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Aplicação e análise do Desenho Estória

No documento GIANNA FILGUEIRAS MOHANA PINHEIRO (páginas 82-90)

5.1 Apresentação e Análise dos casos clínicos

5.1.1.2 Aplicação e análise do Desenho Estória

O nome desse navio é navio Titanic. Está um tempo de muita chuva e todo mundo está nervoso. A onda está muito alta alcançando o navio. O navio está sendo partido. As pessoas com medo estão indo de barco para a sua casa, mas está muito perigoso. Só as mulheres podiam sair de barco e depois era as vezes dos homens. No fundo do navio tinha pessoa ainda dormindo. Os corredores estavam encharcando de água. Saía ratos por baixo da porta e, de repente, o navio virou para cima e todo mundo segurou em alguma coisa. Um homem em pé estava tentando desligar o contato do navio e as luzes, porque tava tudo ligado. Ele pegou choque. O padre estava segurando uma vela e um monte de pessoas estava segurando a mão do padre. De repente, o navio parou em pezinho, reto. Depois ele partiu no meio, aí ele afundou. Depois a outra parte foi afundando, mas boiou de novo para cima. Depois foi descendo de novo. As pessoas estavam todas apavoradas e, de repente, começou um monte de onda para cima do navio. E de repente, esse negócio aqui do navio (aponta o desenho), não sei o nome dele, caiu. E as pessoas que estavam na água, algumas morreram, porque caiu em cima delas e água não protege. O frio estava intenso. O navio afundou porque um gelo enorme bateu. Todo o navio afundou. Quando as duas partes do navio se encontraram na superfície da água fez um barulho estranho e o mar se balançou. Ficou um monte de onda por cima e as pessoas ficaram segurando nas partes que caíram. Elas estavam de colete e de bóia.

Congelou um monte de pessoas, menos uma, que era mulher. Ela chegou até à praia e, assim, foi a vida dela. Hoje ela tem 356 anos. No navio ela era bem rica. Agora ela tá normal, perdeu o dinheiro. Aí, ela começou a lembrar do seu marido e da sua mãe. Acabou!

Inquérito:

▪ Por que só as mulheres podiam sair primeiro do navio?

- Porque naquela época era só pessoa rica e, como você sabe, primeiro as damas. ▪ E que época era essa?

- De 1500. No dia que os portugueses chegaram. ▪ E como foi a vida da mulher que se salvou? - A vida dela foi muito boa. Ela teve uma neta. Título: O navio do Titanic

Interpretação:

Felipe narra, nesta estória, um momento turbulento e perigoso. Existe um sentimento de naufrágio, de desabamento. Isto pode se tratar de um estado emocional quando diz: está chovendo, está desabando, está sendo cortado ao meio.

Pode-se perceber também que os homens estão impotentes diante de um estado de desabamento. Apenas uma mulher sobreviveu. As mulheres parecem ter alguma vantagem. Isso fica implícito quando Felipe fala: [...] primeiro as damas.

A imagem de um navio quebrado e cortado ao meio pode revelar angústias edípicas e de castração, ou seja, pode existir uma questão relacionada à masculinidade e à impotência. É possível também perceber que ele esteja se remetendo a algo mais primitivo, ou seja, a um equilíbrio emocional precário.

O tema do afundamento pode ser entendido como ausência de uma estrutura defensiva bem estruturada. No entanto, o que é esperado no período de latência, de acordo com Freud (1925), por exemplo, é um sistema defensivo rígido e bem estruturado.

[...] os impulsos sexuais que mostraram tanta vivacidade são superados pela repressão, e segue-se um período de latência, que dura até a puberdade e durante o qual as formações reativas da moralidade, vergonha, repulsão são estruturadas. (FREUD, 1996, p. 42).

Esta primeira unidade de produção sinaliza que o ego desta criança está sendo inundado por sensações tão intensas que a sua solidez está desabando, afundando. Ainda não está claro nesta unidade de produção o que está ocasionando essa fragilidade egóica, essa sensação de desmantelamento. É apenas o primeiro indício de que o ego da criança está fragilizado, tomado por sensações que remetem a um estado emocional mais primitivo. No entanto, essa hipótese pode ser confirmada, ou não, pelas outras unidades de produção.

Ö Unidade de Produção 2

Uma vez a cidade de São Luís estava tudo calmo. Dizem que de baixo da ilha de São Luís tinha uma serpente que cada dia crescia. De repente, ela cresceu muito que o rabo e o olho se encontraram (existe essa lenda, mas eu tô inventando mais coisa sobre ela), de repente fez: Toc Toc Toc, no olho. Depois de muitos e muitos anos, ela acordou. Ela existiu em 1500 antes dos portugueses. Ela existiu no século I. Ela se despertou zangada e provocou ondas que quase derruba os prédios da cidade. Ela soltou fogo, mas não atingiu nada. Ela furiosa ficou sentada envolta da ilha de São Luís, porque ela já era maior que a ilha. E, com as suas nadadeiras, puxou a ilha de São Luís para baixo. Depois toda a ilha de São Luís foi para o fundo do mar. Passou mais um dia e a cobra morreu. Depois abriu as nuvens, um Deus apareceu e levantou a ilha de São Luís para cima. E a ilha de São Luís ficou sem mais nenhuma lenda... e serpente, porque ainda tinha outras lendas em São Luís.

Inquérito:

▪ Como a cobra morreu?

- Porque ela já passou muitos anos e não podia mais crescer. Ela não tava se alimentando bem. Comia alguns humanos que estavam segurando na janela. Humanos faz mal para ela, só peixe que não.

Título: A serpente Interpretação:

Neste desenho, diferentemente do anterior, Felipe fala de algo mais particular. Ele atribui o desastre, o afundamento da cidade de São Luís, a uma coisa: a serpente, que está

crescendo e pegando fogo. Pode-se pensar na serpente como um representante da sexualidade masculina. Uma sexualidade que estava quieta, adormecida e, de repente, acorda pegando fogo. Na estória, essa serpente, ou seja, essa sexualidade que irrompe pode ser a responsável pelo desastre que está acontecendo. O que está despertando vem de forma tão impetuosa que desmonta tudo. Talvez Felipe tenha a fantasia de que o responsável por esse clima de afundamento seja essa sexualidade que começa a aparecer de forma precoce, quando ainda não existe uma estrutura egóica e uma mente capaz de lidar com ela.

O tema do afundamento se repete. O Deus, a quem ele atribui o salvamento da cidade, pode ser um pai idealizado que surge para trazer a repressão, defesas, e assim colocar um freio nessa sexualidade que irrompe.

Nessa estória, assim como na primeira, não observamos mecanismos de defesa nem uma estrutura psicodinâmica característica do período de latência. Sobre essas características Berta Bornstein (2001, p. 2-3) escreve:

No segundo período da latência, a situação é diferente: o ego está exposto a conflitos menos graves, por um lado, em virtude do enfraquecimento das demandas sexuais e, por outro lado, porque o superego se tornou menos rígido [...] o ego, durante esse período, está engajado em desviar a energia sexual de seus objetivos pré-genitais e utiliza-la para a sublimação e a formação reativa.

Ö Unidade de Produção 3

Estava chovendo muito forte com trovões bem arrepiantes. De repente, a cabeça do cavalo cortou e saiu fogo. Mas um cavalo ficou com a cabeça (São 2 cavalos mas não deu

para desenhar o outro). A cabeça do humano cortou e fez: Trizzzzzzzzz.... O cavalo que

cavalo e para o ser humano, e cortou a cabeça do último cavalo. De repente... ouviu um grito bem de dentro da carroça e depois começou a gritar: Ra Ra Ra, bem alto!

Uma estátua mostrou que é proibido ficar com a cabeça na cidade e no mundo inteiro. E foi assim que a lenda da Ana Jansen ocorreu no centro histórico de São Luís. Por isso o nome é lagoa da Jansen, e isso assombrou algumas ruas do centro histórico de São Luís.

Dizem que lá no centro ficam os cavalos andando, e fica uma zoada: Toc Toc Toc e o relinchar de um cavalo.

Inquérito:

▪ Quem cortou a cabeça do cavalo?

- Isso ninguém sabe. Veio uma coisa afiada e “Trizzzzzzzzz”. Nem nos filmes mostram. ▪ De quem era o “Ra Ra Ra”?

- Era da Ana Jansen. Ela tinha cabeça, mas era de outras mulheres. Título: Ana Jansen

Interpretação:

Novamente, a estória acontece em um cenário de muita chuva e trovões. Um cenário que remete à hipótese de que esta criança está vivendo um momento de muita angústia. O elemento fogo está mais uma vez presente. O fogo tem uma relação simbólica com a sexualidade e com a impulsividade. Pode-se perceber que o clima emocional presente, assim como nas estórias anteriores, é de medo.

Um outro símbolo muito masculino, como a serpente, que compõe esta estória é o cavalo. No caso de pequeno Hans, a figura ameaçadora do pai é projetada nesse animal (FREUD, 1905). Nessa unidade de produção é a cabeça do cavalo que pega fogo. Pensando em uma equação simbólica: cabeça do cavalo = cabeça do pênis que está pegando fogo e pode ser cortada, o que remete a uma angústia de castração.

Esta estória faz pensar em uma sexualidade que assusta, mete medo e está sujeita a tantos perigos. O grande perigo é provocado por uma mulher que, assim como na primeira estória, é muito forte. O elemento novo, nesta unidade de produção, é a mulher representada como alguém perigoso e castrador. Existe um masculino que se desenvolve, mas se assusta, ficando impotente diante de um feminino fantasiado como algo muito perigoso.

A hipótese levantada na interpretação da estória anterior, isto é, a existência de uma quantidade de estímulos sexuais maior do que a capacidade de elaboração psíquica, que inunda a mente da criança se confirma nesta unidade de produção. Aqui a cabeça do humano é cortada. Na cidade-mundo interno de Felipe, é proibido se ter uma cabeça-mente pensante.

Não existe uma cabeça, ou seja, uma mente capaz de pensar sobre todos esses impulsos que estão vindo à tona.

Ö Unidade de Produção 4

Um homem e uma mulher estava dentro do carro. Estavam com o som ligado e, de repente, ouve uma notícia no rádio, dizendo que escapou da prisão um homem com um negócio assim na mão (faz um gesto). Um machado - quase igual. De repente, a mulher ficou nervosa e disse:

- Meu amor, meu amor, vamos logo para casa! E o seu marido disse:

- Eu sou muito forte! eu posso agüentar ele.

O rádio ligou. De novo! E ele disse, que ele tirava o cérebro das pessoas e coloca dentro da geladeira da sua casa.

De repente, ouviu um barulho estranho no carro... Trimmmm. Depois ele ligou o carro apressado. Eles chegaram em casa e foram abrindo a porta do carro dela. E tava o machado, só o machado. Ele ficou branquinho e caiu no chão. Ela ficou desesperada. De repente... chac, chac nele. Assim assombrou o resto das casas.

Todo mundo saiu dessa cidade e desse estado e do país. E nesse tempo ele teve uma mulher, que ele confiava e que tinha um machado no lugar da cabeça. De repente, eles foram tendo filhos e mais filhos e assim por diante. E aí invadiram a cidade, o estado e o país.

E assim viveu a vida desse homem. Ele ficou congelado e viveu no museu dos machados. A polícia do mundo inteiro invadiu a cidade, o estado e o país. Depois disso, eles morreram todos e continuou a vida real.

Inquérito:

▪ Por que o homem foi levado para o museu?

- O homem que desmaiou foi levado para o museu porque não existia mais homens como ele, quer dizer, existia, mas ninguém sabia, aí depois eles invadiram e mataram a mulher que tinha o machado na cabeça, o marido e os filhos, e tudo voltou a ser como era.

Título:

O machado no lugar do braço do homem Interpretação:

A descrição da cena remete a um filme como “Sexta feira 13”. Aparece uma situação em que um homem e uma mulher estão juntos e alguma coisa assustadora acontece. Nesse momento, algo masculino muito perigoso surge, de repente, com um machado na mão. Pode-se pensar em uma representação fálica sentida como perigosa.

O que surge de forma tão repentina e destruidora pode ter relação com a sexualidade. Uma sexualidade, que surge de forma tão brusca e inesperada, capaz de tirar o cérebro, podendo inibir a capacidade de pensar. A sexualidade, novamente, é sentida como perigosa, cortante, descontrolada, impossível de ser pensando, pois, segundo a criança, os personagens ficam com um machado no lugar da cabeça.

O final traz uma sensação de que, em algum momento, a capacidade de pensar será retomada, de que vai conseguir superar o machado e sair do estado de puberdade e adolescência, em que tudo pega fogo, em que os pensamentos estão confusos e sem clareza e retornar para o período de latência.

Levisky, em seu livro “Adolescência: reflexões psicanalíticas”, faz um aprofundado estudo sobre as características intrínsecas ao processo adolescente. Nesta unidade de produção é possível perceber que o ego de Felipe apresenta algumas características que estão mais relacionadas com a adolescência do que com o período de latência. A seguinte afirmação de Levisky (1998, p. 95) exemplifica algumas características da puberdade, que podem ser observadas na dinâmica psíquica de Felipe.

Na puberdade as pulsões emergem, invadem o ego causando um transbordamento de afetos e atitudes comportamentais [...] na puberdade surge um caráter de urgência instintual que por um lado determina o fim do período de latência e, por outro, graças ao incremento das tensões pulsionais e em conseqüência às perturbações nas relações entre o ego e o superego, faz com que haja o ressurgimento de aspectos da pré-genitalidade.

Ö Unidade de Produção 5

Era um vulcão do tempo das pessoas. O vulcão ficava no mar. De repente, explodiu. Como ele ficava dentro do mar, entrou água dentro dele. E, como vocês sabem, a lava que vem, é do subsolo da terra. E a água foi para o subsolo da terra – a metade da água do mar. O vulcão provocou gases igual o ser humano. E saiu lava bem quente e água bem quente. Os peixes morreram. As pessoas ficaram assombradas por o vulcão ter explodido.

O vulcão começou a fazer muitos estragos na cidade. Depois de muito tempo, formou nuvens escuras. As nuvens foram destruindo os prédios. A água dos rios e dos mares começaram a invadir a ponte mais alta de Nova York. E começou a água a ir pra cima – quente. E depois a ponte quebrou no meio. O homem ficou na ponte partida e virou de cabeça para baixo. O resto correu para o seu carro. Aí começaram a atravessar a Mata Atlântica e nela invadiu tudo.

Começou a chover. Nevar. E depois chuva de granito. A neve começou a congelar. Aconteceu 1(um) furacão, 3(três) furacões no mesmo dia! Depois aconteceu um maremoto e se encontrou com a lava da terra e o subsolo. Depois a água invadiu tudo. Todo mundo ficou nos prédios mais altos. Não, no teto, porque congelava. E, na água muito cheia, apareceu um navio, sem ninguém, entre a rua da cidade. Depois o navio parou, o mar secou, quer dizer, congelou. Já tava acabando o dia.

Algumas pessoas saíam para procurar um abrigo e ficavam congeladas. Algumas ficaram dentro da biblioteca pública. E depois começou uma coisa estranha a congelar e uma zoada de vidro quebrando Tric Tric Tric. Começaram a jogar livros no fogaréu, e começou a pegar muito fogo. Eles pensavam que ia queimar tudo. De repente eles dormiram. Aconteceu um furacão, mesmo eles dormindo. Depois do furacão, chegou alguns homens de resgate e

todo mundo ficou a salvo na cidade. E não era só nessa cidade, era muitas e muitas. No Japão também ficou.

Inquérito:

▪ Por que o vulcão explodiu?

- Porque o vulcão ainda tava com lava guardada e começou a balançar a terra. Título: O vulcão e o resto das coisas perigosas feitas pela natureza

Interpretação:

O cenário que surge é novamente de destruição - chuvas, trovões, furacões, explosões, enchentes. O vulcão que explode, simbolizando a sexualidade, é o responsável por muita destruição. Novamente, verifica-se a existência de algo que não resiste e desaba (a ponte), isto é, Felipe não possui uma estrutura de ego forte o suficiente para agüentar toda essa impulsividade que irrompe.

Nessa estória, aparece o gelo que é o contraponto do fogo, da água bem quente. Algumas pessoas ficaram congeladas, o que pode estar simbolizando a mobilização de defesas para dar conta de um fogo tão assustador.

De acordo com a terceira, Felipe faz referência à impossibilidade de pensar representada pela queima dos livros. Pode-se inferir também que está sendo queimada a capacidade de aprender.

No entanto, ele consegue um final feliz para a estória. Ele mostra a esperança de que haja uma figura masculina (os homens do resgate), podendo livrá-lo desse sentimento de terror diante de algo muito impulsivo.

No documento GIANNA FILGUEIRAS MOHANA PINHEIRO (páginas 82-90)