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CAPÍTULO II – DISCURSO, FÉ, MEDIAÇÃO E FORMAÇÃO DE IDENTIDADE

2.2 IMPERATIVO DA CONTINGÊNCIA: FUTURO DO ICONOSTASIS

2.2.1 Apontamentos de Problemáticas

Segundo muitos membros do clero oriental paulistano, suas Igrejas estão num momento de inflexão. Passados quase 100 anos da vinda das diásporas que engendraram essas

Igrejas, tudo parece estar se modificando rapidamente. Os movimentos imigratórios cessaram há quase 50 anos e isso, de certa forma, preocupa os membros do clero:

A comunidade grega no Brasil é pequena, eu diria que não ultrapassa 20 mil pessoas. Pelo menos, eu perguntei ao cônsul esses dias: “Ah, cadastrados são poucos”. E a última imigração foi por volta do ano 60, de lá para cá, não teve, assim, significativa imigração, e com o tempo é como você disse: os velhos vão morrendo [...].88

GO ressalta também o envelhecimento dos primeiros imigrantes. Assim, são as famílias desses primeiros imigrantes que dão continuidade à comunidade. Porém, existem outras perspectivas que devem ser contempladas. A vivência dessas gerações numa diáspora tem de ser levada em conta. MK, da Igreja Católica Melquita, aponta para o fato de que há uma diferença entre as diversas gerações:

A de primeiro tipo, a geração que chegou do Líbano, da Síria e embarcou no Brasil e começou a viver, essa primeira geração ela é muito rígida, antiga e segue muito as tradições. Temos uma outra, aquela que é descendente de sírio-libanês, esse ficou a tradição bem leve, porque ela acabou casando com terceira pessoa que não é mais de origem árabe e começou a abrir para o mundo brasileiro. Aqui começaram a perder um pouquinho. Terceira geração totalmente perdeu, não pertence mais ao Rito e as origens e os costumes orientais. E eles se sentem mais confortáveis vivendo na maneira brasileira, isto é o correto, isto é o certo. Porque já estão aqui, não é mais um, dois, dez anos, já estamos falando de trinta, quarenta anos de convivência.89

88 Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 17/8/2011.

89 Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 20/5/2010.

A primeira geração mais associada ao Líbano e à Síria estaria mais próxima da Igreja. A segunda geração, muitas vezes, acaba por associar-se com uma terceira pessoa que

não é de origem árabe, portanto, os indivíduos tornam-se mais brasileiros. A terceira geração

não possui mais os costumes orientais. Quanto mais distante da associação com o país de origem, mais próxima da cultura brasileira. No que diz respeito às Igrejas Orientais, isso também é um elemento de mudança religiosa. A assimilação cultural dessas comunidades na cidade de São Paulo pressupõe, muitas vezes, a conversão religiosa fora do cristianismo oriental.

Isso está no horizonte dos depoimentos de MK e GO. Esses indivíduos, como membros do clero de suas Igrejas, sentem que isso dificulta a manutenção de suas Igrejas. A assimilação das novas gerações da comunidade e a não renovação da diáspora poderiam ameaçar a estabilidade dessas Igrejas. UO também está de acordo com seus colegas:

Então, e alguns ainda remanescentes da imigração que veio depois da Segunda Guerra, outros nascidos na Alemanha e outros nascidos aqui no Brasil. Aí vem a pergunta: “Por que tão poucos?” A principal resposta é casamentos mistos. Casa com quem não é ucraniano, brasileiro, de outra... Daí não entendem o idioma, daí preferem ir na Igreja Latina, na Igreja aonde entende melhor, ou casa com católico, vai para Igreja Católica. Enfim, existe uma comunidade bem minúscula, realmente pequena.90

UO aponta os casamentos mistos como forma de esfacelamento da comunidade, eles impulsionariam a desagregação da comunidade. Seria como se o fiel escolhesse deixar essa sua cultura oriental. O poder da Igreja Católica Latina é levado em conta.

Diante dessas perspectivas, muitos membros do clero sentem que estão deixando de cumprir sua missão, ficam indignados com o aparente fim de suas comunidades e a suposta negligência de seus fiéis:

A comunidade foi reduzindo cada vez mais. Em 50 anos. Por quê? Os russos ficavam aqui, muitos se integravam na comunidade brasileira [...]. Daí que a comunidade foi diminuindo [...]. Os católicos aqui não tinham muito o que fazer, porque um católico não segue a lei ortodoxa e nem a católico-ortodoxa, então o indivíduo está chupando bala e vai para a comunhão.91

RC considera a suposta rigidez das celebrações das Igrejas Orientais como um dos motivos do abandono de muitos féis. A caricatura do indivíduo que está chupando bala e vai

para a comunhão ilustra essa crítica. O catolicismo latino é encarado como elemento de

aproximação com a comunidade brasileira, mas também como negligência dos membros da comunidade russa católica com sua Igreja. No depoimento de MK, a indignação com relação a certas atitudes dos fiéis também aparece:

[...] temos aqui um centro cultural sírio que ensina às pessoas o idioma árabe, mostra para eles os costumes, a paisagem de lá, mas mesmo assim as pessoas não frequentam, quem mais frequenta são os brasileiros.92

91 Depoimento de membro do clero da Igreja Russa Católica da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 14/2/2010.

92 Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 20/5/2010.

Figura 9 - Igreja Católica Melquita na Avenida Paulista.93

Muitos dos fiéis melquitas não estariam mantendo a necessária cultura dessa comunidade. Então, MK, como membro do clero, buscou uma solução: manter um centro cultural sírio. Todavia, esse projeto teria falhado, mas há esses brasileiros, indivíduos à parte da comunidade cristã oriental original, que entram em contato com essa fé e cultura.

A indignação desses membros do clero perpassa a sua função de guardiões da memória desses grupos diaspóricos e dessa fé cristã específica. O aparente fim das comunidades sugere que eles não estariam cumprindo sua missão. Porém, eles procuram reorganizar sua comunidade, pois muitos acreditam que seu papel não foi terminado. Entendem que representam culturas que devem ser valorizadas e propagadas dentro da metrópole.

O fato de indivíduos de fora da comunidade original, os brasileiros, aproximarem-se dessas Igrejas parece ser uma nova tendência constituindo-se. Se por um lado as imigrações das comunidades originais não se renovam, a incorporação dos brasileiros torna-se uma nova perspectiva escolhida por muitas dessas Igrejas na cidade. O depoimento de GO é ilustrativo:

Mas, realmente, está um pouco difícil a coisa. Também nós não fazemos proselitismo, nós não fazemos. Nem placa, eu não gosto, aqui fui forçado a colocar uma placa, coloquei uma de 30 x 15 [cm], que uma velha olhou domingo e disse: “Padre, isso aqui é realmente para ninguém enxergar que o senhor colocou?” Mas tem uma cruz enorme em cima, acho que o maior logotipo está em cima, para quê fazer esse fuá...94

GO afirma que está um pouco difícil, referindo-se ao gradual fim da comunidade grega original. Ele afirma que sua Igreja não faz proselitismo, no entanto, foi obrigado a colocar uma pequena placa na porta de sua Igreja. Afirma que o maior logotipo de sua Igreja é a cruz em cima do templo. Mas GO reitera:

Temos uma história Apostólica ininterrupta, ou seja, uma sucessão Apostólica ininterrupta, retilínea. Tanto quanto à origem como quanto à sucessão Apostólica e também quanto à doutrina. Então isso nos dá muita segurança e as pessoas nos procuram muito pelo amor à tradição e à conservação deste tesouro que não deve ser simplesmente trancado a sete chaves, mas abrir o tesouro, porque também ortodoxia não é propriedade nem de grego, nem de russo e nem de árabe. O Cristo mandou que os apóstolos fossem para o mundo inteiro: pregar,

94 Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 17/8/2011.

fazer discípulos, discipular e batizar. Então nós tentamos seguir e fazer isso.95

O relato sugere um caminho duplo do membro do clero entre dois mundos da metáfora do Iconostasis. GO tenta abrir sua Igreja para os brasileiros, para a contingência da cidade, colocando uma pequena placa na porta de sua igreja, identificando o crucifixo como logotipo, traduzindo parte do Rito para o português, asseverando que a tradição ortodoxa não é propriedade de gregos, russos ou árabes. No entanto, ele afirma categoricamente que não faz proselitismo, que não quer negar a sua identidade, mas prega, faz discípulos e batiza. Ele está criando um Iconostasis Paulistano, expondo a questão do entre-lugar. Ele está criando uma Igreja Ortodoxa Grega paulistana, associando a fé ortodoxa grega à realidade paulistana. Através dessa contingência, os membros clericais elaboram, cada qual à sua maneira, estratégias e projetos para responder a esses desafios específicos da cidade de São Paulo.