• Nenhum resultado encontrado

Local em que a pesquisa foi realizada

No documento GIANNA FILGUEIRAS MOHANA PINHEIRO (páginas 72-76)

São Luís do Maranhão possui cerca de um milhão de habitantes, 831,7 km² de área e está localizada na ponta do Nordeste do Brasil, no extremo norte do Estado do Maranhão. Uma das três capitais situadas em ilha, separa-se do continente por um estreito e encontra-se distante dos grandes centros urbanos nacionais, próxima das cidades do nordeste (Fonte: IBGE, acesso em 19/02/06).

De fato, apesar de ser nordestina, São Luís possui marcantes características amazônicas. Do ponto de vista geográfico está compreendida em uma faixa de terra conhecida por meio norte. O Maranhão a oeste faz fronteira com o Estado do Pará, possuindo uma íntima relação também com essa última unidade geográfica no que diz respeito à vegetação, como as palmeiras de açaí e os babaçuais, ou mesmo no deslocamento de sua população para trabalhar em latifúndios agrícolas, acarretando graves problemas de ordem social, tais quais o trabalho escravo, onde estes estados são campeões nacionais.

A ilha maranhense tem por clima o tropical úmido. As temperaturas e a umidade do ar são altas. A temperatura média anual gira na casa dos 27°C e a vegetação é rica em mangues e dunas e coberta pela floresta equatorial.

O caráter do clima pode determinar-se por quente e úmido; não há senão duas estações: inverno e verão; ou, mais exatamente, tempo com chuva e tempo sem chuva; aquele dura de janeiro a julho e este, de agosto até dezembro. O calor é extenso e quase constante. (LAGO, 2001, p. 21)

O extrativismo mineral e vegetal são os destaques da economia local e do restante do Estado. O complexo portuário integrado pelos terminais de Itaqui, Ponta da Madeira e Alumar, interligado a ferrovias e hidrovias, é responsável por mais de 50% da movimentação de cargas portuárias do Norte e do Nordeste. A ferrovia Carajás transporta minérios de ferro e de manganês do Distrito Mineral dos Carajás, no Pará, ao Porto Ponta da Madeira, em São Luís. Dos 52,6 mil km de rodovias, só 8% estão pavimentados (SEÇÃO..., 2006).

De acordo com o Censo 2001, a população é jovem, sendo que 63,87% (555.709 habitantes) possui idade inferior a 29 anos, destacando-se que 375.624 (40,17%) são menores de 19 anos. Das pessoas residentes com mais de 10 anos de idade, 93,10% são alfabetizadas e o município apresenta Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) 0,733 superior ao restante do Estado (SEÇÃO..., 2006).

O Maranhão está entre os estados mais pobres do país. Em 1999, a renda per capita de 869 dólares ao ano só não foi menor que a do Piauí, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Segundo o Ministério da Saúde, grande parte dos habitantes do estado não tem acesso a saneamento básico. Na área rural, apenas 15,4% da população conta com esgoto sanitário. Mesmo na capital São Luís, o índice é de 47,5% - bem abaixo da média brasileira com 63,9%. (ESTADOS..., 2006)

A educação é uma das maiores deficiências sociais do Estado. O ensino nas escolas públicas é precário e o analfabetismo conta com 26,6% em todo o Estado, chegando a 53,2%, em termos funcionais, o que demonstra uma das piores taxas do Brasil. (ESTADOS..., 2006)

A saúde no Maranhão é também motivo de preocupação. Para cada mil crianças nascidas vivas, 48 morrem antes de completar 28 dias. A mortalidade infantil supera o índice nacional, sendo o pior que o de países como Colômbia e Venezuela. Tal fato deve-se à precariedade no sistema de saúde e ao estado de miséria em que se encontra a maior parte da população. Vale dizer, para efeito de ilustração, que 31% das crianças recebem vacinação básica no Estado; 5 mil crianças nascem todos os anos com deficiência mental ou óssea em decorrência da falta de iodo e de cálcio no organismo da mãe durante a gestação; e 3 mil crianças com idade até 5 anos têm morte prematura todos os anos por falta de cálcio e de vitamina A.

Os problemas sociais de hoje contrastam com a opulência de São Luís no passado. A cidade já chegou ser a terceira capital mais populosa do Brasil em razão do comércio em torno do algodão, que não demorou muito a recuar em conseqüência da recuperação econômica americana, pós-guerra da secessão, retomando o seu mercado. Paulatinamente a agricultura foi substituída pela indústria têxtil que, além de matéria-prima, encontrou mão-de- obra e mercado consumidor na região. A nova atividade colaborou para a expansão geográfica da cidade e surgimento de novos bairros na periferia, causando um dos mais sérios problemas de São Luís, o êxodo do campo para a cidade, gerando vários focos de miséria, além do desemprego, da violência e do crescimento exagerado da periferia.

A história de São Luís é curiosa e afasta-se das demais capitais brasileiras. Aqui repousava a aldeia de Upaon-Açu, que significa ilha grande, nome dado pelos índios tupinambás. Daniel de La Touche, conhecido como Senhor de La Ravardière, acompanhado por 500 homens, chegou à região em 1612 para fundar a França Equinocial e realizar o sonho francês de se instalar na região dos trópicos, fundando a cidade no dia 8 de setembro. Logo se aliaram aos índios, que foram fiéis companheiros na batalha contra portugueses vindos de Pernambuco decididos a reconquistar o território, o que acabou por acontecer alguns anos depois (MEIRELES, 2001, p. 56-57).

Meireles relata que a tropa lusitana comandada por Alexandre de Moura expulsou os franceses em 1615, retomando o forte de Itapari. Jerônimo de Albuquerque, primeiro capitão-mor da colônia, foi destacado para comandar a cidade, sendo seu governante por dois anos. Dos fundadores restou o nome de São Luís, uma homenagem ao rei francês Luís XIII estranhamente mantida pelos portugueses. De tal modo, São Luís nasceu francesa, foi invadida pelos holandeses, mas cresceu e prosperou portuguesa, como nenhuma outra cidade no país.

A nova cidade de São Luís surgiu assim como primeira fundação européia na tórrida zona equatorial, na entrada da floresta pré-amazônica: um meio longínquo e hostil trazendo problemas totalmente novos que eram um verdadeiro desafio à capacidade do homem branco para se adaptar a climas e ambientes desconhecidos (ANDRÈS, 1998, p. 19).

Em razão desse legado histórico, a UNESCO a tombou como patrimônio cultural da humanidade em 1997. São Luís possui um acervo arquitetônico colonial avaliado em cerca de 3500 prédios, distribuídos por mais de 220 hectares de centro histórico, sendo grande parte deles sobradões com mirantes, muitos revestidos com preciosos azulejos portugueses. Locais como a Praia Grande e o Projeto Reviver mostram todo o poderio econômico de São Luís no passado.

Apesar da derrocada econômica, São Luís encontra na cultura sua grande expressão. Não se trata apenas da influência portuguesa ou francesa, mas, sobretudo, de elementos indígenas e africanos. Os tambores são característicos da cultura popular maranhense. De origem africana, eles têm presença marcante nas festas juninas. O ritual do tambor de mina é semelhante ao candomblé baiano. Já o tambor de crioula é uma dança sensual, excitante, conduzida por três tambores em ritmo contagiante. Há ainda o Cacuriá e a Festa do Divino Espírito Santo, manifestações culturais de forte aceitação popular.

O auto do Bumba-meu-boi remonta ao Ciclo do Gado no século XVIII, resultante das relações desiguais que existem entre os escravos e os senhores nas Casas Grandes e Senzalas, reflete as condições sociais vividas pelos negros e índios.

Na mais famosa brincadeira maranhense, Catirina, uma escrava, convence o seu companheiro, o nego Chico, a matar o boi mais vistoso da fazenda para satisfazer-lhe o desejo da grávida, o de comer sua língua. Descoberto o autor da façanha, o fazendeiro ordena que os índios capturem o criminoso, o qual, trazido à sua presença, ressuscita o animal. Ao trazer a vida do boi, o negro é perdoado, sendo tudo terminado em uma grande festa. Contado e recontado através dos tempos pela tradição oral nordestina e depois espalhada no Brasil, a lenda fundante adquire contornos de sátira, comédia, tragédia e drama, conforme o lugar em que se inscreve, levando-se sempre em consideração a estória de um homem e um boi, ou seja, o contraste entre a fragilidade do homem e a força bruta do boi, por um lado, e entre a inteligência do homem e a estupidez do animal, por outro.

A cidade de São Luís é permeada por lendas que povoam o imaginário popular. Fantasmas, animais encantados e carruagens de fogo fazem parte da crendice popular, que ainda hoje encanta crianças e adultos. Há a Lenda da Serpente encantada, um animal que cresce sem parar e que um dia destruirá a ilha quando a cauda encontrar a cabeça. Estaria ela submersa nas galerias subterrâneas que percorrem o centro histórico, com seu corpo descomunal escondido em vários pontos da cidade.

Sem dúvida, no entanto, a mais famosa das lendas ludovicenses, apreendida pelas crianças desde a mais tenra idade, é a de Ana Jansen. No século XIX, viveu em São Luís a Senhora Dona Ana Joaquina Jânsen Pereira, comerciante que, tendo acumulado grande fortuna, exerceu forte influência na vida social, administrativa e política da cidade. Donana Jânsen - como era comumente chamada – era conhecida também por cometer as mais bárbaras atrocidades contra seus numerosos escravos, os quais submetia a toda sorte de suplícios e torturas que, normalmente, culminava com a morte destes. Após o falecimento de Donana, passou a ser contada na cidade a estória em que, nas noites escuras das sextas-feiras, boêmios e noctívagos costumam se deparar com uma assombrosa e apavorante carruagem em desenfreada correria pelas ruas de São Luís, puxada por muitas parelhas de cavalos brancos sem cabeças, guiados por uma caveira de escravo, também decapitada, conduzindo o fantasma da falecida senhora que pena, sem perdão, pelos pecados e atrocidades cometidos em vida (LENDAS..., 2006).

A partir desta breve descrição sobre São Luís, pretendi situar o leitor no campo onde se deu a experiência clínica que compõe este trabalho. As dez crianças que participaram

desta pesquisa nasceram nesta cidade e são envolvidas por toda essa influência cultural (índia negra, portuguesa), pela realidade socioeconômica do estado e, até mesmo, pela geografia da cidade, pois São Luís é uma ilha quente, com muitas praias freqüentadas por uma grande parcela da população durante todo o ano.

O Brasil é um país grande com uma diversidade cultural e social intensa. O dia a dia de uma cidade como São Paulo é muito diferente do estilo de vida de quem mora em São Luís, Belém ou no interior da Bahia. Diante disso, não é possível deixar de ressaltar que o fato desta pesquisa ter sido feita em São Luís tem suas peculiaridades. As características da cidade marcam a subjetividade dessas crianças. Isto pode ser percebido quando Felipe, em duas unidades de produção, recorre às lendas da cidade para descrever o que se passa em seu mundo interno.

Não é possível deixar de citar também os efeitos da globalização que, de certa forma, homogeneíza as subjetividades dos mais diferentes lugares do Brasil e do mundo. Existe, assim, algo que atravessa a criança que mora em São Paulo e que se faz presente também nas crianças de São Luís, pois elas assistem aos mesmos programas de televisão, ouvem as músicas dos cantores que estão na moda, querem as mesmas sandálias que aparecem nos anúncios publicitários. Dessa forma, existe algo que diferencia e ao mesmo tempo aproxima a subjetividade da criança latente brasileira.

Vale lembrar que esta pesquisa é um estudo qualitativo. O início de uma jornada. Mais pesquisas precisariam ser feitas em outras cidades e regiões para que se possa alcançar resultados mais abrangentes.

No documento GIANNA FILGUEIRAS MOHANA PINHEIRO (páginas 72-76)