhos-Estórias. O terceiro capítulo é dedicado aos objetivos e à justificativa. No capítulo quatro discorrerei sobre a metodologia utilizada. No capítulo quinto, será feita a apresentação e análise de cada caso. O capítulo seis será dedicado à discussão dos casos e considerações finais.

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1.1 Pegando o trem da História: reflexões sobre a contemporaneidade

Comemora-se um século da publicação dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. Percebe-se, cem anos depois, que as cidades, as famílias, as formas de relacionamento, as escolas e os meios de comunicação pouco se parecem com o que existia na famosa Viena de Freud. Muitas mudanças aconteceram no decorrer desse tempo. Para fazer uma reflexão sobre a organização psíquica da sexualidade no período de latência nos dias de hoje, é necessário recorrer não somente à psicanálise, mas também à sociologia e a autores que convidam a refletir sobre as mudanças que ocorreram e que continuam acontecendo na sociedade e na cultura. Afinal, a cultura e o meio em que se vive deixam marcas profundas nos modos de subjetivação do ser humano.

A sociedade atual se caracteriza por uma incessante aceleração dos avanços tecnológicos nas comunicações, na informática e na produção industrial. Isso se faz acompanhar por um predomínio significativo de valores que privilegiam o individualismo, a imagem, o poder, os progressos vertiginosos, o aumento da violência e a tendência à regressão. Como não pensar que tudo isso incida sobre os conflitos que o homem atual tem que enfrentar, bem como sobre as possibilidades e limitações na elaboração psíquica dos mesmos? O que temos que levar em conta é que o paciente neurótico de hoje, que chega aos nossos consultórios, não é igual àquele de cem anos atrás, quando Freud investigou as características da histeria (SCHKOLNIK, 1998, p. 10).

Afirmei acima que as cidades, as famílias, as escolas, os meios de comunicação e as formas de relacionamento hoje se parecem pouco com aqueles que existiam há um século atrás. O que os diferencia? Qual a relevância dessa diferença? Na tentativa de responder a essas perguntas, convido o leitor a pegar o trem da história e a fazer uma viagem, que se iniciam séculos antes de Freud postular a existência de uma sexualidade infantil. Vamos iniciar essa viagem pela concepção acerca da criança, que se modifica ao longo da história.

Com Ariès começamos o nosso passeio pelo tempo. Em seu famoso livro “História Social da Criança e da Família”, faz um amplo estudo por meio da iconografia da época sobre o conceito de infância e a representação da criança desde o século XII até o século XIX. Ele considera que, “até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. É difícil crer que essa ausência se devesse à incompetência ou à falta de habilidade. É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo” (ARIÈS, 1981, p. 50).

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prematura das crianças levava as pessoas a adotarem uma postura de indiferença em relação às mesmas.

O anonimato da criança vai se alterando, segundo o historiador, a partir do século XIII, com o aparecimento de três tipos de representação na iconografia religiosa – o anjo, o menino Jesus e a Nossa Senhora Menina e, ainda, a criança nua. No final da Idade Média, o menino Jesus seria desnudado, mas antes aparecia “castamente enrolado em cueiros ou vestido com uma camisa ou uma camisola” (ARIÈS, 1981, p. 53).

Após essa iconografia religiosa da infância, destaca-se uma iconografia leiga nos séculos XV e XVI. Não era ainda a representação da criança sozinha. Ariès evidencia que as cenas de gênero e as anedóticas começaram a substituir as representações estáticas de personagens simbólicas. Neste momento, a criança se torna uma das personagens mais freqüentes das pinturas anedóticas.

O século XVII é importante no que diz respeito ao início da representação da criança como um ser dotado de individualidade e características próprias. Ariès (1981, p. 65) esclarece:

Foi no século XVII que os retratos de crianças sozinhas se tornaram numerosos e comuns. Foi nesse século também que os retratos de família muito mais antigos tenderam a se organizar em torno da criança, que se tornou o centro da composição. [...] A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do fim do século XVI e durante o século XVII.

Até este momento, não havia a noção de individualidade da criança. Como não existia uma diferenciação entre as categorias adulto/criança, a criança participava de todas as atividades dos adultos: festas, jogos sexuais, bebidas. O sentimento de infância restringia-se apenas à paparicação.

O respeito devido às crianças era, então, no século XVI algo totalmente ignorado. Os adultos se permitiam tudo diante delas: linguagem grosseira, ações e situações escabrosas; elas ouviam e viam tudo. Essa ausência de reserva diante das crianças, esse hábito de associá-las a brincadeiras que giravam em torno de temas sexuais para nós é surpreendente: é fácil imaginar o que diria um psicanalista moderno sobre essa liberdade de linguagem, e mais ainda, essa audácia de gestos e esses contatos físicos. Esse psicanalista, porém, estaria errado. A atitude diante da sexualidade, e sem dúvida a própria sexualidade, variam de acordo com o meio, e, por conseguinte, segundo as épocas e as mentalidades. (ARIÈS, 1981, p. 128-129)

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No entanto, no fim do século XVI, começa a se esboçar uma mudança na concepção vigente. Alguns educadores, destacando-se Gerson, iniciaram um movimento que pregava uma mudança nos hábitos educacionais, propondo um novo comportamento em relação às crianças. Dessa forma, uma grande transformação começa a ocorrer – nasce o conceito da inocência infantil.

Durante todo o século XVII, essa nova maneira de ver as crianças foi se consolidando. A cerimônia da primeira comunhão é a forma de manifestação mais visível do sentimento de infância entre os séculos XVII e XIX, pois celebrava, ao mesmo tempo, a inocência da infância e a apreciação racional dos mistérios sagrados.

Surge, com o nascimento da inocência infantil, o segundo sentimento da infância: a preocupação com a educação e com a transmissão de valores morais. Este sentimento proveio de uma fonte exterior à família, tendo a sua origem nos eclesiásticos ou homens da lei.

Não obstante, essa evolução que se deu do século XV ao século XVIII não aconteceu sem resistências. Os traços peculiares da Idade Média persistiram por algum tempo, principalmente no que se refere à escola e às camadas mais baixas da população. A escola era considerada, pode-se afirmar, a porta de entrada para o mundo dos adultos.

Assim que ingressava na escola, a criança entrava imediatamente no mundo dos adultos. Essa confusão, tão inocente que passava despercebida, era um dos traços mais característicos da antiga sociedade, e também um de seus traços mais persistentes, na medida em que correspondia a algo enraizado na vida (ARIÈS, 1981, p. 168).

Durante quase toda a Idade Média, não existia uma correspondência entre as classes escolares e as idades dos alunos. Crianças de sete anos freqüentavam aulas juntamente com adultos de vinte anos. No entanto, o sentimento de repugnância pela precocidade, como ressalta Ariès (1981), marcou a diferenciação, por meio do colégio, de uma primeira camada – a da primeira infância, prolongada até cerca de dez anos. As classes começaram a ser divididas, principalmente as que estavam relacionadas às crianças menores, criando assim um novo conceito: o de particularidade do infantil. Dessa forma, a escola teve uma importância fundamental para o desenvolvimento da noção de idade e para a separação da infância do mundo adulto.

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escolar – e esta palavra não existia até o século XIX foi sinônimo de estudante, sendo ambas empregadas indiferentemente: a palavra colegial não existia – o écolier do século XVI ao XVIII estava para uma infância longa assim como os conscritos dos séculos XIX e XX está para a adolescência (ARIÈS, 1981, p. 187)

Com o fim da Idade Média e a chegada da Idade Moderna, os conceitos de infância, de família e de escola foram se aproximando, com algumas ressalvas, do modelo vigente dos dias atuais. Foi uma mudança lenta que levou séculos para se consolidar, tendo como disparador fatores sociais, culturais e econômicos. Era o fim de um sistema feudal, de uma visão teológica e mágica do mundo. Nascia a Idade Moderna, trazendo consigo o Capitalismo, a ciência e a burguesia.

Devido ao fato da concepção de infância ter passado por transformações ao longo da história, o conceito, a organização e o sentimento de família também sofreram modificações e reestruturações ao longo do tempo. Conforme demonstra Lasch (1991), a mudança na concepção da infância foi fundamental para a criação da chamada família nuclear burguesa.

Uma nova concepção de infância colaborou no surgimento da nova idéia da família. A criança deixou de ser considerada simplesmente como um pequeno adulto e passou a ser uma pessoa com atributos característicos – suscetibilidade, vulnerabilidade, inocência – os quais exigiam um período de formação afetuosa, protegido e prolongado. Enquanto anteriormente as crianças se misturavam com liberdade na sociedade dos adultos, agora os pais buscavam sua segregação prematura do contato com empregados e outras influências corruptoras. Os educadores e moralistas começaram a destacar a necessidade de brincar, de amor, de compreensão por parte da criança e de que seu desenvolvimento fosse gradual e suave. Como resultado, a sua criação se converteu em algo mais exigente e os laços emocionais entre pais e filhos se intensificaram à medida que se debilitavam os vínculos com familiares não pertencentes ao núcleo imediato (LASCH, 1991, p. 27).

A partir do século XVIII, surge a família moderna, berço do amor romântico, detentora da responsabilidade de criar e educar os filhos, propiciadora de modelos identificatórios sólidos e de relações baseadas no amor e na reciprocidade dos laços afetivos. A família moderna nasce como o lugar privilegiado para o domínio da intimidade, sendo também o agente a quem a sociedade confia a tarefa de transmissão da cultura. Esse sentimento de família teve início em meados do século XV, consolidando-se no século XVIII. “A reorganização da casa e a reforma dos costumes deixaram um espaço maior para a intimidade, que foi preenchida por uma família reduzida aos pais e às crianças, da qual se excluíam os criados, os clientes e os amigos” (ARIÈS, 1981, p. 267).

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universalidade, individualidade e autonomia. A Modernidade foi uma época no ocidente, em que os processos de racionalização se aceleraram. A Revolução Francesa de 1779, com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, abriu as portas para a consolidação da Revolução Industrial e, conseqüentemente, do Capitalismo. No projeto moderno a ciência passa a ocupar o lugar que anteriormente era dado à religião.

Vale dizer, a modernidade é a produção histórica e a revelação maior dos valores investidos pelo Iluminismo. Valores éticos e políticos, certamente, que materializaram o ideário iluminista e que transformaram radicalmente a face do mundo. Fundado nesses valores, o Iluminismo enunciou discursos sobre a ciência e a religião que traçaram uma concepção de cultura na qual nos inserimos desde o século XIX (BIRMAN, 1997, p. 71).

Para iniciar uma reflexão sobre a contemporaneidade, (re)visitar alguns momentos históricos tem importância fundamental. O objetivo não é fazer uma profunda análise sociológica, mas, para compreender o indivíduo, precisa-se entender também o contexto social, cultural e econômico em que ele está inserido. De acordo com Gilberto Safra (2001, p.18): “A observação do contexto sociocultural e suas ideologias permite que possamos compreender o mal-estar do nosso tempo e a maneira pela qual ele é portado pelos indivíduos em nossa época”.

Na tentativa de entender o “mal-estar” do nosso tempo e suas possíveis repercussões sobre a organização psíquica da sexualidade no período de latência, algumas perguntas se tornam necessárias: Quais são as características da sociedade contemporânea? Em que ela se diferencia do momento histórico no qual foi criada a Psicanálise ou, mais especificamente, do momento em que Freud postulou a sua teoria da sexualidade?

Há uma grande discussão entre sociólogos, historiadores e antropólogos sobre como denominar o presente momento histórico. Seria Modernidade ou Pós-modernidade?

Em 1979, o conceito de Pós-modernidade foi postulado por Jean-François Lyotard. “[...] Este termo define um estado da cultura. As sociedades modernas baseavam seus discursos na verdade, na justiça e em grandes metanarrativas históricas e científicas. A crise atual é precisamente a crise desses discursos” (LYOTARD, 1998, p. 12).

Por outro lado, o importante sociólogo inglês, Anthony Giddens (1991), acredita que a sociedade está vivendo a radicalidade dos paradigmas da modernidade.

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Entretanto, não se irá entrar no mérito dessa discussão. Mais do que discutir Modernidade ou Pós-modernidade, pretende-se neste momento pontuar as características e especificidades da cultura e da sociedade contemporâneas. Alguns autores estudados irão referir-se a esse momento atual como pós-modernidade. Outros irão dizer que estamos em um momento de transição. Essa discussão, portanto, auxiliará a entender melhor o que permaneceu e o que se modificou no decorrer do tempo.

Uma das características da Modernidade, ressaltada por Figueiredo (2003), é uma dinâmica que impõe a constituição de um sujeito reflexivo. Um sujeito capaz de pensar sobre si mesmo, sobre o mundo que o cerca, capaz de produzir uma linguagem de auto-referência. Segundo esse autor, não é por acaso que a Psicanálise é um dos principais exemplos dessa dinâmica moderna. Sobre a questão da reflexividade na Modernidade, Giddens afirma: “A reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim constitutivamente seu caráter” (GIDDENS, 1991, p. 43).

O pensar e o refletir aparecem como uma das características intrínsecas da Modernidade, que tem seu alicerce na crença iluminista do poder da razão. No entanto, hoje vive-se em uma época na qual se valoriza a satisfação imediata em detrimento da reflexão. Uma sociedade que tolera cada vez menos o adiamento do prazer e da satisfação.

Ahumada (1988, p. 26 apud ENGEL, 2000, p. 471) destaca o papel dos meios de comunicação visuais sobre a evolução emocional e sobre o pensamento - a ação substituindo a reflexão; a imagem substituindo a palavra escrita. Segundo ele, estamos sendo testemunhas de uma crise na própria capacidade de pensar sobre si mesmo.

Para Outeiral (2005), essa velocidade com que as informações são oferecidas, o bombardeamento de imagens e essa nova condição da sociedade em que tudo é fast, fragmentado, têm uma influência relevante na constituição subjetiva dos adolescentes contemporâneos. Nas palavras do autor:

Esse contraste na referência velocidade/tempo entre a geração dos adultos e dos adolescentes me leva a inferir que um dos vetores que nos levam a encontrar ‘hoje’, mais do que ‘ontem’, adolescentes ‘atuadores’ se deve a essa quebra de paradigma: a tradicional, ou moderna, cadeia impulso-pensamento-açãocede lugar a um modelo novo caracterizado pela supressão do pensamento que demanda elaboração e, por conseguinte tempo, e que se configura ‘pós - modernamente’ como impulso-ação, baixa tolerância à frustração, dificuldades em postergar a realização dos desejos e busca de descarga imediata dos impulsos. Há um frenético não paro, se paro penso, se penso dói [...] (OUTEIRAL, 2005, p. 80).

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prazer instantâneo em detrimento de uma relação mais profunda. O corpo torna-se um dos maiores objetos de desejo, mas não se trata de qualquer corpo. A busca é por um corpo idealizado, perfeito, massificado e, por que não dizer, mutilado por tantas cirurgias com fins estéticos. O outro, em sua alteridade, é esquecido. O narcisismo, assim como o consumismo, o uso abusivo de drogas (incluindo-se os psicofármacos) e a solidão são considerados características do sujeito contemporâneo.

A valorização do sexo e a trivialização das relações pessoais, a condenação do ciúme e da possessividade, a cuidadosa evitação dos compromissos duradouros, a fuga ao sentimento por meio da promiscuidade sexual, tudo isto que em conjunto transformou-se em uma cultura do narcisismo (ENGEL, 2000, p. 469)

Nessa breve análise da sociedade contemporânea, não se poderia deixar de pensar qual é a influência da mídia, principalmente da televisão, nos processos de subjetivação. Safra (2001) alerta para a importância de se refletir sobre a forma como o mundo vem sendo apresentado para as crianças.

O IBOPE , em pesquisa realizada no ano de 1995 com crianças na faixa etária de dois a nove anos (apud RIBEIRO, 1984, p. 75), demonstrou que as telenovelas são os programas mais assistidos pelo público dessa idade. Consultor da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e professor da Universidade Gama Filho do Rio de Janeiro, Márcio Schiavo coordenou uma pesquisa que tinha como objetivo quantificar a incidência de cenas e situações eróticas presentes na programação infantil. Para tanto, foram analisadas 150 horas de programas infantis exibidos em canais abertos. Os resultados2 da pesquisa mostram que 308 estímulos e referências ao sexo foram registrados no período pesquisado entre 25 a 31 de maio de 1997. Nesta mesma pesquisa foram ouvidas 150 crianças, das quais 60,6% disseram que vêem tudo o que querem na televisão.

Por meio desses dados pode-se perceber como a televisão está presente na vida das crianças e das famílias contemporâneas. O psicanalista Paulo Roberto Ceccarelli (2001) afirma que não se pode ignorar a participação da televisão na construção social, na formação de mentalidades e no desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente.

Assim, no cenário contemporâneo, tem-se, de um lado, uma televisão que cada vez mais invade os lares e as mentes dos cidadãos brasileiros, ditando em cores e em alto e bom som o modelo “ideal” de homem, de mulher, de erotismo. Sobre esses modelos, Mello ressalta:

Hoje vemos o imaginário infantil, povoado de loiras do Tchan e Tiazinha, modelos aos quais as meninas procuram imitar, utilizando roupas, cabelo e gestos (...) Podemos observar que, aparentemente, nesses modelos há um apelo à sexualidade

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genital, no entanto, na verdade o que se dá é uma sobre-estimulaçào à sexualidade anal. As ‘bundinhas são destacadas, tanto na coreografia como na linguagem verbal, os aspectos sádicos anais estão em evidencia (MELLO, 2000, p. 6).

Do outro lado dessa estória, a família não apresenta modelos identificatórios tão sólidos como outrora. Nesse contexto, Moreno (2004) alerta para o fato de que as crianças são cada vez menos controladas pela moldura familiar, e a mídia, percebendo esse vazio, tenta preenchê-lo.

Cada vez mais a família contemporânea se diferencia do ideal moderno de família. O tão tradicional “álbum de família” está se modificando. Outeiral mostra como essa mudança foi ocorrendo ao longo das últimas três décadas.

Na década de 70, as questões familiares nos conduziam a refletir sobre a passagem da família patriarcal para a família nuclear. A família patriarcal constituída por grupos familiares de vários graus de parentescos (avós, tios, primos etc.) oferecia à criança e ao adolescente uma rede familiar de proteção [...]. Com a rápida migração para os grandes centros urbanos passamos a encontrar a família nuclear constituída por um casa e um ou dois filhos [...] Na década de 80 as questões diziam respeito às novas configurações familiares: famílias reconstituídas, com filhos de casamento anteriores e de novo casamento, tendo esse fato social o reconhecimento da lei do divórcio [...] Na última década temos a possibilidade de uma mulher ter um filho sem relações genitais com um homem, através da fertilização assistida: o desenvolvimento tecnológico nos aporta novas estruturas familiares (OUTEIRAL, 2005, p. 73).

Assim, além de uma nova organização familiar, presencia-se o nascimento de novas estruturas familiares. O desenvolvimento veloz da engenharia genética possibilita que hoje uma mulher possa comprar um filho em um banco de esperma. Crianças vão sendo geradas sem que relações sexuais entre um homem e uma mulher aconteçam, o que provoca uma mudança radical na estrutura familiar. Algumas décadas atrás mulheres na menopausa não poderiam engravidar. Com o advento tecnológico, isto já se torna possível.

Dois anos atrás, o programa Fantástico da Rede Globo exibiu uma matéria em que, devido à impossibilidade de engravidar, uma mulher e seu marido recorreram à inseminação artificial. Tiveram que escolher uma barriga de aluguel. No entanto, a mulher escolhida para gestar a criança foi a mãe da esposa. A mulher foi fertilizada pelo sêmen do genro tornando-se, deste modo, ao mesmo tempo, avó e mãe do nascituro. Este fato algumas décadas atrás pareceria ter saído de um filme de ficção científica.

Outra característica da sociedade contemporânea que vem sendo discutida por muitos psicanalistas é o predomínio das patologias narcisistas em detrimento das neuroses, isto é, o predomínio do princípio de prazer em detrimento do princípio de realidade. As histerias, tão freqüentes na época de Freud, hoje estão praticamente em extinção.

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as características da histeria [...] é inevitável destacar a importância que têm atualmente as atuações, que muitas vezes assumem modalidades de funcionamento mental muito regressivas, levando a tendências perversas e autodestrutivas. A problemática vinculada ao campo sexual aparece intricada com o narcisismo ligado à pulsão de morte (SCHKOLNIK, 1998, p. 10).

Essa rápida viagem pela história, tendo como ponto de chegada a sociedade contemporânea, não foi realizada em clima de nostalgia. Ceccarelli (2001) esclarece que, para ter uma compreensão psicológica da criança na sociedade digital, não se pode cair em posições nostálgicas. Cada momento histórico tem suas especificidades, seu “mal-estar”. Concorda-se com o psicanalista gaúcho Eizirik (2004, p. 92), quando afirma que “os tempos não são bons nem maus, são o que são em cada contexto histórico. Nosso desafio é buscar entender esse tempo e sua linguagem assim como os figurinos e as roupagens que a sexualidade assume para exprimir-se”.

Tendo em vista todas as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade e na cultura, principalmente nas últimas décadas; muitos psicanalistas, educadores, pais e cidadãos, em geral, têm-se perguntado sobre os efeitos de todas essas mudanças no psiquismo infantil.

Na análise dos desenhos-estórias, será compreendido como está se constituindo a organização psíquica da sexualidade das dez crianças que participaram desta pesquisa e que se encontram na fase final do período de latência, levando em consideração as características e especificidades da cultura e da sociedade contemporâneas que, como foi visto acima, é bem diferente da época em que Freud (1905) escreveu os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”.

1.2 O desenvolvimento infantil e a sexualidade

A psicanálise, há um século atrás, deu à infância um outro status quo, afirmando que a pulsão sexual, ao contrário do que a maioria das pessoas acreditava, estava presente nas crianças. O que antes era considerado uma aberração ou manifestações isoladas, agora faz parte da constituição normal de qualquer ser humano. Nas palavras de Freud (1925):

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na infância. E, contudo, nenhum outro achado da análise pode ser demonstrado de maneira tão fácil e completa (FREUD, 1996, p. 38-39).

Assim, em meio a uma sociedade burguesa e moralista, Freud começa a construir um novo jeito de se compreender a infância e a sexualidade humana. Amplia o conceito de sexualidade, explicitando que essa vem a ser algo que não se reduz à genitalidade e que não tem a reprodução como objetivo principal. Primeiramente, a sexualidade está atrelada a uma função vital, como a alimentação, e só depois se torna independente dela. Freud (1908) faz a seguinte consideração:

Novas perspectivas se nos oferecem ao considerarmos que no homem o instinto sexual não serve originalmente aos propósitos da reprodução, mas à obtenção de determinados tipos de prazer. Manifesta-se desse modo na infância do homem, período em que atingi sua meta de obter prazer não só dos genitais, mas também de outras partes do corpo (zonas erógenas), podendo, portanto prescindir de qualquer outro objeto menos cômodo. (FREUD, 1996, p. 174-175)

Em 1905, quando escreve os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, Freud começa a descrever as aberrações da pulsão sexual a respeito de seu objeto e seu alvo. Afirma que a predisposição para as perversões deve antes fazer parte da constituição normal do desenvolvimento de todo ser humano, estando presente inclusive nas crianças. Ou seja, tanto a sexualidade “normal” como as perversões têm as suas raízes na sexualidade infantil.

Freud (1905) faz uma declaração que choca toda uma época ao afirmar que a criança é um “perverso polimorfo”, ou seja, não possui um objeto definido para a satisfação da pulsão sexual, caracterizando-se por uma obtenção de satisfação em diferentes zonas erógenas. Estas zonas possuem uma correspondência com as fases do desenvolvimento psicossexual, definidas por ele como sendo as seguintes: oral, anal-fálica, latência e genital. Nesse mesmo artigo de 1905, Freud conceituou zona erógena como qualquer região do corpo capaz de se tornar sede de uma excitação de caráter sexual. Dentre elas, pode-se destacar a boca, a pele, a mucosa anal, o pênis, o clitóris, sendo que em cada idade específica, teoricamente, predomina a hegemonia de uma determinada zona.

Para entender melhor o conceito de período de latência, foco principal desta pesquisa, é necessário percorrer o caminho do desenvolvimento psicossexual formulado por Freud. Mas antes de começar o percurso, acredito ser de grande importância a citação da seguinte reflexão de Mezan (1985, p. 105-106):

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vista as coisas se equivalem – abre uma primeira brecha nas categorias ideológicas, borrando sensivelmente as fronteiras entre o corpo e a alma, atribuindo ao sexo um papel na vida anímica que a moral da época não poderia suportar.

Para Freud (1905), desde o nascimento já existe uma atividade sexual, ou seja, a sexualidade surge ligada à satisfação de uma necessidade orgânica, primeiramente a nutrição, para em seguida desligar-se desta, procurando satisfação no próprio corpo, o que ele denominou auto-erotismo. Dessa forma, o investimento libidinal está dirigido para o próprio corpo do bebê. Nos primeiros meses de vida há o predomínio da fase oral. A sucção dos dedos e dos lábios desligada de qualquer absorção de alimentos seria, segundo Freud, uma manifestação tipicamente sexual. A boca é, portanto, a zona erógena, ou seja, a região do corpo que, ness momento, provoca uma sensação prazerosa de determinada intensidade e qualidade. Diz Freud (1905):

A primeira e mais vital das atividades da criança – mamar no seio materno (ou em seus substitutos) – há de tê-la familiarizado com esse prazer. Diríamos que os lábios da criança comportaram-se como uma zona erógena, e a estimulação pelo fluxo cálido de leite foi sem dúvida a origem da sensação prazerosa. A princípio, a satisfação da zona erógena deve ter-se associado com a necessidade de alimento. A atividade sexual apóia-se primeiramente numa das funções que servem à preservação da vida, e só depois torna-se independente delas. (FREUD, 1996, p.171)

No curso do desenvolvimento, por volta de um ano e meio de idade, primazia é da zona anal. As sensações de prazer-desprazer se associam tanto com a expulsão quanto com a retenção das fezes. Esses processos ligados ao funcionamento do corpo são as atividades infantis que, nessa fase, mais se relacionam com as frustrações e gratificações sexuais.

Por volta do terceiro ano de vida, o papel sexual começa a ser assumido pelos órgãos genitais. Este momento do desenvolvimento psicossexual é conhecido como fase fálica. Segundo Freud (1905), chama-se essa fase de fálica, principalmente, porque o pênis é o principal objeto de interesse da criança em ambos os sexos. As fantasias infantis giram em torno de ter ou não ter um pênis. De ser ou não vir a ser castrado.

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Concomitantemente ao desenvolvimento edipiano, surge nos meninos um medo de ser castrado pelo pai em resposta aos desejos sexuais dirigidos à figura materna. Essa angústia de castração vai se tornando cada vez mais ameaçadora na medida em que o menino visualiza o órgão genital da mãe ou de uma menina. Na sua fantasia, a mãe ou a menina foi castrada, e ele, dessa forma, poderá ser o próximo. Assim, o amor narcísico pelo pênis leva o menino a abandonar seus desejos incestuosos dirigidos para a mãe. Nesse momento, é inaugurada a fase de latência no menino e, conseqüentemente, a formação de seu superego.

Diferentemente dos meninos, o complexo de castração impele a menina ao complexo de Édipo. Partindo da fantasia de que todas as pessoas possuem um pênis, a menina ao se perceber sem um culpa a mãe por tê-la feito vir ao mundo tão desprovida e mutilada. Assim, a menina volta seus desejos amorosos para a figura paterna. Ela deseja ter o pênis do pai.

Nos escritos de Freud (1924), a sexualidade feminina é algo obscuro. Fica difícil delinear de forma tão precisa, como no menino, o declínio do complexo de Édipo feminino. Ele considera que o desejo de possuir o pênis do pai se transforma, na menina, em um desejo de ter um filho dele. Está formada, então, uma equação simbólica “pênis-fillho”. O complexo de Édipo feminino é sucedido pelo período de latência e deixa como herdeiro o superego.

Freud (1924) postula que o Édipo, embora seja vivido por cada um como uma experiência individual, é determinado e estabelecido hereditariamente. Então, esse complexo chegaria ao fim, “porque chegou a sua hora assim como chega a hora de cair os dentes de leite” (FREUD, 1996, p. 193). Tanto na menina quanto no menino o fim do complexo de Édipo ocasiona um abandono das catexias objetais, que são substituídas por identificações. A autoridade dos pais é introjetada no ego, formando o núcleo do superego. Este, por sua vez, se torna o representante da lei, da ordem e da moral, perpetuando a proibição do incesto e defendendo o ego do retorno da catexia objetal libidinal. Por isso, as tendências libidinais do Édipo são, em parte, dessexualizadas e sublimadas. Este momento do desenvolvimento psicossexual é conhecido como período de latência.

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Seria um erro supor que essas três fases se sucedem de forma clara. Uma pode aparecer em adiamento a outra; podem sobrepor-se e podem estar presentes lado a lado. Nas primeiras fases, os diferentes componentes dos instintos empenham-se na busca de prazer independente uns dos outros; na fase fálica, há os primórdios de uma organização que subordina os outros impulsos à primazia dos órgãos genitais e determina o começo de uma coordenação do impulso geral em direção ao prazer na função sexual. A organização completa só se conclui na puberdade, numa quarta fase, a genital (FREUD, 1938, p. 168).

Seguindo à fase fálica, inicia-se o período de latência, foco de estudo da presente pesquisa. Segundo Freud (1905), é nesse momento que acontece uma parada no desenvolvimento libidinal infantil. Posteriormente, esse conceito será discutido mais detalhadamente.

A última fase do desenvolvimento psicossexual é a genital. Nessa fase, os impulsos sexuais estão dirigidos para um objeto definido. As pulsões parciais se juntam e as zonas erógenas estão subordinadas à primazia dos genitais. A pulsão sexual coloca-se agora a serviço da reprodução. Pode-se dizer que esta fase inicia-se na puberdade.

Assim, pois, pode-se dividir a sexualidade pré-adulta, de modo geral, em três períodos principais: o período infantil, o período de latência e a puberdade. Hoje em dia se conhecem muito bem o começo e o fim do período infantil, ao passo que aquilo situado no meio ainda requer muita pesquisa; possivelmente, neste período intermediário, ocorrem variações acidentais mais importantes do que as que se dão nas fases inicial e terminal (FENICHEL, 2004, p. 56).

Considero importante a ressalva feita por Fenichel sobre a importância de serem realizados estudos sobre o período de latência. Durante o levantamento bibliográfico, percebi o quanto é pequeno o número de livros, dissertações e teses escritas sobre esse período do desenvolvimento psicossexual infantil.

Para melhor compreender o conceito de período de latência, foi importante percorrer o caminho traçado por Freud sobre o desenvolvimento psicossexual infantil e, dessa forma, entender como surgiu o conceito freudiano de sexualidade que difere muito do senso comum. Afinal, esta pesquisa tem como objetivo estudar a organização psíquica da sexualidade em dez crianças de nove anos, tendo como pano de fundo as mudanças sociais e culturais que ocorreram neste último século.

1.3 O conceito de período latência em Freud

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ou menos os cinco anos de idade. Segundo ele, durante esse período os impulsos sexuais são suprimidos pela repressão, surgindo atitudes na criança como o asco, a vergonha, a repulsa. Freud entendeu esse momento evolutivo como sendo resultante de uma combinação de processos biológicos, de influências culturais e da educação.

Após o declínio do complexo de Édipo e o surgimento do superego irrompe o período de latência. É nesse momento do desenvolvimento que ocorre a substituição das catexias objetais, antes dirigidas para os pais, pelas identificações; as tendências sexuais que pertenciam ao complexo de Édipo são, em parte, dessexualizadas e sublimadas. Classicamente, a latência é uma fase do desenvolvimento que se estende desde o declínio da sexualidade infantil até o início da puberdade. Nas palavras de Freud (1925):

Dir-lhe-ei, então, que o fato mais notável sobre a vida sexual das crianças, segundo me parece, passa por todo o seu desenvolvimento mais amplo nos cinco primeiros anos de vida. A partir desse ponto até a puberdade estende-se o que se conhece como período de latência. Durante ele a sexualidade normalmente não avança mais; pelo contrário, os anseios sexuais diminuem de vigor e são abandonadas e esquecidas muitas coisas que a criança fazia e conhecia. Nesse período da vida, depois que a primeira eflorescência da sexualidade feneceu, surgem atitudes do ego como a vergonha, a repulsa e a moralidade, que estão destinadas a fazer frente à tempestade ulterior da puberdade e a alicerçar o caminho dos desejos sexuais que se vão despertando. (FREUD, 1996, p. 204).

O medo da castração mobiliza a entrada da criança no período de latência. A criança na latência abandona seus desejos incestuosos e dirige sua atenção para atividades sociais, principalmente as escolares. Nesse momento, a criança procura ser admirada e reconhecida pelos pais e professores. Ela busca o amor dos pais e educadores através de renúncias instintivas. Nesse período meninos e meninas tendem a ter atividades diferentes e a formar grupos separados. A tendência dos meninos de excluir as meninas e vice-versa está relacionada a defesas contra a bissexualidade. Vivendo em um ambiente só de homens ou só de mulheres, as crianças procuram reforçar, respectivamente, suas características masculinas ou femininas.

Ao longo da obra de Freud (1905, 1923, 1938) pode-se perceber a importância que ele dá ao período de latência como um momento que está intrinsecamente relacionado ao desenvolvimento cultural e à função de hominização. Outro aspecto relevante é que nessa etapa do desenvolvimento infantil se consolida a formação do caráter, incluindo também a formação dos ideais éticos e estéticos pelo ego. Há, igualmente, o abandono de defesas mais primitivas, como a cisão e a negação, e o uso de defesas mais evoluídas, como a repressão, a sublimação e a formação reativa. Freud (1905) escreve:

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desenvolvimento de uma cultura superior, mas também de sua tendência à neurose (FREUD, 1996, p. 220-221).

Embora acredite na diminuição da atividade sexual durante a latência, Freud (1905) assinalou também que, apesar da repressão e das formações reativas, manifestações da sexualidade podem irromper: “[...] vez por outra irrompe um fragmento de manifestação sexual que se furtou à sublimação, ou preserva-se alguma atividade sexual ao longo do período de latência, até a irrupção acentuada da pulsão sexual na puberdade [...]” (FREUD, 1996, p. 168).

Nos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” Freud (1905) escreve sobre os fatores constitucionais e acidentais, que poderiam influenciar no desenvolvimento sexual infantil. Um desses fatores seria a precocidade sexual demonstrável na etiologia das neuroses. De acordo com Freud, essa precocidade se manifestaria na interrupção, encurtamento ou término do período de latência. Uma das conseqüências disso seriam perturbações nas manifestações sexuais que, pelo estado incompleto das inibições sexuais e também pelo fato do sistema genital ainda não está desenvolvido, poderiam ter características típicas das perversões.

[...] essas tendências à perversão podem então permanecer como tais ou, instaurado o recalcamento transforma-se em forças propulsoras de sintomas neuróticos. De qualquer modo, a precocidade sexual dificulta o desejável domínio posterior da pulsão sexual pelas instâncias anímicas superiores, e aumenta o caráter compulsivo que, à parte isso, os substitutos [Vertretungen] psíquicos da pulsão reivindicam para si (FREUD, 1996, p. 227).

Segundo Freud (1905), um dos fatores que poderia ocasionar rompimentos prematuros no período de latência, bem como seu desaparecimento, seriam as influências externas da sedução. Ele afirma que, se tal fato ocorresse, a educabilidade das crianças estaria prejudicada. Freud não desenvolveu esta idéia em seus textos posteriores, mas essa afirmação pode ajudar a refletir sobre as crianças na latência nos dias de hoje, tendo em vista a relação das mesmas com a mídia, as novas formas de relacionamento afetivo, as novas configurações familiares. Em outro momento desta pesquisa, irei resgatar e discutir com mais propriedade esta prerrogativa feita por Freud.

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reconhecida, assim, como um período de luta contra a masturbação, de construção de sólidas defesas, que acabam por empobrecer a vida imaginativa e de fantasia da criança. Freud (1926) afirma:

A principal tarefa durante o período de latência parece ser o desvio da tentação à masturbação. Essa luta produz uma série de sintomas que aparecem de maneira típica nos indivíduos mais diferentes e que, em geral, têm a natureza de um cerimonial. Muito é de lamentar que alguém ainda não os tenha reunido e analisado de maneira sistemática. (FREUD, 1996, p. 117).

Nesta etapa do desenvolvimento, a criança estabelece uma nova relação com a realidade interna e externa. As crianças com um superego melhor estruturado nessa fase conseguem adiar a satisfação imediata dos seus desejos e necessidades, o que supõe uma maior capacidade de elaboração mental. Tal elaboração está ligada a um maior desenvolvimento egóico. O ego do latente adquire uma maior capacidade de pensamento, de análise da realidade, de adiamento da satisfação.

Laplanche e Pontalis (2001) explicam o motivo pelo qual Freud denominou esse momento do desenvolvimento infantil estudado como período de latência e não como fase de latência. Segundo esses autores, nessa etapa do desenvolvimento, embora possam ocorrer manifestações sexuais, não existe uma nova organização da sexualidade como acontece na fase oral, anal e fálica.

Ao longo da exposição das idéias de Freud sobre o período de latência, demonstrou-se a relevância que o criador da psicanálise dedicou a esse momento do desenvolvimento infantil, principalmente, quando relacionou este período à tendência do homem tanto para a neurose como para o desenvolvimento da atividade cultural.

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1.4 O conceito de período de latência em Melanie Klein

Em 1932 Melanie Klein publica um livro intitulado “A Psicanálise da Criança” no qual, através de uma série de artigos, lança as bases teóricas de suas geniais e importantes contribuições posteriores. Nesta obra Klein discute o período de latência em três importantes artigos: “A técnica de análise no período de latência”, “A técnica de análise na puberdade” e “A importância das situações de ansiedade arcaicas no desenvolvimento do ego”.

Esta pesquisa não tem como objetivo o aprofundamento da teoria kleiniana, mas faz-se necessário compreender como Melanie Klein utilizou o conceito freudiano do período de latência.

No primeiro artigo “A técnica da análise no período de latência”, Melanie Klein afirma que a criança na latência possui uma vida imaginativa mais precária devido à forte repressão. O ego ainda não se encontra plenamente desenvolvido como nos adultos, o que contribui para que a criança não possua insight sobre a sua doença nem desejo de ser curada.

Outra característica das crianças na fase de latência, segundo Melanie Klein (1932), é a atitude de reserva e desconfiança diante do mundo. Tanto para Klein como também para Freud, esse sentimento está ligado a uma luta interna travada pela criança contra a masturbação. Melanie Klein (1932) observou que as crianças, no período de latência, não brincavam como as crianças menores e nem associavam como os adultos.

Sobre o brincar das crianças na latência, Melanie Klein (1932) ressalta que

Durante o período de latência, em consonância com a repressão mais intensa de sua fantasia e com o seu ego mais desenvolvido, as brincadeiras da criança são mais adaptadas à realidade e menos fantasiosas do que as da criança pequena. Em suas brincadeiras com água, por exemplo, não encontramos representações tão diretas de desejos orais ou de urinar-se ou sujar-se como nas crianças menores; suas ocupações servem muito mais a tendências reativas e assumem formas racionalizadas como cozinhar, limpar, etc. Considero que a grande importância do elemento racional no brincar das crianças dessa idade não se deve apenas a uma repressão mais intensa da sua fantasia, mas também a uma ênfase obsessiva da realidade, o que é parte integrante das condições especiais de desenvolvimento do período de latência (KLEIN, 1997, p. 80).

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fantasias infantis, quanto a intensa ansiedade que as acompanha, vão ser revividas na busca do adolescente pelo seu objeto de amor.

Entretanto, Klein observa que, em alguns adolescentes, uma forte repressão ocasionou uma grande limitação da personalidade restringindo seus interesses. Muitas vezes, nesses casos, o adolescente fica restringido a apenas um único interesse, o que ganha contornos não de sublimação, mas sim, de caráter obsessivo. Klein (1932) conclui:

Cheguei à conclusão de que, por um lado, quando encontramos uma limitação grave de interesses e de meios de expressão na puberdade, estamos diante de um período de latência prolongado e, de outro, quando há uma limitação extensa das atividades imaginativas (tais como inibições no brincar, etc.) na primeira infância, trata-se de um caso prematuro do começo do período de latência. Em qualquer um dos casos, quer a latência comece cedo demais quer termine tarde demais, perturbações graves se fazem notar não apenas pela mudança no tempo como também pelo grau excessivo dos fenômenos que normalmente acompanham o período de latência (KLEIN, 1997, p. 101-102).

Isto sugere que tanto a latência começando cedo demais como acabando tardiamente podem ocasionar graves perturbações no desenvolvimento infantil. Além do que já foi posto por Freud, Klein também acredita ser importante o estudo sobre esse período do desenvolvimento infantil.

No artigo “A importância das situações de ansiedade arcaica no desenvolvimento do ego”, Klein assinala que no período de latência a estabilidade da criança é alcançada pela união do ego com o superego na busca de um objetivo comum, levando-se em consideração as exigências da realidade. Nesse trabalho, Klein (1932) retoma algumas idéias desenvolvidas por Freud sobre o período de latência, principalmente a questão relativa à luta da criança contra a masturbação.

Descrevemos a estabilização que ocorre no período de latência como estando baseada em uma adaptação à realidade, efetuada pelo ego em concordância com o superego. A conquista de um objetivo como esse depende de uma ação combinada de todas as forças comprometidas em conter e restringir as pulsões do id. É aqui que entra a luta da criança para se libertar da masturbação – uma luta que, citando Freud, ‘exige uma parcela grande de suas energias’ durante o período de latência e cuja força plena é dirigida também contra as fantasias masturbatórias (KLEIN, 1997, p.204).

Além de aprofundar as idéias de Freud referentes à luta da criança contra a masturbação ao aparecimento de mecanismos obsessivos, Melanie Klein (1932) sugere que, nesse momento evolutivo, a criança precisa receber proibições de fora, ou seja, do mundo externo, uma vez que essas proibições vão sustentar as interdições internas. De acordo com Klein (1932)

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outra fase do desenvolvimento. De fato, parece-me ser um pré-requisito definido para uma transição bem-sucedida para o período de latência que o controle da ansiedade por parte da criança se apóie nas suas relações de objeto e adaptação à realidade (KLEIN, 1997, p. 207).

Melanie Klein destaca, nessa fase, a importância da influência do ambiente externo no desenvolvimento infantil. Ressalta a importância dos pais em conter a ansiedade das crianças, dando limites e fazendo valer o princípio de realidade em detrimento do princípio de prazer. Essa reflexão sobre a importância de um superego externo que auxilie a criança na sua luta pulsional interna é peça fundamental na tessitura das minhas reflexões acerca da organização psíquica da sexualidade na latência nos dias de hoje.

1.5 O conceito de período de latência segundo a teoria do desenvolvimento de Erik Erikson

É importante percorrer o caminho do desenvolvimento infantil proposto por Erikson, para melhor compreender sua contribuição e expansão teórica acerca do período de latência e realizar o objetivo aqui proposto.

Seguindo a tradição psicanalítica de Freud e influenciado por Anna Freud, Erik Erikson acrescentou à teoria da sexualidade freudiana suas contribuições teórico-clínicas. Uma delas foi atribuir grande importância à influência exercida pela cultura e pela sociedade no desenvolvimento humano.

Ele expandiu o enfoque dado para cada uma das fases sexuais freudianas, destacando o seu caráter psicossocial de tal modo que cada estágio representa uma organização que corresponde às exigências da cultura de uma determinada sociedade. E assegurou que cada fase vivenciada poderia transforma-se numa crise, definida como um momento crítico do processo de desenvolvimento.

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Assim, formulou sua teoria sobre o desenvolvimento humano como um processo contínuo, associado à ordenação e integração das várias experiências, caracterizando a formação da identidade, embora os instintos sempre comandassem a diretriz da vida humana.

Na etapa anterior à latência, as características apresentadas ampliam a teoria da sexualidade de Freud na medida em que ele propõe uma investigação que vai além da zona e localização da necessidade libidinal, levando em consideração a capacidade e o modo de relação da criança com o mundo e as modalidades sociais ou padrões de relacionamento interpessoal. (ERIKSON, 1976)

A primeira idade compreende o sentido de confiança x desconfiança. Nesse momento, os sentimentos são derivados das experiências do primeiro ano de vida. Para este autor, o firme estabelecimento de padrões duráveis para a solução do conflito nuclear da confiança básica versus a desconfiança é a primeira tarefa do ego e, portanto, antes de tudo, uma tarefa para o cuidado materno. Portanto, “a soma de confiança derivada das primeiras experiências infantis não parece depender de quantidades absolutas de alimento ou de demonstrações de amor, mas antes da qualidade da relação materna” (ERIKSON, 1976, p.229).

O sentimento de confiança, legado desse momento do desenvolvimento, está relacionado com a fé básica na existência; com o sentimento de identidade e com a capacidade que a criança adquire de confiança tanto em seus provedores externos como também em si mesmo. O papel dos pais, em especial o da mãe, tem uma importância decisiva na construção desse sentimento de confiança e desconfiança. Conforme Erikson,

As mães criam em seus filhos um sentimento de confiança por meio daquele tipo de tratamento que em sua qualidade combina o cuidado sensível das necessidades individuais da criança e um firme sentimento de fidedignidade pessoal dentro do arcabouçodo estilo de vida e de sua cultura (ERIKSON, 1976, p. 229).

A segunda idade, na qual predomina o sentido de autonomia x vergonha ou

dúvida, acontece quando a criança consegue alcançar um desenvolvimento muscular e verbal. O desenvolvimento muscular alcançado tem o seu contraponto relacionado com duas modalidades sociais – agarrar e soltar. Segundo Erikson (1976), agarrar pode vir a significar uma retenção ou repressão destrutiva e cruel ou pode se tornar um padrão de cuidado, isto é, ter e conservar. Do mesmo modo, soltar poderá consistir em uma libertação hostil de forças destrutivas ou então em um moderado deixar passar ou acontecer. Para Erikson (1976, p. 283-284) essa etapa do desenvolvimento

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vontade e orgulho; de um sentimento de perda do auto-conrole e de supercontrole exterior resulta uma propensão duradoura para a dúvida e a vergonha [...]

Assim, o tipo de autonomia promovido na infância e modificado à medida que a vida se desenvolve favorece a preservação na vida econômica e política de um sentimento de justiça. Essa idade do desenvolvimento tem uma correlação com a fase anal postulada por Freud.

A terceira idade compreende o sentido de iniciativax culpa. É neste momento do desenvolvimento que estão presentes o complexo de castração, a formação do superego, e o tabu do incesto. Erikson (1976) afirma que esses sentimentos se juntam para causar o que chama de crise especificamente humana, quando a criança deve renunciar à uma ligação excessiva, pré-genital com seus pais, para iniciar o lento processo de se tornar um genitor, um portador da tradição.

A fase edípica resulta, dessa forma, num sentimento moral que delimita o âmbito do permitido, principalmente no sentido do possível, e que vincula os sonhos infantis às diversas metas da tecnologia e da cultura.

A fase ‘edípica’ resultará, pois, finalmente não só num sentimento moral que limita os horizontes do permissível, mas também no estabelecimento de diretrizes no sentido do possível e do tangível, as quais vinculam os sonhos infantis às diversas metas da tecnologia e da cultura (ERIKSON, 1972, p. 121).

A contribuição da fase de iniciativa para o desenvolvimento da identidade infantil consiste na libertação dessa iniciativa, no sentido de realizar tarefas semelhantes ao adulto. Essa situação promete na infância uma ampliação das capacidades e da plena realização.

A quarta idade do ciclo vital está relacionada com o sentimento de indústria x

inferioridade e coincide com o período de latência, foco principal deste estudo. Nessa fase, a escola começa a desempenhar um importante papel no desenvolvimento infantil. Erikson acredita ser nessa fase do desenvolvimento que, em todas as culturas, a criança começa a receber alguma instrução sistemática.

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Com a chegada da latência, ocorre a sublimação dos desejos sexuais. A criança volta seus interesses para iniciativas concretas com finalidade de ser socialmente aceita, como se verifica a seguir:

[...] antes que a criança, que já é psicologicamente um genitor rudimentar, possa se transformar em um genitor biológico, deve começar por ser um trabalhador e provedor potencial. Ao se aproximar o período de latência, a criança normalmente desenvolvida esquece, ou melhor, sublima a necessidade de ‘fazer’ gente por ataque direto ou de se tornar às pressas papai e mamãe; aprende agora a conquistar consideração produzindo coisas (ERIKSON, 1976, p. 238).

Segundo Erikson (1976), essa é uma das fases do desenvolvimento socialmente mais decisivas, pois a necessidade de produzir envolve “fazer coisas ao lado dos outros”, favorecendo o primeiro sentido da divisão do trabalho e das oportunidades diferenciadas. Assim,

É na idade escolar elementar, quando à criança são ensinados os requisitos preliminares da participação na tecnologia particular da sua cultura e se lhe proporciona a oportunidade e a tarefa vital de desenvolver um sentido de execução e participação no trabalho (ERIKSON, 1976, p. 35).

O perigo dessa fase reside no desenvolvimento do sentimento de inferioridade (ERIKSON, 1972). Esse sentimento pode ser causado por uma solução insuficiente do conflito anterior. Dessa forma, a criança ainda pode querer mais a sua “mamãe” do que conhecimentos, poderá preferir ser bebê em casa a ser menino crescido na escola.

Ainda sobre a quarta idade do ciclo vital (o período de latência), Erikson explicita que nesse momento do desenvolvimento a criança começa a desenvolver as aptidões necessárias para o uso de instrumentos, símbolos e conceitos referentes à sua cultura.

O período de latência sob à ótica da teoria do desenvolvimento de Erikson ocupa um lugar relevante, ou seja, é um momento de transição da infância para o mundo adulto, quando a criança começa a desempenhar papéis preparatórios para a realidade da tecnologia e da economia.

Após a quarta idade que está relacionada com o sentimento de indústria e

inferioridade, segue a quinta idade referente aosentimento de identidade x confusão depapel, compreendendo o período da adolescência. Na sexta idade, os sentimentos predominantes são

a intimidade versus o isolamento. A sétima idade proposta privilegia o sentimento de

generatividade x estagnação. E, por fim, a oitava idade compreende os sentimentos de

integridade do ego x desesperança.

É importante destacar a relevância que Erikson (1972, p. 53) delega à influência das formas sociais, ou seja, da cultura na constituição da identidade de cada indivíduo.

Referências

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