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A oposição do semanário ao Movimento Nacional Sindicalista

4. Representações da figura e ação política de Salazar (1928-1936) e críticas ao

4.3. A ética republicana face aos valores do regime ditatorial

4.3.5. A oposição do semanário ao Movimento Nacional Sindicalista

O Movimento Nacional Sindicalista foi um movimento político de extrema-direita ativo nos primeiros anos de afirmação do Estado Novo, com ligações profundas ao Integralismo Lusitano. O seu fundador, Francisco Rolão Preto, anunciou a criação desta organização em fevereiro de 1933, um ano após a criação do jornal académico A

Revolução. Segundo António Costa Pinto, o Nacional-Sindicalismo representou “o

último combate de uma «família política» que desempenhou um papel importante no processo de crise e derrube do liberalismo português, mas que foi secundarizada na edificação de uma alternativa ditatorial estável no início dos anos 30”. Enquanto partido político, o Nacional-Sindicalismo “foi o ponto de unificação tardio de uma corrente fascista constituída a partir da ampla mas dividida família da direita radical portuguesa do pós-guerra”. Contou com “as franjas mais radicais de anteriores partidos e grupos de pressão ideológicos criados nos últimos tempos” da República e da Ditadura Militar. Em pouco tempo, “edificaram uma organização, constituíram um grupo não desprezível no Exército, manobraram diversas tentativas golpistas contra Salazar, até serem ilegalizados e verem os seus dirigentes expulsos do país”226.

Foi justamente em 1933 que O Democrático iniciou a sua resistência a este movimento. O jornal denunciou e reprovou “as atitudes impertinentes e irritantes tomadas

224 GUSMÃO, Duarte de – “O Povo”. O Democrático, nº 918, 02/07/1932, p. 1. 225 “Vida Republicana”. O Democrático, nº 961, 12/05/1933, p. 2.

226 PINTO, António Costa – Os Camisas Azuis e Salazar: Rolão Preto e o Fascismo em Portugal. Lisboa:

desde a primeira hora por tal organização política que se batizou com o nome de Nacional- Sindicalismo”, comparando as suas ideias e ações às “dos figurinos «mussolinismo» e «hitlerismo»”. Marcada pelo radicalismo, esta nova corrente estaria a alarmar, “e com toda a razão, a opinião pública na sua grande maioria” que veria “nesse agrupamento de tendências mais que reacionárias um tremendo ponto de interrogação para o futuro político da pátria portuguesa”. Neste contexto, o periódico questionou o programa do Movimento Nacional Sindicalista, apodando-o de “vago, indeterminado, extremamente confuso, com o braço esquerdo apoiado na «ordem» e o direito empunhado na espada da «Revolução»”. Quanto aos objetivos do movimento, o jornal destacava, com alguma habilidade discursiva, a sua intenção de “manter a todo o custo a ordem na rua, no lar e nas consciências e promover o bem-estar da Nação em toda a sua plenitude”, tornando Portugal “invejável aos olhos dos outros povos”. Assim, os nacional-sindicalistas estariam “indiretamente a censurar e a condenar a obra da «Ditadura Militar»” e a “ação do Governo do Estado Novo”, uma vez que, ao querer fazer daquelas as suas medidas de ação base, alegavam que o Estado não estaria a desempenhar competentemente as suas funções227. Esta atitude era considerada um ato de desafio ao regime mas, sendo completamente oposto às convicções democráticas e adepto dos fascismos mais radicais, o periódico condenava o Nacional-Sindicalismo em toda a linha.

Nesta conformidade, reprovava com veemência as suas manifestações, caracterizando-as como paradas “grotescas” e “provocadoras aos sentimentos liberais” que animavam “a grande maioria da Nação”. Desconstruía também os discursos e declarações de Rolão Preto – “chefe da seita negra” – criticando-o e acusando-o de hipocrisia, principalmente quando este asseverava que o Nacional-Sindicalismo não se tratava, “nem de perto, nem de longe”, de uma formação política. Este tipo de discurso não seria mais do que uma estratégia de aquietamento de grande parte da opinião pública que temia a ascensão da extrema-direita228.

Recuando às origens deste movimento, O Democrático recordou que os nacionais- sindicalistas eram os mesmos “cavalheiros que, em tempos, quebraram lanças pelo

227 “O que pretendem”. O Democrático, nº 964, 02/06/1933, p. 1.

Integralismo” Lusitano, agora “rotulado de sindicalista” mas com os mesmos “fins absolutistas, reacionários e regressivos”. Por isso, todos os elementos do Nacional- Sindicalismo seriam “discípulos amados de António Sardinha, o conhecido germanófilo, que desprezando os interesses vitais da Nação, desejava a vitória da Alemanha, simplesmente porque o triunfo desta sobre os Aliados seria o esmagamento da Democracia” e da Liberdade. Para além da derrocada de direitos e liberdades essenciais assegurados pelo sistema democrático, o jornal relembrava que “uma Alemanha reacionária e imperialista” representaria uma ameaça para as colónias portuguesas, cujo desenvolvimento havia tomado grande parte do orçamento nacional. Por todos estes motivos, seria fundamental o combate a estas ideias de extrema-direita e o periódico advertia a classe trabalhadora para que não se deixasse “iludir pelas petas e falsas afirmações socializantes” daqueles “impostores” – denunciando logo no título do artigo o “maquiavelismo dos integralistas”229. Apesar da combativa campanha empreendida

contra o Movimento Nacional Sindicalista, com total descredibilização dos seus valores e ideário, o jornal receava que a opinião pública se deixasse persuadir por certas declarações demagógicas de Rolão Preto, tais como a garantia de que o Nacional- Sindicalismo não descansaria enquanto não houvesse “pão e justiça para todos”, aplicando uma fórmula de maneira a “obrigar os ricos” a que fossem “menos ricos” para que os pobres fossem “menos pobres”230. Consequentemente, o periódico dirigia-se

insistentemente aos seus leitores, veiculando aqueles que considerava serem os verdadeiros valores da esquerda progressista, inclusive com expressa menção à doutrina marxista:

A luta de classes só desaparecerá com a supressão das classes e não reestabelecendo mais classes, como pretendem estes falsos messias, que desejam restaurar a nobreza parasitária e a realeza despótica. Não vos disse o grande Marx que a emancipação dos trabalhadores há de ser obra dos próprios trabalhadores?

229 “O maquiavelismo dos integralistas”. O Democrático, nº 969, 14/07/1933, p. 1. 230 “Intranquilidade de espíritos”. O Democrático, nº 965, 10/06/1933, p. 1.

E olhai que se Marx fosse vivo decerto não queria o Sr. Rolão nem para lhe limpar as botas...231

Por outro lado, o líder do movimento teria ainda afirmado que “no dia da marcha decisiva” contaria com o apoio de Oliveira Salazar232. Ora, em agosto de 1934, O Democrático transcreve uma nota oficiosa da Presidência do Conselho publicada na

imprensa diária, na qual Salazar rejeitou o Nacional-Sindicalismo, considerando-o um “elemento perturbador e de desagregação das forças nacionalistas do Estado Novo”233.

Ou seja, nestes tempos conturbados, O Democrático teve de fazer frente às várias direitas que se erguiam e fê-lo sempre, até ao seu fim.