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Candidato a usuário, usuário potencial e usuário efetivo

2 A IDENTIFICAÇÃO DOS USUÁRIOS DO SERVIÇO PÚBLICO

2.3 DISTINÇÕES RELEVANTES

2.3.3 Candidato a usuário, usuário potencial e usuário efetivo

O candidato a usuário é aquele que busca o serviço já constituído, mediante o preenchimento das condições de acesso normativamente estipuladas. Essas condições variam de acordo com a natureza do serviço. Podem ter feições mais ou menos contratuais. Podem ter caráter puramente regulamentar, a mera circunstância de o sujeito integrar determinada coletividade já caracterizando sua acolhida em uma relação de uso de serviço público.

Para esse fim, há grande distinção entre serviços de fruição obrigatória ou facultativa. As condições de acesso e, por conseguinte, a posição de candidato a usuário, são radicalmente distintas em uma e outra situações.

59 A referência é à terminologia de Alexy, já mencionada anteriormente e que é utilizada com freqüência nos tópicos seguintes deste estudo.

60 Como se afirmou acima, isso é precisamente o que distingue o usuário hipotético dos administrados em geral.

O usuário potencial62 está em momento anterior. Pode vir a buscá-lo no futuro, pois já constituído o serviço. Não é usuário hipotético, pois o serviço já existe, nem é candidato a usuário, pois ainda não tomou as iniciativas necessárias para buscar o serviço. Mas integra uma categoria de usuários.63 A potencialidade da condição de usuário – ou seja, a condição de usuário potencial – mede-se em função da probabilidade do uso. Essa probabilidade é determinada a partir de critérios objetivos: (a) o local de domicílio ou da sede da pessoa, (b) a essencialidade do serviço e (c) a situação monopolística do prestador.64 Aí também reside uma diferença entre usuário potencial e candidato a usuário: “a noção de candidato-usuário não faz mais referência ao

grau de certeza da utilização do serviço, o que não serviria de nada, mas provém das condições legais e regulamentares da organização do serviço”.65 A

condição de candidato a usuário tem a ver com a forma de organização do serviço, que disciplina o acesso às prestações. Pode derivar da mera condição de proprietário de imóvel (coleta de esgoto ou de lixo ou fornecimento de água)66 ou da aquisição de bilhetes (transporte de passageiros). Pode também derivar da celebração de um contrato de adesão (telefonia ou fornecimento de energia elétrica).

O usuário efetivo é o sujeito que integra a relação jurídica em que se manifesta o serviço público. É o titular do direito à prestação, devedor da

62 Na Argentina (GRECCO, Carlos Manuel. Potestad tarifaria, control estatal y tutela del usuario. MUÑOZ, Guilhermo Andrés; GRECCO, Carlos Manuel. Fragmentos y testimonios del Derecho Administrativo. Buenos Aires: Ad-Hoc. 1999. p. 423/455. p. 446) e no Uruguai (BRITO, Mariano R.; DELPIAZZO, Carlos A. Derecho Administrativo de la regulación económica. Montevideo: Universidad de Montevideo - Facultad de Derecho. 1998. p. 93) alude-se a usuário eventual para designar a posição aqui chamada de usuário potencial. Marienhoff opta por aspirante ou candidato (MARIENHOFF. Tratado de Derecho Administrativo. p. 145).

63 Para Sophie Nicinski, “o usuário potencial se distingue do candidato-usuário na medida em que ele não deseja ainda valer-se das prestações propostas pelo prestador. O usuário potencial contesta as medidas de organização do serviço, em face de que elas podem ser aplicáveis a ele um dia, tendo-se em conta sua situação em relação ao serviço” (NICINSKI. L'usager du service public industriel et commercial. p. 93).

64 Tratando os critérios para identificação do usuário potencial, Sophie Nicinski aponta que “... três critérios objetivos de demonstração da qualidade foram encontrados: o local de habitação, que engendra os desenvolvimentos mais importante, o caráter intrinsecamente necessário do serviço e a situação monopolística, ao menos dentro do setor em questão, do explorador” (Ibid. p. 96).

65 Ibid. p. 97.

66 Sophie Nicinski alude a precedentes em que o critério da existência de um contrato de adesão é completamente ignorado em vista do caráter obrigatório da conexão do imóvel à rede de saneamento. Conclui que “o critério contratual não condiciona nem a qualidade de candidato a usuário, nem a de usuário efetivo para o serviço público de saneamento” (Ibid. p. 101).

contrapartida eventualmente estipulada pelo ordenamento. É o destinatário concreto e imediato do serviço. Para seu desfrute – que, já se viu, tem caráter publicístico na medida em que é instrumento para realização de valores maiores – o serviço é criado e mantido.

Sophie Nicinski oferece um sumário da distinção entre as três figuras. O

usuário efetivo seria aquele que (a) retira uma vantagem adequada ao objeto

imediato do serviço, (b) utiliza o serviço para satisfazer uma necessidade pessoal e (c) é ligado diretamente ao prestador do serviço pela sua utilização ou pela formação de um vínculo jurídico. O candidato a usuário seria o que (a) tendo feito contato de modo seguro e não ambíguo com o prestador a fim de receber a prestação do serviço, o que define um período de negociação, (b) quer retirar do serviço uma vantagem adequada ao objeto imediato do serviço. O usuário potencial seria o que (a) quer retirar do serviço uma vantagem adequada ao objeto imediato do serviço e (b) cujo vínculo com o serviço é fortemente provável.67

Tomando-se como critério de identificação do usuário o de integrar uma relação jurídica concreta tendo por conteúdo a prestação do serviço público, os três critérios de identificação do usuário efetivo propostos por Nicinski reconduzem-se ao terceiro, o da ligação direta entre usuário e prestador. Essa ligação direta é caracterizada ou por um vínculo formalizado (contrato escrito ou verbal), ou pela mera utilização do serviço (que corresponde a um contrato implícito) ou pelo aperfeiçoamento do dever jurídico de utilização do serviço (p. ex., com a ocupação de um imóvel sujeito à utilização dos serviços de fornecimento de água ou coleta de esgoto).

Por conseguinte, da proposta de Nicinski acerca das outras duas categorias, aproveitam-se os seus pontos centrais. O candidato é o que está, de modo certo e não ambíguo, submetido ao procedimento de acesso à relação jurídica de serviço. E o usuário potencial é o que tem forte probabilidade, porque visado pela lei de criação do serviço, de se tornar usuário efetivo.

Pode-se aludir ainda a um desdobramento da categoria dos usuários efetivos, que se poderia designar por usuário putativo. Corresponde à situação em que alguém, ainda que não integre propriamente uma relação jurídica concreta envolvendo o prestador, seja assim tratado em termos fáticos. O exemplo mais óbvio é o de alguém que passa a receber, sem haver solicitado nem recebido o serviço, faturas de cobrança de serviço público. Não tem direito

67 Ibid. p. 150.

subjetivo ao serviço nem mantém qualquer vínculo com o prestador. Se fosse aplicável o CDC, seria uma vítima da prestação (art. 17 do CDC) ou um consumidor por equiparação (art. 29 do CDC). Embora não seja o caso de se aplicar o CDC nesse ponto, a solução no âmbito do serviço público é idêntica. O tratamento fático como usuário estende ao sujeito os direitos de usuário – inclusive e especialmente o de obter ressarcimento e (ou) indenização pelos danos derivados da conduta do prestador. Na hipótese de esse evento haver atingido uma pluralidade de pessoas, pode-se cogitar até mesmo da intervenção do Ministério Público como legitimado extraordinário para a defesa de direitos individuais homogêneos (arts. 81 e 82 do CDC).

Outra situação é a do usuário irregular, que se beneficia efetivamente do serviço, embora sem estar ligado formalmente ao prestador.68 Embora não se

lhe possa atribuir integralmente o regime de usuário, poderá ser assim tratado em situações específicas (p. ex., danos sofridos na fruição do serviço e que não sejam atribuíveis à própria situação de irregularidade no uso).