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Para Além da Fisionomia - Identificação da Paisagem Cultural do Centro do Recife

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Academic year: 2021

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CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO URBANO

DIRCEU ROGÉRIO CADENA DE MELO FILHO

PARA ALÉM DA FISIONOMIA -

IDENTIFICAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL DO CENTRO DO RECIFE

Recife 2012

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PARA ALÉM DA FISIONOMIA -

IDENTIFICAÇÃO DA PAISAGEM CULTURAL DO CENTRO DO RECIFE

Dissertação apresentada como requisito para obtenção de Grau de Mestre em Desenvolvimento Urbano, ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal de Pernambuco, na linha de pesquisa de Conservação Integrada, sob a orientação do Prof. Dra. Vera Lúcia Mayrinck de Oliveira Melo.

Recife 2012

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Catalogação na fonte

Bibliotecária Gláucia Cândida da Silva, CRB4-1662

M528p Melo Filho, Dirceu Rogério Cadena.

Para além da fisionomia: identificação da paisagem cultural do centro do Recife / Dirceu Rogério Cadena Melo Filho. – Recife: O autor, 2012. 151p. : il. ; 30 cm.

Orientador: Vera Lúcia Mayrinck de Oliveira Melo.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, CAC. Arquitetura, 2012.

Inclui bibliografia e anexos.

1. Desenvolvimento urbano. 2. Paisagem cultural. 3. Patrimônio cultural. 4. Significados (filosofia). I. Melo, Vera Lúcia Mayrinck de Oliveira (Orientador). II. Titulo.

711.4 CDD (22.ed.) UFPE (CAC 2012-17)

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Para minha família, que muitas vezes não entendiam o que eu fazia, mas sempre me apoiavam

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Gostaria de expressar meus agradecimentos a:

Vera Mayrinck, orientadora da dissertação, pelo seu papel fundamental na concepção e desenvolvimento do trabalho;

Caio Maciel, pelo auxílio em minhas primeiras leituras da cidade do Recife;

Ana Rita Sá Carneiro, pelas constantes reflexões lançadas a respeito do tema paisagem; Silvio Zancheti e Virginia Pontual, representantes do corpo docente do MDU, por serem exemplos de professores e pesquisadores;

Giselle Gerson, por me ajudar a compreender melhor o mundo dos arquitetos;

Companheiros discentes do MDU, em especial Joelmir Marques, Alda Lemos, Juliana Melo, Demetrius Ferreira, Michele Santana e Carolina Magalhães;

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O presente trabalho tem como objetivo a identificação dos elementos e significados que compõem a paisagem cultural do centro do Recife, visando dar subsídios a futuros instrumentos de conservação. A partir do reconhecimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de que os atuais instrumentos de conservação não são capazes de manter determinadas características dos bens, há uma necessidade de utilizar novas categorias para a proteção patrimonial. A paisagem cultural surge como uma alternativa, por associar os aspectos culturais, naturais e imateriais em um único bem. Contudo, apesar do longo percurso acadêmico e das variadas utilizações do termo por parte dos gestores do patrimônio, a categoria ainda carece de uma efetiva operacionalização para as políticas patrimoniais. Em busca de superar essa limitação, o trabalho utilizou os conceitos estabelecidos pela Nova Geografia Cultural, bem como algumas políticas patrimoniais que utilizam o tema, como fundamento para identificar a paisagem do centro do Recife. A escolha pela área central do Recife ocorreu pela constatação de que a fisionomia deste território é marcada por uma forte relação entre elementos naturais e culturais, constituindo uma unidade histórica, política e sentimental com a cidade. Neste contexto, o presente trabalho busca contribuir com as novas categorias do patrimônio, compreendendo que a identificação de uma paisagem cultural enquanto bem patrimonial deve ser pautada para além dos aspetos fisionômicos existentes no território.

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This work aims to identify the cultural landscape of Recife’s central area, in order to give subsidies to future conservation instruments. Due the recognition of Brazilian’s Heritage Institution (IPHAN) that current conservation tools are not able to maintain certain characteristics of the heritage, there is a need for new categories for conservation. The cultural landscape emerges as an alternative because link the cultural, natural and intangible aspect of heritage in a single way. However, despite the long journey of academics research and varied uses of the term by the conservations decision makers, the category of cultural landscape still lack an effective operational policies. In seeking to overcome this limitation, this work used the methods established by the New Cultural Geography and some policies that already have been applied to define the landscape of downtown Recife. The choice for the central area was made both to exist at the site various instruments of protection that do not achieve their goals and that the physiognomy of the territory is marked by a strong relationship between natural and cultural elements, constituting a historical, political and sentimental unit on the city. In this context, this work seeks to contribute to the new categories of heritage conservation, considering that the definition of cultural landscape should be understand beyond to the existing physiognomic aspect.

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FIGURA 1: ESQUEMA DA PESQUISA 27 FIGURA 2: FACHADA DO TEATRO SANTA ISABEL, LOCALIZADO NA PRAÇA DA REPÚBLICA. 56 FIGURA 3: BAIA ENTULHADA DO RECIFE, SEGUNDO J. C. BRANNER 67 FIGURA 4: PORTO E BARRA DE PERNAMBUCO EM 1630, CIRCULADO EM AMARELO. 69 FIGURA 5: PLANTA DO RECIFE EM 1631, PRODUZIDA POR DE A. DREWISCH. 71 FIGURA 6: MAPA DE GOLITJHA DE 1648. OBSERVASSE A OCUPAÇÃO DA ILHA DE ANTÔNIO VAZ. 72

FIGURA 7: DETALHE DO MAPA DE GOLITJHA, DE 1648. 73

FIGURA 8: VISTA DOS CAES DA PONTE D’UCHÔA NO SÉCULO XIX 79

FIGURA 9: VISTA DA PONTE NOVA DO RECIFE 80

FIGURA 10: CAMPO DAS PRINCEZAS (LARGO DO PALÁCIO) NO SÉCULO XIX 83 FIGURA 11: VISTA DO RECIFE (TOMADA DO TEATRO S. IZABEL). AO FUNDO RIO CAPIBARIBE. 84 FIGURA 12: VISTA DE SANTO ANTÔNIO, TIRADA DO RECIFE EM 1817. 87

FIGURA 13: PESCADOR SOBRE A PONTE MAURICIO DE NASSAU 101

FIGURA 14: MOMENTO DE JOGAR A SARRAFA NA PONTE MAURICIO DE NASSAU. 101 FIGURA 15: CASA DA CULTURA VISTA DA PONTE DA BOA VISTA 104

FIGURA 16: PARQUE DAS ESCULTURAS VISTO DO MARCO ZERO. 104

FIGURA 17: MARCO ZERO VISTO DO PARQUE DAS ESCULTURAS. 104

FIGURA 18: PONTES DO RECIFE VISTAS DO RIO CAPIBARIBE. 104

FIGURA 19: PONTE DO LIMOEIRO E O CAIS PARA EMBARCAÇÕES NO RIO CAPIBARIBE. 106 FIGURA 20: GALERIA DE ESGOTO ABAIXO DA PONTE DA BOA VISTA. 111 FIGURA 21: LIXO ACUMULADO NA BASE DA PONTE DA BOA VISTA. 111 FIGURA 22: OBRAS DA REFORMA DO PORTO DO RECIFE. AO FUNDO TORRE MALAKOFF. 113 FIGURA 23: MARCO ZERO. AS CONSTRUÇÕES FORMAM UM "ARCO" AO FUNDO 119 FIGURA 24: RUA DA AURORA, TOMBADA COMO FORMA DE EVITAR MAIORES TRANSFORMAÇÕES. 122

FIGURA 25: ALTAR DA IGREJA DE SÃO PEDRO DOS CLÉRIGOS 128

FIGURA 26: CAPELA DOURADA DO RECIFE. 128

FIGURA 27: IGREJA DE NOSSA SENHORA DA CONCEIÇÃO DOS MILITARES DURANTE CELEBRAÇÃO DE MISSA. 128

FIGURA 28: PÁTIO E FACHADA DA IGREJA DO CARMO. 128

FIGURA 29: PÁTIO DA IGREJA DO LIVRAMENTO. 130

FIGURA 30: COMÉRCIO DE RUA NAS PROXIMIDADES DO MERCADO DE SÃO JOSÉ 132

LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1: ELEMENTOS PATRIMONIALIZAVEIS DO CENTRO DO RECIFE OS PESCADORES. 103 GRÁFICO 2: ELEMENTOS DA PAISAGEM CULTURAL DO CENTRO DO RECIFE, SEGUNDO OS PESCADORES. 105 GRÁFICO 3: BENS PROTEGIDOS LEGALMENTE NO CENTRO DO RECIFE SEGUNDO OS COMERCIANTES. 108 GRÁFICO 4: ELEMENTOS PATRIMONIALIZAVEIS DO CENTRO DO RECIFE SEGUNDO OS COMERCIANTES. 109

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GRÁFICO 6: BENS PROTEGIDOS LEGALMENTE NO CENTRO DO RECIFE SEGUNDO OS VISITANTES 115 GRÁFICO 7: ELEMENTOS DA PAISAGEM CULTURAL DO CENTRO DO RECIFE, SEGUNDO OS VISITANTES 118 GRÁFICO 8: BENS PROTEGIDOS LEGALMENTE NO CENTRO DO RECIFE SEGUNDO OS MORADORES. 121 GRÁFICO 9: ELEMENTOS MERECEDORES DE RECONHECIMENTO PATRIMONIAL, SEGUNDO OS MORADORES. 123 GRÁFICO 10: ELEMENTOS DA PAISAGEM CULTURAL DO CENTRO DO RECIFE, SEGUNDO OS MORADORES. 125 GRÁFICO 11: PRINCIPAIS ELEMENTOS QUE COMPÕEM A PAISAGEM CULTURAL DO CENTRO DO RECIFE. 135

LISTA DE MAPAS

MAPA 1: BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO CAPIBARIBE E PRINCIPAIS OCUPAÇÕES URBANAS 67 MAPA 2: LOCAIS ONDE FORAM REALIZADAS AS ENTREVISTAS COM OS ATORES DO GRUPO USUÁRIOS 98

MAPA 3: PESCADORES ENTREVISTADOS NO CENTRO DO RECIFE 99

MAPA 4: COMERCIANTES ENTREVISTADOS NO CENTRO DO RECIFE 108

MAPA 5: VISITANTES ENTREVISTADOS NO CENTRO DO RECIFE 114

MAPA 6: MORADORES ENTREVISTADOS NO CENTRO DO RECIFE 120

MAPA 7: PAISAGEM CULTURAL DO RECIFE COM SEUS PRINCIPAIS ELEMENTOS 137

LISTA DE ABREVIATURAS

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento DPPC Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural

FUNDARPE Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco HUL Historic Urban Landscapes

ICOMOS Conselho Internacional de Documentos e Sítios IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional PCR Prefeitura da Cidade do Recife

UFRPE Universidade Federal Rural de Pernambuco

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura WHC Convenção do Patrimônio Mundial

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INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO 1 - DEFININDO UMA CATEGORIA 29

1.1. DO MONUMENTO A PAISAGEM 30

1.2. PAISAGEM CULTURAL: Utilizações de um conceito 35

1.3. OPERACIONALIZANDO A CATEGORIA 44

CAPÍTULO 2 - ENTRE PROTEGER E ESQUECER: Os tombamentos aplicados no centro do Recife 52

2.1 TOMBAMENTOS DO ÂMBITO FEDERAL 53

2.2 TOMBAMENTOS DO ÂMBITO ESTADUAL 59

CAPÍTULO 3 - LEITURAS DA PAISAGEM DO CENTRO DO RECIFE 64

3.1. SÉCULO XVI A XVIII: Leituras de um território desconhecido e sua dominação 68 3.2. SÉCULO XIX: Tristeza e deleite nas leituras dos estrangeiros 76 3.3. SÉCULO XX: (DES) encantos modernos e luta pela tradição 85 CAPÍTULO 4 - PARA ALÉM DA FISIONOMIA: Leituras da paisagem pelos grupos envolvidos 95 4.1. LEITURAS DA PAISAGEM PARA OS USUÁRIOS: SEUS ELEMENTOS E SIGNIFICADOS 97

4.1.1. Leituras dos pescadores 99

4.1.2. Leituras dos comerciantes 106

4.1.3. Leituras dos visitantes 113

4.1.4. Leituras dos moradores 119

4.2. LEITURAS DA PAISAGEM PARA OS ESPECIALISTAS: SEUS ELEMENTOS E SIGNIFICADOS 125

CONCLUSÃO 138

REFERÊNCIAS 144

ANEXO A – Modelo de entrevista aplicada ao grupo dos usuários 151 ANEXO B – Modelo de entrevista aplicada ao grupo dos especialistas 152

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INTRODUÇÃO

“Para conhecer uma paisagem não basta vê-la, é preciso muito mais, é preciso que as duas almas, a do contemplador e a do lugar, cheguem a entender-se, quantas vezes elas nem mesmo se falam!” Joaquim Nabuco, O’Paiz de 30 de Novembro de 1887 em Gouveia, 1990, p. 304.

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Este trabalho tem como objetivo principal identificar os elementos e significados que compõem a paisagem cultural do centro do Recife1, em busca de fornecer subsídios à construção de novos instrumentos de proteção patrimonial.

O estudo parte do problema indicado pela Chancela da Paisagem Cultural Brasileira, publicada na portaria nº 127 de 30 de abril de 2009 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), onde os atuais instrumentos de conservação que tratam do patrimônio cultural e natural, tomados individualmente, não contemplam o conjunto de fatores implícitos nas paisagens culturais, falhando na proteção dos atributos dos bens.

Nos diversos âmbitos de proteção patrimonial brasileira a conservação dos bens é realizada através de instrumentos como o tombamento, o inventário e o registro cultural (CASTRIOTA, 2010). Apesar de estes instrumentos coexistirem em um mesmo período e terem possibilidade de aplicações simultâneas, suas utilizações diversas indicam o modo como o patrimônio é compreendido ao longo do tempo.

Inicialmente visto como um bem isolado, o monumento era tratado como algo dotado de uma singularidade excepcional, que remetia a algo importante do passado e dotado de valores intrínsecos, sendo por isto merecedor de uma proteção específica. A partir de um longo percurso do conceito de patrimônio e de orientações práticas variadas, expressas nas cartas patrimoniais, surge a noção de patrimônio, onde o bem é compreendido a partir das relações entre os diversos elementos que compõem sua significância (CHOAY, 2006).

Com o desenvolvimento das teorias patrimoniais e das mudanças paradigmáticas proporcionadas pela publicação do Relatório Nosso Futuro Comum, surge a necessidade de superar a noção dicotômica entre homem e natureza, presente na esfera da conservação (RIBEIRO, 2007). Em resposta a esta necessidade e com a constatação de que determinados bens podiam ser protegidos tanto pelos seus fatores naturais quanto culturais, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) cria em 1992 a categoria da paisagem cultural, definida como bem patrimonial onde é marcante a:

1 Neste trabalho o centro do Recife representa os primeiros locais de ocupação urbana de Pernambuco,

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“[...] evolução da sociedade e dos povoamentos ao longo dos tempos, sob a influência de constrangimentos físicos e/ou das vantagens oferecidas pelo seu ambiente natural e das sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, internas e externas” (UNESCO, 2008, p.79-80).

Ao institucionalizar a categoria da paisagem cultural, a UNESCO deu uma importante contribuição para a compreensão patrimonial. A paisagem, concepção antiga e polissêmica proveniente dos pintores renascentistas do século XV e adotada academicamente pela geografia no final do século XIX como um de seus principais conceitos, é inserida oficialmente em mais um campo de trabalho: a conservação patrimonial. O estabelecimento da categoria representou um avanço na utilização do conceito, saindo de um contexto que utilizava o termo como algo que apenas contribuía para a atribuição de valor do bem, para tornar-se o bem em si, sendo protegida pelos valores atribuídos às diversas relações entre os seus elementos.

Após a UNESCO, a Convenção Europeia da Paisagem estabeleceu em 2000 que o conceito deveria ser adotado pelos Estados partes como um componente essencial do ambiente das pessoas, uma expressão da diversidade do patrimônio cultural e natural, assim como base da identidade da sociedade. Com este reconhecimento cada País deveria estabelecer e aplicar políticas da paisagem, voltadas a proteção, gestão e planejamento do território (COUNCIL OF EUROPE, 2000).

Diferente do proposto pela UNESCO que busca por paisagens de excepcional valor, a compreensão europeia expande a atenção a todos as tipologias existentes, não faz distinção entre natural e cultural, e aproxima o conceito da gestão territorial. Alguns documentos foram construídos pelos países como forma de inserir o tema em suas políticas de planejamento, destacando-se os do Reino Unido (SWANWICK, 2002) e Espanha (NOGUE; SALA, 2006) para o estabelecimento de inventários das paisagens nacionais.

No âmbito nacional apenas a partir de 2009 o tema se torna oficial junto ao IPHAN com o reconhecimento da Categoria da Paisagem Cultural Brasileira. Apesar de o assunto estar presente desde a criação do instituto, através do estabelecimento de um Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, a utilização do conceito estava limitada a contribuir com o valor de algum bem maior (RIBEIRO, 2007, p. 65-101).

A Chancela define a Paisagem Cultural Brasileira como uma porção peculiar do território nacional, representativa do processo de interação do homem com o meio natural,

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à qual a vida e a ciência humana imprimiram marcas ou atribuíram valores. Porém, não indica como estas paisagens podem ser identificadas.

Neste trabalho, a paisagem é compreendida como uma leitura das relações existentes entre sociedade e natureza, a partir dos elementos presentes em um território. Estes elementos podem ser culturais e naturais constituindo seu aspecto visível, como também invisível ou imaterial, representando o seu aspecto simbólico.

Compreender a paisagem como uma leitura das relações sociais a partir de seus elementos materiais indica uma postura objetiva e ao mesmo tempo subjetiva. Desta forma ela é compreendida como uma face exterior, uma fisionomia, que não nega os aspectos invisíveis, mas reconhece que os elementos físicos escondem uma verdade, possível de compreensão apenas a partir da leitura das relações existentes com estes elementos (BESSE, 2006, p.61-64).

Neste sentido, assumimos aqui a paisagem como um texto, sendo por isto necessário a construção de um eixo de leitura para a interpretação das relações estabelecidas entre a sociedade e os elementos que a compõem. A construção do eixo central de leitura possibilita a definição de quais elementos são importantes para a preservação daquele território, a partir dos grupos mais significativos que o utilizam e vivenciam.

Com esta abordagem, a categoria pode ser operacionalizada no âmbito patrimonial, já que a partir desta leitura podem ser definidos os elementos que a compõem e os significados que estes elementos transmitem aos envolvidos. Conforme apontou Ribeiro (2011, p. 10), um eixo de leitura da paisagem:

“[...] permite fugir de uma tendência que parece ser comum ao querer englobar todas as manifestações culturais dentro de uma mesma leitura da paisagem que é aquilo que vou chamar aqui de paisagem-inventário e no sentindo do mau inventário, aquele que é mera descrição de coisas, sem uma lógica [...] Sem um método ou um eixo central que a oriente, nela, não há um traço de leitura e a única coisa que aparentemente liga os elementos é sua coexistência espacial. Além disso o que preside a escolha desses elementos? Como considerar algo como “culturalmente relevante” na paisagem e outra coisa não?”

Mesmo com este debate aparentemente estabelecido e dos quase 20 anos da utilização do conceito pelas instituições protetoras do patrimônio, ainda restam dúvidas em relação a operacionalização da categoria. Como podemos definir uma paisagem cultural? Quais elementos devemos efetivamente preservar? Quem são os principais grupos de

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interesse na conservação da paisagem? Como conservar uma paisagem, se ela tem a transformação como principal característica? Estas são algumas das várias perguntas relacionadas a efetivação da categoria junto aos órgãos patrimoniais (MASON, 2008, p.182).

Frente a estas questões, há a necessidade de se aprofundar metodologicamente na identificação dos elementos que compõem as paisagens brasileiras e dos significados que eles transmitem para os grupos culturais envolvidos, como forma de construir novos instrumentos de preservação que tratem o patrimônio de forma holística. Como apontou Mason (op. cit., p. 181) a “[...] identificação é o primeiro passo para a preservação de paisagens culturais [...]”.

Ao contrário da conservação de sítios arqueológicos ou de obras de artes, a conservação de paisagens culturais lida com elementos, atributos e processos de forma muito específica. Zancheti (2009, p.2) ao debater a conservação sustentável em centros históricos, definiu que estes são compostos de objetos, atributos e processos. Objetos são os elementos físicos e imateriais transformados ou alterados pelos seres humanos. Cada objeto possui atributos, definidos como todas as características dos objetos reconhecidos como tendo valor patrimonial, seja material ou imaterial. Já o processo é o que gera a dinâmica de áreas urbanas, tornando-as vivas e sujeitas à mudança contínua devido à ação humana.

A paisagem cultural dos centros urbanos apresentam estas características. Elementos e objetos podem ser vistos como sinônimos, ambos são os aspectos materiais e imateriais resultantes da ação do homem. Processos podem ser compreendidos como as ações naturais e humanas que contribuem com a dinâmica de transformação na paisagem. Porém, o que define a paisagem cultural é o seu atributo. Enquanto outros bens podem ter como atributo sua beleza arquitetônica, a paisagem cultural é definida quando o atributo dos elementos naturais e culturais é a relação entre a sociedade e a natureza num determinado território. Se determinado território tem como principal atributo esta relação, ele pode ser considerado uma paisagem cultural.

Desta forma, é fundamental para a futura elaboração de um instrumento de auxílio à conservação, baseada na categoria da paisagem cultural, a proteção das relações entre sociedade e natureza ocorridas no território. É importante destacar que a paisagem é um bem dinâmico, onde a relação entre elementos está em constante alteração, mesmo quando estas não são imediatamente perceptíveis. Logo, uma ação de conservação

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executada em uma paisagem cultural não pode objetivar a permanência destes elementos e processos como forma única de preservação. Mas sim atuar sobre eles em busca de manter o atributo que a constitui enquanto bem: a relação entre sociedade e natureza, ou seja, o que dá vida a paisagem.

Frente às limitações dos atuais instrumentos de proteção patrimonial e as especificidades impostas pela categoria da paisagem cultural, cabem os seguintes questionamentos, que orientaram o estudo: 1) Será que um instrumento de proteção patrimonial, baseado na paisagem cultural, contribuirá para a conservação integrada de centros históricos? 2) A área central do Recife pode ser definida enquanto bem patrimonial, segundo a categoria de paisagem cultural? 3) Pode a categoria da paisagem cultural suprir as necessidades da conservação da área central do Recife?

Os questionamentos foram feitos tomando-se como referência os locais de ocupação urbana inicial na cidade do Recife, porém não se limita as divisões políticas e administrativas, devido a abordagem teórica adotada. A escolha por este recorte ocorreu, principalmente, pela constatação de que os instrumentos de preservação patrimonial aplicados no local, não são capazes de conservar os bens naturais e culturais que caracterizam este núcleo de forma conjunta.

Na área central do Recife é presente um longo processo de decadência socioeconômica iniciada a partir da década de 1930 (ZANCHETI; LACERDA, 1999). Estas questões tiveram reflexos diretos no patrimônio do bairro, assim como nos aspectos ambientais, tornando o centro uma periferia na centralidade. Segundo Lacerda (2007, p.624):

“Na verdade, a área que conformava o centro histórico, particularmente o Bairro do Recife, entrou, na década de 1970, em um ritmo acelerado de degradação ambiental, passando a ser uma “periferia” da cidade. Daí surgiu um paradoxo: o bairro tornou-se uma “periferia” na centralidade. Por não se constituir em uma área de interesse do setor imobiliário, não era, conseqüentemente, alvo de disputas políticas quanto à legislação de uso e ocupação do solo”

Em busca de solucionar a perda do valor cultural e social gerado pelo enorme estoque ocioso de capital construído (LACERDA; ZANCHETI, 2000) e de buscar utilizar a área central como um atrativo turístico, diversas ações de recuperação foram empreendidas pelos gestores municipais e estaduais, sobretudo no Bairro do Recife.

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No caso do bairro do Recife, os projetos de revitalização resultaram no tombamento de uma área específica a partir das suas características arquitetônicas e urbanísticas. O IPHAN reconheceu como patrimônio nacional um sítio urbano eclético, que foi erguido após a demolição de uma parte do antigo bairro colonial, na ampla reforma que ocorreu em 1910. Segundo Leite (2002, p.120):

“[...] a justificativa para o tombamento destaca, ante a inexistência de uma tradição colonial, aspectos que seriam constitutivos da formação “pluricultural” brasileira. O bairro, tido como um “exemplar íntegro da Paris de Haussmann” foi considerado, assim, [...] arquivo vivo e único da superposição das várias temporalidades que dominaram a história e a produção artística no Recife e no Brasil”.

Em um momento onde a proteção patrimonial ocorre pela valorização do singular e do específico, o tombamento federal estabelecido em 1998 no bairro valorizou o ecletismo, representando, na verdade, um ato político para atender as exigências do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para inserção da cidade no programa Monumenta.

Em função disto, na proposta de tombamento não é presente qualquer relação entre a identidade cultural da sociedade com a área protegida. Não houve uma consulta aos grupos envolvidos com o bem para definição de quais elementos deveriam ser protegidos com base nos significados que eles têm para esses grupos, deixando a definição restrita aos especialistas. Desta forma, “A dimensão da cidadania está completamente ausente na proposta de tombamento, cujo principal enfoque é a dimensão de mercado” (LEITE 2007, p.90).

Outra característica do tombamento federal executado na área é a ausência dos aspectos naturais, marcantes na fisionomia do território. Apesar dos inúmeros relatos dos viajantes, moradores e poetas existentes desde o século XVI e da tendência internacional à época da definição da área protegida de tratar os aspectos naturais e culturais de forma integrada, a proposta aprovada deixou de lado qualquer relação entre as águas dos rios e do mar com a vida da cidade.

No âmbito estadual, a mesma tendência pode ser observada no processo de tombamento da Rua da Aurora, localizada no bairro da Boa Vista, as margens do rio Capibaribe. Apesar de a proposta apresentar um discurso construído com base em fontes históricas e registros fotográficos onde se destaca a relação histórica entre o rio e esta rua,

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no parecer conclusivo, datado em 1984, não há qualquer referência as relações entre os elementos construídos e naturais.

Portanto, existe uma necessidade de reformular os instrumentos de proteção aplicados, inserindo os elementos a serem protegidos, a partir dos significados que têm estes bens para os atores envolvidos no processo, tanto os especialistas como os demais grupos da sociedade envolvidos, estabelecendo novos patrimônios e orientações as ações a serem desenvolvidas na área.

Optou-se pela categoria da paisagem cultural como bem patrimonial para embasar o trabalho, devido ao fato de que a área é fortemente marcada pela interação entre o homem e as águas dos rios e do mar que a circunda, sendo de fundamental importância na composição fisiográfica, social e econômica da cidade.

Estabelecida sobre uma planície aluvial e constituída em um conjunto de ilhas, penínsulas, alagados e mangues, protegida do lado do mar por uma linha de arrecifes de pedras e, do lado oposto, por uma pequena cadeia de montes que a separa das partes mais altas, a fisionomia natural onde se assenta a cidade do Recife foi formada por um conjunto de fatores, entre os quais se destacam os rios e o mar na atividade de constituição do solo (CASTRO, 1957).

Esta composição fisiográfica exerceu grande influência na formação deste território, através da relação do homem, que aqui foi se estabelecendo. Em função de suas águas o Recife pôde se integrar com o Mundo no início do século XVI, através da exportação do açúcar e pau-brasil, ao mesmo tempo em que as primeiras ocupações ao longo dos rios Capibaribe e Beberibe, foram constituídas, formando os principais eixos de expansão da cidade.

Inúmeras referências bibliográficas atestam a influência da fisiografia na formação da cidade. No século XVI, poemas e descrições de Portugueses sobre as novas terras ocupadas apresentavam o núcleo inicial do Recife como um importante porto de Olinda. Após a dominação holandesa, como pode ser visto no relato de Sebastião da Rocha Pita sobre a paisagem construída, a natureza e a arte estão presentes de forma conjunta:

“[...] A natureza as dividiu por um lagamar, que faz o rio Capibaribe, e outros mais, que ali se juntam; porém a arte as uniu com uma dilatada e espaçosa ponte, principiada pelos Holandeses, e acabada pelos Pernambucanos” (PITA, 1730, p.103).

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Relatos de vários viajantes no século XIX contribuem para a constatação da influência das águas dos rios na vida da cidade. Dentre vários registros, o relato de Maria Graham (1992, p. 126) sobre o Recife do século XIX apresenta a importância dos elementos naturais na constituição da paisagem cultural:

“[...] nada mais belo no gênero do que o vivo panorama verde, com o largo rio sinuoso através dele, que se avista de cada lado da ponte, e as construções brancas do Tesouro e da Casa da Moeda, os conventos e as casas particulares, a maioria das quais com seu jardim. A vegetação é deliciosa para os olhos ingleses. Não tenho dúvidas que os prados planos e os rios que fluem vagarosamente atraíram particularmente os holandeses, fundadores do Recife”.

Já no século XX, o cientista Josué de Castro destacou a importâncias dos elementos naturais na formação da cidade do Recife. Dando uma grande ênfase aos rios, ele mostra como os rios Capibaribe e Beberibe formam a fisionomia do território recifense:

“[...] Este ar e este solo onde assenta a cidade do Recife, e donde a cidade tira toda a vida de sua fisionomia, são efeitos exclusivos dos rios que a banham. Do Capibaribe e do Beberibe. Por toda a cidade eles correm em zigue-zague, passando ali, acolá, debaixo duma ponte, dando um ar de doçura à cidade. Cidade de paisagem doce, em pleno nordeste ardusto [...]”(CASTRO 1992, apud MELO, 2003, p. 100).

Gilberto Freyre apresentou a fisionomia da cidade intimamente ligada a seus corpos de água, relatando que “não se compreende o Recife desquitado da água que lhe vem distinguindo a fisionomia: a água do Capibaribe; a água do Beberibe; a água do mar; a água do açude de Apipucos” (FREYRE, 2007, p.78).

Ainda no século XX, a relação entre cidade e rio foi bastante representada através de poetas, que frente as mudanças impostas por uma modernização destruidora, apresentaram seu saudosismo e satisfação ao admirar as permanências da paisagem cortada por rio e pontes. O poema de Joaquim Cardozo, Tarde no Recife, pode ser utilizado como exemplo:

Tarde no Recife.

Da ponte Maurício o céu e a cidade. Fachada verde no Café Maxime, cais do abacaxi,

gameleiras.

Da torre do Telégrafo Ótico

a voz colorida das bandeiras anuncia que vapores entraram no horizonte.

Tanta gente apressada, tanta mulher bonita; a tagarelice dos bondes e dos automóveis. Um camelô gritando – alerta!

Algazarra. Seis horas. Os sinos.

Recife romântico dos crepúsculos das pontes,

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[holandeses, que assistem agora ao movimento das ruas tumultuosas,

que assistirão mais tarde à passagem dos aviões para as costas do [Pacífico; Recife romântico dos crepúsculos das pontes e da beleza católica do

[rio.

Outro fator que justificou a escolha da área central do Recife foram os aspectos de ordem imaterial. O centro do Recife, formado pela constante relação entre homem e natureza, representada através de relatos e poesias, é local de intensas manifestações culturais como o carnaval ou eventos religiosos, constituindo em um verdadeiro símbolo2 da cidade para uma significativa parcela da população, como pode ser atestado através de pesquisas de opinião como, por exemplo, a realizada em setembro de 2002 pelo Banco Itaú e divulgada nos jornais locais3.

Assim, o Recife tem desde sua gênese uma forte relação com os elementos naturais que, além de influenciar a constituição e a forma de ocupação dos solos, estabelecida a partir dos cursos d’água, é marcante na paisagem da cidade, sobretudo no centro, constituindo não apenas “uma unidade geográfica, histórica, econômica e sociológica, mas também sentimental e poética” (CHACON, 1959, p.9).

Portanto, é necessário destacar como esta paisagem do centro do Recife é um reflexo desta constante relação, ainda viva nos espaços da cidade e como ela pode servir como parâmetro aos planos de gestão, visando à conservação desta área que agrega tantos bens patrimoniais. Desta forma, a busca de um instrumento de preservação de proteção patrimonial visando a conservação integrada da área, deve ter como finalidade a preservação do principal atributo que confere caráter patrimonial a esta paisagem: as relações entre cidade e seus recursos hídricos.

Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo geral identificar os elementos que compõem a paisagem cultural do centro do Recife a partir dos grupos culturais envolvidos e interpretar os seus significados, visando dar subsídios para a conservação integrada desta área.

Já os objetivos específicos são:

2

“No sentido amplo, o simbolismo é um mecanismo básico de comunicação que tem sido definido de muitas maneiras diferentes. No senso comum, um símbolo é simplesmente algo que representa ou é produzido para representar alguma outra coisa” (MUÑOZ VIÑAS, 2005, p. 45).

3

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1. Construir um eixo de leitura da paisagem;

2. Identificar os grupos culturais envolvidos mais representativos da área central do Recife;

3. Identificar os principais elementos que constituem a paisagem cultural do centro do Recife, a partir dos grupos culturais envolvidos;

4. Interpretar os significados dos elementos para os grupos envolvidos

Visando alcançar os objetivos propostos, a metodologia do trabalho está dividida em três etapas, conforme proposto por Minayo (2006): A fase explanatória; o trabalho de campo; e a etapa correspondente ao tratamento do material.

A fase explanatória corresponde à primeira parte da pesquisa e refere-se aos processos de delimitação do objeto empírico e aprofundamento da base teórica, em um processo fortemente interligado, exigindo constantes idas e vindas entre as partes.

Como bases teóricas foram utilizadas o conceito de paisagem cultural tendo como referência o campo disciplinar da geografia, e a categoria da paisagem cultural como bem patrimonial, em busca de compreender suas definições e possíveis operacionalizações. Desta forma, realizou-se uma análise da concepção patrimonial ao longo do tempo, partindo do monumento enquanto bem isolado, para a noção de paisagem cultural que integra diversos aspectos em um único patrimônio.

Para um aprofundamento sobre o desenvolvimento da noção de patrimônio, foram utilizados os textos de Choay (2006), as Cartas Patrimoniais, publicadas pelo Conselho Internacional de Documentos e Sítios (ICOMOS), além de documentos relevantes disponibilizados pela Convenção do Patrimônio Mundial (WHC/UNESCO)4.

Além da compreensão sobre a evolução da concepção de patrimônio, foi necessário debater conceitualmente as implicações da utilização do conceito de paisagem nas políticas de conservação. Para o aprofundamento teórico foram utilizadas as teorias propostas pelos Novos Geógrafos Culturais, responsáveis por um processo de renovação do estudo da paisagem a partir da década de 1980, responsáveis por algumas renovações

4

Os sítios eletrônicos da WHC/UNESCO e do ICOMOS disponibilizam as Cartas Patrimoniais, bem como documentos relevantes de auxilio à conservação. São eles: http://www.icomos.org.br/ e http://whc.unesco.org/

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metodológicas. Neste contexto, os debates conceituais construídos por Duncan (1990), McDowell (1996), Gomes (1996), Melo (2003), Antrop (2005, 2006a, 2006b), Besse (2006), Ribeiro (2007), Geertz (2008), entre outros, foram fundamentais para desenvolver uma visão critica do conceito de paisagem cultural e suas vinculações com o patrimônio.

Após compreender como o conceito de paisagem foi apropriado de algumas ciências e sua vinculação às políticas patrimoniais, observou-se como a concepção de paisagem cultural, enquanto categoria patrimonial vem sendo operacionalizada. Assim, foi realizada no âmbito da UNESCO, da Convenção Europeia da Paisagem e do IPHAN, uma análise crítica das ações de conservação.

Para contribuir com o entendimento dessa categoria, um debate entre as teorias da conservação e os conceitos levantados foi articulado. Neste ponto, os textos de Muñoz Viñas (2005), Zancheti (2009), Castriota (2010) e Ribeiro (2011) foram essenciais para a construção de uma nova proposta para identificação da paisagem cultural.

Além da revisão bibliográfica conceitual, a fase explanatória contou com o aporte de leituras sobre a área central do Recife, auxiliando na compreensão do objeto empírico e orientando a construção do eixo de leitura. Nesta parte, os trabalhos de Gilberto Freyre (2004, 2007), Josué de Castro (1954, 1957, 2007), Vamireh Chacon (1959), Mario Sette (1978), bem como os relatos dos viajantes como os de Henry Koster (1978, 1992), Tollenare (1978, 1992), Maria Graham (1992), Vauthier (2010), entre outros, contribuíram para a leitura da paisagem do centro do Recife. Assim, foi mantido o diálogo entre as abordagens teóricas e práticas, ao se compreender a formação da paisagem do local e como as políticas de patrimônio foram implantadas.

Com estas aproximações foi possível iniciar a construção do eixo de leitura da paisagem do centro do Recife. Para isto, foram realizadas visitas aos acervos da Fundação Joaquim Nabuco/Biblioteca Blanche Knopf, Acervo do IPHAN, Biblioteca da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (FUNDARPE), Prefeitura do Recife (PCR) e Arquivo Público do Estado de Pernambuco. A busca foi orientada, conforme indicou Pontual,

et. all. (2009), a procura de documentos que apresentassem a evolução da paisagem da área

central, dando destaque aos registros cartográficos históricos, bem como fotografias de tempos passados, em virtude de sua importância para o entendimento das transformações da forma e da vida urbana. Além disto, buscaram-se também as diversas representações

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poéticas da paisagem do Recife, consideradas importantes fontes de estudo dos modos de relacionamento entre sociedade e natureza na cidade, entre as quais podem ser destacadas as de Joaquim Cardozo, João Cabral de Mello Neto e Carlos Pena Filho.

Após esta etapa, há o inicio da segunda fase da pesquisa: O trabalho de campo. Este momento está diretamente relacionado às concepções teóricas construídas, tendo sido utilizado o método de leitura da paisagem em um primeiro instante e posteriormente entrevistas semiestruturas junto aos grupos significativos.

Indicado por Besse (2006, p. 72 – 74), a leitura da paisagem tem como objetivo desenvolver um passeio inteligente por um território, em busca da compreensão profunda da paisagem. Segundo o autor, este método é uma característica dos que consideram a paisagem como uma fisionomia terrestre composta por elementos de um “gênero de vida”, ou seja, os elementos expressivos de uma interação homem-meio em função de determinada cultura. Sendo a paisagem a expressão das formas de relacionamento com o meio, se faz necessário “compreendê-la como uma totalidade expressiva, animada por um espírito interno do qual se pode extrair o sentido”.

Apenas o olhar treinado, aquele que sabe ver, pode compreender para além da fisionomia, ou seja, dos elementos. A indicação metodológica mostra que, em um primeiro momento, o olhar sobre a paisagem deve ser analítico ao distinguir elementos particulares, naturais e humanos, materiais e imateriais, enquanto que no segundo momento ele deve ser sintético, para possibilitar a compreensão das relações entre os elementos (BESSE, op. cit.).

A leitura da paisagem foi desenvolvida tendo com base este método. Em um primeiro momento, se percorreu determinados espaços da área central, observando quais seriam os principais elementos presentes e os possíveis agentes envolvidos com os diversos processos do local. As visitas percorreram várias áreas do centro, inclusive realizadas pelas águas, e ocorreram durante dias e horários distintos, pois há uma variação dos usos e dos grupos culturais em função do horário e local.

Após estas etapas, pôde-se empreender o eixo de leitura da paisagem cultural do Recife a partir de uma narrativa baseada na relação entre homem e natureza, tendo como narrativa a relação entre cidade e as águas. Ao fim da leitura da paisagem também foram

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definidos quais são os grupos representativos para se aferir os significados patrimoniais atribuídos aos elementos que compõem a paisagem.

Muñoz Viñas (2005, p.209) afirma que há dois tipos principais de grupos envolvidos a serem considerados nas ações patrimoniais: os acadêmicos ou usuários cultos e os usuários futuros do bem. Zancheti (2009, p.11-12) considera que os principais grupos envolvidos na conservação de um centro histórico podem ser: os especialistas no bem; os residentes de longa data; os turistas; e grupos que contribuem de forma decisiva para a significância do local (como exemplo, os representantes religiosos do Centro Histórico de Olinda).

Através da leitura da paisagem realizada, com base nas referências bibliográficas, nas observações feitas em campo e no debate conceitual estabelecido, foram considerados para este trabalho que os principais grupos envolvidos, ou seja, aqueles que estão diretamente relacionados a existência da relação sociedade e natureza no local, são divididos em dois grupos maiores: os especialistas e os usuários em geral.

No grupo dos especialistas estão aqueles que têm capacidade legal de intervir no bem ou realizaram trabalhos significativos para o reconhecimento dos elementos, atributos e processos que compõem o local, que têm ou já tiveram atuação destacada nos processos de proteção patrimonial, ou realizaram críticas aos trabalhos já aplicados na área.

No grupo dos usuários estão aqueles que têm algum envolvimento com o bem. Neste conjunto é impossível definir com exatidão quem são todas as pessoas envolvidas com o centro, não tendo uma delimitação precisa (MUÑOZ VIÑAS, 2005). Por outro lado, a participação deste é vital para as políticas patrimoniais, pois: 1) se trata uma área da cidade de extrema importância social; 2) muitas vezes nesse grupo estão atores com grande influência nas decisões tomadas pelos gestores patrimoniais; e 3) eles serão diretamente afetados por qualquer ação executada no bem.

Sendo assim, os grupos foram especificados da seguinte forma: 1) Especialistas

a) Gestor do patrimônio na esfera nacional – Representante do IPHAN/PE; b) Gestor do patrimônio na esfera estadual – Representante da FUNDARPE;

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c) Gestor do patrimônio na esfera municipal – Representante da Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC) da PCR;

d) Acadêmicos – Professores universitários com reconhecidos trabalhos sobre a área central do recife

e) Representante de ONG – Instituto com ações a respeito do centro e do rio 2) Usuários

a) Moradores; b) Pescadores; c) Visitantes; d) Comerciantes;

No grupo dos usuários é importante destacar que muito dos pescadores também são habitantes do local, residindo em pensões e ou residências variadas. Sendo assim, foram considerados pescadores aqueles entrevistados durante o exercício da atividade de pesca. No grupo dos visitantes estão aqueles de outros estados ou países que vêm visitar o centro, seja em passeios livres ou visitas orientadas por guias particulares ou os moradores do Recife e adjacências que utilizam o bairro com frequência, seja em atividades de trabalho ou em momentos de lazer.

Após a definição dos grupos envolvidos foram construídos dois modelos de entrevistas semiestruturadas, com o objetivo de identificar quais os elementos são mais representativos para cada grupo, bem como quais significados eles apresentam para cada um. O modelo de entrevista aplicado ao grupo dos usuários está disponível no Anexo A, enquanto o Anexo B apresenta o modelo aplicado junto aos especialistas.

A aplicação das entrevistas semiestruturadas facilitou a coleta de informações e contribuiu de forma decisiva para a identificação dos elementos e interpretação dos significados que compõem a paisagem cultural do centro do Recife. Este método de entrevista é caracterizado por obedecer:

“[...] a um roteiro que é apropriado fisicamente e utilizado pelo pesquisador. Por ter um apoio claro na sequencia das questões, a entrevista semiaberta facilita a abordagem e assegura, sobretudo aos investigadores menos experientes, que suas hipóteses ou seus pressupostos serão cobertos na conversa” (MINAYO, 2006, p. 267).

Nas entrevistas as questões foram organizadas dentro de tópicos semiestruturados, com a intenção de obter respostas às questões que se pretende

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esclarecer, possibilitando o entrevistado se expressar livremente. Assim, as temáticas aplicadas foram estruturadas da seguinte forma: a) Compreensão sobre os bens

patrimoniais; b) vinculações com os recursos hídricos; c) identificação dos elementos e significados.

Foram realizadas 7 entrevistas junto ao grupo de especialistas e 70 junto ao grupo de usuários, todas gravadas em meio digital. Como a área central apresenta uma enorme quantidade de usuários, e o presente trabalho busca apresentar um método, o número de entrevistas realizadas não representa nenhum tipo de amostragem, mas atende os objetivos estabelecidos.

Para o conjunto composto por acadêmicos, buscou-se uma variação da atuação e de campos disciplinares, com objetivo de apreender as diversas formas possíveis de se ler a paisagem, com base nas experiências culturais de cada um. Assim foram entrevistados 1 Arquiteto, 1 Geógrafo e 1 Historiador.

Para o conjunto composto pelos usuários, as entrevistas foram aplicadas em horários e locais diversificados do centro do Recife, sendo escolhidos pontos que estivessem relacionados com o eixo de leitura proposto. Antes da aplicação a este grupo, uma pesquisa teste foi realizada para verificar a eficácia das perguntas.

Com o fim das entrevistas, conclui-se o trabalho de campo e tem inicio a fase de

tratamento do material, última etapa do ciclo metodológico proposto por Minayo (2006),

onde os produtos culturais coletados foram ordenados, classificados e analisados.

O tratamento do material foi dividido em três momentos: 1) transcrição e ordenamento das entrevistas; 2) Identificação dos elementos e seus atributos individuais; 3) interpretação dos significados.

A transcrição e ordenamento das entrevistas ocorreram em paralelo a aplicação das mesmas. Os resultados obtidos foram interpretados separadamente e, posteriormente, foram comparados, visando dimensionar os dados qualitativos. Nessa direção, embora esta pesquisa seja qualitativa, visando aferir o resultado das comparações feitas os dados foram quantificados e, para uma melhor visualização, foram apresentados em gráficos.

Com este ordenamento, foram identificados os elementos mais relevantes que compõem a paisagem cultural do centro do Recife a partir da análise dos conteúdos

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existentes nos relatos orais coletados. Já os significados foram interpretados tomando como base o método hermenêutico, que é de fundamental importância para a interpretação dos significados que compõem a paisagem, ao colocar o pesquisador em uma posição ativa no processo de interpretação.

Com base nisto, a pesquisa segue o esquema apresentado na figura 1: Figura 1: Esquema da Pesquisa

Fonte: O autor, 2011.

A dissertação está organizada da seguinte maneira: No primeiro capítulo, a reflexão busca um aprofundamento teórico, onde foi investigado o desenvolvimento da compreensão de patrimônio, partindo do monumento isolado até chegar a categoria de paisagem cultural, capaz de integrar vários aspectos em um único bem. Em seguida, foram discutidas algumas das principais abordagens teóricas a respeito do conceito de paisagem cultural, sobretudo as desenvolvidas pela Nova Geografia Cultural. Ao final, foram analisados criticamente os métodos como a categoria é operacionalizada no âmbito internacional, europeu e nacional, para, em seguida, propor uma forma de identificar as paisagens culturais brasileiras, com base em alguns métodos de leitura e interpretação dos significados dos elementos que constituem uma determinada paisagem.

O segundo capítulo apresenta uma análise de algumas propostas de tombamentos aplicados na área central da cidade. Procura-se mostrar como o patrimônio é compreendido ao longo dos anos nas esferas federais e estaduais, a fim de indicar as características que orientaram a identificação dos bens.

O terceiro capítulo atende a proposta apresentada na parte teórica, e um dos objetivos específicos, de se construir um eixo de leitura da paisagem cultural do centro do

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Recife. Com base nisto, foi apresentado o desenvolvimento da área central da cidade em sua relação com os recursos hídricos que a circundam. Para isto foram utilizadas diversas narrativas e representações sobre o Recife ao longo dos séculos, como relato dos viajantes, poemas, fotografias e registros cartográficos.

No quarto capítulo são apresentados os resultados do trabalho de campo, onde são destacados a partir de gráficos e fotografias atuais quais os elementos mais significativos para os grupos entrevistados. Também foi realizada a interpretação dos significados, sendo ao final apresentado a definição da paisagem cultural do centro do Recife.

Por fim, a conclusão da dissertação apresenta as limitações e avanços do método, ao mesmo tempo em que propõe futuras ações e trabalhos que versem sobre a proteção, validação e avaliação deste patrimônio.

É na perspectiva de contribuir com novas formas de proteção patrimonial que este trabalho se insere. Ele busca fornecer caminhos para que futuras ações desenvolvidas na área central do Recife protejam as vinculações históricas, sociais, econômicas e poéticas, estabelecidas a partir das relações entre natureza e cultura, visando a manutenção sustentável do patrimônio da área.

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CAPÍTULO 1 - DEFININDO UMA CATEGORIA

“A paisagem é um signo, ou um conjunto de signos, que se trata então de aprender a decifrar, a decriptar, num esforço de interpretação que é um esforço de conhecimento, e que vai, portanto, além da fruição e da emoção. A ideia é então que há de ler a paisagem” Jean-Marc Besse, 2006, p.64

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O presente capítulo procura delimitar os principais conceitos necessários a alcançar os objetivos propostos. Primeiramente será apresentada como a compreensão do patrimônio cultural partiu da ideia de monumento enquanto elemento isolado até a noção de paisagem cultural, enquanto bem que integra vários aspectos. Em seguida será debatido como os diversos conceitos sobre paisagem, principalmente os desenvolvidos pela Nova Geografia Cultural, foram apropriados por algumas instituições gestoras do patrimônio, apresentando caminhos teóricos e metodológicos elaborados acerca do tema. Por fim, o debate destacará como a categoria da paisagem cultural contribui com a conservação integrada, onde serão destacados métodos de interpretação que nortearão a identificação e leitura da paisagem objeto deste estudo.

1.1. DO MONUMENTO A PAISAGEM

Monumentos, em seu conceito tradicional, representavam obras humanas erguidas em comemoração a grandes feitos, pessoas ou crenças. Eles eram produzidos intencionalmente para que as características das gerações atuais fossem lembradas pelas gerações futuras.

“Por monumento, no sentido mais antigo e verdadeiramente original do termo, entende-se, uma obra criada pela mão do homem e edificada com o propósito preciso de conservar presente e viva, na consciência de gerações futuras, a lembrança de uma ação ou destino” (RIEGL, 2006, p.43)

No mesmo sentido, Choay (2006, p.18) traz uma definição de monumento relacionado a lembrança e emoção de uma determinada geração:

“O sentido original do termo é do latim monumentum, que por sua vez deriva de monere (“advertir”, “lembrar”), aquilo que traz à lembrança alguma coisa. A natureza afetiva de seu propósito é essencial: não se trata de apresentar, de dar uma informação neutra, mas de tocar, pela emoção, uma memória viva. Nesse sentido primeiro, chamar-se-á monumento tudo o que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que outras gerações de pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças [...]”.

A compreensão do termo sofreu várias alterações ao longo do tempo. Com a utilização e apreciação dos bens da antiguidade grega e romana, o monumento adquire na renascença um valor histórico, instituindo o chamado monumento histórico.

Não devemos pensar que as categorias de monumento e monumento histórico são sinônimas. Riegl (2006, p.49) mostra que o monumento é algo desejado para ser lembrando, enquanto que o monumento histórico não é projetado para este fim. Ele assume esta característica a partir do momento em que atribuímos um valor histórico, já que “[...]

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não é a destinação original que confere a essas obras a significação de monumentos; somos nós, sujeitos modernos, que lhes atribuímos essa designação”.

Apesar de algumas diferenças, estas duas concepções referem-se aos elementos isolados construídos pelo homem e suas características históricas, artísticas e arqueológicas. Na enorme lista de monumentos existentes não estavam presentes os elementos naturais, as malhas urbanas de cidades antigas ou os aspectos intangíveis dos bens. Outro ponto era que as características artísticas, históricas ou arqueológicas eram observadas, sem qualquer associação entre elas.

Esta maneira de compreender o monumento passou por uma fase de consagração, concluída pela publicação da Carta de Veneza. Com o advento da era industrial e as transformações sociais e ambientais geradas, o monumento histórico passa a ser visto como algo insubstituível, onde suas perdas são irremediáveis. Os processos de industrialização foram tão variados entre os países, quanto a assimilação de seus impactos sobre os monumentos históricos, o que gerou princípios de proteção diferenciados em diversos locais (CHOAY, 2006, p.125-173). Inseridos neste contexto, as técnicas opostas de conservação dos edifícios, estabelecidas por John Ruskin5

e Violet-Le-Duc6

com base em suas realidades nacionais, e a posterior busca por um equilíbrio entre estas duas doutrinas proposta por Camillo Boito7

, contribuíram para a formação da conservação, muito próxima de como a compreendemos atualmente (MUÑOZ VIÑAS, 2005).

Com a publicação da Carta de Veneza, em 1964, há uma ampliação efetiva sobre o entendimento de quais bens devem ser alvos das práticas da conservação. O documento produzido pelos participantes do Segundo Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos procurou rever as orientações apresentadas na Carta de

5

Defensor de um anti-intervencionismo radical na proteção patrimonial. Para o Inglês o trabalho das gerações passadas confere a suas edificações um caráter sagrado, onde as marcas impressas pelo tempo fazem parte de sua essência, sendo assim um erro tentar recuperar uma estrutura original. Assim, a restauração significaria a maior destruição que um edifício pode sofrer (CHOAY, 2006, p.153-159)

6

O Francês defende um intervencionismo militante na conservação patrimonial, onde um edifício deveria ser restaurado a qualquer custo, em busca de um estado completo, que talvez nem tenha existido, tomando assim uma postura idealista da arquitetura (idem.)

7

Um dos primeiros teóricos que tentou encontrar um equilíbrio nas propostas extremas de Ruskin e Viollet-le-Duc. O arquiteto Italiano defendeu a compreensão do monumento como um documento histórico (MUÑOZ VIÑAS, 2005).

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Atenas8, de 1931, propondo novas abordagens, frente aos problemas recentes enfrentados pelas cidades.

Na Carta de Veneza, o monumento histórico é definido no artigo 1º da seguinte forma:

“A noção de monumento histórico compreende a criação arquitetônica isolada, bem como o sítio urbano ou rural que dá testemunho de uma civilização particular, de uma evolução significativa ou de um acontecimento histórico. Entende-se não só às grandes criações, mas também às obras modestas, que tenham adquirido, com o tempo, uma significação cultural” (ICOMOS, Carta de Veneza, 1964, p.1)

Neste documento a compreensão a respeito do monumento se expande para um entendimento mais amplo, incluindo obras humanas de menor porte, assim como as malhas urbanas das cidades antigas. A partir desta carta há uma ampliação de três aspectos patrimoniais: tipológica, onde novas formas são consideradas de interesse patrimonial; cronológica, pois as etapas anteriormente desprezadas passam a ser consideradas dignas de preservação; e geográfica, onde a noção de patrimônio se expande para além da Europa (CHOAY, 2006).

Esta mudança de paradigma não acarreta apenas em mudanças de ordem quantitativa, mas gera a adoção de uma perspectiva diferente na abordagem patrimonial, ocasionando em novas formas de se intervir nos bens.

É importante destacar que nesta época a Europa ainda caminhava a passos lentos para recuperar a destruição causada pela Segunda Guerra Mundial. Com a destruição de bairros e até cidades inteiras, a consciência patrimonial ganhou mais força. Como aponta POULOT (2009, p.31): “essa nova consciência de patrimonialização acompanha a promoção de novas relíquias. Com efeito, em numerosos países, o patrimônio tornou-se um dos desafios do desenvolvimento cultural”.

No contexto estabelecido após a Carta de Veneza, a preservação de conjuntos urbanos torna-se possível, principalmente a partir da década de 1970 com a publicação da Declaração de Amsterdã. Neste documento, se parte de uma compreensão ampla do patrimônio construído, o qual procura abarcar os conjuntos como uma entidade cultural,

8

A Carta de Atenas recomenda: ”respeitar, na construção dos edifícios, o caráter e a fisionomia das cidades, sobretudo na vizinhança dos monumentos antigos, cuja proximidade deve ser objeto de cuidados especiais” (ICOMOS, Carta de Atenas). Disponível em: http://www.icomos.org.br/cartas/Carta_de_Atenas_1931.pdf

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não somente pela coerência de seu estilo, mas também pela marca da história dos grupos humanos que ali viveram durante gerações.

O reconhecimento do patrimônio cultural insere-se nas políticas de gestão dos conjuntos urbanos como algo fundamental para a manutenção da história e passa a incluir não só os edifícios isolados de excepcional qualidade e o seu entorno, mas também todas as áreas das cidades ou das vilas com interesse histórico ou cultural.

A Declaração de Amsterdã constitui um ponto central paras as políticas patrimoniais Europeias e mundiais, tendo sido grande parte de suas propostas reconhecidas no ano seguinte pela UNESCO, através da Declaração de Nairobi. As recomendações inseridas nesta Declaração se voltam para a preservação dos conjuntos históricos, numa época em que a expansão global das técnicas de construção ameaçava as características de identidade local e regional. Para evitar uma possível homogeneização dos espaços, as áreas antigas deveriam se integrar à vida cotidiana, assim como as novas criações, sem que sua visibilidade e harmonia fossem alteradas.

Contudo, apesar destes documentos possibilitarem a compreensão do bem patrimonial urbano, indissociável de seu contexto histórico e do ambiente em seu entorno, ainda persistia nas políticas patrimoniais uma forte separação entre natureza e cultura. Em 1972, com a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural e Natural, um pequeno salto em direção a resolução desta dicotomia foi dado ao se considerar como patrimônio cultural os lugares notáveis resultantes de obras humanas ou obras conjugadas do homem com a natureza. Apesar deste esforço, as questões sobre paisagem, ambiente e recurso natural ainda aguardariam para serem solucionadas (MENESES, 2002).

No texto da Convenção o patrimônio cultural está separado do natural, e a paisagem é citada apenas como algo coadjuvante, que contribui para o valor universal excepcional9. Como pode ser visto no 1º artigo, a paisagem é tratada como moldura de um bem maior:

“[...] os conjuntos: grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude de sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, tenham um valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência” (UNESCO, 1972)

9

A compreensão do que é Valor Universal Excepcional (OUV) na própria UNESCO tem se alterado ao longo do tempo. Jokilehto (2006) mostra que os valores aceitos pela instituição na construção das significâncias dependem da tipologia do bem e da intenção das propostas.

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Esta concepção dicotômica do patrimônio era o reflexo de dois movimentos que faziam parte da UNESCO: um grupo preocupado com os bens culturais que expressariam o gênio criativo humano; outro buscava a preservação dos elementos da natureza sem a intervenção do homem (RIBEIRO, 2007).

Contudo, este panorama já estava a caminho de ser superado com os debates sobre sustentabilidade iniciados em 1970 e que culminaram com a publicação do Relatório de Brundtland, onde o desenvolvimento deveria atender as necessidades das gerações futuras no âmbito social, econômico e cultural, sem comprometer as necessidades das gerações atuais e futuras10. A valorização do pensamento ambiental sustentável estimulou debates em várias áreas do conhecimento, alterando diversos paradigmas anteriores e resultando, na superação da tradicional dicotomia entre homem e natureza (ROHDE, 1994).

Em resposta a estes debates da sociedade e da observação que alguns bens poderiam ser inscritos tanto como bens naturais ou culturais, a UNESCO estabeleceu em 1992 a categoria da paisagem cultural, a qual teria como função primordial a proteção de forma integrada da relação estabelecida entre homem e natureza.

Para esta instituição, a paisagem cultural é definida como representativa do trabalho conjunto entre homem e natureza, ilustrando a evolução das sociedades e ocupações humanas através do tempo, sob a influência de oportunidades e/ou restrições presentes no ambiente natural, bem como pelas sucessivas forças social, econômica e cultural que nela interferem (UNESCO, 2008).

O diferencial desta proposta foi “[...] adotar a própria paisagem como um bem, valorizando todas as inter-relações que ali coexistem” (RIBEIRO, 2007, p.40). Desta forma, há um grande avanço no reconhecimento de que bens de interesse patrimoniais são constituídos de forma única a partir do contexto cultural e integram os elementos naturais, culturais e imateriais.

O desenvolvimento das concepções de patrimônio não termina com a categoria da paisagem cultural, frente às possibilidades de utilizar novos conceitos para a proteção dos

10

O Relatório Nosso Futuro Comum é o resultado de debates acerca dos limites da produção humana e os impactos gerados sobre os bens naturais. Vários foram os momentos que contribuíram para esta discussão, entre os quais são destacados por Brüseke (1994) como anteriores ao documento de Brundtland: O Clube de Roma (1972), a Declaração de Cocoyok (1974), o Relatório Dag-Hammarskjöld (1975),

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bens (RIBEIRO, 2011). O próprio conceito proposto pela UNESCO não é definitivo, gerando inúmeros debates sobre sua utilização pelos gestores do patrimônio.

Neste primeiro momento, foi apresentado como o conceito de patrimônio foi ampliado do culto ao bem isolado que separava homem e natureza, até ao estabelecimento da paisagem cultural, enquanto bem que integra vários aspectos em um só. Em seguida, veremos como o conceito de paisagem, sobretudo o elaborado pela geografia cultural, foi apropriado por algumas instituições do patrimônio e como ele pode auxiliar na conservação integrada.

1.2. PAISAGEM CULTURAL: Utilizações de um conceito

Falar em paisagem cultural pode ser algo redundante, já que ela é, em qualquer perspectiva adotada, o reflexo de uma ou várias culturas sobre um território ao longo da história. Porém, quando a UNESCO adjetivou a paisagem com o vocábulo “cultural”, buscou expressar as interações humanas com o meio ambiente e a presença dos valores culturais tangíveis e intangíveis, merecedores de proteção específica (UNESCO, 2009).

Somente em 1992 a concepção de paisagem cultural é inserida oficialmente no âmbito do patrimônio, contudo, o conceito acadêmico é debatido desde o final do século XVII e se mostra como um dos mais complexos de ser definido, tanto no âmbito científico quanto no senso comum11.

No âmbito científico coube a geografia se ocupar com profundidade sobre o conceito de paisagem. Considerada um dos temas chaves na ciência geográfica, várias contribuições em busca de um método e de sua delimitação foram feitas por geógrafos de escolas diversas.

A geografia proposta por Vidal de La Blache, considerado por muitos o fundador da escola francesa, teve uma grande influência no desenvolvimento do conceito de paisagem. Estabelecida a partir de um cruzamento de influências filosóficas, os estudos geográficos vidalianos eram compostos por quatro idéias principais: organismo, meio, ação humana e gênero de vida (GOMES, 1996).

11

O próprio termo parece não apresentar um consenso, sendo utilizado de diversas formas e com traduções variadas. Gomes (1996, p.237), citando Hartshorne, considera que a noção de landscape, como utilizada por alguns geógrafos, é “[...] carregada de ambigüidades e de imprecisões [...]” e que ela colocava “[...] mais problemas para a geografia do que lhe oferecia soluções”.

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La Blache adota uma postura objetiva da paisagem, ao considerar que ela seria a expressão da fisionomia terrestre, “um signo, ou um conjunto de signos, que se trata então de apreender a decifrar, a decriptar, num esforço de interpretação que é um esforço de conhecimento, e que vai, portanto, além da fruição e da emoção” (BESSE, 2006, p.64).

Com esta compreensão, a paisagem não é vista como uma mera representação do olhar humano, mas uma construção material com uma base fundada em um sítio. Contudo, esta postura objetiva não nega que haja importantes aspectos subjetivos estabelecidos pelo contexto cultural de cada indivíduo, afinal a paisagem é um reflexo da produção cultural humana, sendo por isto impregnada de valores e crenças.

Segundo Gomes (1996, p. 211), os geógrafos seguidores do pensamento vidaliano valorizavam o contato direto com as regiões estudadas e “[...] produziam interpretações a partir deste contato com seu objeto. A antiga tradição hermenêutica não está muito longe do comportamento destes geógrafos, “leitores” eruditos das paisagens e das regiões”.

Desta forma, cada construção seria feita com base no interesse da pesquisa, o que possibilitaria leituras variadas de um mesmo fenômeno. Cada investigador iria destacar a principal característica de uma região ou paisagem com base em verdadeiras leituras “flexíveis”, realizadas para estabelecer como se deram as relações entre os elementos. Assim, “para cada região, existe um movimento particular resultante das combinações múltiplas entre os elementos que a compõem” (GOMES, 1996, p. 210).

Apenas um olhar preparado seria capaz de apreender as relações presentes na paisagem. Os aspectos visíveis seriam observados por todos, mas apenas um olhar técnico iria compreender como ocorrem as relações entre os elementos, compondo assim a paisagem de aspectos subjetivos. Não se tratava de negar o visível, mas de considerar que através da leitura dele era possível compreender as formas de organização do espaço, estruturas, formas, fluxos, tensões, centralidades e periferias. Como aponta Besse (2006, p.64), os geógrafos tradicionais tinham necessidade de exercer uma interpretação das formas presentes, para encontrar as forças subjetivas que davam vida aquela paisagem. A grande questão estabelecida por eles é “que há de se ler a paisagem”.

Referências

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