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PENSANDO O FUTURO DO ICONOSTASIS: APONTAMENTOS

CAPÍTULO IV – PARA ALÉM DOS BELOS PORTÕES: APONTAMENTOS DOS

4.3 PENSANDO O FUTURO DO ICONOSTASIS: APONTAMENTOS

O cristianismo oriental paulistano vive um momento de inflexão. Os fluxos migratórias das regiões ligadas a esse cristianismo diminuíram e os antigos fiéis, envelhecidos, estão morrendo. Além disso, a concorrência de outros segmentos religiosos, muitos vezes, acaba contribuindo para a diminuição de féis. Assim sendo, o futuro de suas comunidades é uma preocupação dos fiéis, assim como dos membros do clero.

Para F-SO, que é um indivíduo convertido para a Igreja Sirian, o futuro não parece promissor:

Se você entrar dentro da igreja nesse momento, você vai verificar que a maioria dos adeptos que estão hoje são todos de cabeça branca. Esse é o grande detalhe. São os velhos. Dá impressão para mim que é uma Igreja que está morrendo. Tipo, daqui a vinte, trinta anos provavelmente não haverá uma renovação. São os cabeças brancas que frequentam. Não está tendo uma juventude, ou é muito pouco que vai repor os fiéis. Na minha impressão é a tendência, não extinguir, mas diminuir e se juntar com outra. No meu entendimento.204

F-SO enxerga a questão do envelhecimento da comunidade como principal entrave para a continuidade da Igreja. O futuro de sua Igreja, então, estaria na junção com outra. Ele identifica os principais elementos que atrapalhariam a manutenção de sua Igreja:

O que eu acho, me perdoe, no meu entendimento é ao contrário: a Sirian, por exemplo, a tendência é a nova safra de juventude se

assimilarem a outras religiões, e não outras religiões virem para cá. Eu acho que a tendência é ao contrário. Tanto é que na própria televisão está massificado esses evangélicos. De manhã, de tarde, de noite, de madrugada fica malhando, o cara que escuta, a tendência se for para lá é de tanta lavagem cerebral. Então, na minha opinião, não é que a cultura síria vai penetrar na sociedade brasileira, vai interferir. Não, não, ao contrário. Aqui não.205

A questão essencial para a não renovação dos fiéis ortodoxos sirian é o proselitismo das demais religiões, notadamente a vertente protestante do cristianismo. Mesmo sendo um recente frequentador da Igreja Sirian, F-SO crê que sua situação seja exceção. Poucos seriam os indivíduos que, como ele, deixariam uma vertente religiosa para se aproximar da Igreja Ortodoxa Sirian. Para o fiel, o que ocorre é o contrário.

Essa perspectiva de um cristianismo oculto na cidade de São Paulo também está no horizonte de F-MK. Ele trata do futuro de sua Igreja com base em sua experiência pessoal como convertido para a Igreja Católica Melquita. A vivência da fé desse fiel é marcada pelo fato de ser um católico oriental, algo em geral pouco compreendido no cristianismo paulistano:

Mas, para o povo, no dia a dia, a divisão que se faz é isso, ou seja, você tem os católicos, você tem os protestantes, evangélicos, e você tem os ortodoxos. Então, quando as pessoas veem o jeito de você fazer o sinal da cruz, as vestimentas dos padres, o modo de celebrar a Eucaristia. Porque no fundo se você pega um católico de Rito Oriental e compara com um católico ortodoxo, ortodoxo da Igreja Ortodoxa, as diferenças são externamente falando pouco. Você vai numa Santa Divina Liturgia ortodoxa, o que é que muda? Que tem um determinado momento que nós falamos o nome do Papa, enquanto que

205 Depoimento de fiel da Igreja Ortodoxa Sirian da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 30/1/2011.

o ortodoxo não vai pronunciar o nome do Papa, o restante é praticamente igual.206

O hibridismo característico das Igrejas Católicas Orientais, elaborando estratégias com as perspectivas do Catolicismo Latino e das Igrejas Ortodoxas, é ignorado pela maioria dos cristãos paulistanos. F-MK encontra-se num espaço delicado. A questão da alteridade aparece. O fiel, como antigo católico latino, sofreu as consequências da sua conversão na vivência familiar:

Então para um católico de Rito Latino ele realmente fica desconfiado. A sensação que dá... E eu sei porque, como eu nasci em família Latina, como eu vim de família Latina e Romana, muitas vezes eu senti que muitos me olhavam como um traidor, como alguém que tinha traído as suas origens, como alguém que tinha traído as suas raízes.

A questão tornou-se muito complexa para F-MK. Sua própria mãe pareceu não compreender sua conversão de um rito para outro. Essa reflexão é fundamental para que se possa pensar o futuro das Igrejas Católicas Orientais na cidade. A experiência de F-MK apresenta uma dificuldade no entendimento da complexidade das relações entre Igrejas na metrópole:

Minha mãe, até morrer, enfim, ela sempre me perguntava e dizia por que eu tinha deixado de ser católico, o que tinha acontecido, que ela tinha me educado, e eu dizia para ela: "Mas eu não deixei de ser católico, eu continuo pertencendo à Igreja Católica. Mas ser católico

não significa ser Romano, não significa ser Latino”. Mas não adianta, ela não conseguia entender. E não era só minha mãe, a maioria das pessoas não consegue compreender que quando você fala Igreja Católica, você está falando no mínimo de uma comunhão de 21, 23 Igrejas. [...] Então, no fundo, você apanha dos dois lados. Você não é nem Católico Latino, e também não é um Ortodoxo no sentido mais tradicional. Enfim, você tem claro o que você é, mas as pessoas nem sempre conseguem entender o que você é. Tanto que na grande maioria das vezes eu prefiro dizer simplesmente que eu sou católico.207

A dificuldade do fiel é evidente: “Então em São Paulo ser fiel da Igreja Melquita em São Paulo é difícil.”208 Isso se torna um entrave para a própria expansão das Igrejas Católicas Orientais:

Então, isso muitas vezes aconteceu, mas o que eu sinto é assim, não é uma preocupação da Igreja Melquita em roubar fiel da Igreja Latina, mas o que existe é uma preocupação de evangelizar, de levar o Evangelho. E nós vivemos numa cidade onde muitas pessoas se dizem católicas, foram batizadas, mas nós sabemos que não são católicas. Elas não frequentam a Igreja. Então, no entendimento do meu bispo e de vários outros, deveria existir, digamos assim, uma liberdade maior para as pessoas poderem escolher que Rito ou com que tradição cristã elas se identificam mais, já que nós estamos na mesma Igreja.209

A experiência de F-MK como fiel convertido da Igreja Latina para uma Católica Oriental marca profundamente seus apontamentos sobre o futuro de sua Igreja na cidade. Essa

207 Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 28/3/2011.

208 Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 28/3/2011.

209 Depoimento de fiel da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 28/3/2011.

complexidade foi amplamente debatida210 no âmbito dos membros do clero, permitindo notar que o depoimento do fiel apresenta perspectivas às vezes aproximadas, mas num lugar distinto.

A questão do envelhecimento da comunidade e da conversão de novos indivíduos para a fé cristã oriental também é parte das preocupações dos fiéis católicos ucranianos. No entanto, as sugestões apresentadas por F-UC1 e F-UC2 são de membros antigos da comunidade ucraniana observando as mudanças e contingências no interior da Igreja:

Então a comunidade vai diminuindo, mas é o que a gente fala: enquanto ainda tiver meia dúzia lá, vai ter. E a mesma coisa aqui na Sociedade, porque os jovens têm outras oportunidades, hoje a maioria infelizmente não se interessa muito. É um ou outro, tal. Aqui na Sociedade é um pouco mais fácil, mas na Igreja dá para contar nos dedos os jovens que participam, tal. E a gente já fez alguma coisa assim em termos de escrever a própria Liturgia com letras latinas, traduções também, para facilitar, ver se os jovens vinham um pouco, mas não deu muito resultado. Realmente, eles têm outras prioridades.211

A questão geracional aparece. Os entrevistados são membros da segunda geração da comunidade ucraniana, filhos dos imigrantes que vieram após a Segunda Guerra. Eles parecem ter um comprometimento com a Igreja, mas lamentam as atitudes dos indivíduos da terceira geração, netos desses primeiros imigrantes. Apontam o desinteresse dos mais jovens pela Igreja, mas notam uma proporção maior de interessados na Sociedade Ucraniana, que promove grupos folclóricos de dança. A tradução da liturgia do alfabeto cirílico para o latino

210 Ver Capítulo 3.

foi uma tentativa de promover a sua abertura para os jovens, mas falhou. Essas preocupações tangenciam as mesmas dualidades dos membros do clero.

No entanto, a comunidade religiosa ucraniana é penetrada por elementos de fora da comunidade. Assim como visto nas experiências de F-SO e F-MK, a Igreja Católica Ucraniana possui fiéis convertidos depois de adultos frequentando a Divina Liturgia:

Tanto que vem gente, que não são ucranianos e frequentam lá já há muitos anos. Acho que é mais de vinte anos que eles frequentam lá, e gostam, e seguem os Ritos. Tanto que agora há pouco tempo faleceu um senhor lá, e foi feita a Panaheda tudo no Rito Ucraniano para ele também.212

Os fiéis de origem ucraniana mantêm uma distinção entre eles próprios e esses fiéis

convertidos, marcando uma diferença latente em muitas Igrejas Orientais da cidade. Mesmo

F-SO ressaltou o fato de ser brasileiro em detrimento da comunidade árabe, frequentadora de sua Igreja. Aqui está sugerida a relação dessas Igrejas com comunidades imigrantes na cidade.

Contudo, F-UC1 aponta o quanto esses indivíduos não ucranianos foram influenciados pela fé e cultura da comunidade imigrante. No funeral de um desses fiéis foi feita a Panaheda (панахеда), ritual fúnebre da Igreja Católica Ucraniana, cantado em eslavônio. Para F-UC1: “Se tornaram parte da comunidade religiosa. Aqui na comunidade como ucraniano só não. Em termos religiosos tudo o que tem eles participam, tem bastante gente lá.”213. Esses fiéis convertidos são tidos como parte da comunidade na fé, na Igreja.

212 Depoimento de fiel da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 21/8/2011.

213 Depoimento de fiel da Igreja Católica Ucraniana da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 21/8/2011.

Mesmo assim, são considerados distantes da comunidade ucraniana, não são só ucranianos. No horizonte dos fiéis naturais há distinção entre eles e os fiéis convertidos.

Os fiéis orientais paulistanos estão localizados num ponto de intermediação de relações, entre suas referências à fé que professam, seja ela armênia russa ou ucraniana, e suas experiências pessoais, como habitantes de uma metrópole múltipla. Devem-se destacar suas

apropriações. A maneira de usar toda a tradição com que entram em contato marca,

silenciosamente, de maneira quase invisível, o modo como se elabora o cristianismo oriental paulistano214. Algo específico dos habitantes dessa metrópole, cada um à sua maneira. Nenhum fiel usa essa tradição da mesma maneira que outro, assim como o cristianismo oriental de São Paulo é distinto daquele de Buenos Aires. A experiência perpassa distintamente indivíduos e lugares215, mesmo que declarem uma tradição comum.

214 CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. p.59.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perspectiva do Iconostasis Paulistano já foi mencionada diversas vezes. A metáfora que sugere a mediação das Igrejas Orientais na cidade São Paulo. De certa forma, essa metáfora perpassa todas as relações do cristianismo oriental paulistano. Como já mencionado, o Iconostasis é a parede de ícones religiosos que divide a nave e o altar de grande parte das Igrejas Orientais. Sua posição é estratégica e demarca metaforicamente dois mundos durante a Divina Liturgia: o mundo divino, oficial e necessário, partilhado pelo membro do clero; e o mundo humano, mundano e contingente, partilhado pelos fiéis. Pensar o Iconostasis é pensar o lugar de encontro dessas relações.

As Igrejas Orientais, à primeira vista, parecem espaços de manutenção de uma antiga tradição:

[...] mas nós nos ufanamos de manter aqui as tradições Apostólicas, tanto é que, por exemplo, nós pertencemos à Igreja de Constantinopla. Qual foi o apóstolo que chegou até lá? Santo André o Protokletos, o primeiro chamado por Jesus Cristo, irmão de Pedro. A Igreja Antioquena ou Antioquina, como eles falam agora, teve lá como primeiro bispo Pedro. Antes de ir para Roma ele esteve em Antióquia ou Antioquia, onde os cristãos, seguidores de Cristo, foram apelidados de cristãos. Jerusalém, por exemplo, o primeiro bispo: Santo Iakobos, São Tiago, adelphoutios, chamado irmão de Jesus. Em Alexandria, por exemplo, qual foi o apóstolo que esteve lá? São Marcos. Na Rússia também, vamos dizer, até em Kiev teria chagado lá também Santo André, ou seja, temos uma história Apostólica ininterrupta, ou seja, uma sucessão Apostólica ininterrupta, retilínea. Tanto quanto à

origem como quanto à sucessão Apostólica e também quanto à doutrina.216

Mais do que uma apresentação do passado das Igrejas Orientais, esse discurso tenta apontar a trajetória retilínea e correta que essas Igrejas mantiveram e manteriam até hoje. No entanto, o estudo sugeriu que o cristianismo oriental paulistano é obrigado a lidar com o presente a todo momento, com sua situação atual na cidade, a tentar abarcar as singularidades da vivência em São Paulo, a repensar esse cristianismo passado na contingência metropolitana. Enfim, a ligar esse passado distante com a experiência atual:

Nós não temos mais essa mentalidade de que estamos aqui fechados para atender só o povo oriental. Nós somos para atender o povo em geral, quem pode frequentar a nossa Igreja, seja bem-vindo. Quem acha que o Rito é agradável é a maneira de agir em nossa missão, seja bem-vindo.217

Atualizar sua comunidade e abraçar a comunidade brasileira muitas vezes faz parte das várias estratégias dessas Igrejas paulistanas. Assim como o Iconostasis na Divina Liturgia, as Igrejas Orientais na cidade estão num espaço intermediário, entre a tradição e a situação atual. Por isso a sugestão da metáfora de um Iconostasis Paulistano, referente à metrópole. Entre a manutenção de uma memória e a criação de uma nova perspectiva mais condizente com a experiência na cidade. A questão do entre perpassa a vivência da situação do cristianismo oriental paulistano, passando por praticamente todas as relações apontadas no decorrer do trabalho.

216 Depoimento de membro do clero da Igreja Ortodoxa Grega da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 17∕8∕2011.

217 Depoimento de membro do clero da Igreja Católica Melquita da cidade de São Paulo, em entrevista concedida ao autor em 20∕5∕2010.

Os membros do clero talvez sejam aqueles que mais reflitam sobre essa situação. Eles têm de fixar e relembrar essa memória construída de suas Igrejas, ao mesmo tempo que têm de elaborar novas estratégias para incorporar a situação paulistana de suas instituições. O importante é pensar esses indivíduos numa situação de fronteira, numa situação entre: “É nesse sentido que a fronteira se torna o lugar a partir do qual algo começa a se fazer presente em um movimento não dissimilar ao da articulação ambulante, ambivalente, do além que venho traçando.”218

É justamente na fronteira que ocorre a síntese do Iconostasis Paulistano, feita pelos membros do clero, a estruturação de um cristianismo oriental que responde a uma situação paulistana. A ponte que liga a vivência paulistana com a tradição dessas Igrejas cria algo novo: “Sempre, e sempre de modo diferente, a ponte acompanha os caminhos morosos ou apressados dos homens para lá e para cá, de modo que eles possam alcançar outras margens... A ponte reúne enquanto passagem que atravessa.”219 As Igrejas Orientais paulistanas, com os seus membros clericais, criam pontes entre suas necessidades e contingências e reúnem novas estratégias para o cristianismo paulistano.

Outra situação situada no espaço do entre é a vivida pelas Igrejas Católicas Orientais na cidade. Elas, como já mencionado, estão numa região entre as Igrejas Ortodoxas e a Igreja Latina. Suas subjetividades dependem muito das relações que mantêm com essas duas

famílias de Igrejas. A relação de poder também perpassa o caráter entre dessas instituições:

“As identidades, portanto, são construídas no interior das relações de poder. Toda identidade é fundada sobre um exclusão e, nesse sentido, é „um efeito de poder‟.”220

218 BHABHA, Homi. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p.24. 219 HEIDEGGER, Martin. Apud: Ibidem. p.24.

220 HALL, Stuart; SOVIK, Liv (Orgs.). Da Diáspora: Identidade e Mediação Culturais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009. p.81.

Assim sendo, é na relação de poder, já discutida, entre as Igrejas Católicas Orientais e a Igreja Latina que seria construída a identidade dessas Igrejas. A sua peculiaridade de estarem entre duas tradições cristãs e serem a todo momento influenciadas pela Igreja Latina. Essa relação de poder – não ser Igreja Latina, estar dissociada dela, mas ter de parecer com ela, buscar ser incluída nela – marca constantemente a construção de identidade das Igrejas Católicas Orientais. Sua diferenciação da Igreja Latina está na igualdade com as Igrejas Ortodoxas, num processo dinâmico.

A experiência dos fiéis também atravessa a questão da mediação do cristianismo oriental paulistano. Ela resume bem o processo de apropriação que esse cristianismo específico da metrópole suscita entre a tradição passada e o presente da cidade. Compreender os fiéis orientais é compreender a dinâmica de suas Igrejas. Eles, assim como os membros do clero, também estão num entre-lugar, num local de fronteira cultural:

O trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro com “o novo” que não seja parte do continuum de passado e presente. Ele cria uma ideia do novo como ato insurgente de tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o passado como causa social ou precedente estético; ela renova o passado, reconfigurando-o como um “entre-lugar” contingente, que inova e interrompe a atuação do presente.221

A situação paulistana do fiel e sua apropriação da tradição criam um novo; ele traduz para sua condição o passado e a tradição daquela fé e cultura. No entanto, isso não é privilégio dos fiéis, todas as Igrejas Orientais na cidade também têm essa perspectiva. Sua situação específica distante dos locais de origem, integradas ao cotidiano da metrópole, faz com que sejam Igrejas Orientais paulistanas. Não são um museu pitoresco, onde encontra-se a

identidade original de armênios, russos ou coptas. São lugares que traduzem passados e criam um novo, apesar de entendimentos contrários:

Mesmo em meio a algumas dificuldades, procura manter seu corpo de alguns milhares de fiéis, sintonizando-se no conjunto de tradições não só religiosas, mas de todo o contexto cultural originário da pátria de seus ancestrais. Esse esforço de preservação religiosa e cultural visa a evitar o que ocorreu com outros emigrados instalados no Brasil e em países da América Latina, que, através dos tempos, deixaram-se aculturar, permitindo assim o desaparecimento de sua cultura de origem, dessa forma, legando ao esquecimento sua herança nacional, pondo fim às suas identidades originais.222

Este trecho sobre a situação da Igreja Ortodoxa Russa no Exílio presente na cidade sugere uma dicotomia entre o passado original, que deve ser preservado, e uma força contrária de aculturação e diluição da tradição dessa Igreja. Contudo, deve-se ter em mente que essas Igrejas já são híbridas, passam a todo momento por processos de tradução cultural. A experiência cotidiana na Rússia é distinta daquela verificada na cidade de São Paulo. Não há

identidades originais, não há uma lei original nessas comunidades. Formações sociais não

obedecem a leis223.

Assim como na Divina Liturgia o Iconostasis faz a fronteira cultural entre o divino e o humano, metaforicamente, o Iconostasis Paulistano é a tradução cultural, mediação, que a totalidade do cristianismo oriental paulistano, membros do clero e fiéis, faz entre tradição e cotidiano. Cada indivíduo ou grupo decifrando-o à sua maneira.224

222 LOIACONO, Mauricio. A Igreja Ortodoxa no Brasil. Revista da USP. São Paulo, nº.67, set./nov. 2005. p.130-131.

223 THOMPSON, Edward P. A Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981. p.61.

224 CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. p.55.

FONTES E BIBLIOGRAFIA

AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS. Mortes em confronto entre cristão e muçulmanos

no Egito chegam a 13. Folha de São Paulo. Mundo. São Paulo, 09/03/2011.

ANGOLD, Michel (Org.). The Cambridge History of Christianity - Eastern