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A POSIÇÃO JURÍDICA DOS USUÁRIOS E OS ASPECTOS ECONÔMICOS DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

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CESAR AUGUSTO GUIMARÃES PEREIRA

A POSIÇÃO JURÍDICA DOS USUÁRIOS E OS ASPECTOS

ECONÔMICOS DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

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CESAR AUGUSTO GUIMARÃES PEREIRA

A POSIÇÃO JURÍDICA DOS USUÁRIOS E OS ASPECTOS

ECONÔMICOS DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Direito na área de concentração de Direito do Estado, sub-área de Direito Administrati-vo, sob a orientação do Professor Doutor Celso Antônio Bandeira de Mello.

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RESUMO

O estudo baseia-se na caracterização do usuário do serviço público como participante de uma relação jurídica concreta que o liga ao prestador. A idéia deriva da restrição do conceito de serviço público às utilidades fruíveis singularmente pelos usuários, proposta por Celso Antônio Bandeira de Mello em 2002.

O Capítulo 2 examina o direito positivo e aprofunda as conseqüências teóricas dessa redução, comparando o usuário com figuras próximas. O Capítulo 3 é dedicado ao exame da situação jurídica do usuário em face do prestador do serviço. Conclui-se pela existência de um vínculo predominantemente estatutário, embora com espaços de liberdade para preenchimento consensual. Essa constatação é importante como pressuposto para o Capítulo 4, no qual se analisam os termos em que o direito do consumidor – tal como veiculado pelo CDC – pode ser aplicado ao serviço público. Pretende-se desfazer equívocos, identificando os limites e fundamentos dessa aplicação. Esses três capítulos compõem a parte do estudo dedicada à posição jurídica do usuário.

Os capítulos seguintes relacionam-se com os aspectos econômicos do serviço e suas relações com essa posição jurídica. O Capítulo 5 examina as condições para a criação dos serviços públicos, a partir de sua vinculação à realização dos direitos fundamentais e demais valores constitucionais. Analisa-se a chamada reserva econômica do possível e se estabelecem os direitos dos usuários (hipotéticos ou potenciais) em face da criação e organização do serviço. Faz-se aí a análise de aspectos econômicos do serviço sob o prisma da oferta. O Capítulo 6 tem um enfoque de demanda: examina-se a posição do usuário frente à remuneração do serviço (taxa ou tarifa). São revistas posições consolidadas sobre o tema, propondo-se critérios pragmáticos e flexíveis para a instituição de tarifas, apartados dos critérios próprios do regime tributário.

(5)

ABSTRACT

This work is based on a certain conception of users of public services, defined here as participants in a specific legal relationship binding them to the service provider. This idea stems from the Celso Antonio Bandeira de Mello's proposition of 2002 that public utility services are only those apt to be used individually by specific users.

Chapter 2 examines the legal system and deepens the theoretical consequences of this proposition. It compares the user to similar individual positions. Chapter 3 is dedicated to the legal situation of the user vis-a-vis the service provider. They are linked by a predominately statutory bound that allows however certain spaces of freedom to be filled by consensus. This is an important condition for Chapter 4, which analyzes the relationship between consumer law - under the Consumer Protection Code - and the public utility services. It intends to clear certain mistakes by identifying boundaries and grounds for the limited application of consumer law. These three chapters form the part of the work dedicated to the legal position of the user.

The following chapters deal with certain economic aspects of the service and their implications. Chapter 5 examines the creation of utility services as linked to the coming-of-life of constitutional fundamental rights and values. It examines the economic constraints to the provision of services. It establishes the rights of (hypothetical or potential) users with regard to the creation and organization of utility services. This is a supply-based analysis. Chapter 6 proposes a demand-oriented approach: it examines the position of the users and the remuneration of utility services (by taxes or user fees). The work reviews deeply entrenched opinions and proposes pragmatic and flexible criteria for the creation of user fees unlike those applicable under tax regulations.

(6)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO: VISÃO GERAL E ASPECTOS

METODOLÓGICOS...16

1.1 O GIRO COPERNICANO DA CONCEPÇÃO SOBRE O USUÁRIO ...16

1.2 A EXPLICAÇÃO: O USUÁRIO É A FIGURA CENTRAL DO SERVIÇO PÚBLICO ...17

1.3 A JUSTIFICAÇÃO: A BUSCA DA RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL ...19

1.4 ALGUNS CONCEITOS PRESSUPOSTOS E DIFUSOS ...31

2 A IDENTIFICAÇÃO DOS USUÁRIOS DO SERVIÇO PÚBLICO ...35

2.1 A SUPERAÇÃO DA DISTINÇÃO ENTRE SERVIÇOS PÚBLICOS UTI SINGULI E UTI UNIVERSI: PAPEL CENTRAL DO USUÁRIO ...35

2.1.1 A distinção tradicional entre serviços gerais e específicos ...35

2.1.2 A redução da noção de serviço público aos uti singuli: serviço como prestação administrativa...35

2.1.3 A redução do conceito de serviço público e o regime constitucional ...37

2.1.4 Destaque do usuário no conceito de serviço público ...43

2.1.5 A identificação do usuário: critérios flexíveis para caracterização do uso singular...45

2.2 OS VÁRIOS PAPÉIS DO USUÁRIO NO SERVIÇO PÚBLICO...48

2.2.1 A variação segundo o grau de liberdade econômica do prestador do serviço...48

2.2.2 A existência de um núcleo essencial da posição do usuário ...50

2.2.3 Os múltiplos papéis do usuário: referência a momentos diversos da relação de serviço público...51

2.3 DISTINÇÕES RELEVANTES...52

2.3.1 Os limites da classificação jurídica...52

2.3.2 Usuário hipotético e usuário real...53

2.3.3 Candidato a usuário, usuário potencial e usuário efetivo...55

2.3.4 Usuário e beneficiário do serviço público...58

2.3.5 Usuário e cidadão ...60

2.3.6 Usuário e administrado ...61

2.3.7 Usuário e contribuinte ...62

2.3.8 Usuário e consumidor ...63

2.3.9 O chamado “usuário intermediário” (“usuário indireto”)...64

2.3.9.1 A questão do usuário indireto na Lei de Parcerias Público-Privadas ...68

(7)

2.3.11 Usuário e utilizador de infra-estruturas materiais ou virtuais

públicas...72

2.3.12 Usuário e terceiros em relação ao serviço ...73

2.3.13 Importância das distinções...77

2.4 A RELAÇÃO JURÍDICA DE SERVIÇO PÚBLICO ...78

2.4.1 A variedade de situações subjetivas do usuário e o caráter funcionalizado de seu direito ao serviço ...78

2.4.2 A ausência de oposição entre a noção de direito subjetivo e a de função...79

2.4.3 O caráter público do direito subjetivo ao serviço: conseqüências ...80

2.4.4 A natureza complexa da relação jurídica de serviço público...81

2.4.5 Conclusão do tópico: a relação jurídica de serviço público e suas relações coordenadas...82

3 A SITUAÇÃO JURÍDICA DO USUÁRIO ...85

3.1 O TÍTULO HABILITADOR DOS USUÁRIOS DE SERVIÇO PÚBLICO ...85

3.1.1 As referências da Constituição...85

3.1.2 A disciplina infraconstitucional: normas gerais sobre a delegação de serviços públicos...87

3.1.3 A disciplina infraconstitucional: normas sobre os serviços públicos específicos ...89

3.1.3.1 Os serviços de distribuição de energia elétrica ...89

3.1.3.2 A legislação sobre telecomunicações ...90

3.1.3.3 Os serviços relativos ao transporte e à infra-estrutura rodoviária e aquaviária...91

3.1.4 O sentido da revisão legislativa...92

3.2 AS CONSTRUÇÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DA SITUAÇÃO JURÍDICA DO USUÁRIO...93

3.2.1 A afirmação do caráter estatutário do vínculo...93

3.2.2 A qualificação do vínculo como de natureza contratual ...96

3.2.3 Aspectos de direito comparado: o sentido da discussão no Brasil...99

3.2.4 Serviços em regime administrativo e serviços em regime privado...99

3.2.5 O direito francês: situações gerais e particulares do usuário...102

3.2.6 Adaptação da classificação ao regime brasileiro: a variedade de situações jurídicas do usuário ...105

3.2.7 A necessidade de solução flexível: a existência de aspectos estatutários e contratuais ...107

(8)

3.3.1 Serviços obrigatórios e facultativos...108

3.3.2 A questão do espaço de liberdade para o consenso ...109

3.3.3 A questão dos serviços não prestados em regime de monopólio ...110

3.3.4 A relação entre prestador e usuário não é de direito privado...111

3.3.5 A situação estatutária: não-caracterização de relação de sujeição especial...112

3.3.6 Três questões conclusivas...117

3.3.6.1 A adesão voluntária ao serviço não caracteriza contrato...117

3.3.6.2 Para a admissão do usuário, há sempre ato-condição e pode, em certos casos, haver contrato administrativo ...118

3.3.6.3 O contrato, quando houver, terá natureza administrativa ...121

3.3.6.4 Participação do usuário nas alterações contratuais ...121

3.4 CONCLUSÃO: A NATUREZA DA SITUAÇÃO JURÍDICA DO USUÁRIO...124

4 SERVIÇO PÚBLICO E O DIREITO DO CONSUMIDOR ...125

4.1 OBJETIVOS DESTE CAPÍTULO ...125

4.2 RETORNO À DISTINÇÃO ENTRE CONSUMIDOR E USUÁRIO...126

4.2.1 Ponto de partida: as diferentes matrizes constitucionais ...126

4.2.2 As construções doutrinárias nacionais sobre a diferença ...128

4.2.2.1 Aplicação vinculada ao conceito de consumidor...128

4.2.2.2 Aplicação ampla apenas do art. 22 do CDC ...129

4.2.2.3 Usuário e consumidor como sinônimos ...130

4.2.2.4 Atenção às prerrogativas da Administração Pública ...130

4.2.2.5 Aplicação do regime público e ausência de vínculo contratual ...130

4.2.2.6 Ainda o conceito de consumidor: equívoco a desfazer ...131

4.2.2.7 A pretendida aplicação ampla do regime consumerista e a prevalência do regime público...132

4.2.2.8 Os efeitos do art. 7º da Lei nº 8.987/1995...133

4.2.2.9 Distinção entre usuário e consumidor: os diferentes papéis do Poder Público...134

4.2.2.10 A distinção a partir do papel do usuário: a questão da participação ...135

4.2.2.11 O conceito específico de usuário: não é destinatário final nem pressupõe relação onerosa...135

4.2.2.12 As normas declaratórias do CDC e a síntese entre normas administrativas e consumeristas ...136

4.2.2.13 A distinção entre as figuras e sua equiparação para efeito de proteção: os efeitos do regime concorrencial...137

(9)

4.2.2.15 A incorporação da “maneira de pensar” do CDC pelo direito público ...138

4.2.2.16 Novamente a assimilação entre consumidor e usuário...139

4.2.2.17 A posição dos usuários como terceiros beneficiários e a prevalência do regime público...140

4.2.2.18 Os usuários como terceiros e os efeitos trilaterais da concessão...141

4.2.2.19 A incompatibilidade entre o regime consumerista e a posição estatutária do usuário...141

4.2.2.20 O destaque da incorporação, pelo usuário, dos meios de defesa do CDC... ...142

4.2.2.21 A distinção econômica: usuário não segue regime de oferta e preço (comprometimento das tarifas extrafiscais)...143

4.2.2.22 A não-aplicação da tutela processual do consumidor ao usuário: o regime legal impõe a aplicação...145

4.2.2.23 Denúncia da tentativa de sonegação do direito público: desenvolvimento do regime público a partir do CDC ...146

4.2.2.24 As cinco distinções entre usuário e consumidor e a prevalência do regime público...148

4.2.3 Algumas referências de direito comparado ...150

4.2.3.1 A finalidade do exame...150

4.2.3.2 O direito comunitário europeu ...151

4.2.3.3 O direito francês...156

4.2.3.4 O direito italiano ...161

4.2.3.5 O direito espanhol ...164

4.2.3.6 O direito português...165

4.2.3.7 O direito alemão...166

4.2.3.8 O direito britânico ...168

4.2.3.9 O direito norte-americano ...170

4.2.3.10 O direito argentino...171

4.2.4 Conclusões sobre a diferença entre consumidor e usuário ...176

4.2.4.1 O conceito de consumidor ...176

4.2.4.2 A falta de definição legal de usuário ...176

4.2.4.3 O usuário não precisa ser o destinatário final ...177

4.2.4.4 O uso do serviço público não precisa ser oneroso...177

4.2.4.5 A questão da vulnerabilidade do usuário ...177

4.2.4.6 A irrelevância dos conceitos de massificação ou profissionalidade ...179

4.2.4.7 O papel ativo do usuário: participação ...180

4.2.4.8 Enunciação das conclusões...180

(10)

4.3.1 A relevância da forma de configuração do serviço: monopolizado

ou concorrencial...182

4.3.2 A importância da lição de Cristiane Derani ...183

4.3.3 Ainda os limites da aplicabilidade do CDC...184

4.3.4 Exemplo prático: detalhamento de faturas telefônicas...184

4.3.5 Diferença entre aplicação plena do CDC e aplicação do regime próprio do serviço público veiculado pelo CDC...188

4.4 O CDC E O SUPRIMENTO DE LACUNAS DO REGIME DO USUÁRIO (DISCIPLINA PROVISÓRIA E O ART. 27 DA EC Nº 19/1998)...188

4.4.1 A competência para edição de leis de proteção do usuário...188

4.4.2 Os limites da competência federal (art. 22, XXVII, da Constituição) ...189

4.4.3 Os campos de aplicação do CDC ao serviço público...189

4.4.3.1 Aplicação (provisória) nos espaços de liberdade da disciplina do serviço...189

4.4.3.2 Aplicação como veículo de normas de direito administrativo...190

4.4.3.3 Efeito meramente argumentativo: o caráter declaratório ...190

4.4.3.4 Aplicação plena da disciplina processual do CDC ao usuário ...190

4.5 O CDC COMO DIPLOMA DE DIREITO ADMINISTRATIVO FUNDADO NO ART. 22, XXVII, DA CONSTITUIÇÃO...191

4.6 O CARÁTER DECLARATÓRIO DE CERTAS NORMAS CONSUMERISTAS...191

4.6.1 Normas consumeristas de caráter declaratório...192

4.6.2 O sentido da constatação: os efeitos da referência do CDC...192

4.6.3 Exemplo concreto: a indevida aplicação do art. 42, par. único, do CDC ...192

4.7 ASPECTOS DE DIREITO MATERIAL APLICÁVEIS AO USUÁRIO ...194

4.7.1 Normas do CDC próprias ao serviço público ...195

4.7.1.1 Os arts. 4º, VII, e 6º, X, do CDC...195

4.7.1.2 O art. 59, § 1º, do CDC ...196

4.7.1.3 A conjugação do art. 59, § 1º, com o art. 41 do CDC: o exemplo concreto dos serviços de coleta e tratamento de esgoto ...197

4.7.1.4 O art. 22 do CDC e o art. 6º da Lei nº 8.987/1995 ...198

4.7.2 Normas do CDC que refletem o regime jurídico de direito público...200

4.7.3 Normas do CDC somente aplicáveis no limite da compabilidade com o regime de direito público ...202

4.7.3.1 O caso da inversão do ônus da prova (arts. 6º, VIII, e 51, VI, do CDC): a compatibilidade com o regime de direito público depende do caso concreto...203

(11)

4.8 A EXTENSÃO AO USUÁRIO DO REGIME PROCESSUAL DO

CDC ...207

4.9 TABELA: TENTATIVA DE CLASSIFICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS MATERIAIS (NÃO PENAIS NEM PROCESSUAIS) DO CDC...209

5 O DIREITO AO SERVIÇO PÚBLICO: AFIRMAÇÃO E LIMITES...216

5.1 DELIMITAÇÃO DO PROBLEMA: ASPECTOS ECONÔMICOS SOB O ÂNGULO DA OFERTA DE SERVIÇOS PÚBLICOS...216

5.2 A CRIAÇÃO E A ORGANIZAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS...217

5.2.1 Criação legislativa e organização administrativa dos serviços...219

5.2.2 As configurações existentes na Constituição brasileira ...220

5.2.3 A delimitação infraconstitucional do âmbito dos serviços públicos ...222

5.2.4 As formas de previsão constitucional da intervenção legislativa na criação dos serviços públicos...224

5.2.5 A vocação de uma atividade para o serviço público: critério essencialista...225

5.2.6 A organização administrativa do serviço e as múltiplas faces da igualdade...227

5.2.7 A intervenção das escolhas políticas democráticas na configuração do serviço público ...227

5.3 A AFIRMAÇÃO E OS LIMITES DA LIBERDADE (DISCRICIONARIEDADE) NA CRIAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS ...231

5.4 A CONCRETIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS POR MEIO DE SERVIÇOS PÚBLICOS: DIREITO A PRESTAÇÕES POSITIVAS ...237

5.4.1 Breve histórico sobre a consagração constitucional dos direitos fundamentais sociais...237

5.4.2 Os direitos fundamentais e a democracia (valores protegidos contra a maioria) ...238

5.4.3 A fundamentalidade formal e material dos direitos ...239

5.4.4 Modelos de direitos fundamentais a prestações positivas ...239

5.4.4.1 A tese de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca das normas constitucionais sobre Justiça Social...239

5.4.4.2 O modelo de Alexy...241

5.4.4.3 A crítica de Comparato ...244

5.4.4.4 A visão de Eduardo Talamini sobre os limites da discricionariedade na concretização dos direitos sociais...246

5.4.4.5 A opinião de Canotilho: a jurisprudência do Tribunal Constitucional...246

(12)

5.4.4.7 A conjugação das várias propostas ...251 5.4.5 O serviço público além do mínimo existencial...252 5.4.6 O vínculo entre serviço público e direitos ou valores fundamentais:

critério material para discriminação entre serviço público e

atividade econômica em sentido estrito ...253 5.4.7 A ponderação de valores para legitimação da prestação de

serviços públicos...254 5.4.7.1 A diferença entre direitos fundamentais a priori e direitos

fundamentais definitivos a prestações estatais ...254 5.4.7.2 A existência de valores constitucionais relevantes além do campo

dos direitos fundamentais: as normas programáticas que não

geram direito subjetivo ...255 5.4.8 Os limites materiais do campo do serviço público: primeiro exame ...256 5.4.9 Distinção entre os sistemas alemão e francês de justificação dos

serviços públicos e o risco de restrição excessiva do conceito...257 5.4.10 Os limites materiais do serviço público e o “excesso” dos direitos

fundamentais a priori...258 5.4.10.1 O argumento favorável baseado na ponderação dos arts. 173 e

175 da Constituição ...259 5.4.10.2 O argumento contrário: a persecução pelo Estado de finalidades

constitucionais não dotadas de jusfundamentalidade ...259 5.4.11 “Status positivus libertatis” e “status positivus socialis”...261 5.4.12 A maximização dos mínimos sociais (direitos fundamentais

definitivos a prestações sociais) e o art. 5º, § 1º, da Constituição ...261 5.4.13 Nossa opinião: o vínculo entre direitos fundamentais e serviços

públicos...262 5.5 O SENTIDO DA VINCULAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO À

REALIZAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ...265 5.5.1 A idéia de vinculação do serviço público à realização da dignidade

da pessoa humana...265 5.5.2 A dignidade da pessoa humana como base dos direitos

fundamentais e de outros valores constitucionais...265 5.5.3 A dignidade da pessoa humana é fundamento e justificação da

ação estatal...267

5.6 ARESERVA DO POSSÍVEL E AS COMPETÊNCIAS

CONSTITUCIONAIS ...268 5.6.1 A exposição do problema das decisões alocativas ...268 5.6.2 A diferença (relativa) entre direitos negativos e positivos ...268 5.6.3 A posição lógica da reserva do possível: relaciona-se com a

(13)

5.6.4 Conclusão parcial: a reserva do possível afeta a efetividade, não a

existência nem a eficácia jurídica do direito a ela submetido...273

5.6.5 A reserva do possível em face da forma de remuneração dos serviços públicos e da competência tributária...275

5.6.6 A decisão do STF na ADPF nº 45...278

5.6.7 A ponderação de prioridades nas metas orçamentárias ...280

5.6.7.1 A utilização de conceitos jurídicos indeterminados ...280

5.6.7.2 A existência de apreciações técnicas ...280

5.6.8 Conclusão parcial: o Poder Judiciário pode controlar a efetivação dos direitos mínimos ...281

5.6.8.1 A interpretação dos conceitos indeterminados...281

5.6.8.2 A inexistência de obstáculos derivados das apreciações técnicas ...282

5.6.8.3 A rediscussão do tema da Constituição dirigente...284

5.6.8.4 Os limites para a atuação administrativa: duplo constrangimento (direitos fundamentais e orçamento)...285

5.7 CONCLUSÕES: AS VÁRIAS DIMENSÕES DA POSIÇÃO DO USUÁRIO EM FACE DA CRIAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO ...286

6 A POSIÇÃO JURÍDICA DO USUÁRIO E A REMUNERAÇÃO PELO SERVIÇO PÚBLICO ...289

6.1 A REMUNERAÇÃO NA RELAÇÃO JURÍDICA DE SERVIÇO ...289

6.1.1 A inserção da contraprestação na relação jurídica de serviço público...289

6.1.1.1 A inserção da remuneração mediante tarifa (e os efeitos do inadimplemento do usuário) ...290

6.1.1.2 A inserção da remuneração mediante taxa...293

6.1.2 A peculiaridade do regime jurídico da taxa e a questão da comutatividade ...295

6.1.3 Distinção entre os regimes jurídicos da taxa (tributo) e da tarifa (preço público) ...299

6.2 O PAPEL INDICIÁRIO DA REMUNERAÇÃO NA DEFINIÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO ...303

6.3 A DISTINÇÃO ENTRE TAXAS E TARIFAS: A INAPLICABILIDADE DO CRITÉRIO DA COMPULSORIEDADE NA FRUIÇÃO ...305

6.3.1 O debate sobre a distinção e o desenvolvimento do critério da compulsoriedade da fruição ...305

6.3.2 A tarifa como peculiar ao regime de concessão ou permissão: efeitos da proteção da equação econômico-financeira ...307

(14)

6.3.4 O critério de distinção: outras propostas...310

6.3.5 Nossa opinião: a compulsoriedade da fruição não afeta a qualificação jurídica da remuneração...311

6.4 A ESTIPULAÇÃO DO MONTANTE DA TARIFA...315

6.4.1 A relevância da identificação do usuário para a estipulação da tarifa ...315

6.4.2 O regime de fixação das tarifas: princípios aplicáveis (limites do exame) ...315

6.4.3 Princípio da igualdade entre os usuários ...316

6.4.3.1 Aproximação com a noção de capacidade contributiva ...316

6.4.3.2 As dificuldades na apuração do “custo do serviço” ...317

6.4.3.3 A questão do “financiamento antecipado de obras”: a solidariedade entre gerações ...318

6.4.3.4 Tarifas sociais e “extrafiscais” ...320

6.4.3.5 Distribuição de ônus e igualdade: limites das tarifas e subsídio público...322

6.4.3.6 Ainda o subsídio público: o regime das PPPs e a realização concreta da solidariedade ...325

6.4.4 Princípio da modicidade de tarifas ...328

6.4.5 Princípio da manutenção da equação econômico-financeira da delegação de serviço público ...330

6.4.6 O objetivo de eficiência ...333

6.4.7 Tarifa como elemento caracterizador da relação direta ...333

6.4.8 Risco de arbitrariedade na estipulação da tarifa ...334

6.5 DISTINÇÃO ENTRE OS CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DE TAXAS E DE TARIFAS...336

6.5.1 Os critérios para a criação de taxas de serviço...336

6.5.2 Os conceitos de ‘especificidade’ e de ‘divisibilidade’ ...337

6.5.3 Distinção entre os pressupostos e critérios para a criação de taxas de serviço e tarifas ...339

6.5.4 Os fatores adicionais envolvidos na criação de tarifas: equilíbrio e viabilidade econômica da concessão...340

6.5.4.1 A tarifa não é uma espécie tributária...341

6.5.4.2 O equilíbrio econômico do serviço e a possibilidade de delegação ...341

6.5.5 A possibilidade de concessão (e remuneração mediante tarifa) de serviços públicos compulsórios e meramente fruíveis (postos à disposição dos usuários)...342

(15)

6.6 EXAME DE CASO: A SITUAÇÃO DOS SERVIÇOS DE LIMPEZA

URBANA ...344

6.6.1 A relevância dos serviços de limpeza urbana como paradigma para a aplicação dos critérios teóricos ...344

6.6.2 O entendimento jurisprudencial sobre os serviços de limpeza urbana ditos uti universi...345

6.6.3 Os limites do exame jurisprudencial: não consideração de critérios técnicos de especificidade e divisibilidade ...347

6.6.4 Inaplicabilidade da orientação jurisprudencial às tarifas de limpeza urbana...348

6.6.5 Critérios para a definição do usuário...348

6.6.5.1 O usuário dos serviços de coleta, remoção e destinação final do lixo domiciliar: gerador-pagador ...349

6.6.5.2 O usuário dos serviços de varrição de ruas e logradouros e demais serviços atinentes aos resíduos externos: beneficiado direto-pagador...350

6.7 OS LIMITES DA LEGITIMAÇÃO PARA AÇÕES COLETIVAS ENVOLVENDO TAXAS E TARIFAS ...351

6.7.1 Apresentação do problema ...351

6.7.2 O quadro legislativo ...352

6.7.3 O entendimento jurisprudencial...354

6.7.3.1 A posição do STF...354

6.7.3.2 A posição da 1ª Turma do STJ ...355

6.7.3.3 A posição da 2ª Turma do STJ ...357

6.7.4 Nossa opinião: legitimação pela vinculação à relação de serviço...358

6.7.4.1 A chave da questão: a relação tributária e a relação de uso do serviço público ...358

6.7.4.2 Irrelevância, para os efeitos processuais, da distinção entre consumidor e usuário...359

6.7.4.3 A legitimação extraordinária para a impugnação de taxas: limites...360

6.7.4.4 A questão da homogeneidade: efeitos da multiplicidade de interesses dos usuários e a consideração dos interesses dos não-usuários...361

CONCLUSÕES ...365

(16)

1 INTRODUÇÃO: VISÃO GERAL E ASPECTOS METODOLÓGICOS 1.1 O GIRO COPERNICANO DA CONCEPÇÃO SOBRE O USUÁRIO

Jorge Salomoni menciona a ocorrência de um giro copernicano na reforma constitucional argentina de 1994, que alterou o art. 42 da Constituição e fez do usuário o centro das considerações acerca do serviço público.1 O que

se pretende neste trabalho é o reconhecimento de algo semelhante: uma alteração de perspectiva, retirando-se o foco da prestação e situando-o no

usuário do serviço público.2

Também aqui se busca uma visão do serviço público fundamentalmente ligada à posição do usuário. Conquanto não tenha havido uma reforma constitucional específica entre nós que leve a essa modificação de pensamento3, a consagração cada vez mais intensa da dignidade da pessoa humana como fundamento da ação do Poder Público conduz à valorização do indivíduo, da pessoa, como finalidade da atuação do Estado. O serviço público, visto como prestações públicas que cada indivíduo pode desfrutar singularmente, é o campo adequado para a implementação desse enfoque. Sobre o tema, são precisas as lições de Marçal Justen Filho. A partir do reconhecimento do caráter transcendental do princípio da dignidade da pessoa humana, o autor aponta o especial relevo que merece “o exame das competências estatais quanto ao atendimento a necessidades individuais”, frisando que algumas pessoas necessitam receber atenção especial por parte do Estado, “precisamente aqueles cuja dignidade não pode ser protegida ou realizada por seus próprios esforços e com seus recursos individuais isolados”.4 O tema do serviço público relaciona-se exatamente com essa

preocupação.

1 A alusão a giro copernicano está na nota nº 189 do Capítulo 3. O exame do direito argentino, inclusive e especialmente no que se refere ao art. 42 da Constituição, é objeto do item 4.2.3.10.

2 Uma preocupação semelhante é referida por Luciano Ferraz em relação ao Direito Administrativo em termos amplos (FERRAZ, Luciano. Novas formas de participação social na Administração Pública: Conselhos Gestores de Políticas Públicas. Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, nº.7, p. 59/67. out/dez, 2004. passim).

3 Não nos parece adequado filiar essa alteração de pensamento à chamada Reforma do Estado promovida a partir do início da década de 1990. A visão do usuário aqui defendida não é a de um cidadão-usuário inserido em uma administração gerencial, como a vislumbrada pela Reforma (sobre o tema, LIMA, Vivian Cristina. A proteção ao usuário de serviço público no contexto da reforma do Estado. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, nº.34, p. 187/201, 2000.).

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Essa pretensão exige inicialmente uma explicação e uma justificação. 1.2 A EXPLICAÇÃO: O USUÁRIO É A FIGURA CENTRAL DO SERVIÇO

PÚBLICO

A explicação está na evolução do pensamento acerca do lugar ocupado pelo serviço público no campo das atividades que caracterizam a função pública. Sempre se reconheceu, no Brasil, que as atividades positivas da Administração apresentam natureza variada. É tradicional a distinção entre o serviço público e as atividades de polícia e de obras públicas. No Brasil, nunca se reconduziu à noção de serviço público a integralidade das atividades do Estado. Mas também é usual o reconhecimento de que o serviço público envolve prestações dirigidas a usuários determinados ou determináveis e outras atividades realizadas de modo difuso, que beneficiam a coletividade em geral e que não têm usuários identificáveis. Tendo em vista a proximidade entre uma e outra – ambas, afinal, são atividades positivas do Estado que proporcionam satisfação material aos indivíduos –, costuma-se remeter ambas à noção de serviço público. Alude-se, assim, a serviços públicos uti singuli e uti universi.

Essa idéia foi refutada por Celso Antônio Bandeira de Mello em 2002,5

passando-se a adotar a premissa de que o serviço público seria apenas a atividade pública com caráter técnico de prestação. Para a caracterização de um serviço público, exigir-se-ia a possibilidade de fruição singular do serviço. Com isso, negava-se a categoria – tradicionalmente reconhecida – dos serviços uti universi. Tais atividades públicas passam a ser tratadas não como

serviço público, mas como atividades públicas de outra natureza.

Essa discussão é exposta no Capítulo 2 deste estudo. Pretende-se demonstrar sua compabilidade com a Constituição – inclusive e especialmente com a EC nº 39/2002, que introduziu a contribuição especial para custeio dos chamados serviços de iluminação pública, tradicionalmente vistos como exemplo típico de serviços uti universi. Postula-se que os ditos serviços uti universi têm regime e função mais próximos das obras públicas ou de outras atividades públicas não referidas diretamente a particulares do que dos

critério central do Direito Administrativo, reforçando-se conceitos como os de personalização

e procedimentalização. Em sentido similar, Eberhard Schmidt-Assmann aponta que “O reconhecimento constitucional dos direitos fundamentais permitiu ao Direito Administrativo introduzir uma marcada dimensão individual, uma maior atenção aos interesses do indivíduo” (SCHMIDT-ASSMANN, Eberhard. La Teoría General del Derecho Administrativo como Sistema. Madrid: Marcial Pons. 2003., p. 89).

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serviços públicos propriamente ditos (os uti singuli). A finalidade comum – realização do interesse público mediante atividade que dê satisfação material aos indivíduos – não é suficiente para que se considerem os serviços uti universi e uti singuli como espécies de um mesmo gênero. Há uma distinção essencial, que explica o afastamento entre as categorias. Nos serviços uti singuli, há uma relação jurídica concreta, que vincula o prestador ao usuário. Nos serviços uti universi, não há usuários, mas beneficiários difusos. Não há uma relação jurídica concreta, mas um dever de agir do Poder Público não contraposto a um direito específico dos beneficiários. O que há, nos ditos serviços uti universi, é um direito difuso dos beneficiários, derivado de sua condição de cidadãos. A instalação de iluminação em uma praça, p. ex., não é atividade distinta da própria construção da praça. Trata-se de atividades puras, isso significando que sua finalidade se exaure na própria atividade. A utilidade é colocada à disposição dos possíveis beneficiários, mas estes não participam de uma relação jurídica envolvendo o Poder Público nem integram a finalidade da atividade. No serviço público propriamente dito, o usuário é instrumental para o atingimento da finalidade da atividade pública. O serviço é uti singuli

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utilidade, no serviço público, pressupõe uma atividade de utilização do serviço por parte do seu destinatário. Nos ditos serviços uti universi, o eventual beneficiário assume uma posição passiva em relação à atividade estatal.

O presente estudo parte do pressuposto de que o serviço público é apenas o chamado uti singuli. Disso deriva que o serviço público é caracterizado por uma relação jurídica entre usuário e prestador. Essa relação é complexa porque envolve uma variedade de situações ativas e passivas de parte a parte. Apresenta diferenças conforme se trate de serviço público prestado diretamente ou por delegação. No caso do serviço público prestado diretamente, pode haver uma relação jurídica isolada (no caso de serviços prestados de modo gratuito) ou duas relações jurídicas coordenadas, uma de uso e outra tributária (no caso de serviços prestados mediante taxa). No caso do serviço público prestado por delegação, há uma relação jurídica trilateral, envolvendo o usuário, o prestador e o poder concedente.

Em qualquer caso, o usuário é central para a caracterização do serviço público. No caso dos serviços uti universi, há um “prestador” – ou melhor, um realizador – do serviço, mas não há usuários. A partir dessa idéia central, o presente estudo examina os critérios para a identificação do usuário (Capítulo 2) e a delimitação de sua posição jurídica, precisando-se a natureza do vínculo que liga o usuário ao prestador (Capítulo 3) e analisando-se a distinção jurídica entre as noções de usuário e consumidor (Capítulo 4).

Com base nos critérios assim estabelecidos, o estudo dedica-se a relacionar a posição jurídica do usuário com determinados aspectos econômicos da prestação dos serviços. Essa análise é empreendida sob dois enfoques, o primeiro (Capítulo 5) acerca do direito ao serviço público e seus limites econômicos, especialmente dedicado a examinar a relação entre serviço público e direitos fundamentais e a aprofundar a investigação sobre a chamada

reserva do possível como limite para a oferta de serviços pela Administração, e o segundo (Capítulo 6) sobre a posição do usuário em face dos aspectos econômicos da fruição do serviço, com ênfase nos regimes de remuneração do serviço e seus reflexos sobre a posição jurídica do usuário.

De certo modo, pode-se dizer que o primeiro é um enfoque de oferta e o segundo, de demanda.Esses são os ângulos de análise que se conjugam para compor a visão do usuário pretendida neste estudo, predominantemente relacionada com os aspectos econômicos do serviço público.

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referência a instituição aqui tem sentido técnico e pretende denotar a noção de que as construções teóricas inserem-se como um dos dados disponíveis para a decisão de cada caso concreto. Aproveita-se a lição de Neil MacCormick e Ota Weinberger, que dão ao direito positivo – ou seja, ao conjunto de elementos que dão origem aos institutos jurídicos6 – uma extensão que ultrapassa as normas de estrutura e de conduta explicitamente postas. MacCormick e Weinberger inserem tais normas em um quadro mais amplo de condicionantes da ação: as normas postas são apenas um dos elementos normativos, além de outros, tomados em conta na decisão jurídica; a par dos elementos teóricos, a decisão é informada também por dados práticos. Apontam que não são apenas normas de conduta e de competência explicitamente editadas que constituem um ordenamento jurídico. O substrato teleológico do ordenamento também conta, assim como a política (policy) geral das normas jurídicas ou os postulados institucionalizados de justiça e os escritos doutrinários dos juristas, na medida em que todos eles pertencem à “moralidade institucional” que o Direito incorpora.7 A justificação que se pretende apresentar relaciona-se com a utilidade da construção teórica que restringe a noção de serviço público e põe em seu centro o usuário.

A idéia de serviço público relaciona-se diretamente com a de solidariedade social. Alude-se, especialmente no direito europeu, ao serviço público como instrumento para a construção da coesão social e territorial. Vincula-se o serviço público à realização material da dignidade da pessoa humana. Atribui-se ao serviço público o caráter de garantia constitucional material de direitos fundamentais, de modo que a sua supressão equivaleria a tornar materialmente inexistentes esses direitos.

6 Para MacCormick, os institutos jurídicos (legal institutions ou institutions of the law) são revelados pela combinação de três classes de normas: as normas institutivas tornam existente o instituto a partir da ocorrência de certos fatos. As normas conseqüenciais definem os efeitos jurídicos do instituto. E as normas de extinção estabelecem o momento em que o instituto deixa de existir (MACCORMICK, Neil; WEINBERGER, Ota. An institutional theory of law. Dordrecht: D. Reidel Publishing Company. 1986. p. 52/53).

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Porém, é também freqüentemente destacado o efeito de redução da iniciativa individual e do sentimento de pertença (appartenance) social que resulta da assunção, pelo Estado, do papel de provedor das necessidades individuais. Essa constatação está presente na visão daqueles que defendem a redução do Estado,8 mas não só deles. É noção generalizada, que resulta da percepção de que, ao se substituir as redes sociais de solidariedade (familiares, p. ex.) pela atuação do Estado, reduz-se, não se amplia, o senso de comunidade. Gilles Jeannot apresenta essa conclusão,9 postulando uma

configuração do serviço público que assegure o retorno à iniciativa individual, especialmente com a participação do usuário na “co-produção” do serviço. 10 Assim, o usuário não seria um beneficiário, mas um agente do serviço.11 Ernst Benda sintetiza com precisão a mesma idéia: “um Estado providência que libere os homens de toda preocupação não seria um Estado social. Se um tal Estado providência aspira a funcionar deverá atuar como tutor de seus cidadãos e os súditos dependentes [desemancipados] perderão a capacidade

8 Matt Riddley, em elogio ao processo privatizador realizado por Thatcher na década de 1980 no Reino Unido, lembra que, no Estado de Bem-Estar Social, “como havia mais dinheiro disponível graças aos altos impostos, no começo houve um ganho. Mas logo se tornou palpável a destruição causada no senso britânico de comunidade. Devido à sua natureza compulsória, o estado do bem-estar social encorajava em seus doadores relutância e ressentimento e, em seus clientes, em lugar de gratidão, apatia, raiva ou um impulso empresarial de explorar o sistema. Governo grande torna as pessoas mais egoístas – não menos”. Segundo expõe o autor, “Se o argumento que apresento neste livro é correto, os conservadores não são românticos perigosos, porque a mente humana contém numerosos instintos para promover a cooperação social e desejar a reputação de bondade. Não somos tão vis a ponto de precisarmos ser domesticados por governos intrusos, nem tão bons que o excesso de governo não desperte o que há de pior em nós, seja como seus empregados, seja como seus clientes” (RIDDLEY, Matt. As Origens da Virtude - um estudo biológico da solidariedade. São Paulo: Record. 2000. p. 296).

9O usuário aparece em uma primeira leitura como uma figura antitética da do cidadão entendido nesse sentido [de pertença, de alguém com responsabilidade individual], como consumidor passivo e como assistido. Se há a constituição de um liame social pela oferta de serviço dentro de um modelo solidarista que dá nascimento aos serviços públicos, este passa acima da cabeça do usuário. Ele não é um ator do serviço, apenas o beneficiário. Por outro lado, esta apropriação coletiva de responsabilidade contribui para enfraquecer outras redes de solidariedade, em particular familiares, dissolvendo assim indiretamente os jogos de doações e contra-doações que dão coesão à pertença (apartenance)” (JEANNOT, Gilles. Les usagers du service public. Paris: Presses Universitaires de France. 1998. p. 114).

10 Nesse mesmo sentido, CHEVALLIER, Jacques. Science Administrative. Paris: PUF. 3a. 2002., p. 400.

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de adotar condutas sociais próprias”.12 Para Konrad Hesse, uma ampliação ilimitada da responsabilidade estatal que desembocasse em uma providência que tudo compreendesse acabaria por anular “toda configuração existencial auto-responsável”.13

Nessa mesma linha, mas sob outro enfoque, Eberhard Schmidt-Assmann destaca o efeito individualizador do papel assumido pelos direitos fundamentais no âmbito do direito administrativo, com a valorização da relação entre a Administração e o indivíduo, na qual este é levado a assumir o encargo da “formulação de seus próprios interesses”.14

O respeito à responsabilidade individual é derivação da dignidade da pessoa humana. Conforme destaca Ernst Benda, se é procedente conceber o homem como pessoa dotada de capacidade de autotutela, ele não deve ser tratado como súdito de qualquer poder por mais orientado ao seu bem-estar que possa estar: “contradiz a dignidade humana converter o indivíduo em mero objeto da ação do Estado”.15 Ademais, esse respeito pode ser visto como uma pré-condição para a solidariedade: assim, Dworkin alude a um sistema de seguridade social baseado em duas premissas, as de que “as vidas das pessoas têm todas a mesma importância” e que “cada pessoa tem uma responsabilidade de encarregar-se de sua própria vida”, recomendando um sistema de seguridade que não tenha limite temporal16, que forneça

12 Tratando da seguridade social, o autor aponta que se o sistema “... fosse pleno e praticamente perfeito, o indivíduo integrado nele não consideraria necessário responsabilizar-se pela própria existência nem cobrir-se frente a possíveis riscos. Sua capacidade de fazer frente a situações pessoais de crise se atrofiaria com o tempo. O sentimento de que o Estado responderá a qualquer problema diminui a disposição do cidadão para ajudar a outros em caso de necessidade. Quando se confia só no Estado e quando só se invoca sua ajuda, a solidariedade ou o amor ao próximo se fazem paulatinamente supérfluos” (BENDA, Ernst. El Estado social de Derecho. BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen; HESSE, Konrad; HEYDE, Wolfgang. Manual de Derecho Constitucional. Madrid: Marcial Pons. 1996. p. 487/560. p. 552).

13 HESSE, Konrad. Significado de los derechos fundamentales. cit., p. 83/116. p. 95. Note-se que o autor também reconhece que a manutenção das condições para uma configuração livre e autônoma da própria existente hoje é uma clara tarefa do Estado.

14 SCHMIDT-ASSMANN. La Teoría General del Derecho Administrativo como Sistema. p. 89. 15 BENDA, Ernst. Dignidad humana y derechos de la personalidad. BENDA, Ernst;

MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen; HESSE, Konrad; HEYDE, Wolfgang. Manual de Derecho Constitucional. Madrid: Marcial Pons. 1996. p. 117/144. p. 125.

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treinamento e assistência ao emprego e que “condicione os benefícios à tentativa de boa-fé de encontrar emprego”.17

A valorização da responsabilidade individual se reflete também em um aspecto coletivo. Eduardo Talamini aponta que a tutela processual coletiva deve assumir um papel relevante de participação democrática, incrementada pela preocupação em se aprimorar a representação democrática no processo coletivo: “a ação civil pública há de refletir, cada vez mais, a efetiva participação de esferas da sociedade civil nos desígnios da nação – e não a simples atuação de órgãos da própria estrutura estatal (como o Ministério Público), por mais relevantes que sejam as funções destes”.18 Em análise abrangente sobre o tema, Maria Sylvia Zanella Di Pietro propôs que se atribuísse “legitimidade ativa aos entes coletivos para propositura da ação popular, já que, nas mãos do cidadão, ela perde grande parte da sua eficácia”.19

Ressalve-se a posição parcialmente contrária de Fábio Konder Comparato (“Ora, dizer que os titulares dos direitos econômicos, sociais e culturais são, prioritariamente, classes ou grupos despidos de poder econômico ou político significa reconhecer que esses direitos correspondem a interesses

17 DWORKIN, Ronald. Sovereign Virtue - the theory and practice of equality. Cambridge: Harvard University Press. 2000., p. 340. As idéias de Dworkin são comentadas e cotejadas com as de outros autores por Jenny Steele, segundo a qual Dworkin não adota uma posição individualista em oposição ao Estado de Bem-Estar nem assume postura neoliberal. A responsabilidade dos indivíduos é a de “planejar sua vida, estabelecer prioridades e determinar o que é ‘valioso’ e o que deve ser preferido” para com isso estabelecer os limites da seguridade social. Segundo Steele, isso aponta para indivíduos mais aptos a depender de si mesmos (STEELE, Jenny. Risks and Legal Theory. Oxford: Hart Publishing. 2004., p. 137/141).

18 TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2a. ed. 2003. p. 146. Essa noção permite reconhecer um caráter de interesse público na própria existência e efetividade das entidades de representação de usuários. Pode-se cogitar até mesmo da conveniência de, em uma espécie de ação afirmativa, o Poder Público exigir – em certos casos ou para certos fins (os conselhos de usuários ou órgãos assemelhados no âmbito de agências reguladoras podem ser reconduzidos a esta idéia) – a constituição de associações ou, no mínimo, estabelecer sanções premiais (p. ex., vantagens econômicas ou tributárias) para estimular a formação dessas entidades. Sobre o tema, ver também a nota nº 229 do Capítulo 5. Sobre a necessidade de uma “postura de publicidade ‘ativa’” das agências reguladoras, cfr. CARDOSO, André Guskow. A Legitimidade Democrática das Agências Reguladoras Independentes. 2004. Dissertação de Mestrado - Direito Administrativo, UFPR, Curitiba, 2004. p. 147. Acerca do Ministério Público, Lúcia Valle Figueiredo anota o cuidado que se deve ter na definição do âmbito de atuação da instituição em relação a direitos individuais homogêneos (FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Ação civil pública. Ação popular. A defesa dos interesses difusos e coletivos. Posição do Ministério Público. Revista Trimestral de Direito Público, nº.16, p. 15/30, 1996. p. 23).

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transindividuais, de natureza difusa ou coletiva. Sua defesa, em juízo ou fora dele, por conseguinte, não pode ser deixada à livre iniciativa dos seus titulares, mas implica, necessariamente, a intervenção do Estado e a atuação de associações de interesse público, na qualidade de partes substitutas”).20. Em nossa opinião, esse motivo (que é real) não afasta a necessidade de incrementar a participação individual e coletiva dos próprios interessados. Essa é a única forma de construir uma democracia efetiva, composta por cidadãos não oprimidos nem tutelados pelo Estado.21 De certo modo, também neste

ponto manifesta-se o paradoxo da legitimidade identificado por Habermas.22 A realidade vislumbrada por Comparato também é vista por Cass Sunstein (“As pessoas que não dispõem de alimentação ou abrigo adequado provavelmente não serão aptas a participar bem dos processos políticos e assim serão incapazes de proteger seus próprios interesses”), para quem isso mostra uma importante interdependência entre os direitos políticos e um certo grau de segurança econômica.23 Também nessa visão, portanto, pretende-se a garantia da segurança econômica precisamente para que os cidadãos possam capacitar-se a defender seus próprios interesses. O ponto central, destacado por Talamini e por nós subscrito neste estudo, é o de se buscar meios de incentivar a responsabilidade individual (ainda que exercitada de modo coletivo) – sem que isso signifique qualquer redução das importantes atribuições do Ministério Público e de outros instrumentos públicos de proteção da cidadania.

Essa constatação inspira a atribuição ao usuário de um papel central no serviço público. A realização da finalidade do serviço público – estimular a coesão social, assegurar a concretização de direitos fundamentais, realizar

20 COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. GRAU, Eros Roberto; CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 244/260., p. 252/53.

21 Vivian Lima defende posição diversa, que reconduz a idéia de participação do usuário (do “cidadão-usuário” às reformas liberalizantes realizadas a partir de 1998 no Brasil, uma vez que o usuário “encontra-se, na sua maioria, inserido na realidade brasileira intelectualmente despreparado, marginalizado e excluído do processo de conhecimento”. Em nossa opinião, essa realidade não deve impedir a valorização da posição individual do usuário, que deve ser estimulado a assumir sua responsabilidade pessoal. A própria doutrinadora alude a que a proteção dos usuários deve proteger os valores fundamentais e garantir sua existência digna, assegurando o controle do serviço e a participação do usuário (LIMA. A proteção ao usuário de serviço público no contexto da reforma do Estado. p. 196/197). Nada disso é possível com a manutenção da visão do usuário de serviços públicos como um tutelado do Estado.

22 Ver nota nº 29 do Capítulo 1.

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valores constitucionais por meio da satisfação de necessidades concretas de indivíduos determinados – pressupõe um incremento da responsabilidade individual do usuário, que não pode ser um beneficiário passivo, mas deve tornar-se um agente do serviço. O primeiro passo é reconhecer que o serviço é prestado em favor de um usuário, que detém direitos subjetivos e pode reclamar a sua satisfação.24

Porém, não se pode ignorar a advertência de Jacques Chevallier quanto ao risco de a imagem do usuário-rei (aquele que é o titular e a finalidade do serviço) ser apenas aparente, escondendo na realidade um usuário-cativo, submetido a uma Administração onipotente. Esse enfraquecimento da posição do usuário deriva da assunção, pela Administração, de uma suposta competência privativa para apurar o interesse geral.25 Essa pretensão da

Administração é equivocada pois ignora que o real interesse público não é contraposto ao interesse privado26 mas, ao contrário, resulta de um processo de apuração que pressupõe a contraposição e a defesa dos diversos interesses privados e coletivos em questão.27

Essa visão especializa para o campo do serviço público o que Jürgen Habermas expõe a partir da constatação da tensão interna de um sistema que assegura direitos individuais (valorizando as escolhas privadas dos indivíduos

24 Um outro ângulo dessa questão é destacado por Jeremy Hobbs, diretor executivo da ONG britânica Oxfam International, dedicada ao desenvolvimento de serviços em países pobres. Hobbs aponta quatro regras fundamentais para o sucesso da ação das ONG nessa área. A primeira delas é exatamente “a necessidade de estar orientado para a capacitação das comunidades para controlar seu próprio desenvolvimento. Isso exige participação genuína para se assegurar de que as comunidades realmente estão no controle do processo e de que os projetos correspondem às suas necessidades” (HOBBS, Jeremy. Basic Services - A Basic Right. KOCHENDÖRFER-LUCIUS, Gudrun; PLESKOVIC, Boris. Service Provision for the Poor - Public and Private Sector Cooperation. Washington: The World Bank. 2004. p. 31/34. p. 33.

25 CHEVALLIER, Jacques. Figures de l'usager. DRAÏ, Raphaël. Psychologie et science administrative. Paris: PUF. 1985. p. 35/69. p. 44/45: “Se o serviço é destinado à satisfação de ‘necessidades’, é porque e na medida em que tais necessidades sejam ‘interesse geral’: o ‘interesse geral’ constitui ao mesmo tempo o filtro indispensável para decantar as necessidades e circunscrever o campo legítimo da gestão pública e a bússola que deve guiar os serviços públicos no seu funcionamento concreto. É portanto o interesse geral e não a satisfação dos usuários que é em última instância a norma a que os serviços públicos devem referir-se: em nome do interesse geral, eles se fundamentam para adotar medidas eventualmente contrárias aos interesses específicos e categoriais de seus usuários, que são obrigados a se submeter; mas, como somente a Administração dispõe da clarividência e da lucidez necessárias para revelar o interesse geral, a supremacia deste volta, por fim, a legitimar a primazia da oferta (administrativa) sobre a demanda (social), colocando o usuário sob a copa dos serviços públicos”.

26 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. 18a. ed. 2005. p. 51.

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com base em suas preferências pessoais) e ao mesmo tempo espera mobilizar e unificar essa liberdade comunicativa de modo presumivelmente orientado ao bem comum. Para Habermas, nesse ponto se intensifica a tensão entre fato e

norma, concentrada “na circunstância aparentemente paradoxal de que os direitos políticos básicos devem institucionalizar o uso público da liberdade de comunicação sob a forma de direitos individuais. O código jurídico não dá alternativa; os direitos comunicativos e participativos devem ser formulados de um modo que reserve aos sujeitos de direito autônomos decidir se, e se necessário como, eles querem fazer uso de tais direitos. Deixa-se aos destinatários a livre escolha: se querem ou não utilizar sua vontade livre como autores, mudar a perspectiva de seus próprios interesses e sucesso para a de entendimento mútuo acerca de normas aceitáveis para todos, e fazer uso público de sua liberdade comunicativa”.28

Essa constatação tem grande relevância. A disposição (ou não) do usuário em envolver-se é um problema real, que não pode ser ignorado e está no centro do paradoxo visto por Habermas (a legitimidade do Direito depende de uma decisão que está fora do seu controle29). Abstrair-se o indivíduo – no

caso do serviço, o usuário – e adotar soluções unilaterais e paternalistas é fugir do problema. Deve-se ressaltar o papel do usuário e destacar sua responsabilidade individual pelo seu próprio destino e como instrumento para a realização do bem coletivo.

Não se ignora que algumas das opiniões acima transcritas (acerca da acomodação individual e desagregação geradas pela oferta de serviços públicos) têm em vista realidade absolutamente diversa da que se vê no Brasil. A nossa situação concreta é exatamente oposta à descrita: a precariedade dos serviços públicos leva à descrença no sistema democrático representativo30, na

28 HABERMAS, Jürgen. Between facts and norms: contributions to a discourse theory of law and democracy. Cambridge: The MIT Press. 1996., p. 129/130.

29 Habermas sintetiza a questão desse paradoxo da legitimidade em duas sentenças: “a carga de legitimação move-se das qualificações dos cidadãos para procedimentos institucionalizados de formação discursiva de opinião e de vontade” e “a juridificação da liberdade comunicativa também significa que o Direito deve-se valer de fontes de legitimação que não estão à sua disposição” (Ibid., p. 131).

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capacidade do Estado de resolver problemas e à assunção individual ou coletiva da responsabilidade pelas soluções para os problemas concretos. Se isso ocorre até nos campos mais proximamente afetos à autoridade estatal – há áreas desprovidas de qualquer efeito de autoridade pública, inclusive quanto à aplicação da lei e manutenção da segurança –, nos aspectos de serviço público propriamente dito a deficiência é assombrosa. Não é possível afirmar, na realidade brasileira, que a atuação do Estado venha levando à redução da iniciativa individual. No Brasil, ainda há necessidade de intensa atuação redistributiva do Estado por meio da prestação de serviços públicos dirigidos especialmente aos mais carentes. Mesmo em países desenvolvidos afirma-se que “o bem comum não surge por geração espontânea” e pressupõe a atuação estatal.31 No Brasil, a atuação do Estado é necessária para corrigir a

desigualdade e a exclusão que, estas sim, se reproduzem de modo espontâneo e de difícil controle.32 33 Ainda isso considerado, as construções

responsabilização, inclusive pessoal, dos agentes públicos. Ainda que todas essas providências possam ser, conjunturalmente ou não, necessárias diante da insuficiência crônica da democracia brasileira, não parecem ser o meio adequado para se construir uma democracia sustentável, real e duradoura. O foro adequado para as discussões alocativas deve ser o Parlamento, respeitada a iniciativa do Poder Executivo nos casos constitucionais, não o Poder Judiciário – embora seja compreensível o que torna necessária a intervenção judicial ampliada no Brasil. Os direitos fundamentais sociais devem ser chamados a assegurar (i) prestações mínimas, (ii) direito dos usuários a informação e participação nas decisões alocativas e (iii) reforço à posição política e jurídica dos favorecidos por esses direitos, no embate democrático. Sob certo ângulo, as construções comuns no Brasil acerca da ampliação dos direitos a prestações estatais revelam um temor da democracia, baseado na incerteza (justificada) quanto ao efetivo comprometimento dos órgãos de representação democrática (Parlamento, Chefes do Poder Executivo) com o presumível interesse coletivo. Se é assim, a única solução sustentável parece ser a melhora de qualidade da democracia brasileira. Mas democracia só se aprende na prática.

31 BENDA. El Estado social de Derecho. p. 526.

32 Diogo Rosenthal Coutinho apresenta uma lúcida análise das diferenças entre a universalização de serviços públicos em países desenvolvidos e em países em desenvolvimento, apontando que “A universalidade do serviço público ainda é, todavia, uma meta social distante em países em desenvolvimento, mormente naqueles de dimensões continentais e populosos como o Brasil. Esses países ainda não têm redes de infra-estrutura extensas e capilarizadas o suficiente para atingir áreas distantes dos grandes centros, pouco povoadas e/ou de baixa renda”. Dessa constatação o autor extrai a conseqüência de que, em muitos casos, os serviços públicos devem ser prestados em regime de monopólio, a despeito das vantagens econômicas do regime concorrencial (COUTINHO, Diogo Rosenthal. A universalização do serviço público para o desenvolvimento como uma tarefa da regulação. SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros. 2002. p. 65/86. p. 75/81). O tema do subdesenvolvimento também é lembrado por Carrió no que se refere à dificuldade econômica na concretização dos direitos fundamentais, recomendando “uma ação internacional eficaz e inteligente” (CARRIÓ, Genaro R. Los derechos humanos y su proteccion. Buenos Aires: Abeledo-Perrot. 1990. p. 65.

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acerca do serviço público – que assume papel fundamental na realização dos valores constitucionais, especialmente no que se refere à concretização das condições de vida digna – não podem prescindir da constatação anteriormente exposta sobre os riscos de supressão da iniciativa individual. Isso implica a necessidade de envolver o usuário na prestação do serviço, mediante mecanismos de participação na gestão do serviço, de participação na regulação do serviço34 e de co-utilização (em que o usuário é chamado a

assumir parte da responsabilidade pela prestação). Além disso, a extensão das prestações públicas, especialmente as asseguradas com caráter de serviço universal mínimo, não pode dispensar o esforço pessoal.35 O incremento – necessário e urgente – da prestação de serviços públicos no Brasil não deve ignorar essas condicionantes.

exclusiva pela garantia dessas condições (deixando de estimular a energia que torna coesa

e unida a sociedade), não se pode ignorar a imprescindibilidade da atuação estatal em certos campos e, especialmente, em determinados momentos históricos. Boa demonstração dessa complexidade se extrai das análises de Ronald Dworkin sobre as ações afirmativas nos Estados Unidos e de Laura Tavares Soares acerca do que chama o desastre social. Dworkin afirma que a ação afirmativa do Estado (quotas raciais, pesquisa preferencial de certas doenças ou incentivos fiscais para produtos) consiste em política social necessária para demonstrar a coletivização do preço a ser pago por um passado de exclusão, buscando afastar das novas gerações esse modo de ação e proporcionando a construção de uma sociedade igualitária e unida (DWORKIN. Sovereign Virtue - the theory and practice of equality. p. 409/426). Laura Soares, por outro lado, critica a tendência neoliberal ao individualismo, que substituiria a universalidade (atendimento de todos) pela focalização (atendimento apenas dos comprovadamente pobres) e denuncia que o desmonte do Estado, sob o pretexto da sua ineficiência, não assegura sistemas verdadeiramente públicos e universais de garantia de direitos essenciais e, ao contrário, reduzem a já debilitada capacidade de intervenção do Estado no campo social (SOARES, Laura Tavares. O desastre social. Rio de Janeiro: Record. 2003. p. 27/29). Anote-se que a procedência das críticas da autora não infirma as premissas do presente estudo. A assunção de responsabilidade individual não é necessariamente vinculada à destruição da capacidade de intervenção do Estado. Tanto a assunção individual de responsabilidade quanto a atuação estatal são necessárias e úteis para a coesão e solidariedade sociais.

34 Segundo André Guskow Cardoso, as agências reguladoras “são a síntese de uma nova forma de atuação estatal, que conjuga a autoridade do Poder Público, a participação dos cidadãos e a utilização de vias consensuais para a obtenção da conformidade da conduta dos particulares à promoção de valores essenciais para a coletividade” (CARDOSO. A Legitimidade Democrática das Agências Reguladoras Independentes. -. p. 203).

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A justificação para a proposta de se colocar o usuário no centro das preocupações sobre o serviço público prende-se à necessidade de restauração e reafirmação da sua responsabilidade individual. As atividades qualificáveis na noção de serviços uti universi são, por excelência, alheias à assunção de responsabilidade individual. Aproximam-se dos casos de tragédia dos recursos comuns: cada qual, egoisticamente, aproveita-se tanto quanto possível dos recursos comuns, no pressuposto de que todos os outros indivíduos, se tiverem oportunidade, farão o mesmo. As atividades realizadas difusamente, fora do âmbito de uma relação jurídica concreta, são pouco apropriadas para o estímulo da responsabilidade individual. No presente estudo, busca-se, ao contrário, afirmar essa responsabilidade individual, o que pressupõe a identificação do serviço público a partir da existência possível de um usuário determinável para o serviço e a adoção de mecanismos flexíveis, abertos e baseados em presunções para a identificação do usuário, evitando que posições excessivamente formalistas impeçam a imputação do uso do serviço a um usuário determinado.

Esse último aspecto é a principal justificação de o estudo haver-se proposto analisar de modo mais específico os reflexos de certos aspectos econômicos do serviço público sobre a posição jurídica dos usuários. A responsabilidade individual traduz-se em comprometimento econômico, tanto sob o ângulo da prestação (oferta) – oferecem-se os serviços na medida em que alguém (toda a coletividade, por meio de impostos; o usuário, por meio de taxas ou tarifas) assuma a responsabilidade pelo seu custo – quanto sob o ângulo da sua utilização (demanda). O exame dessas questões neste estudo pretendeu identificar (i) em que medida a prestação de serviços públicos é assegurada de modo absoluto, com base nos direitos fundamentais e segundo um critério de solidariedade, sem que possa ser decisivo para negar a prestação algum argumento acerca dos seus custos (reserva do possível), (ii)

de que modo e com que limites opera a reserva do possível na prestação de serviços públicos, considerando-se a variação do seu sentido e alcance conforme se trate de serviços mínimos, de serviços públicos além do mínimo e de serviços públicos prestados diretamente ou mediante delegação, (iii) qual o papel (confirmatório ou indiciário, se houver algum) da remuneração direta do serviço pelo usuário na qualificação de uma atividade como serviço público – se for o caso, delegado, (iv) quais os principais traços da posição jurídica do usuário em face da cobrança de remuneração específica (taxas ou tarifas) pelo prestador do serviço público.

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seu prestador do serviço, se houver delegação, no centro da análise sobre o serviço público. Isso pressupõe a análise dos limites do direito subjetivo à criação do serviço, da posição subjetiva dos usuários hipotéticos em relação ao

serviço público não instituído pelo Estado e do direito subjetivo à prestação do serviço público já instituído. A existência de uma relação jurídica direta entre o usuário e o prestador é apontada como critério central de identificação do serviço. Duas atividades materialmente idênticas poderão ser qualificadas de modo diverso caso se esteja ou não na presença de um usuário, ligado ao prestador material por um vínculo jurídico direto.36

Somente a partir dessas premissas é que será possível construir, na disciplina de cada serviço público, instrumentos para o reforço da responsabilidade individual do usuário. Busca-se um usuário emancipado, que não seja súdito, mas cidadão. Que não seja tutelado pelo Estado, mas tenha consciência e condições materiais de exercício individual ou coletivo dos direitos que lhe cabem em face do prestador do serviço ou do Poder Público.

É claro que o atingimento de objetivos como esses não se dá sem uma alteração, que é gradual e lenta, nas práticas relativas às relações entre usuário e serviço público. Além disso, não se podem criar metas ilusórias ou irrealistas.37 A advertência é relevante para que a idéia de valorização da posição do usuário não se torne meramente retórica, apenas dando às

36 Embora a questão vá ser retomada amplamente mais à frente, dá-se um exemplo. A atividade de coleta e destinação final de lixo pode ser objeto de uma concessão administrativa (art. 2º, § 2º, da Lei nº 11.079/2004), em que o município (poder concedente e usuário indireto) remunera o concessionário por meio de tarifas vinculadas à quantidade de lixo movimentado. O concessionário manterá relações jurídicas diretas com os usuários, ainda que a sua remuneração, calculada segundo a utilização do serviço, provenha da Administração. Haverá serviço público e delegação. Em outro caso, o município contrata, segundo o regime da Lei nº 8.666/1993, a prestação do mesmo serviço, remunerado também pela quantidade de lixo movimentado. O contratado realiza idêntica atividade material, mas não mantém relação jurídica direta com os usuários – cujo vínculo jurídico é estabelecido com o município, não com o contratado deste. Nesse caso, haverá serviço público (prestado diretamente pelo município aos usuários), mas não delegação.

Referências

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