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LADO ORIENTAL DO CRISTIANISMO: IGREJAS ORTODOXAS

CAPÍTULO I – ICONOSTASIS PAULISTANO: ESTABELECIMENTO E

1.2 LADO ORIENTAL DO CRISTIANISMO: IGREJAS ORTODOXAS

Este item irá tratar sobre a relação de muitas dessas comunidades com seus locais de origem. Neste primeiro capítulo, será dada ênfase às Igrejas Ortodoxas. As Igrejas Católicas Orientais, por possuírem a peculiaridade de pertencer à Igreja Católica Romana, merecem ser tratadas de forma distinta.

As Igrejas Ortodoxas são aquelas Igrejas que no passado mantiveram relações mais estreitas, conturbadas ou não, com o Império Bizantino. Portanto, desenvolveram um cristianismo em conjunto ou em oposição a essa antiga instituição. As Igrejas não Calcedonianas na cidade de São Paulo, como já dito, estão representadas pela Igreja Apostólica Armênia, a Igreja Sirian Ortodoxa e a Igreja Ortodoxa Copta. Elas têm sua origem no cristianismo criado nas fronteiras do Império Bizantino. Assim sendo:

As Igrejas não-Calcedônicas estão nas áreas a leste e ao sul do Império Bizantino [...]. O coração dessas Igrejas mantém-se na Armênia, Síria, Egito, Sul da Índia, Etiópia e Eritréia mesmo que as mudanças no mapa político e as migrações tenham dispersado as

Igrejas de forma mais abrangente. Enquanto tendo suas raízes no Cristianismo do Mediterrâneo oriental, elas desenvolveram-se num ambiente político diferente dos das Igrejas Calcedônicas, numa atmosfera cultural não-Grega e não-Eslava.19

Esse aspecto fronteiriço marca profundamente essa família de Igrejas Ortodoxas, pois influiu no seu desenvolvimento em oposição às Igrejas Calcedonianas, associadas ao cristianismo do Império Bizantino. Isso criou uma série de conflitos entre o poder de Bizâncio e seu cristianismo, e as Igrejas não Calcedonianas e seu cristianismo periférico e identidade distinta da grega (bizantina):

A doutrina monofisita por sua vez entrou na Armênia através da Mesopotâmia e desenvolveu-se rapidamente, principalmente pelo fato de incentivar o nacionalismo, dando assim incentivo para as hostilidades entre os gregos.20

Assim sendo, o cristianismo monofisita teria chegado à Armênia pela Mesopotâmia, ou seja, teria ocorrido uma troca entre os grupos religiosos na periferia do Império Bizantino, criando uma hostilidade contra os gregos (bizantinos). Isso reforça o fato de que as relações entre as Igrejas não Calcedonianas e Igrejas Calcedonianas foram tensas. Ocorre que, muitas vezes, um aspecto aparentemente doutrinário de uma disputa religiosa pode ter relação com os demais aspectos de uma comunidade, como a busca de afirmação no exercício do poder ou da resistência. Esses grupos não Calcedonianos pareciam estar resistindo para obter uma autonomia em relação ao poder bizantino.

19 BINNS, John. An Introduction to the Christian Orthodox Churches. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p.30.

20 KHATLAB, Roberto. As Igrejas Orientais Católicas e Ortodoxas: Tradições Vivas. São Paulo: AM Edições, 1997. p.151. Khatlab, assim como a grande parte dos autores que tratam do cristianismo ocidental, é um homem filiado a alguma Igreja, e isso não deve ser deixado de lado, pois implica uma interpretação peculiar que o autor pode atribuir a um evento específico da história das Igrejas Orientais.

No entanto, deve haver prudência nessa análise, para evitar certos anacronismos. Chamar de nacionalismo a força de identidade que havia entre os armênios direcionada contra os gregos seria um deles. O nacionalismo, como conceituado, foi uma ideia desenvolvida no século XIX; antes disso havia relações de identidade muito diferentes do que seria um nacionalismo21. Além disso, chamar de monofisitas os cristãos não Calcedonianos deve ser evitado, pois muitos autores consideram o termo pejorativo.

Se por um lado os cristãos não Calcedonianos são um ramo das Igrejas Ortodoxas que se desenvolveu em oposição e, posteriormente, fora do mundo bizantino, o cristianismo Calcedoniano surgiu em conjunto, o que não necessariamente significa sem atritos, com o mundo bizantino. Entre as Igrejas pertencentes à família Calcedoniana presentes em São Paulo, duas estão diretamente associadas à estrutura religiosa e administrativa do Império Bizantino (antes Romano): a Igreja Ortodoxa Grega e a Igreja Ortodoxa do Patriarcado de Antioquia. E duas ligadas às missões religiosas bizantinas entre os eslavos: a Igreja Ortodoxa Ucraniana e a Igreja Ortodoxa Russa no Exílio.

Essas duas primeiras Igrejas, de alguma forma, têm estrutura eclesiástica semelhante aos modelos administrativos do Império Romano e, posteriormente, Bizantino, apontando para o fato de que elas, como a Igreja Católica Romana, foram instituições oficiais de um poderoso Estado:

Com a Cristianização do Império Romano, os bispos das capitais regionais do império adquiriram reconhecimento formal de sua autoridade sobre as igrejas de suas dioceses imperiais. Roma, Alexandria e Antioquia tornaram-se focos organizacionais da igreja, e o bispo de Constantinopla e Jerusalém foram reconhecidos mais tarde como possuindo honra e autoridade similar, especialmente em

escutando apelos contra bispos locais e em resolvendo disputas entre eles. Nos concílios de Constantinopla I (381) e Calcedônia (451) a sé de Constantinopla foi reconhecida como segunda em honra à Roma, dando aos bispos das duas capitais do império jurisdição preeminente no Oriente e Ocidente respectivamente.22

Assim, tendo em vista as semelhanças entre a construção do poder estatal e a estrutura eclesiástica, observa-se uma aproximação do passado dessas Igrejas com elementos do poder bizantino. Em São Paulo, a Igreja Ortodoxa Grega está diretamente associada ao Patriarcado de Constantinopla, também chamado de Ecumênico, pela sua primazia em relação às demais Igrejas Orientais Calcedonianas; e a Igreja Ortodoxa do Patriarcado de Antioquia está ligada à Sé Calcedoniana de Antioquia.

As Igrejas Ortodoxas eslavas na cidade de São Paulo estão associadas às missões bizantinas na região da planície do rio Volga, na atual Rússia e Ucrânia. Ambas as Igrejas têm uma origem comum: a conversão ao cristianismo bizantino feita pelo príncipe Vladimir de Kiev no século X23. Com o tempo, essas Igrejas gradativamente separaram-se. Os grupos que foram absorvidos pelo cristianismo ocidental, principalmente pelas mãos do Estado polonês, e posteriormente pela imigração em massa para a América do Norte (principalmente Canadá), formam o cristianismo ucraniano. Os grupos que se mantiveram distantes da influência do cristianismo ocidental desenvolveram o cristianismo russo.

Esse cristianismo ucraniano é forte na diáspora, diferentemente do que ocorre na Ucrânia, em que os anos de dominação russa quase o extinguiram. Com a independência ucraniana após o fim da União Soviética, o cristianismo ucraniano foi retomado, principalmente com a ajuda da diáspora. No entanto, existem ainda disputas com um segmento do cristianismo da Igreja do Patriarcado Russo na Ucrânia:

22 PARRY, Ken (et. al.). The Blackwell Dictionary of Eastern Christianity. Oxford: Blackwell, 1999. p.372-3. 23 WARE, Timothy. The Orthodox Church. Londres: Penguin Books, 1997. p.78.

A situação na Ucrânia é especialmente complexa, pois o Patriarcado de Moscou já foi desafiado diversas vezes através do século XX por igrejas Ucranianas "nacionais". A Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana surgiu depois de 1920. Foi inicialmente tolerada como parte do esforço do governo Soviético de semear dissidências dentro da Igreja Ortodoxa Russa, mas foi tornada clandestina depois de 1930. A Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana foi brevemente restaurada durante a 2ª Guerra Mundial no início da ocupação do país pela Alemanha Nazista, mas depois foi forçada para o exílio, onde sobrevive nos Estados Unidos. Quando a Ucrânia tornou-se independente em 1991, o líder da Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana retornou à Kiev, onde foi proclamado Patriarca de Kiev e de Toda a Ucrânia. A Igreja Autocéfala Ucraniana com sua sede em Kiev, no entanto, não é reconhecida pelo patriarca ecumênico nem pelo Patriarca de Moscou. 24

Hoje na Ucrânia existe uma disputa entre um cristianismo ucraniano, posto na defensiva, e um cristianismo russo, dominante. No entanto, do ponto de vista da organização eclesiástica, nenhuma das Igrejas Ortodoxas eslavas presentes na cidade de São Paulo tem relação direta com essas disputas específicas. Estão sim associadas a elas por compartilharem um passado comum com essas disputas, por isso a importância de ressaltá-las. Mas elas disputam em um ambiente muito distinto do ucraniano.