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3. O 28 de Maio e a Ditadura Militar – a posição de O Democrático

3.3. A crítica ao Integralismo Lusitano

O Integralismo Lusitano foi um movimento de combate – ativo e influente entre 1914 e 1932 – à República e à Monarquia Constitucional, ideologicamente “em prol da Monarquia orgânica, tradicionalista e antiparlamentar”133.

Foi no pensamento de António Sardinha, Alberto de Monsaraz e Hipólito Raposo que nasceu esta corrente. Combinaram a “publicação de uma revista para divulgar em Portugal as teses da Action Française” e, em abril de 1914, saía em Coimbra a revista

Nação Portuguesa, órgão do Integralismo Lusitano134.

Atingir uma Monarquia orgânica significava defender um regime anti- individualista, no qual os conceitos de família, freguesia ou município e corporação ou grémio profissional – que evidenciam o espírito de coletividade da população – definiam o movimento. Por outro lado, o poder não seria partilhado, uma vez que “a sua inteira responsabilidade” ficaria nas mãos do monarca, recusando-se os conceitos de Parlamento ou Presidente da República. Entre outros aspetos contrários ao republicanismo do 5 de Outubro, destaca-se a promoção do renascimento do espírito católico na alma dos portugueses, conferindo à Igreja “a mais ampla liberdade de propaganda, organização, disciplina interna e ação social”. Adicionalmente, defendia a restituição de tudo o que lhe havia sido “extorquido”135.

133 ASCENSÃO, Leão Ramos – O Integralismo Lusitano. Porto: Edições Gama, 1943, p. 109.

134 RAMOS, Rui – A Segunda Fundação (1890-1926), in MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal.

Lisboa: Círculo de Leitores, 1994, vol. VI, p. 541. Os três pensadores tinham-se inspirado na revista Alma

Portuguesa, publicada em Gand no ano de 1913 por Luís Almeida Braga e Rolão Preto, exilados nessa

cidade por motivo do seu envolvimento nas lutas couceiristas.

Além de um movimento político-ideológico, o Integralismo Lusitano constituía “um movimento de renovação intelectual”. Mais do que em qualquer outro movimento, sentiu-se que este “rompia com os preconceitos ideológicos das gerações anteriores e entrava no século XX como um mundo desimpedido e arejado”136.

Como previsível, e à semelhança dos setores republicanos, O Democrático apresentou uma forte oposição a este movimento, contestando-lhe a doutrina e os valores, a partir de 1931.

O artigo intitulado “A Soberania Popular” caracterizou o Integralismo Lusitano como uma arcaica doutrina monárquica, criticando, principalmente, a sua “negação do princípio da soberania popular” que, dentro de uma sociedade culta e dinâmica como se mostrava a do século XX, não teria qualquer lugar. A soberania popular constituía “um princípio básico” e absolutamente legítimo e indiscutível. “Aplicado por todas as correntes do pensamento democrático, era até mesmo aceite pela monarquia constitucional”. Neste sentido, o periódico defendia que era descabido “o sonho doirado desses cadaverosos tradicionalistas” de “transformar outra vez o povo, de conjunto de cidadãos com seus direitos e obrigações, num rebanho humilde de cordeiros”, pois era o povo quem deveria ser a fonte do poder político137.

Já nos finais de 1932, ano em que por motivos de cisões internas o tema volta às páginas da imprensa, um artigo sugestivamente intitulado “Intregralismomania” dissecava a história e génese deste movimento, que o semanário necessariamente desvalorizava e reprovava. Assim, O Democrático relembrou a curta vigência da Monarquia do Norte “quando os monárquicos levantavam, no Porto, a bandeira odiosa da Monarquia” e vinte e cinco dias após a queda desta contrarrevolução, “a parte mais reacionária e conservadora das hostes manuelistas separou-se e fundou o Partido que teve a designação de Integralismo Lusitano”. Contavam com António Sardinha como um dos seus líderes mais destacados, “um homem que não era destituído de um certo talento”, e assim “foram desenvolvendo a propaganda da sua doutrina”. Com o advento da Ditadura Militar, os integralistas viram “as suas fileiras engrossadas, pois comungando o novo

136 RAMOS, Rui – A Segunda Fundação (1890-1926), in MATTOSO, José (dir.) – História de Portugal,

p. 541.

regime nas ideias nacionalistas daqueles, lhes dispensou certa proteção”. Contudo, em 1932, esta fação encontrava-se dividida: de um lado ficavam “os que querem antes de tudo D. Nuno como rei e do outro os Nacionalistas-Sindicalistas […] que procuram realizar o impossível: a implantação em Portugal de um regime corporativista” como o que estava “vigorando em Itália”. Em conclusão, o jornal afirmou que não havia espaço no país para esses “tiranos” que davam entusiásticos “morras à Liberdade e vivas à escravidão”138.

O periódico vai ainda mais longe ao afirmar que o Integralismo era “uma doença que os psiquiatras de Portugal deveriam estudar com afinco, a fim de descobrir remédio eficaz para debelar esse terrível flagelo que atrofia as faculdades mentais de alguns pobres infelizes”. O Democrático justificou estas declarações esclarecendo que quem possuísse uma opinião bem formada, adequada aos tempos, aspirando uma “verdadeira e insofismável ânsia de liberdade”, jamais conseguiria conceber o conceito de Integralismo Lusitano na sociedade139.

O tópico do Integralismo faz emergir a aparente incoerência d’O Democrático face à Ditadura Militar. Com efeito, se em vários dos seus textos se persevera em afirmar que muitos dos homens do regime iniciado em maio de 1928 eram republicanos, como anteriormente se viu, no artigo atrás referido – “O Integralismo e a Nação” – foi abertamente afirmado que os integralistas prosperaram com a chegada da Ditadura Militar, pois partilhavam as ideias nacionalistas com o novo regime, que assim “lhes dispensou certa proteção”. Nesta conformidade, verifica-se que as referências políticas e ideológicas à Ditadura Militar exaradas nas páginas d’O Democrático são heteróclitas, o que, aliás, é comum num periódico, cuja duração no tempo e diversidade de indivíduos a escreverem os seus textos propicia a inexistência de total unicidade ideológica, mas pode igualmente perceber-se que as representações do regime vigente são também construídas em função de objetivos concretos e estrategicamente definidos em vários momentos.

138 “O Integralismo e a Nação”. O Democrático, nº 940, 10/12/1932, p. 2. 139 “Intregralismomania”. O Democrático, nº 942, 23/12/1932, p. 2.