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Para a admissão do usuário, há sempre ato-condição e pode, em

3 A SITUAÇÃO JURÍDICA DO USUÁRIO

3.3 A SITUAÇÃO DO USUÁRIO É PREDOMINANTEMENTE (MAS

3.3.6 Três questões conclusivas

3.3.6.2 Para a admissão do usuário, há sempre ato-condição e pode, em

A questão do caráter em parte contratual do vínculo relaciona-se principalmente com os serviços prestados mediante delegação, em que pode haver concorrência entre prestadores ou nos quais são mais usuais os espaços de liberdade reservados pelo poder concedente para preenchimento consensual pelas duas outras partes da relação jurídica da concessão (concessionário e usuário).

Chega-se assim à segunda questão. Nos casos de prestação indireta do serviço, o título de admissão do usuário (seja ato-condição, seja contrato) é uma derivação, um complemento do contrato de concessão. Assim, ao mesmo tempo incorpora e especializa as condições da concessão. Por isso, haverá

contrato propriamente dito, envolvendo o usuário, em dois pontos principais: (a)

nos campos em que o ajuste entre prestador e usuário destinar-se a especializar o contrato de concessão e (b) nos pontos em que a regulação normativa da prestação do serviço outorgar ao prestador e ao usuário liberdade para adotar uma solução consensual. Nesses campos, em que pode haver disciplina consensual, a origem imediata das obrigações não é a lei nem o regulamento, mas a avença consensual. A disciplina do serviço outorga ao prestador e ao usuário o poder jurídico de criar um vínculo consensual em relação a certos aspectos da prestação. Esse vínculo tem natureza contratual, não apenas estatutária.95

atribui-la a ditas pessoas. A situação jurídica criada pelo ato-condição, e, em razão dele,

resulta, necessariamente, do texto legal e nos seus termos, cabendo-lhe função meramente atributiva da nova situação” (BANDEIRA DE MELLO. Princípios gerais de Direito Administrativo. p. 427).

95 Essa concepção aproxima-se da defendida por Pierre Laroque: “A apólice não é somente, com efeito, a constatação de um liame de direito que será formado pelo mero fato da manifestação de vontade do usuário: ela é bem ela própria a base do fornecimento das prestações. E isso se explica porque a apólice contém na prática no mais das vezes mais do que uma adesão do usuário às disposições do regulamento do serviço, ela comporta cláusulas puramente contratuais, e para estas intervém um acordo efetivo de vontades das partes. Em relação aos direitos e obrigações previstos por essas cláusulas, o usuário não está mais em uma situação regulamentar, mas sim em uma situação contratual. Pouco importa que de fato tais cláusulas sejam fixadas unilateralmente pelo ofertante, gerindo o serviço, que o acordo realizado tenha o caráter de um contrato de adesão. Desde que tais

A questão tem direta relação com a noção de que o usuário titulariza

direitos subjetivos. Por ressaltar o caráter funcional da posição jurídica do

usuário, Marçal Justen Filho tende a rejeitar a idéia de que seja titular de direitos subjetivos.96 Parece-nos, ao contrário, que a titularidade de direitos subjetivos frente ao prestador e, se for o caso, o poder concedente, é precisamente instrumental para que o usuário possa cumprir seu papel (que é duplo, de destinatário e agente do serviço). Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello aponta a existência de diversos direitos resultantes do contrato de concessão para o usuário: afirma que o usuário tem “direito ao

serviço e, inclusive, o de escolhê-lo dentre o de distintos prestadores, quando for o caso” e aponta que, “Cumpridas pelo usuário as exigências estatuídas, o concessionário está constituído na obrigação de oferecer o serviço de modo contínuo e regular. Com efeito, sua prestação é instituída não apenas em benefício da coletividade concebida em abstrato, mas dos usuários, individualmente considerados, isto é daqueles que arcarão com o pagamento das tarifas a fim de serem servidos”.97 Para que o serviço possa atingir seu

cláusulas não sejam a reprodução dos dispositivos regulamentares emanados da autoridade administrativa, são contratuais e todo o direito dos contratos se lhes aplica” (LAROQUE. Les usagers des services public industriels. p. 148). Também se filia ao entendimento de Garrido Falla, para quem uma consideração fundamental, esquecida pela doutrina, é que “as mesmas razões que postulação a qualificação de ‘situação mista’ (é dizer, em parte contratual e em parte regulamentar) para aquela em que se encontra o concessionário valem para justificar uma conclusão análoga em relação com o usuário do serviço público. A Administração, com efeito, começa por regulamentar (fazendo uso dos poderes que tem para isso) o funcionamento e o uso do serviço por parte dos administrados. Essa regulamentação será tanto mais intensa, e abarcará tantos mais aspectos das relações entre serviço e usuário, quanto o serviço tenha um caráter mais administrativo (ou, o que dá no mesmo, menos industrial e comercial) ou se empregue uma fórmula direta de gestão. Pois bem, o âmbito de questões não previsto na regulamentação administrativa pode e deve resolver-se (se da sua natureza não se deduz o contrário), mediante a aplicação dos critérios contratualistas. Ocorre assim que, como antes se disse, a situação do usuário do serviço pode ser simultaneamente (segundo o aspecto da relação de que se trate) estatutária e comercial. O que não impede, naturalmente, que a realidade administrativa nos ofereça igualmente exemplos de situações puras, quer dizer totalmente regulamentares ou totalmente contratuais” (GARRIDO FALLA. Tratado de Derecho Administrativo. p. 382). Sobre o tema do contrato administrativo, cfr. GONÇALVES, Pedro. O contrato administrativo - uma instituição do Direito Administrativo do nosso tempo. Coimbra: Almedina. 2003.).

96 “… a tutela à posição do usuário não se faz segundo o modelo direito subjetivo-dever jurídico do direito privado, pois as faculdades não são outorgadas em vista de interesses privados. O prestador do serviço desenvolve função que se reflete na atuação do próprio usuário. Somente pode dizer em um sentido muito limitado que particular que usufrui o serviço público estaria exercendo um direito. As restrições decorrer de que o particular, ainda que disponha da faculdade de valer-se do serviço, não pode fazê-lo senão em termos compatíveis com a consecução do serviço público” (JUSTEN FILHO. Teoria geral das concessões de serviço público. p. 560/561).

destinatário (usuário), deve-se reconhecer a este a titularidade de direito subjetivo a essa atividade do Estado.

Agustín Gordillo vale-se de uma expressão sugestiva para resumir o conteúdo de uma premissa que, em nossa visão, conduz ao reconhecimento de um caráter contratual no vínculo entre usuário e prestador. Aponta que “as

concessionárias e licenciatárias têm direito a ter ganhos razoáveis, não desproporcionados, para assegurar a estabilidade e crescimento do sistema”.

Isso está na base da idéia de intangibilidade da equação econômico-financeira. Em contrapartida, afirma que “os usuários têm direito a não pagar tarifas que

sejam injustas ou desproporcionadas ao serviço que recebem” – reconhecendo

a existência de um direito à “intangibilidade da situação jurídica do usuário”.98 Esse é o direito que emerge para o usuário do aspecto de especialização do

contrato de concessão existente no ajuste entre o usuário e o prestador. Tais

condições – p. ex., em relação à tarifa – incorporam-se na situação jurídica do usuário, que é protegida. Desse modo, o poder concedente e o concessionário somente poderão alterar as condições da concessão, atingindo o usuário, se houver razão de interesse público e se a alteração resultar da aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Quanto à existência de ajuste consensual nos espaços de liberdade assegurados pela regulação dos serviços, um exemplo esclarece a questão. O art. 7ª-A da Lei nº 8.987/1995 prevê que a concessionária deve disponibilizar ao usuário pelo menos 6 (seis) datas para o vencimento da fatura. O usuário, ao aderir ao serviço, escolhe uma delas. Essa escolha passa a compor o

contrato existente entre o prestador e o usuário. Gera direito subjetivo para o

usuário, que pode exigir da concessionária que se abstenha de cobrar em qualquer outra data. Isso não torna inalterável essa condição, mas implica que

(a) uma alteração somente poderá ocorrer por razão de interesse público,

observado o princípio da proporcionalidade e (b) a alteração não poderá ter efeito retroativo nem poderá prejudicar direitos já exercitados pelo usuário. Há, portanto, direito subjetivo cuja fonte é a avença consensual, não diretamente o regulamento do serviço.

É tradicional que se localize o problema do caráter contratual da situação do usuário apenas nesses serviços prestados em regime de delegação. Costuma-se afirmar que os serviços prestados diretamente pelo

98 GORDILLO. Tratado de Derecho Administrativo. p. VI-19. A alusão à intangibilidade da situação jurídica do usuário resulta de artigo sob esse título escrito por Alfredo Silveio Gusman.

Poder Público submetem-se a um regime estatutário.99 Essa assertiva não tem razão de ser. A distinção deriva da premissa de que o contrato entre o prestador privado e o usuário é de direito privado, adotando-se a discriminação de origem francesa entre serviços públicos administrativos e econômicos (industriais e comerciais). As premissas lançadas acima aplicam-se indistintamente a serviços prestados pelo Poder Público ou por concessionários privados. Em qualquer caso, se houver espaços de liberdade para ser preenchidos no caso concreto pelo prestador e pelo usuário, pode haver a assunção de deveres com base em contrato, de natureza administrativa. A situação não se altera por se tratar de relação direta entre o usuário e o Poder Público.