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6. O Democrático e as representações de Vila do Conde

6.2. Carências, atrasos e problemas regionais

No que diz respeito aos problemas locais, O Democrático defendia que estes deveriam ser resolvidos com base nos recursos naturais a aproveitar ou a desenvolver na região e na capacidade financeira para execução das obras de fomento atinentes à realização desses objetivos. Efetivamente, Vila do Conde possuía “fartos recursos”: terras férteis; “lavoura adiantada em relação à rotina”; “rede de estradas notável”; condições para fazer bom porto de pesca e cabotagem; importante aglomerado industrial e um rico património artístico e cultural300.

Com vista ao aproveitamento destes recursos, o jornal elencou uma série de aspetos a melhorar: a lavoura carecia de energia barata; a manutenção das estradas precisava de ser garantida; o porto tinha de ser melhorado; as condições de higiene precisavam de ser aprumadas; a beira-mar e várias instituições públicas precisavam de ser preservadas, entre outras matérias.

Contudo, antes de explorar os principais melhoramentos e reivindicações patenteadas pelo periódico, é pertinente, agora, deixar um importante apontamento relativo às preocupações d’O Democrático relacionadas com os problemas da conservação histórico-patrimonial da região e com o desaprumo e atraso da educação dos vila-condenses.

Como já foi referido, era notória a frustração deste semanário quando apontava o aparente desinteresse da autarquia no que dizia respeito à preservação dos monumentos históricos do município, tais como o Convento e respetiva Igreja de Santa Clara, a Igreja Matriz, a Capela do Desterro e o monumento de comemoração da tentativa de desembarque liberal em 1832. A indignação era maior e, por consequência, o jornal ofereceu mais destaque e urgência ao ex-libris vila-condense – a Igreja do Mosteiro de Santa Clara – cujo estado de degradação constituiu uma das principais preocupações do semanário em termos de património erigido, acusando “os poderes públicos” de ignorarem o assunto. Consequentemente, e a contrastar, manifestava-se “uma corrente favorável” nos vila-condenses que visava “impor ao Estado a obrigação de cuidar do […] património artístico, concedendo-lhe os meios necessários para se fazerem as reparações

devidas para que a ruína” não completasse “a sua obra fatal”. E, de facto, alguma iniciativa foi tomada. O jornal reconhecia o empenho do “ilustre deputado” Cunha de Araújo relativamente a este assunto, visto que o próprio havia requerido junto do Ministro da Instrução que fosse “feita uma dotação para as obras de reparação do templo”. Todavia, o pedido não foi atendido por falta de verbas301.

Por sua vez, também a Igreja Matriz carecia de obras de conservação. A situação era deveras alarmante, ao ponto de se ter constituído uma comissão – composta pela Junta da Paróquia, José Ferreira, Tadeu Neves e Alexandre Coentrão – “para levar a efeito alguns melhoramentos” na igreja, tais como: “cobertura e iluminação do relógio, levantamento e nivelamento do pavimento do adro, limpeza da cantaria e outras obras de necessidade”. O jornal dava conta de vários donativos já ofertados a favor da causa302

mas dava também conta de outro problema: “o estado de desarranjo” em que se encontrava o “órgão do vetusto templo da Matriz”. Sendo esta situação do conhecimento público, o semanário apelou a que se atendesse a este assunto o mais rapidamente possível, uma vez que o risco de ruína era iminente303. Até 1936, o periódico não deu conhecimento de qualquer tipo de reparação efetuada. Efetivamente manteve-se ao longo do decénio o motivo da inibição à realização de qualquer benfeitoria, ou sequer de manutenção, a nível do património artístico: a falta de verbas e subsídios para custear quaisquer obras, fosse em monumentos, fosse em instituições/infraestruturas essenciais à vida do concelho, como foi o caso da Estação dos Correios e Telégrafos. Este edifício encontrava-se degradado – “um pardieiro” que mais parecia “um presídio que uma repartição pública”304 –, já não reunia as condições de segurança e trabalho necessárias

ao seu funcionamento regular. A transição destes serviços para um novo imóvel, adequado à função, revelou-se complicada e morosa. Após vários impedimentos, em 1935 o jornal noticiou que estaria finalmente a decorrer a mudança desta repartição para uma nova estação, com novo mobiliário e superior material telefónico305.

301 “A Igreja do Convento de Santa Clara”. O Democrático, nº 619, 16/04/1926, p. 2. 302 “Igreja Matriz”. O Democrático, nº 625, 28/05/1926, p. 3.

303 “O órgão da Matriz”. O Democrático, nº 999, 23/02/1934, p. 3. 304 “Estação telégrafo-postal”. O Democrático, nº 837, 24/10/1930, p. 1. 305 “A Estação dos Correios”. O Democrático, nº 1065, 05/07/1935, p. 2.

Uma das grandes preocupações d’O Democrático,traduzida em numerosos apelos veiculados a propósito de diferentes assuntos, foi o combate ao analfabetismo não só no concelho mas também no país, principalmente com o advento do regime do Estado Novo. A par desta reivindicação que se insere na matriz demopédica republicana, o periódico reclamava também a necessidade de aprumar o civismo, a boa educação e o interesse cultural dos vila-condenses. Daí a sua proposta de iniciativas que apurassem a sede de conhecimento da população, como é o caso da criação de uma biblioteca pública que servisse de instituição de cultura, acessível a todas as camadas sociais306. Na sua ótica,

esta aposta na cultura e na educação contribuiria para o avanço das mentalidades e do sentido cívico.

Esta mudança era urgente pois o jornal retratou em múltiplos textos uma vila na qual as pessoas caminhavam descalças na rua e as crianças e jovens manchavam as “paredes caiadas de fresco com palavrões obscenos e caricaturas inadmissíveis”. Uma localidade na qual os trabalhadores locais não estavam ainda preparados e educados para saber como beneficiar do limite semanal das 8 horas de trabalho, já que, fruto de uma “mentalidade retrógrada”, ao invés de abandonar o local de trabalho e aproveitar para descansar ou ir para casa contribuir para a educação dos filhos, preferiam, “nas horas de folga, encontrar-se às esquinas ou andar pelas ruas a insultar transeuntes, principalmente o sexo feminino, que tranquilos e corretamente” passavam. Ao mesmo tempo, criticava aquilo que considerava ser uma exagerada religiosidade do povo, que seguia “à risca as doutrinas pregadas por Jesus Cristo” na busca de paz, amor e felicidade, ofuscando os padrões cívicos e de conhecimento de uma sociedade desenvolvida e moderna307.

No fundo, O Democrático descreveu uma Vila do Conde incapaz de acompanhar a evolução dos tempos, inábil na integração e seguimento dos parâmetros considerados normais para a época, enfim, uma população atávica e resistente à modernidade. Num esforço de pregar a mudança e o progresso, o periódico tratou com profundidade muitos dos problemas considerados mais graves e urgentes, apresentando propostas de resolução para os mesmos.

306 “Biblioteca Pública”. O Democrático, nº 895, 08/01/1932, p. 2.

307 SILVESTRE, Rosa – “Vila do Conde civilizada?!”. O Democrático, nº 921, 22/07/1932, p. 1. Ver Anexo