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CAPÍTULO II – DISCURSO, FÉ, MEDIAÇÃO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADE

2.2 IMPERATIVO DA CONTINGÊNCIA: FUTURO DO ICONOSTASIS

2.2.2 Projetos e Perspectivas

Os projetos são variados. Diante da contingência da vida na metrópole, os membros do clero pensam as mais variadas estratégias. Seus horizontes, longe de serem uniformes, são múltiplos. A situação diaspórica dessas Igrejas impõe aos membros do clero a necessidade de tomar atitudes diversas para fazer frente a circunstâncias diversas.

Em última instância, os projetos dos membros do clero passam por um processo de transculturação: não a integração completa da comunidade, mas o surgimento de comunidades

cosmopolitas96. O estabelecimento dessas Igrejas na diáspora sugere a manutenção de Igrejas Orientais, mas também paulistanas.

Algumas preferem se fixar na manutenção e auxílio às comunidades originais, como a Igreja Católica Armênia:

Nós temos procurado, diante deste quadro, valorizar a Pátria Mãe, sabemos que ali é o futuro, nós estamos na diáspora, não para conquistar ninguém, mas para atender as nossas comunidades. Se um dia elas não existirem mais, não tem mais sentido. Nós não estamos procurando nada mais e não tem sentido... O Rito Armênio é para o povo armênio, na sua língua, nas suas tradições.97

Em seu depoimento, AC sugere que a atenção e o futuro de sua Igreja estão na

Pátria-Mãe, na República da Armênia. Ele indica que não quer conquistar ninguém na

diáspora, pois o Rito Armênio é para o povo armênio. A estratégia usada pela Igreja Católica Armênia na cidade de São Paulo é manter sua comunidade até que ela termine. Sua coirmã, a Igreja Apostólica Armênia, também entende assim:

Mas as outras Igrejas aceitam de todas as nações como seus filhos, como membros da Igreja, e, com esse sentido, a Igreja Copta aqui fica uma Igreja só com o nome Copta, mas com a língua portuguesa, como as outras Igrejas Ortodoxas também praticam hoje com língua portuguesa, e a Armênia é uma exceção.98

96 HALL, Stuart; SOVIK, Liv (Orgs.). Da Diáspora: Identidade e Mediação Culturais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009. p.64.

97 Depoimento de membro da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 9/3/2010.

98 Depoimento de membro do clero da Igreja Apostólica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 8/2/2010.

AO usa como exemplo a Igreja Copta para contrapor os projetos da sua Igreja aos das demais Igrejas na cidade. Para AO, a abertura da Igreja Copta para os brasileiros, assim como a atitude das outras ao aceitarem todas as nações, estaria maculando o sentido dessas Igrejas. Assim sendo, a Igreja Apostólica Armênia coloca-se distante desse projeto de futuro e, como sua coirmã, dedica-se ao apoio de sua comunidade original.

Os projetos de ambas as Igrejas – Católica Armênia e Apostólica Armênia – têm como intuito a manutenção das comunidades originais, com pouca abertura para fora da diáspora. O despontar do fim dessa diáspora não é encarado como o fim da cultura e fé necessária, mas apenas uma mudança de perspectiva. Como sugere AC, o futuro não estaria na contingência da cidade, mas fora dela: na Armênia. Mesmo assim, na sua estada na diáspora, as Igrejas Armênias pensam em sua situação paulistana, uma configuração cultural muito distinta de uma Igreja Armênia supostamente livre de transculturação.

Entretanto, sendo os projetos dos membros do clero múltiplos, muitas vezes não há essa reflexão teleológica sobre o futuro:

Agora, é que nem eu disse: só o tempo que vai nos dizer o que fazer. Pode ser que chegue um dia que não acabe a comunidade, mas que a comunidade seja composta só de pessoas brasileiras, e que estejam participando da comunidade ucraniana Ortodoxa, mas que não têm nada de ucraniano. Não sei, o tempo é quem vai dizer.99

UO sugere que o elemento ucraniano de sua Igreja pode desaparecer, mas ele parece não ter um projeto claro, como muitos de seus companheiros. Ele acredita que o tempo irá

dizer. O membro tem a perspectiva de um guardião da memória da diáspora ucraniana na

cidade, porém, na sua percepção, o futuro de sua comunidade é algo distante.

Na grande trama dos projetos para as Igrejas Orientais paulistanas existem aqueles membros do clero receosos quanto à abertura de suas instituições para fora da comunidade em diáspora, como também aqueles que não possuem um projeto hermético para o futuro. Existem membros do clero que têm em seus horizontes e subjetividades a manutenção de suas comunidades pela inserção profunda na contingência da metrópole, assumindo a formação de uma comunidade cosmopolita. Muitas vezes isso significa uma abertura à comunidade

brasileira: “Então, temos muitos fiéis brasileiros e aqui rezamos em grego e português

exatamente para a gente se situar posteriormente no habitat no qual nós estamos.”100 Essas Igrejas tentam adaptar-se de forma radical a esse habitat.

Esse habitat sugerido por GO é a situação de diáspora das Igrejas Orientais. O fato de estarem presentes em São Paulo faz com que elas sejam convocadas a se reestruturar a todo momento. A transculturação está presente sempre na subjetividade dos membros do clero, mesmo aqueles que somente têm a comunidade original no horizonte, como os armênios.

Adaptar-se ao habitat é pensar estratégias e experiências dessa situação de transculturação. A presente dissertação foca essas questões das experiências, forças, subordinações, contradições101, que apontam para a diversidade de perspectivas dos membros do clero. Não deve ser prudente sugerir definições fixas, tampouco compreender essas Igrejas como estáticas e associadas ao passado remoto.

100 Depoimento de membro da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 17/8/2011.

No depoimento de RO observa-se todo esse processo de adaptação de sua Igreja na contingência da metrópole:

Mas, com o tempo, justamente pelo fato de as pessoas não falarem o idioma local, os padres, principalmente, já eram pessoas de meia- idade para cima, não tinham possibilidade de aprender já a língua fluentemente; e não faziam o trabalho com relação, digamos, aos brasileiros aqui tendo em vista o Brasil especialmente. Então os casamentos mistos colaboraram para que houvesse uma força centrífuga entre os paroquianos e... Quando se deu conta disso já era um pouquinho tarde, começamos a trabalhar nesse sentido.102

Figura 10 - Igreja Ortodoxa Russa no Exílio na Rua Tamandaré.103

102 Depoimento de membro da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 24/2/2010.

A contingência se impõe: os membros do clero e os fiéis envelhecem, os casamentos mistos ocorrem, muitos abandonam aquela fé e cultura. Assim, os membros do clero passam a considerar novas atitudes para adaptarem suas Igrejas:

Hoje, 60% de nossos paroquianos são brasileiros. Os ofícios são celebrados em português, então nós temos hoje um reverso, nós temos brasileiros se convertendo [...]. Procurando, então, achando essa possibilidade na Igreja Ortodoxa, principalmente a nossa Russa, que mantém uma diretriz mais rigorosa com relação, digamos, a essas leis fundamentais Ortodoxas. Hoje a comunidade não é grande, é pequena, não é tão grande quanto nos anos 40, 50, 60, mas continua viva e estamos aqui.104

Segundo RO, a Igreja Ortodoxa Russa na cidade de São Paulo optou pela abertura aos brasileiros, sendo que o proselitismo aparece como forma de transformação dessa comunidade. O resultado é visto na nacionalidade da maioria dos paroquianos da Igreja – brasileira. No entendimento do membro do clero, a vinda desses brasileiros ocorre devido ao que seria uma diretriz mais rigorosa, ou seja, a própria cultura e fé russa, sendo mais um exemplo do Iconostasis Paulistano. Uma Igreja Oriental carregada de elementos de sua comunidade original, mas frequentada principalmente por fiéis brasileiros.

Outra Igreja que tem como direção a incorporação dos brasileiros em seu projeto é a Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia. Ela parece muito preocupada em divulgar a celebração de matrimônios em sua publicação oficial, que aponta ainda para o fato de que realiza, inclusive, segundas núpcias. Existe um projeto bem elaborado, com o objetivo de que esses novos casais, muitas vezes brasileiros, participem do dia a dia dessa Igreja, que está

104 Depoimento de membro da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 24/2/2010.

exemplificado no panfleto distribuído gratuitamente na catedral. Nele se encontra uma relação de compromissos dos noivos recém-casados com a Igreja:

Aqueles que se casam na Catedral devem estar cientes de seu compromisso com a Igreja.

1 - Compromisso obrigatório de receber o Crisma e participar nas palestras para os noivos.

2 - Compromisso de batizar os filhos na Igreja Ortodoxa Antioquina. 3 - Compromisso de participar nas festas litúrgicas durante o ano nas celebrações da missa dominical.

4 - Compromisso de participação como membros da Igreja na contribuição anual.105

A Igreja do Patriarcado de Antioquia parece ter como objetivo incentivar que os novos casais interajam com a Igreja. Os compromissos estabelecidos nesse documento sugerem a busca pela continuidade da Igreja, ao exigir, por exemplo, o batismo dos filhos desses casais nela própria. A incorporação da identidade brasileira é algo que está no horizonte dessa Igreja. Isso aparece claramente no discurso de PO:

Todos que quiserem se unir a nós são bem-vindos, não importa a etnia, não importa origem, não importa cor, não importa idioma. A Igreja Ortodoxa, nas suas origens, os vários Patriarcados, eles se abriram muito e, embora com o passar do tempo tenham alguns se fechado por questões históricas, políticas, por toda uma história muito traumática, pela qual alguns grupos passaram, não é nosso ideal.106

105 Texto retirado do material oficial da Igreja do Patriarcado Ortodoxo de Antioquia da cidade de São Paulo, distribuído gratuitamente aos visitantes de sua Catedral no bairro do Paraíso.

Levando-se em conta que o membro do clero é quase um portador do discurso oficial da Igreja, PO admite a abertura de sua Igreja para os fiéis brasileiros. Diferentemente de seu colega AO, por exemplo.

De todas as Igrejas Orientais paulistanas, a Igreja Copta talvez seja a mais aberta aos

brasileiros. Como já abordado no capítulo anterior, a razão do estabelecimento dessa Igreja na

metrópole foi a de criar uma comunidade cristã ortodoxa copta longe das pressões do Egito. CO discorre sobre esse projeto em seu depoimento:

De todos, eu comecei esse tipo de missão aqui no Brasil começando essas pessoas me conhecendo na época que eu estava morando no mosteiro de São Bento, porque eu cheguei aqui em 93. Morei no mosteiro de São Bento no centro, um ano e meio. Eu conheci muita gente lá, eu conheci o povo no supermercado, nas ruas, no metrô. Comecei a batizar muita gente, e eles começaram a conhecer a nossa Igreja, ficou contente e ficou continuando, sempre aparece gente nova na nossa Igreja.107

A missão, o projeto da Igreja Copta foi aumentar os seus fiéis pela aproximação de

brasileiros. Com esse depoimento é possível identificar os membros do clero como

indivíduos que guiam essas comunidades e criam projetos para a sua manutenção. CO e seus colegas são responsáveis pela construção de uma Igreja Copta na cidade de São Paulo, assim como os demais membros do clero são os responsáveis por pensar o futuro de suas Igrejas, aglutinando transculturações.

107 Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Copta da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 22/8/2010.

No entanto, os membros do clero por si só não podem construir essa diversidade das Igrejas Orientais na cidade de São Paulo. Isso porque os membros clericais das Igrejas Orientais, que seriam guardiões de uma cultura aparentemente estática, se deparam com diversas experiências; portanto, sua existência na metrópole está longe de sugerir um ambiente estático. A transculturação desses grupos na metrópole perpassa forças diversas, subordinações e contradições.

Em seu depoimento, CO destaca outro ponto fundamental para as Igrejas Orientais paulistanas: o peso da Igreja Católica Latina nas relações com a cidade. Ele diz que se hospedou no mosteiro de São Bento, ou seja, dependeu da boa vontade dos monges católicos latinos para levar seu projeto adiante. O peso da Igreja Latina é notório nas perspectivas das Igrejas Ortodoxas paulistanas, mas é ainda mais notável nas relações das Igrejas Católicas Orientais paulistanas. Muitas vezes esse peso dificulta os próprios projetos dessas Igrejas.

Desse modo, verifica-se que os membros do clero católico oriental devem medir de forma muito cautelosa as implicações da influência da Igreja Latina em sua função de guardiões de suas comunidades. O próximo capítulo será dedicado ao peso que a Igreja Católica Latina tem na existência e nos projetos das Igrejas Orientais paulistana, especialmente em relação às Igrejas Católicas Orientais.

CAPÍTULO III – MEDIANDO TRADIÇÕES NA METRÓPOLE PAULISTANA: IGREJAS CATÓLICAS ORIENTAIS

Entre os dois grandes grupos de Igrejas Orientais encontrados na cidade de São Paulo está o das Igrejas Católicas Orientais. Este capítulo tratará exclusivamente desse grupo. Essas Igrejas no passado eram parte indistinta das Igrejas Ortodoxas, mas, pelos mais diversos motivos, acabaram aceitando o Papa de Roma como sua máxima liderança. Hoje elas pertencem à Igreja Católica Romana e são canonicamente chamadas de Igrejas sui juris:

A Igreja Católica é formada atualmente por 22 Igrejas, que o Código Oriental, dizendo mais precisamente, o Código dos Cânones das Igrejas Orientais define como Igrejas sui juris, palavras latinas que significam: de direito próprio. Naturalmente na unidade da fé, na unidade do governo do Santo Padre, na unidade dos Sacramentos, mas na diversidade dos Ritos, das línguas, da liturgia, da disciplina, e mesmo da espiritualidade. Essas 21 Igrejas Orientais, mais a Igreja Latina, a mais numerosa de todas, compõem hoje a Igreja Católica Apostólica Romana.108

Segundo esse trecho do depoimento de AC, a Igreja Latina109 é a mais numerosa de todas as Igrejas Católicas. Sua influência é profunda nas relações das Igrejas Católicas Orientais, e numa cidade como São Paulo, onde a Igreja Latina é extremamente influente, esse poder é notório.

108 Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Armênia da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 9/3/2010.

109 O adjetivo latino(a) sugere a origem dessa Igreja nas regiões ocidentais do Império Romano, de fala latina, em detrimento do grego, falado na parte oriental do Império. Latino passa assim a designar as formas cristãs da Europa Ocidental. PARRY, Ken (et. al.). The Blackwell Dictonary of Eastern Christianity. Oxford: Blackwell, 1999. p.292.

Por sua relação com a Igreja Latina e seu antigo pertencimento ao mundo cristão ortodoxo, as Igrejas Católicas Orientais são muitas vezes entendidas como desviadas das tradições: “Enquanto os Ortodoxos são hostis aos Católicos Gregos, considerando que eles caíram à sedução da herética Igreja Romana, Católicos consideram que eles não são verdadeiramente Católicos, pois não seguem tradições Latinas."110 Essa é a origem do nome que muitos cristãos ortodoxos dão a seus coirmãos católicos orientais: uniatas. Eles estariam em conluio com o Papa de Roma e subvertendo a ordem eclesiástica.

A situação das Igrejas Católicas Orientais na cidade de São Paulo parece ser delicada. No entanto, como suas irmãs Ortodoxas, elas são capazes de mediar suas tradições na cidade. Mas, ao contrário das Igrejas Ortodoxas, elas encontram em seus horizontes o poder da Igreja Latina, o que faz com que tenham de ser ainda mais perspicazes. O presente capítulo tentará apontar alguns elementos dessa nem sempre fácil convivência dessas outras Igrejas Católicas paulistanas, bem como as relações que elas mantêm na cidade com as Igrejas Ortodoxas e, principalmente, com a Igreja Latina.

As Igrejas Católicas Orientais situadas na cidade de São Paulo já foram apresentadas, no entanto, é importante relembrá-las: a Igreja Católica Maronita e a Igreja Católica Melquita, ambas associadas à comunidade árabe; a Igreja Católica Armênia; e as Igrejas Católica Russa e Ucraniana, ambas da comunidade eslava. Deve-se também ressaltar que essas Igrejas dividem suas comunidades em diáspora com as Igrejas Ortodoxas, ou seja, as Igrejas Católicas Orientais e as Igrejas Ortodoxas na cidade de São Paulo são muitas vezes compostas por membros de uma mesma comunidade imigrante residente na cidade. Assim sendo, o estabelecimento dessas instituições na cidade seguiu linhas semelhantes às das Igrejas Ortodoxas, mas existem algumas nuances.