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O Democrático - oposição à Ditadura Militar/Estado Novo e representações de Vila do Conde (1926-1936)

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MESTRADO

HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA

O Democrático

– oposição à Ditadura

Militar/Estado Novo e representações de

Vila do Conde (1926-1936)

Cláudia Alexandra Neves Vieira

M

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Cláudia Alexandra Neves Vieira

O Democrático – oposição à Ditadura Militar/Estado Novo e as

representações de Vila do Conde (1926-1936)

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em História Contemporânea, orientada pela Professora Doutora Maria da Conceição Coelho de Meireles Pereira

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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O Democrático – oposição à Ditadura Militar/Estado Novo e

representações de Vila do Conde (1926-1936)

Cláudia Alexandra Neves Vieira

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em História Contemporânea, orientada pela Professora Doutora Maria da Conceição Coelho de Meireles Pereira

Membros do Júri

Professor Doutor Jorge Fernandes Alves Faculdade de Letras – Universidade do Porto

Professor Doutor Gaspar Manuel Martins Pereira Faculdade de Letras – Universidade do Porto

Professora Doutora Maria da Conceição Coelho de Meireles Pereira Faculdade de Letras – Universidade do Porto

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Sumário

Declaração de honra ... 9 Agradecimentos ... 10 Resumo ... 11 Abstract ... 12 Introdução ... 13

1. O Democrático – história de um periódico republicano ... 18

1.1. Fundação e papel enquanto órgão do Partido Republicano Português ... 18

1.2. Características gerais, equipes diretivas e editores ... 20

1.3. Órgão da reação republicana à Ditadura Militar e ao Estado Novo ... 23

1.4. A morte de O Democrático ... 24

2. Das origens da Ditadura Militar aos primeiros anos de afirmação do Estado Novo – breve contextualização histórica ... 28

2.1. Do golpe de Estado à instauração e queda da Ditadura Militar... 28

2.2. O Estado Novo – a formação da nova ordem ... 36

2.2.1. A ascensão de Salazar... 36

2.2.2. Ideário e mecanismos de afirmação do salazarismo ... 38

3. O 28 de Maio e a Ditadura Militar – a posição de O Democrático ... 43

3.1. O golpe armado e a oposição à Ditadura Militar e seus governantes ... 43

3.2. A crítica aos monárquicos e o apelo à união dos republicanos ... 58

3.3. A crítica ao Integralismo Lusitano ... 66

3.4. O apoio ao movimento reviralhista ... 69

4. Representações da figura e ação política de Salazar (1928-1936) e críticas ao Estado Novo ... 75

4.1. Salazar e as Finanças ... 75

4.2. A crise do trabalho ... 79

4.3. A ética republicana face aos valores do regime ditatorial ... 83

4.3.1. Catolicismo e laicidade ... 83

4.3.2. “Educar, eis o problema!” ... 86

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4.3.5. A oposição do semanário ao Movimento Nacional Sindicalista ... 100

4.4. Praxis política do Estado Novo – crítica ao regime repressivo ... 103

4.4.1. União Nacional ... 103

4.4.2. Constituição de 1933 ... 106

4.4.3. Censura ... 107

4.4.4. Polícia Política ... 109

5. A reação republicana ao Estado Novo – o apoio de O Democrático à luta contra a Situação ... 113

5.1. Figuras republicanas – Afonso Costa ... 113

5.2. Aliança Republicana e Socialista ... 115

6. O Democrático e as representações de Vila do Conde ... 119

6.1. Características e potencialidades da vila ... 119

6.1.1. A beleza e singularidade da beira-mar e paisagem... 119

6.1.2. O património histórico, monumental e artístico ... 121

6.1.3. Tradição e cultura em Vila do Conde ... 123

6.2. Carências, atrasos e problemas regionais ... 127

6.3. Principais melhoramentos e reivindicações locais ... 130

6.3.1. A importância da conservação e embelezamento da zona balnear para a promoção da atividade turística ... 130

6.3.2. Os deficientes cuidados de higiene: uma ameaça à saúde pública ... 133

6.3.3. A questão da linha telefónica: ligar Vila do Conde ao Porto ... 140

6.3.4. “Trevas, não. Luz, sim” ... 147

6.3.5. Água potável e saneamento básico ... 151

6.3.6. A degradação do porto e da barra numa terra de marinheiros ... 156

6.3.7. Reorganização e aproveitamento das potencialidades das feiras locais ... 159

6.3.8. “O Hospital vai fechar?”... 162

6.3.9. O flagelo da mendicidade ... 166

Conclusão ... 171

Fontes ... 177

Bibliografia ... 178

Anexos ... 181

Anexo 1 – “Ao Começar”. O Democrático, nº 1, 18/05/1913, p. 1. ... 182

Anexo 2 – “Horas Tristes”. O Democrático, nº 629, 26/06/1926, p. 1. ... 183

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Anexo 4 – “O Perigo”. O Democrático, nº 647, 08/11/1926, p. 1. ... 185 Anexo 5 – GUSMÃO, Duarte Vilhena – “Sufrágio Universal”. O Democrático, nº 867, 12/06/1931, p. 1. ... 186 Anexo 6 – GUSMÃO, Duarte de Vilhena – “A mocidade académica e a política”. O

Democrático, nº 878, 11/09/1931, p. 1. ... 187

Anexo 7 – GUSMÃO, Duarte de – “A Delação”. O Democrático, nº 898, 29/01/1932, p. 1. ... 188 Anexo 8 – PORTUGAL, Eduardo – “Crimes”. O Democrático, nº 935, 28/10/1932, p. 1. ... 189 Anexo 9 – ARAÚJO, Artur da Cunha – “O cancro do analfabetismo”. O Democrático, nº 2030, 30/10/1936, p. 1. ... 190 Anexo 10 – “Problemas a resolver”. O Democrático, nº 765, 26/04/1929, p. 1. ... 191 Anexo 11 – SILVESTRE, Rosa – “Vila do Conde civilizada?!”. O Democrático, nº 921, 22/07/1932, p. 1. ... 192

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Declaração de honra

Declaro que a presente tese é de minha autoria e não foi utilizado previamente noutro curso ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores (afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo com as normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e auto-plágio constitui um ilícito académico.

Porto, 25 de novembro de 2019

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Agradecimentos

A elaboração desta dissertação de mestrado contou com fundamentais apoios e incentivos sem os quais não se teria tornado uma realidade e aos quais ficarei eternamente grata.

Um agradecimento especial à Professora Doutora Conceição Meireles Pereira, pela sua orientação exemplar pautada pelo rigor, pelo total apoio e irrestrita disponibilidade. O conhecimento que transmitiu, as opiniões e críticas com que contribuiu e a absoluta colaboração na resolução de problemas e dúvidas que surgiram, foram verdadeiramente fundamentais para concretização deste estudo.

Ao professor José Emídio Lopes pela importante cedência de bibliografia fundamental para esta investigação, pelos conselhos e pela disponibilidade.

À Isabel, minha amiga e colega de percurso académico, que esteve sempre do meu lado durante esta fase, com paciência, sentido de companheirismo e disponível para ajudar em todos os momentos, especialmente nos mais difíceis.

Ao Bruno, por ser a retaguarda de todas as opções, pela confiança inabalável que depositou em mim neste desafio a que me propus, pelas palavras de incentivo e pelos incontáveis abraços apertados de força.

À minha família pelo apoio absoluto que sempre demonstrou perante a minha vontade de realizar os meus objetivos académicos, pela incomensurável generosidade e pela compreensão.

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Resumo

O presente estudo tem como objetivo analisar o periódico republicano vila-condense O Democrático (fundado em 1913) no decénio final da sua existência – 1926-1936 – percecionando as suas representações de Vila do Conde mas também o ambiente de profunda transformação política que o país então vivia, desde a eclosão do golpe militar do 28 de Maio aos primeiros anos de afirmação do Estado Novo.

Pretende-se, assim, além de estabelecer as características fundamentais deste semanário – desde sempre alinhado pelo Partido Republicano Português/Partido Democrático –, perceber a sua visão sobre Vila do Conde, a sua gestão municipal, bem como as suas potencialidades e vulnerabilidades num quadro socioeconómico, político e cultural na década em destaque, perscrutando nas suas críticas e propostas a ideologia fundamental que o orientava. Esta observação à escala local é precedida de uma análise a nível da política nacional, visando compreender os parâmetros de reação versus aceitação do jornal relativamente ao processo de mudança de paradigma político – do liberal ao ditatorial – que o país então viveu, na junção da crise política nacional e económica mundial, e destacar as formas de afirmação democrático-republicana do semanário até à sua extinção, à semelhança de tantos outros títulos da imprensa democrática em Portugal, no ano de 1936.

Palavras-chave: O Democrático, Vila do Conde, Ditadura Militar, Estado Novo,

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Abstract

The main purpose of this research is to analyze Vila do Conde’s republican newspaper O Democrático (founded in 1913) in its final decade of existence – 1926-1936 – perceiving its representations of Vila do Conde as well as the environment of deep political transformation that the country endured, since the military coup that occurred on May 28th 1926 until the first years of the Estado Novo’s (New State’s) ruling.

Therefore, it is intended to, besides establishing the fundamental features of this newspaper – since its beginning aligned with the Portuguese Republican Party/Democratic Party –, understand its vision about Vila do Conde, its local authority management, as well as its potentialities and vulnerabilities in a socioeconomic, political and cultural framework during the highlighted decade, peering in its criticism and proposals the fundamental ideology that guided the newspaper. This observation on a local scale is preceded with an analysis of the national policy, aiming to understand the newspaper’s reaction parameters versus its acceptance regarding the political paradigm change – from liberal to dictatorial – that the country lived, in the midst of both the national political crisis and the world economic crisis, and highlight the newspaper’s democratic-republican affirmation ways until its extinction, just like so many other democratic newspapers in Portugal, in the year of 1936.

Keywords: O Democrático, Vila do Conde, Military Dictatorship, Estado Novo,

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Introdução

Esta dissertação de Mestrado centra-se na análise de um semanário republicano vila-condense – O Democrático – na fase final da sua existência, mais exatamente no decénio compreendido entre 1926 e 1936. Como o local de publicação do jornal e o arco temporal sugerem, pretende-se estudar as suas representações sobre o ambiente político nacional em transformação – desde a instauração da Ditadura Militar até aos primeiros anos de afirmação do Estado Novo – mas também as representações de Vila do Conde sob o ponto de vista socioeconómico, político-municipal e cultural.

A motivação da escolha deste tema prende-se, principalmente, com a minha ligação a Vila do Conde, visto que sou natural da cidade. Assim, o interesse pela sua História e a contribuição para o enriquecimento da mesma sempre foram parte dos meus interesses de investigação. Por outro lado, a própria cronologia selecionada é bastante apelativa, visto que encerra mudanças e acontecimentos históricos a nível nacional de elevada importância que moldaram a História Contemporânea de Portugal. Tendo, também, adquirido já alguma experiência na análise de fontes hemerográficas – assim como o gosto e preferência pelo estudo das mesmas, através do trabalho de investigação realizado no âmbito do Seminário em História Contemporânea – pareceu quase natural e adequado desenvolver um estudo primordialmente documentado na imprensa periódica da cidade em que nasci.

Embora se trate de uma investigação com forte vertente de História Local, apresenta, na minha opinião, grande pertinência no panorama historiográfico atual. De forma a fazer a História de um país é essencial não negligenciar o estudo aprofundado em escala menor – dos concelhos, cidades, lugares e aldeias – que o constituem. Só desta forma se poderão expor possíveis discrepâncias e particularidades, estabelecer comparações, colmatar falhas na informação e, assim, criar condições de uma mais ampla compreensão dos factos históricos. Norteou este estudo a dialética local versus nacional, que, aliás, a própria fonte hemerográfica sugere.

Trazendo agora o foco para os objetivos de investigação, neste trabalho pretende-se responder a um conjunto de questões que traçaram o rumo da pesquisa, criando assim a

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problemática. Neste sentido, pretende-se conhecer melhor o periódico em análise, o seu contexto de fundação, afiliação no espectro partidário da I República, objetivos e programa editorial, bem como as personalidades que o mantiveram como órgão político-partidário e defensor dos interesses locais (diretores, editores mas também alguns colaboradores).

Sendo então O Democrático um periódico republicano, deseja-se saber como se colocou sob o ponto de vista politico-ideológico após o 28 de Maio, que linha editorial seguiu, que doutrinas visou como principais inimigas da República e que apelos fez em sua defesa, que críticas e/ou elogios dispensou aos principais acontecimentos e protagonistas neste período de acelerada mutação política.

Complementarmente, este estudo visa apurar como reagiu o periódico à governação de Oliveira Salazar, desde a sua atuação no Ministério das Finanças até aos primeiros anos do Estado Novo, que características destacou da sua personalidade, enfim, de que forma condenou a praxis política que se seguiu à queda da República, que substituiu o centenário paradigma liberal por um paradigma ditatorial e repressivo. Inclusive, num momento de ascensão de várias doutrinas fascistas, pretende-se perceber a reação do jornal ao Movimento Nacional Sindicalista.

Ainda no domínio da política nacional considera-se de extrema pertinência compreender as formas e representações de apoio d’ O Democrático à luta contra a Situação, designadamente o movimento reviralhista e a Aliança Republicana e Socialista. Todavia, como já foi mencionado, este semanário não era exclusivamente um jornal político-partidário, ostentava no seu cabeçalho a condição de “defensor dos interesses locais”. Nesta conformidade, a problemática estabelecida para esta investigação não podia alijar a questão local, isto é, discernir de que forma o semanário se debruçou e dedicou sobre as questões do concelho da Vila do Conde, ao logo deste decénio, nos grandes domínios da sociedade, economia, política local e cultura, designadamente em matéria de património natural e histórico, monumental e artístico; turismo (então florescente); higiene, saneamento e saúde pública; o porto e o comércio locais; comunicações e eletrificação; pobreza e condições sociais. Enfim, que carências

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fundamentais denuncia o semanário no seu concelho, quais os principais melhoramentos que reivindica, que propostas e soluções avança para resolução dos problemas locais?

Relativamente ao Estado da Arte, foram selecionados estudos considerados fundamentais para a compreensão dos temas em destaque. Primeiramente, considerou-se basilar obter uma compreensão o mais alargada possível da história da Ditadura Militar e do Estado Novo. Além de obras de caráter mais geral, pelas quais a leitura e interpretação se iniciou, evidencia-se A crise da República e a Ditadura Militar de Luís Bigotte Chorão1. Este autor expõe várias teorias que remetem para a reflexão sobre a

compreensão da crise que assombrou a I República, efetuando depois uma complexa análise do golpe de Estado do 28 de Maio, dissecando e desconstruindo o programa dos militares golpistas. Destaca-se, também, o artigo de Manuel Braga da Cruz, intitulado “A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à formação do Estado Novo”2, precisamente por oferecer uma explicação detalhada das origens da insurreição militar do 28 de Maio que levou ao estabelecimento da Ditadura Militar e a difícil sobrevivência desta que daria lugar, anos mais tarde, à formação do Estado Novo encabeçado por Oliveira Salazar. Neste seguimento, evidencia-se o extenso estudo Salazar: uma

biografia política – da autoria de Filipe Ribeiro Meneses3 – que, apesar de se tratar de uma obra com declarado foco na figura Salazar e no seu percurso pessoal e profissional, apresenta-se também como um estudo aprofundado da ditadura do Estado Novo, inserido na era dos totalitarismos, visto que expõe os principais momentos da sua evolução, desde a sua institucionalização com a entrada em vigor da Constituição de 1933 até à morte do ditador. Adicionalmente, constitui-se manifestamente importante o estudo da oposição republicana tanto à Ditadura Militar como ao Estado Novo. Assim, O Reviralho. Revoltas

Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo 1926-1940 de Luís Farinha4 assume-se

como uma referência bibliográfica fundamental neste domínio. Trata-se de um estudo de extrema importância para este trabalho, uma vez que o movimento reviralhista constituiu,

1 CHORÃO, Luís Bigotte – A Crise da República e a Ditadura Militar. Porto: Sextante Editora, 2010. 2 CRUZ, Manuel Braga da – «A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à Formação do Estado

Novo». Revista de História das Ideias. Coimbra: Instituto de História e Teoria das Ideias, 1985, n.º 7, p. 347-372.

3 MENESES, Filipe Ribeiro de – Salazar: uma biografia política. Lisboa: Dom Quixote, 2010.

4 FARINHA, Luís – O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo 1926-1940.

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na cronologia em destaque, a mais importante frente de combate à Ditadura. Aquele historiador explica a génese deste movimento, as revoltas organizadas contra a Situação e a reação à implantação do Estado Novo.

No que concerne à história de Vila de Conde, embora a produção seja escassa, sobressaem duas obras: a Nova História de Vila do Conde, de Carmo Reis5, e Vila do Conde de Marta Miranda6. Quanto à primeira, apesar da sua pertinência para este trabalho

residir apenas no último capítulo, apresenta uma síntese de Vila do Conde no século XX. Assim, embora breve, este estudo debruça-se sobre o concelho nas mais variadas vertentes: aborda o progresso urbano ao longo das décadas; a evolução do comércio; as instituições, estabelecimentos e serviços e suas respetivas funções; as inovações que o avanço da tecnologia permitiu; a influência e efeitos da política nacional na cidade; os altos e baixos da sua economia; a sua forma de organização social e as figuras notáveis, entre outros aspetos. A segunda serve de suporte especificamente no que diz respeito à história relativa aos monumentos e instituições históricas locais, como é o caso do Mosteiro de Santa Clara, e aspetos muito característicos da cultura e tradição vila-condenses, tais como as rendas de bilros e a atividade dos ranchos.

Dado que esta investigação tem como fonte primordial um periódico, a obra Imprensa

e Opinião Pública em Portugal, de José Tengarrinha7, constitui um recurso bibliográfico indispensável, uma vez que fornece preciosa informação relativamente à censura aplicada às folhas informativas desde o 28 de Maio de 1926 até ao 25 de Abril de 1974, tendo inclusive um capítulo dedicado à imprensa e opinião pública no período do Estado Novo.

Relativamente à seleção da fonte hemerográfica, procedeu-se, inicialmente, à consulta do catálogo de periódicos vila-condenses do século XX8. Após uma pesquisa

exploratória, selecionaram-se os semanários O Democrático e A República, principalmente por apresentarem um maior número de edições publicadas na cronologia em estudo e por não serem órgãos oficiais ou oficiosos do regime, eram periódicos que

5 REIS, A. do Carmo – Nova História de Vila do Conde. Vila do Conde: Câmara Municipal de Vila do

Conde, 2000.

6 MIRANDA, Marta – Vila do Conde. Lisboa: Editorial Presença, 1998.

7 TENGARRINHA, José – Imprensa e Opinião Pública em Portugal. Coimbra: Minerva, 2006.

8 Este catálogo e respetivos periódicos encontra-se disponível em linha no sítio da Biblioteca Municipal

José Régio, através da plataforma “Biblioteca Digital”. Disponível em: <http://periodicos.bm-joseregio.com/geadopac/search> [acesso em 06/09/2019].

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mergulhavam as suas raízes no tempo e na ideologia republicana, tendo todavia sobrevivido à Ditadura Militar e à fase inicial do Estado Novo. Decidiu-se então estudar os dois títulos de imprensa periódica mencionados. Neste sentido, foi levada a cabo uma breve análise de ambos, cotejando, entre outros aspetos, as suas características gerais, os assuntos mais tratados e o estilo de redação. Contudo, chegou-se à conclusão de que não seria particularmente vantajosa a utilização dos dois. Ou seja, ter-se-ia o dobro do trabalho sem, necessariamente, se obter o dobro dos resultados. A intenção inicial visava estabelecer uma comparação e cruzamento das informações dos dois jornais; todavia, os periódicos apresentam posições deveras semelhantes (principalmente na defesa da República e aversão a regimes ditatoriais), acabando a escolha por recair sobre O

Democrático, uma vez que se considerou mais inflamada, crítica, incisiva, forte e

destemida a abordagem aos temas que debateu nas suas colunas e que constam na problemática que guia esta investigação.

Sob o ponto de vista metodológico, a recolha e tratamento de toda a informação colhida na fonte foi inserida numa base de dados informática, organizada por datas, temas e palavras-chave para mais fácil acesso, organização e agilização da análise ulterior. Esta opção revelou-se acertada, pois este trabalho analisa os 522 números editados pelo jornal entre 1926 e 1936, ficando patente a vastidão da fonte. Por outro lado, há que referir a dificuldade inerente de trabalhar com a imprensa periódica, uma vez que, se todas as fontes históricas são subjetivas e a sua informação manipulável, a imprensa periódica é-o de fé-orma mais flagrante. Tal implica várié-os cruzamenté-os de fé-orma a é-obter uma representação o mais objetiva possível dos factos, algo que muitas vezes pode ser desafiador.

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1. O Democrático – história de um periódico republicano

1.1. Fundação e papel enquanto órgão do Partido Republicano Português

A I República, proclamada após a revolução de 5 de Outubro de 1910, pôs fim a uma Monarquia multissecular. Apesar da ambição e pretensões fortemente inspiradas no ideário reformista demo-republicano, este regime conheceu vicissitudes várias (pulverização partidária apesar da hegemonia do Partido Republicano Português/Partido Democrático, dois momentos de ditadura, participação do país no primeiro conflito mundial e suas prolongadas e profundas consequências, etc.) pelo que, principalmente nos seus últimos anos, foi posto em causa por golpes e maquinações sobretudo provenientes do setor militar (embora com apoios civis), acabando por sucumbir à insurreição do 28 de Maio de 1926, perpetrada pelas Forças Armadas.

O regime republicano apresentava no seu ideário princípios e reformas deveras ambiciosos (e até controversos para a época, como é o caso da laicização do Estado), num país repleto de desigualdades sociais e carências de todo o género, mas que, na verdade, grande parte deles nunca seriam aplicados na sua plenitude, revelando timidez na materialização dos ideais9. O ideário do Partido Republicano Português incluía, por exemplo, a pretensão do acesso de todos à educação, a livre associação e expressão de opinião sem restrições, o reconhecimento do direito à greve, a regulamentação do horário de trabalho, a implementação do Registo Civil obrigatório, entre outras medidas10.

Não obstante a revolução do 5 de Outubro, na capital, se ter deparado com poucos obstáculos, mais complexo seria manter o novo sistema, legitimá-lo e garantir a sua aceitação, tanto a nível interno como externo. Ela poderia ser proclamada no resto do país pelo telégrafo, na célebre afirmação de João Chagas, porém os republicanos teriam de se esforçar para que a sua mensagem se difundisse. Assim, a imprensa republicana não

9 WHEELER, Douglas L. – «A Primeira República Portuguesa e a História». Análise Social. Lisboa: ICS,

1978, vol. XIV, nº 56, p. 866.

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poderia suster o seu ímpeto, teria de continuar alerta e ativa, sobretudo fora das grandes cidades. É neste contexto que nasce em Vila do Conde um novo jornal com esse propósito. A primeira edição de O Democrático data de 18 de maio de 1913 – em pleno primeiro Governo de Afonso Costa – e no seu cabeçalho “dizia ao que vinha”, apresentando-se como “defensor dos interesses locais e do Partido Republicano Português”11.

Originalmente administrado por Manuel Barbosa Marques, e tendo como diretor e editor Bernardino Justino dos Santos Andrade, este semanário abriu o primeiro número com um artigo de apresentação dos seus ideais e objetivos de redação. Reiterou a calorosa defesa dos princípios do Partido Democrático, assim como a luta pelos interesses e progresso de Vila do Conde.

Como seria de esperar, enquanto defendeu a República e manutenção das suas instituições, declarou a sua profunda oposição à Monarquia o que, de resto, seria tema recorrente ao longo de toda a década de 1926-1936.

O seu objetivo de fundação foi, assim, claro. Inerente à criação do semanário estava o objetivo de uma representação regional de apoio ao recém-instalado regime republicano, com uma orientação mais à esquerda no espetro político – a fação do Partido Republicano Português/Partido Democrático – e de luta pela manutenção desse mesmo regime.

Como se sabe, a I República apresentou-se como um período verdadeiramente paradoxal e conturbado. Na sua breve existência de cerca de 16 anos viu subsistirem “quarenta e cinco Governos, oito eleições gerais e oito presidentes”, revelando-se “o regime parlamentar mais instável da Europa Ocidental”12.

Neste contexto, é clara nas colunas do periódico a profunda ânsia por estabilidade e coerência política, que os responsáveis do jornal consideravam a única forma de se contrapor “aos processos indecorosos de fazer política que caracterizaram os últimos tempos da Monarquia”13.

Atendendo às diferentes correntes políticas existentes durante a I República e às discórdias que o pluripartidarismo poderia causar, O Democrático reivindicava para si

11 O Democrático, nº 1, 18/05/1913, p. 1. Ver Anexo 1.

12 WHEELER, Douglas L. – «A Primeira República Portuguesa e a História», p. 865. 13 “Ao Começar”. O Democrático, nº1, 18/05/1913, p. 1. Ver Anexo 1.

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uma posição de tolerância e respeito pelos princípios dos outros, mas forte e intransigente na defesa dos seus:

Nós teremos pelos nossos adversários republicanos o máximo respeito, certos que estes igualmente respeitarão a boa-fé dos nossos desígnios, não esquecendo um só momento de que todos, embora com planos diferentes e ideias contrárias, lutamos para o mesmo fim – o engrandecimento da Pátria pela consolidação da República14.

Desta forma, reconheceu as claras divergências partidárias e os desígnios políticos de cada fação, enfatizando que a causa era comum: a manutenção da República para a prevenção total de um Portugal monárquico uma vez mais.

1.2. Características gerais, equipes diretivas e editores

Com uma periodicidade semanal, O Democrático deu à estampa 522 edições na década em análise.

Estruturalmente, o jornal apresentou determinadas características que se conservaram ao longo da sua história. Possuía uma média de quatro páginas por número e uma secção especificamente dedicada à publicidade que, ocupando a última página de cada edição, geralmente oferecia destaque aos negócios locais e anúncios de emprego.

Iniciando cada número com um artigo de abertura, entende-se que este espaço ficava reservado a notícias e/ou textos com mais relevância à data. Habitualmente, referiam-se a problemas locais concernentes a Vila do Conde que O Democrático entendia necessitarem de rápida resolução por parte das autoridades competentes, ou a notícias à escala nacional (e até internacional, embora mais raramente) que eram consideradas determinantes na ordem do dia.

Compreende-se, neste seguimento, que, apesar de se tratar de um periódico regional não abdicava de se pronunciar, muitas vezes de forma efusiva e detalhada, acerca

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de assuntos de ordem política, económica, social e cultural a nível geral, de forma a melhor informar os leitores.

Nas segunda e terceira páginas de cada edição continuava a divulgação de outras notícias que, na maioria dos casos, se referiam a Vila do Conde. Estas tomavam a forma de divulgação de eventos ou ações de relevância, problemas e carências da localidade, entre outras.

Com efeito, encontram-se determinadas secções que se mantiveram ao longo do decénio, como é o caso de “Pelas aldeias”. Esta coluna era dedicada à divulgação de notícias sobre as freguesias que integravam o concelho de Vila do Conde. Normalmente, as informações eram enviadas ao jornal através de correspondência redigida por colaboradores residentes nas aldeias. Difundiam-se assuntos como as importantes e populares festividades religiosas ou de lazer; reivindicações de progressos urgentes e necessários a executar e consequente notícia se os mesmos se efetuassem; desentendimentos dentro das comunidades; falecimentos de personalidades distintas da região. Note-se que, se as festividades fossem de grande visibilidade ou importância para o concelho, em grande parte dos casos teriam direito à sua própria coluna.

O jornal deu grande peso à divulgação das iniciativas culturais típicas da vila, tentando incentivar à máxima afluência e contribuição da população para tais eventos, de forma a enaltecer o concelho e despertar a curiosidade turística.

Por outro lado, O Democrático reservou espaço permanente para o seu “Boletim Semanal”, destacando aniversários e casamentos (uma vez mais, das elites da vila), assim como regressos, visitas e partidas de famílias ou pessoas mais conhecidas da terra.

Outra das secções que se manteve ao longo dos anos foi “Literatura” ou “Secção Literária”, na qual se publicavam maioritariamente textos poéticos, cumprindo desta forma a função instrutiva e cultural que também assumia. Na mesma linha, o jornal anunciava os saraus culturais, a projeção de filmes e a representação de peças de teatro a realizar no Teatro Afonso Sanches.

No que diz respeito às várias equipes responsáveis pela manutenção deste semanário é de referir que, ao longo do decénio 1926-1936, este se viu sob o comando de vários homens. Pelas equipes diretiva e editorial passaram João Canavarro Crispiniano

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da Fonseca15; Herculano Augusto Pereira Ramalho, Francisco de Barros Barbosa16 e António Lopes de Macedo. Ao longo desses dez anos, o jornal manteve-se propriedade da viúva de António José de Campos. Relativamente aos autores dos artigos, uma parte significativa dos textos era assinada por pseudónimos ou apenas iniciais, sendo difícil apurar a verdadeira identidade dos colaboradores e redatores do periódico, sendo de admitir que os sucessivos diretores tenham também redigido alguns dos textos publicados. No entanto, como se verá ao longo do trabalho, alguns artigos de grande significado político encontravam-se assinados, menção que será feita caso a caso, verificando-se que alguns nomes, por exemplo Duarte de Gusmão, estavam profundamente ligados à oposição à Ditadura e ao Estado Novo, chegando a conhecer os seus cárceres. Por outro lado, para ilustrar determinadas matérias e opiniões, O

Democrático reproduziu textos de outros órgãos da imprensa, identificando sempre a sua

origem.

Em suma, O Democrático manteve uma estrutura coerente e estável entre 1926-1936, situação que faz parelha com a consistente defesa dos ideais que preconizou nas suas colunas.

15 Foi funcionário público e diretor da Escola de Reforma do Porto/Reformatório de Vila do Conde; em

outubro de 1910 foi nomeado administrador do concelho de Resende e, em 1912, administrador do concelho de Vila do Conde; foi também deputado ao Congresso da República (1915-1917) (João Canavarro

Crispiniano da Fonseca (1881-1958). Biografias. Centenário da República (1910-2010). História & Memória. Disponível em

<http://hm.centenariorepublica.pt/biografias/193-joao-canvarro-crispiniano-da-fonseca.html> [acesso em 06/09/2019]).

16 Um dos fundadores do Rancho da Praça (A Praça – Publicação comemorativa do 70º aniversário do

(23)

1.3. Órgão da reação republicana à Ditadura Militar e ao Estado Novo

Oriundo de setores progressistas da República, O Democrático patenteou natural rejeição a regimes ditatoriais e repressivos que inibissem a prática dos ideais republicanos.

Após o golpe militar de 28 de Maio de 1926, e perante o desenrolar dos acontecimentos, o semanário criticou o movimento e seus participantes, visto que os objetivos e promessas do programa da revolução não estariam a dar os frutos esperados – temática que será explorada mais à frente.

Neste ambiente de descontentamento, o jornal defendia a ideia de que a Ditadura Militar deveria ser encarada apenas como um período transitório e de reflexão. Assim, apelava à união dos republicanos de todas as diferentes fações políticas para que reconhecessem o que se havia feito de errado e o que seria possível melhorar, numa constante busca de soluções para que novamente se fizesse a República. Ao mesmo tempo, e perante a sua visão e análise dos acontecimentos, considerava que o período de Ditadura Militar servira apenas o propósito de provar que só a República seria o regime adequado à governação do país.

Neste sentido, assiste-se a uma constante defesa dos ideais proclamados pelos homens da I República e até o reforço da propaganda republicana ao quotidiano da população através da imprensa, apesar do periódico reconhecer a dificuldade de concretização deste último objetivo, devido à ação repressora da censura.

No âmbito de apoio ao republicanismo, o jornal conferiu grande ênfase, durante este período de Ditadura Militar, a assuntos como a urgência do combate ao flagelo do analfabetismo para a criação de uma sociedade mais informada e a necessidade de apoios sociais do Estado aos mais necessitados.

A transição para o novo regime, o Estado Novo, não impediu O Democrático de continuar a proclamar o apoio à República e as reformas que ficaram por concretizar. As malhas da repressão e da censura demonstravam-se mais fortes do que nunca, contudo este semanário local persistia na crítica e oposição à Situação.

Efetivamente, neste período dos primeiros anos de consolidação do Estado Novo, o jornal focou a sua crítica de forma incisiva contra os mecanismos de repressão das

(24)

liberdades instituídos ou consolidados pelo regime, tais como, por exemplo, a existência e métodos de ação da polícia política e a censura do lápis azul.

Adicionalmente, contestou veementemente alguns princípios doutrinários do Estado Novo. A título de exemplo, o periódico via o enaltecimento dos grandes feitos do passado e o incentivo ao amor cego à Pátria como um mecanismo destinado a travar o progresso das mentalidades e a formação de uma sociedade informada, a par com a evolução dos tempos, recusando, deste modo, o nacionalismo exacerbado e imposto.

Verifica-se, assim, que não obstante a sua esfera de influência ser regional e se encontrar sujeito à revisão da censura, não deixava – de forma inteligente e hábil ao mesmo tempo que incisiva e subtil – de demonstrar a sua oposição frontal à repressão das liberdades e inibição do progresso veiculados tanto pela Ditadura Militar como pelo Estado Novo.

1.4. A morte de O Democrático

Apesar da sua tenacidade e persistência de ação, o periódico sucumbiu passados vinte e três aniversários de existência.

Em 1936, a 4 de dezembro, O Democrático publicou a sua derradeira edição. O aprimoramento da máquina da censura, na forma de leis de imprensa cada vez mais restritivas aplicadas pelo poder, primeiro durante o período da Ditadura Militar e, depois, ainda mais musculadas pelo Estado Novo, ditou o fim do jornal.

É relevante relembrar que, com o advento da proclamação da República, o país passou a dispor de uma nova Lei de Imprensa “que proibia a censura por parte de qualquer autoridade”, se bem que a censura não esteve completamente ausente nesse regime, pois além dos dois momentos ditatoriais (pimentismo e sidonismo) a censura de guerra foi também instituída durante o primeiro conflito mundial. No entanto, e de forma geral, o contexto foi favorável à criação de novos jornais e à prosperidade dos mesmos17.

Porém, a Ditadura Militar, em consequência do movimento do 28 de Maio de 1926, plantou de novo as sementes da privação da liberdade de expressão e imprensa em Portugal. Tais só voltariam a ser repostas após a revolução do 25 de Abril de 1974.

(25)

Assim, logo em junho de 1926, foi estabelecida a censura aos jornais, não através de um diploma oficial, mas por comunicação aos diretores dos jornais, justificada como uma situação excecional inerente à revolução:

E logo a 22 de junho os receios confirmavam-se com a publicação, em todos os jornais de Lisboa, de uma simples comunicação assinada por um 2º comandante da polícia pela qual se fazia saber estar estabelecida a censura à Imprensa e, por isso, não ser autorizada a saída de qualquer jornal sem que, previamente, tivessem sido enviados 4 exemplares de cada número ao Comando-Geral da GNR para análise do seu conteúdo18.

A situação não só não foi temporária como se agravou. Seguiu-se, em julho e outubro de 1926 e em maio e junho do ano seguinte, uma série de decretos que endureceram o aparelho censório.

O decreto de 5 de julho de 1926, não estabelecendo a censura prévia, preconizou uma “mais apertada vigilância […] sobre as publicações gráficas, periódicas, ou não”, que passariam “a ser reguladas por este diploma”. Consequentemente, os “comentários críticos ao Governo e ao regime de censura foram diminuindo ao longo do mês de julho e, no mês seguinte, eram ainda muito mais comedidos”19.

Resultado da escalada repressiva, o decreto de 29 de julho foi ainda mais rigoroso do que o anterior. Permitia que o julgamento das infrações fosse feito apenas com a intervenção do júri, exceto em casos especiais que necessitassem da intervenção de um tribunal coletivo. Ainda assim, apontava um “conjunto tão amplo, vago e diversificado de razões para apreensão dos jornais que os tornava extremamente vulneráveis perante as autoridades administrativas e judiciais”20.

Destacam-se outras medidas nos decretos posteriormente promulgados. O decreto de 30 de outubro de 1926 referia-se aos “inquéritos que podiam ser pedidos pelos magistrados judiciais ou do Ministério Público quando acusados pela Imprensa”; o

18 TENGARRINHA, José – Imprensa e Opinião Pública em Portugal, p. 55. 19 TENGARRINHA, José – Imprensa e Opinião Pública em Portugal, p. 56. 20 TENGARRINHA, José – Imprensa e Opinião Pública em Portugal, p. 56.

(26)

decreto de 27 de maio de 1927 aludia à “propriedade literária”, enquanto o de 27 de junho incidia sobre a liberdade de imprensa nas colónias21.

O cerco da censura apertava e o poder não olhava a meios para atingir o fim de influenciar a opinião pública, ocultando/manipulando informação e restringindo cada vez mais os órgãos de imprensa.

Com a institucionalização do Estado Novo, legitimado pela Constituição de 1933, assistiu-se a um caso verdadeiramente singular e paradoxal. Se, por um lado, este documento determinava que, entre os direitos e garantias dos cidadãos portugueses, vigorava a total liberdade de expressão e pensamento, pelo outro, previa a instituição de um regime de censura prévia. Esta determinação acabou por ser concretizada com a promulgação do decreto de 11 de abril de 1933, justamente a data de entrada em vigor da referida Constituição.

A esta forma de censura estavam sujeitos, obrigatoriamente, por lei: “a imprensa periódica devidamente autorizada como jornais, revistas, ilustrações, magazines e publicações semelhantes, independentemente da sua periodicidade”, entre outros22.

Não obstante os fortes entraves criados à liberdade de imprensa, continuava a verificar-se a intensificação da repressão. O decreto de 14 de maio de 1936 demonstra, precisamente, o aumento do alcance da censura prévia, que se revelou a “machadada final” para muitos periódicos, incapazes de se manter em funções, dadas as restrições impostas pela lei:

Pela primeira vez no Estado Novo são conferidos poderes ao Governo para aplicar sanções (multas e apreensões ou suspensões de publicações) sem intervenção prévia dos tribunais; o que podia acontecer quando o jornal recusava divulgar as “notas oficiosas” do Governo ou publicava textos sem autorização e, através de arranjos gráficos da paginação ou por outros meios procurava iludir a censura23.

21 TENGARRINHA, José – Imprensa e Opinião Pública em Portugal, p. 56.

22 GOMES, Joaquim – Os Militares e a Censura. A Censura à Imprensa na Ditadura Militar e Estado Novo

(1926-1945). Lisboa: Livros Horizonte, 2006, p. 69.

(27)

Neste contexto, note-se que O Democrático já aparecia como um periódico incómodo nos radares do regime.

A verdade é que certa imprensa em Vila do Conde inquietava o regime, designadamente a que lhe era desafeta. Esta fação era precisamente representada por semanários como A República (“perigoso porque é um jornal de valor”) e pelo próprio O

Democrático que, “era preciso vigiar fortemente”24, acusado de ter ligações à Maçonaria.

Este conjunto de condições originaram a receita letal que resultou no encerramento da redação de O Democrático e na sua inevitável extinção.

(28)

2. Das origens da Ditadura Militar aos primeiros anos de

afirmação do Estado Novo – breve contextualização

histórica

2.1. Do golpe de Estado à instauração e queda da Ditadura Militar

É consensual, no atual panorama da historiografia portuguesa, considerar o período decorrente entre o movimento militar de 28 de Maio de 1926 e os primeiros anos de afirmação do Estado Novo e formação das suas instituições basilares como “um dos mais agitados e politicamente complexos da história nacional do século XX” porque se assistiu à “liquidação de mais de um século, quase ininterrupto, de experiência liberal (sob a forma monárquica e republicana) e o parturejamento de um novo regime autoritário, corporativo, antiparlamentar e anticomunista, destinado a durar 41 anos”25.

No que diz respeito ao golpe militar propriamente dito, vários são os autores que salientam a sua falta de estruturação, planeamento e horizonte.

Manuel Braga da Cruz aponta a “intenção sobretudo negativa” que esteve na origem do movimento militar do 28 de Maio. Segundo este autor, o levantamento militar não foi fundamentado por um “plano previamente concebido”, foi antes forjado pelas mãos das próprias Forças Armadas, “sem um ideário preciso”, sem propósitos ideológicos assentes na contenda pelo parlamentarismo democrático, numa tentativa desesperada de lutar contra a insustentável situação política da época. Assim, este golpe resultou de uma revolução que depressa tomou a forma de uma Ditadura Militar e que, mais tarde, abriu portas à formação do Estado Novo26.

Por sua vez, Bigotte Chorão considera que o Exército, “cansado da situação aviltante a que a política então dominante conduzira o País estava disposto a intervir para pôr termo a uma situação que era afrontosa”, apontando a falta de um programa claro de revolução e apresentando diferentes perspetivas para criar uma reflexão sobre o assunto. Coloca-se

25 ROSAS, Fernando – O Estado Novo (1926-1936), in MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal, vol.

VII. Lisboa: Círculo de Leitores, 1994, p. 151.

26 CRUZ, Manuel Braga da – «A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à Formação do Estado

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uma interrogação fundamental: afinal, existiu ou não um “programa [legítimo] do 28 de Maio”? O autor recorre ao testemunho de George Guyomard que revela ter conhecimento do programa do 28 de Maio através dos próprios colaboradores do Governo e de uma “declaração”. Todavia, Guyomard acaba por concluir que “não se tratava de um «programa» e que da sua análise resultava a impossibilidade de ser compreendido o sentido de acordo com o qual deviam ser realizadas as reformas anunciadas, as quais, porém, não tinham passado de «letra morta»”27.

Por outro lado, também segundo Bigotte Chorão, Manuel Rodrigues Júnior – Ministro da Justiça – afirmou que o programa do 28 de Maio nunca havia sido publicado mas que o tinha em seu poder. Desta forma, ficou confirmado que o programa transcrito na

Política Nacional não seria de facto o programa afeto ao movimento. Tendo o documento

em sua posse, Rodrigues Júnior declarou, em entrevista ao Diário de Lisboa, edição de 28 de julho de 1927, que, dentro do possível, o Governo tinha cumprido o estipulado no programa do golpe militar. O Ministro acrescentou que o programa havia sido apresentado pelo General Gomes da Costa, durante um Conselho de Ministros do Comandante Cabeçadas. Contudo, esta apresentação pareceu pouco formal. Havia-se tratado mais da “indicação de algumas medidas a tomar” que não seriam até da autoria do próprio, convidando os colegas à sua leitura e a aproveitarem o que lhes parecesse conveniente e apropriado. Seguindo estas indicações, os restantes membros do Governo repeliram muitas das medidas e nunca se soube quem era o autor do documento28.

Assim, o tal programa que Rodrigues Júnior referiu como tendo “aparecido” no jornal

A Época, tratava-se apenas do “programa de providências do Governo”, apresentado por

Gomes da Costa ao Conselho de Ministros a 14 de julho. Relativamente ao “verdadeiro programa”29, o Ministro da Justiça dizia tê-lo em sua posse, acabando por citar na

entrevista dois dos seus artigos mais determinantes:

O Governo que sair deste movimento será constituído por indivíduos civis e militares de reconhecido valor intelectual e moral, ficando desde já assente que o

27 CHORÃO, Luís Bigotte – A Crise da República e a Ditadura Militar, p. 140-141. 28 CHORÃO, Luís Bigotte – A Crise da República e a Ditadura Militar, p. 142. 29 CHORÃO, Luís Bigotte – A Crise da República e a Ditadura Militar, p. 143.

(30)

Presidente seja um oficial General ou superior do Exército ou da Armada, de republicanismo indiscutível e de carácter impoluto; o Governo constituído manter-se-á no poder pelo tempo necessário para proceder ao saneamento moral e administrativo do país, conforme as bases ou linhas gerais indicadas no documento apenso a este compromisso e que dele faz parte integrante, pelo que será assinado pelos oficiais que assinem este30.

Ainda nesta entrevista, o Ministro esclareceu algumas das “linhas gerais indicadas no documento”, revelando que uma das mais importantes já havia sido cumprida, sendo esta a entrega das “Empresas particulares dos Caminhos-de-Ferro ao Estado”. Rodrigues Júnior fazia, nestas declarações, referência a um documento redigido pelo advogado Adriano Vieira Coelho, “constituído por um «Compromisso» e umas «Bases», assinado em Coimbra por Mendes Cabeçadas, na qualidade de chefe do movimento”31.

O autor menciona Ernesto Castro Leal e as suas interrogações relativamente ao facto de se poder considerar o referido “Compromisso” e “Bases” como o “Programa (comum) do 28 de Maio”. Ora, Bigotte Chorão considera que sim, “tanto mais porque tem correspondência com aquele que Manuel Rodrigues Júnior afirmou ser o «autêntico», e pode bem ter sido o único «comum»”. Debruçando-se sobre o conteúdo desses documentos, o historiador indica a hipótese de, “nas origens do movimento, ter estado o projeto de constituição de um Governo extrapartidário, destinado a exercer transitoriamente o poder, com vista a realizar uma ditadura que ambos os textos revelam como de acentuado carácter administrativo”32.

Para além disso, este autor realça o facto de o “programa comum” não abordar o problema das relações entre o Estado e a Igreja ou a questão constitucional. Assim, acaba por considerar que o mesmo programa não passou de um “logro”, servindo “como instrumento mobilizador da força armada, cujo real alcance, porém, se desconhece”. Realmente, algumas das suas “Bases” foram concretizadas durante a Ditadura Militar,

30 CHORÃO, Luís Bigotte – A Crise da República e a Ditadura Militar, p. 143. 31 CHORÃO, Luís Bigotte – A Crise da República e a Ditadura Militar, p. 143-144. 32 CHORÃO, Luís Bigotte – A Crise da República e a Ditadura Militar, p. 152.

(31)

contudo o programa foi insubsistente e “nunca publicamente assumido na sua integralidade ou oficialmente divulgado”33.

Ainda assim, Bigotte Chorão explica o motivo deste programa ser, de certa forma, “clandestino”. É que, atendendo ao seu conteúdo, a sua divulgação “oferecia risco efetivo de comprometer certos apoios ao movimento”34. Neste contexto, é possível afirmar que,

regido por um programa mínimo e contando com um apoio máximo, o 28 de Maio constituiu uma insurreição marcada por ambiguidades35.

Segundo Veríssimo Serrão, os chefes do movimento nunca colocaram em causa a sua fidelidade à República, defendendo que a mudança a operar tinha por fim salvaguardar a pureza do regime36. Efetivamente “para muitos dos militares que aderiram ao movimento” o que estava em causa era o saneamento e reforma do regime republicano e não a sua supressão e substituição. Apesar de esta ser a premissa base, denotava-se um claro contraste de intenções nos “propósitos enunciados nas primeiras proclamações políticas dos revoltosos”. A comprovar esta situação, Braga da Cruz estabelece uma comparação entre as intenções expostas no Manifesto da Junta de Salvação Pública (encabeçada pelo General Cabeçadas e por Gama Ochoa) e os propósitos manifestados nas proclamações de Gomes da Costa produzidas de Braga no próprio dia do golpe. Este autor considera que, basicamente, enquanto Mendes Cabeçadas “procurava assegurar a continuidade e a legitimidade constitucional, Gomes da Costa exigia a rutura com a legalidade constitucional”. Assim, o desígnio de Mendes Cabeçadas seria libertar o país da governação do Partido Democrático, considerada miserável e corrupta, e o objetivo de Gomes da Costa seria fazer do Exército o grande dirigente político, através da formação de um Governo constituído pelos próprios membros do movimento, proceder à dissolução do Parlamento e conseguir a demissão do Presidente da República37.

33 CHORÃO, Luís Bigotte – A Crise da República e a Ditadura Militar, p. 153-154. 34 CHORÃO, Luís Bigotte – A Crise da República e a Ditadura Militar, p. 155.

35 ROSAS, Fernando – O Estado Novo (1926-1974), in MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal, p.

152.

36 SERRÃO, Joaquim Veríssimo – História de Portugal: do 28 de Maio ao Estado Novo (1926-1935), vol.

XIII. Lisboa: Editorial Verbo, 1997, p. 19.

37 CRUZ, Manuel Braga da – «A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à Formação do Estado

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Na luta consequente a este dualismo de propósitos fundamentais, Mendes Cabeçadas, logo no dia 28 de maio de 1926, escreveu ao Presidente da República, Bernardino Machado, “em nome da grande maioria do Exército”, pedindo-lhe que “nomeasse um Governo de carácter extrapartidário constituído por republicanos que merecessem a confiança do País”. Reconhecendo o apoio expresso pela opinião pública ao movimento armado e numa tentativa de “salvar a continuidade do regime”, o Governo apresentaria a sua demissão, passando Mendes Cabeçadas “a concentrar na sua pessoa, interinamente, todas as pastas do Ministério”38. Por sua vez, e perante este

desenvolvimento, Gomes da Costa, “senhor do apoio da maioria das divisões militares do país, fez saber que o Governo de Cabeçadas” não merecia “a confiança do Exército” e deu “ordem de marcha sobre Lisboa”39. Esta resposta de Gomes da Costa às manobras da

capital produziu os seus efeitos. A 31 de maio foram encerradas as Câmaras e Bernardino Machado viu-se forçado a apresentar a demissão. Considerando que a “sua missão” se encontrava “esgotada”, entregaria o poder nas mãos de Cabeçadas, dizendo-lhe em carta que, em conformidade com a Constituição, o Ministério em conjunto assumiria “a plenitude do poder executivo”. Neste seguimento, Cabeçadas deslocar-se-ia a Coimbra para uma tentativa de conciliação de atuações com Gomes da Costa. Deste encontro, a 1 de junho, entre os dois chefes das duas vertentes do movimento, saiu “a resolução da formação de um triunvirato militar” – composto por Mendes Cabeçadas, Gomes da Costa e Gama Ochoa – que distribuiria as pastas entre si. Regressado a Lisboa, Mendes Cabeçadas, “na qualidade de Presidente do Ministério”, fez publicar o decreto referente à nomeação do novo Governo, “deixando Gomes da Costa e o Exército em minoria”. “Insatisfeito com os resultados do acordo de Coimbra”, Gomes da Costa resolveu “marchar sobre Lisboa para impor definitivamente os seus pontos de vista”. No dia 3 chegava “com as tropas do Norte e do Alentejo a Sacavém, às portas de Lisboa, obrigando Cabeçadas a novo encontro”. Saiu daqui uma nova resolução, que consistia na “designação de uma junta governativa” composta agora por Cabeçadas, por um lado, e

38 CRUZ, Manuel Braga da – «A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à Formação do Estado

Novo», p. 350-351.

39 ROSAS, Fernando – O Estado Novo (1926-1974), in MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal, p.

(33)

por Gomes da Costa e Carmona, por outro, e na “formação de um novo Governo”, onde além de Cabeçadas (Presidência e Interior), Gomes da Costa (Guerra e Colónias), Carmona (Estrangeiros) e Jaime Afreixo (Marinha), apareciam quatro civis: Salazar nas Finanças, Mendes dos Remédios na Instrução, Almeida Ribeiro na Justiça e Ezequiel de Campos na Agricultura e Comércio. Ainda nesse mesmo dia, seria publicado o decreto de nomeação do Governo, aparecendo já com uma alteração: Manuel Rodrigues no lugar de Almeida Ribeiro40.

A validação do novo acordo foi feita solenemente com um “desfile militar na Avenida da Liberdade” e uma “parada no Campo Grande no dia 6 de junho”. Os militares “foram saudados apoteoticamente pela população de Lisboa”. Contudo, “impunha-se com rapidez” a formação de um novo Governo41. Assim, a 7 de junho, iniciava-se novamente a atividade governativa com a “posse de alguns Ministros (aparecendo o General Alves Pedrosa na pasta da Agricultura, no lugar de Ezequiel de Campos, cujo nome suscitara a oposição da Associação Central de Agricultura) e com a realização do primeiro Conselho de Ministros”. Porém, só a 12 de junho “o elenco governativo ficaria completo com a posse relutante de Salazar (nas Finanças) e a posse tardia de Passos e Sousa (no Comércio)”. Ficava estabelecido o novo Governo, no qual se continuavam a confrontar “surdamente as duas tendências do movimento”42 e novas resoluções fraturantes não

tardariam.

A 9 de junho, ficou decidida “a dissolução do Parlamento sem serem anunciadas e marcadas novas eleições, numa clara violação das disposições constitucionais”, o que acentuou “decididamente a tendência ditatorial do novo poder”, enfraquecendo a posição que nele continuava a ocupar Cabeçadas, “em quem os partidos” viam “o último arrimo de legalidade”43. Contudo, a 14 de junho, Mendes Cabeçadas ver-se-ia confrontado, “em

Conselho de Ministros, com um programa apresentado por Gomes da Costa e preparado

40 CRUZ, Manuel Braga da – «A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à Formação do Estado

Novo», p. 351-352.

41 SERRÃO, Joaquim Veríssimo – História de Portugal: do 28 de Maio ao Estado Novo (1926-1935), p.

32-33.

42 CRUZ, Manuel Braga da – «A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à Formação do Estado

Novo», p. 352.

43 CRUZ, Manuel Braga da – «A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à Formação do Estado

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pelos seus conselheiros integralistas (fora redigido por Trindade Coelho)”. Tratava-se de um “projeto presidencialista autoritário […] e de raiz claramente corporativista e antiliberal/individualista quanto à futura organização do Estado”. Como seria de esperar, Mendes Cabeçadas recusou-se a aceitar as disposições de Gomes da Costa e foi deposto a 17 de junho44.

Empossado na presidência do Ministério, a 16 de junho, Gomes da Costa fez as devidas mudanças no Governo: Mendes dos Remédios viu-se substituído por Ricardo Jorge (Instrução); para o lugar de Salazar foi chamado Filomeno da Câmara (Finanças); as Colónias ficavam ocupadas pelo Comandante Gama Ochoa e a pasta do Interior foi entregue a António Claro. “Nas restantes pastas permanecem Carmona, Jaime Afreixo, Alves Pedrosa, Passos e Sousa e Manuel Rodrigues”45. A 18 de junho, Mendes Cabeçadas rendeu-se “sem luta, apresentando a sua demissão”. No dia seguinte daria mesmo posse a Gomes da Costa, a quem nomearia “Presidente do Ministério, transmitindo-lhe os poderes recebidos de Bernardino Machado”46. Adicionalmente, no dia 26, “por um

decreto que atribui ao Presidente do Conselho de Ministros, provisoriamente, todas as prerrogativas de Presidente da República, Gomes da Costa” passaria “também a ser Chefe de Estado”47.

Contudo, a instabilidade governativa não tinha ainda fim à vista. Denotava-se já no Executivo o aumento da influência da fação monárquica/conservadora e o enfraquecimento do bloco republicano. A remodelação governativa empreendida por Gomes da Costa a 7 de junho ilustra bem esta situação, visto que levou à exoneração do Governo de Óscar Carmona (Negócios Estrangeiros), Gama Ochoa (Marinha) e António Claro (Interior), “com os quais se solidarizaram, abandonando as respetivas pastas, todos os restantes políticos, à exceção de Filomeno da Câmara”. Consequentemente tomaram conta da pasta dos Estrangeiros e das Colónias, “duas conhecidas figuras monárquicas”:

44 ROSAS, Fernando – O Estado Novo (1926-1936), in MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal, p.

161.

45 CRUZ, Manuel Braga da – «A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à Formação do Estado

Novo», p. 353-354.

46 ROSAS, Fernando – O Estado Novo (1926-1974), in MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal, p.

162.

47 CRUZ, Manuel Braga da – «A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à Formação do Estado

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Martinho Nobre de Melo e João de Almeida, “tendo o primeiro, entre as suas primeiras medidas, demitido significativamente Afonso Costa de Presidente da Delegação Portuguesa à Sociedade das Nações”48.

Ora, a reação a estas demissões não tardaria. Logo no dia 8, apresentavam-se em Belém os comandantes das guarnições de Lisboa. Manifestavam-se “contra as demissões” e exigiam que “Gomes da Costa, ainda que permanecendo como Presidente da República”, abandonasse a chefia do Ministério. O General recusou a proposta e, na madrugada do dia 9, foi “decidida a demissão de Gomes da Costa das suas funções e ordenada a sua prisão no Palácio de Belém”. A 11 de julho seria mesmo conduzido ao exílio nos Açores, em Angra do Heroísmo49.

Consequentemente, Carmona seria “colocado pelo Exército na presidência do novo Ministério”, no qual Manuel Rodrigues, Jaime Afreixo, Passos e Sousa e Alves Pedrosa mantinham as pastas e via-se aparecer Ribeiro Castanho no Interior, Sinel de Cordes nas Finanças, Silvério Botelho na Instrução, Bettencourt Rodrigues nos Negócios Estrangeiros e João Belo nas Colónias. “Com a transição, meses mais tarde, de Passos e Sousa para o Ministério da Guerra”, entraria “a substituí-lo no Comércio o Major Carvalho Teixeira”50.

Neste seguimento, Carmona seria designado Presidente da República pelo Conselho de Ministros a 16 de novembro de 1926, tomando posse no dia 29 deste mês. Seria eleito, mais tarde, em março de 1928. “Até abril de 1928, até à entrada de Salazar para o Governo, Carmona” colocaria “o seu peso de Chefe de Estado, do Exército e da Ditadura, de supremo e respeitado árbitro das suas funções, sobretudo do lado da linha republicana predominante nos comandos”51.

48 CRUZ, Manuel Braga da – «A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à Formação do Estado

Novo», p. 354-355.

49 ROSAS, Fernando – O Estado Novo (1926-1974), in MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal, p.

163.

50 CRUZ, Manuel Braga da – «A Revolução Nacional de 1926. Da Ditadura Militar à Formação do Estado

Novo», p. 355.

51 ROSAS, Fernando – O Estado Novo (1926-1974), in MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal, p.

(36)

2.2. O Estado Novo – a formação da nova ordem

2.2.1. A ascensão de Salazar

António de Oliveira Salazar foi um dos ministeriáveis logo no primeiro Governo da Ditadura Militar, começando por recusar o cargo, uma vez que considerava não estarem “reunidas as condições de avançar” e que a Ditadura era “ainda um desnorte sem destino certo”. Mas, “pressionado por Cerejeira e pelos círculos católicos”, acabaria por aceitar. Contudo, só se manteve nas Finanças menos de duas semanas: entre 3 e 17 de junho de 192652.

Em 1928, apenas dois anos passados sobre a tomada de poder pelos militares, a situação financeira do país havia-se tornado um problema que “atingia proporções que assustavam o espírito mais audacioso”. O défice aumentava rapidamente, “a inflação transforma-se em calamidade” e “a dívida pública esmagava um país pobre e sem indústria”. Após o golpe da não aceitação do apoio da SDN, a situação financeira tornara-se insustentável. Seria, portanto, cada vez mais visível a impotência do Governo na resolução da crise financeira53.

Consequentemente, numa Europa que paulatinamente ia sendo tomada pelos totalitarismos (como era o caso da Itália de Mussolini e da Alemanha de Hitler), Portugal, perante a instabilidade, adotava o mesmo caminho: “a identificação de todo um «Movimento» com um único homem”. Salazar, aparentemente apenas Ministro das Finanças, “graças aos plenos poderes que obteve”, controlava todos os Ministérios, os quais não podiam tomar “qualquer responsabilidade de qualquer despesa sem a sua autorização”. Nem sequer podiam tomar qualquer decisão ou medida que exercesse influência direta sobre as despesas ou receitas do Estado sem que Salazar concedesse permissão54. No seu discurso de posse como Ministro das Finanças, a 28 de abril de 1928, afirmou “lapidarmente” que sabia o que queria e para onde ia, considerando a “ditadura

52 ROSAS, Fernando – «Salazar», in ROSAS, Fernando; BRITO, J. M. Brandão de (dir.) – Dicionário de

História do Estado Novo. Lisboa: Círculo de Leitores, 1996, vol. II, p. 862.

53 CAMPINOS, Jorge – A Ditadura Militar 1926/1936, Lisboa: Publicações Dom Quixote, cop. 1975 p.

148.

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financeira” o “primeiro passo para a conquista da hegemonia na Ditadura e para a instauração de um novo regime”55 .

O equilíbrio orçamental seria logo alcançado “a partir do ano económico de 1928-1929, designadamente através da reforma orçamental de 1928 e das reformas tributárias de 1928 e 1929”. Tais medidas permitiriam a estabilização da moeda a longo prazo, “reformar o crédito”, “baixar as taxas de juro, liquidar a dívida pública flutuante e dotar o Banco de Portugal dos meios necessários ao apoio regulador do sistema bancário em crise”. Adicionalmente, o “crescimento da receita tributária (sem agravamento dos impostos diretos sobre os rendimentos das atividades económicas)” permitiu o fomento e investimento nas obras públicas. De forma a escapar ao impacto da Grande Depressão de 1929, Salazar optou pelo estabelecimento de políticas de autarcia e protecionismo económico, aumentando o “papel da regulação autoritária do Estado na economia”. Estas medidas traduziram-se no “condicionamento industrial (leis de 1931 e 1937)”, na “cartelização corporativa dos setores mais problemáticos (trigo e moagem, conservas, vinho do Porto, lanifícios, cortiça, resinosas…)”, na “concentração administrativa” de atividades, como os “lacticínios ou fabrico mecânico do vidro” e no “estabelecimento dos primeiros monopólios de exploração (refinação do petróleo)”. Este tipo de regulação reger-se-ia durante muito tempo “pelo sagrado princípio da manutenção dos equilíbrios financeiros, económicos e sociais estruturantes da pax salazarista e da durabilidade do regime: um desenvolvimento industrial que não” subvertesse “o mundo rural tradicional ou o universo de coisas económica e socialmente pequenas do Portugal de então”, nem precipitasse “processos de urbanização «perniciosos»”; um regime salarial que não afetasse os preços e repusesse as taxas de lucro, enfim, que não alterasse “o viver habitualmente”, mas que não gerasse “tensões incontroláveis”56.

Depois de provas dadas, a 5 de julho de 1932, Salazar seria empossado como chefe do último Governo da Ditadura Nacional, cargo que ocuparia até 11 de abril de 1933. Nesta fase, seria aprovada a nova Constituição, “plebiscitada em março e promulgada a

55 ROSAS, Fernando – «Salazar», in ROSAS, Fernando; BRITO, J. M. Brandão de (dir.) – Dicionário de

História do Estado Novo, vol. II, p. 865.

56 ROSAS, Fernando – «Salazar», in ROSAS, Fernando; BRITO, J. M. Brandão de (dir.) – Dicionário de

Referências

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