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“[...] d'esta ponta da areia da banda de dentro se navega este rio até o varadouro, que está ao pé da Villa, com caravelões e barcos, e do varadouro pára cima se navega com barcos de navios obra do meia légua, onde se faz aguada fresca para as náos da ribeira que vem do engenho de Jeronymo de Albuquerque também se mettem neste rio outras ribeiras por onde vão os barcos dos navios a buscar; os açúcares aos paços” Gabriel Soares de Sousa, 1938, p.21-22

“[...] ao norte vê-se a cidade e os pitorescos oiteiros de Olinda; ao sul o rio Capibaribe, o aterro dos Afogados e também o oceano. Canoas indígenas, escavadas num só tronco de árvores, conduzidas por negros nus e munidos de compridas varas, cruzam-se em todos os sentidos sobre as águas mansas do rio [...]” Louis-François Tollenare, 1978, p.23

“Recife romântico dos crepúsculos das pontes e da beleza católica do rio” Joaquim Cardozo, 1983, p.55

O presente capítulo tem como objetivo apresentar a importância dos recursos hídricos na fisionomia da cidade do Recife, através de uma narrativa que se fundamenta na leitura da paisagem da área central realizada ao logo da formação da cidade.

O direcionamento deste capítulo parte do entendimento dos aspectos fisionômicos segundo os geógrafos tradicionais, conforme apresentado no primeiro capítulo. A paisagem aqui é compreendida como um conjunto de signos, representativos de épocas e culturas diversas, lida a partir de um eixo orientador.

Cabe lembrar que os fatos históricos sobre a evolução do sítio não constituem o objetivo deste trabalho, porém auxiliam na construção da narrativa, bem como permitem observar permanências ou mudanças nas relações entre sociedade e natureza ao longo do tempo.

Vários foram os textos que enfatizaram a relação entre os recursos hídricos e a cidade, contudo a presente leitura foi produzida conforme a realizada por Chacon (1959), enfocando os recursos hídricos que cercam o território. Assim, a cidade é vista como condicionada pelas águas do Mar e dos rios, sobretudo do Capibaribe, ao mesmo tempo em que condiciona os aspectos naturais, estabelecendo uma relação entre natureza e cultura que vai além de “[...] uma unidade geográfica, histórica, econômica e sociológica [...]”, mas representa uma forte unidade “[...] sentimental e poética” (CHACON, op. cit., p. 9).

Segundo Gomes (2007, p.55 - 70), em função da presença de uma linha retilínea de arrecifes de arenitos, uma enorme quantidade de sedimentos aluvionais30

vindos dos rios Capibaribe, Beberibe, Tejipió, Jaboatão e Pirapama, acumulados em formas de coroas numa planície formada pelas constantes transgressões e regressões marinhas, juntamente com os sedimentos trazidos da plataforma continental por ondas influenciadas pelos ventos alísios e a paulatina fixação de um solo lodoso graças a vegetação de mangue, formou-se o sítio original da cidade do Recife.

A paisagem natural de onde se assenta a atual cidade do Recife foi constituída pela ação conjunta destes diversos fatores naturais, os quais, segundo Lins (1978, p.101) geraram:

30 Sedimentos inconsolidados transportados pela correnteza e depositados aos poucos nas desembocaduras

“[...] Coroas e bancos de areia, cordões litorâneos arenosos ou restingas, associados tudo a pântanos de água salobra, manguezais, lagamares, esteiros e camboas, eis um resumo do sítio do Recife em sua origem, ou seja, do estuário afogado comum dos rios Capibaribe, Beberibe e Tejipió.”

Conhecida como Baía Entulhada do Recife31

, a paisagem natural do sítio pode ser representada pela figura 3, onde a consequência da atuação destes diversos elementos e processos naturais pode ser visto. O comentário de Castro (1954, p.33-34) sobre a fisionomia natural desta planície enfatiza as características fisiograficas deste sítio:

“A cidade se assenta nas terras baixas de uma extensa planície aluvionar que se estende desde as costas marinhas, frisadas, em quase toda a extensão por uma linha de arrecifes de pedra [...] É nessa planície constituída de ilhas, penínsulas, alagados, mangues e pauis, envolvidos pelos braços de água dos rios que, rompendo passagem através da cinta sedimentar de colinas, se espraiam remansos pela planície inundável”

Apesar da atuação conjunta dos elementos fisiográficos serem fundamentais na formação do sítio, o mais evidente na planície do Recife é, sem dúvida, o Rio Capibaribe (OLIVEIRA, 1942).

Seja pela sua contribuição para a formação morfológica da área ou pela influência na orientação das ocupações urbanas originais, o rio Capibaribe32 é um elemento de referência na paisagem da cidade, especialmente na área central, onde ganha importância sob vários aspectos e sofre com o acúmulo de graves problemas socioambientais.

Com sua nascente localizada na Serra do Jacarará, a uma altitude de aproximadamente mil metros, o Capibaribe percorre um total de 253 quilômetros até chegar a sua foz, no centro do Recife, onde se expressam paisagens com características variadas (MAPA 1).

31

“Os outeiros de Olinda e de Guararapes assinalam, com efeito, as extremidades do meio anfiteatro de colinas esculpidas nos sedimentos cenozóicos do Grupo Barreiras, [...] colinas cujo semicírculo contém aquilo que J. C. Branner denominou e fez representar, num seu desenho várias vezes já reproduzido, como “baía entulhada do Recife”, isto é, uma planície aluvial flúvio-marinha, réplica da que se desdobra ao sul de Santo Agostinho e ambas sucessivamente alargadas, enchidas e drenadas ao sabor de transgressões e regressões marinhas durante o Quaternário” (LINS, 1978, p. 104)

32 O nome Capibaribe deriva de “Caapiuar-y-be” ou “Capibara-yby”, significando “rio das capivaras” ou “dos

Figura 3: Baia entulhada do Recife, segundo J. C. Branner

Fonte: CASTRO, 1957, p.200