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3. O 28 de Maio e a Ditadura Militar – a posição de O Democrático

3.4. O apoio ao movimento reviralhista

Como bem explica Luís Farinha, o “termo Reviralho teve um uso corrente e era utilizado pelos prosélitos da Ditadura, normalmente com um sentido depreciativo”. Contudo, foi também um vocábulo utilizado pelos revoltosos republicanos, democráticos e liberais, estando associado “à ideia de um movimento revolucionário relâmpago, com o objetivo imediato de reorientação democrática do regime político-militar em vigência”140, desde 1926 até à Segunda Guerra Mundial.

O Reviralho, entre 1926-1927, carregava um duplo sentido. O primeiro objetivo seria “revirar” a Ditadura Militar exercida pela direita e repor a legalidade constitucional. Porém, a situação anterior ao golpe de 28 de Maio carecia de outra alteração: o reerguer do regime republicano, evitando ao mesmo tempo o retorno a uma República de “partido único”141.

Estrategicamente, o movimento alimentou-se da “instrumentalização das unidades militares dos principais centros urbanos”, através da constituição de “núcleos clandestinos de militares revolucionários” saídos do 28 de Maio com um sentimento de atraiçoamento dos “legítimos anseios de regeneração da República que haviam depositado na Ditadura”142.

De facto, a Ditadura não se mostrava capaz de obter a pacificação política e social pretendidas e num “curto espaço de tempo, sucederam-se os golpes político-militares de 17 de junho, de 8 de julho e as intentonas revolucionárias de 11 de setembro em Chaves e do Coronel João de Almeida em 21 de setembro”143.

Do ponto de vista económico e financeiro, a Ditadura era acusada de “levar por diante uma política de facilidades que se repercutia no aumento da dívida pública e num decréscimo das receitas”. Desde casos como o pagamento das dívidas de guerra à Inglaterra até à política de privatizações, “que passava pela entrega de setores onde o Estado era maioritário, tais como os Caminhos-de-Ferro, os Tabacos, e por saneamentos

140 FARINHA, Luís – O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo, p. 18. 141 FARINHA, Luís – O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo, p. 18-19. 142 FARINHA, Luís – O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo, p. 19-29. 143 FARINHA, Luís – O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo, p. 32.

financeiros no Banco Nacional Ultramarino”, a oposição democrática afirmava cada vez mais a sua posição contra o Governo da Situação144.

A este assunto, juntava-se o facto de a Ditadura Militar ter aberto a brecha entre a família republicana: o combate feroz ao Partido Democrático e o descerramento do caminho à “direita antidemocrática, monárquica e fascizante”. Assim, a constituição do “bloco político-militar reviralhista” assentaria, por esta razão, “numa difícil união e na existência de muitos equívocos políticos”145.

Um dos líderes fundadores do bloco político-militar reviralhista, Jaime Cortesão, afirmou num dos seus textos que o grande objetivo dos reviralhistas era “restaurar o regime e a Constituição e formar um forte Governo nacional, composto por algumas dentre as mais competentes e honradas figuras da República”. Tratava-se não de um movimento apolítico, mas sim de um “movimento contra os políticos, ou seja, contra o poder sustentado pelo partido do poder antes do 28 de Maio”146.

O “núcleo conspirador inicial do Reviralhismo”, segundo David Ferreira, “partiu do grupo da Biblioteca Nacional/Seara Nova”, no qual se destacavam Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro, Raul Proença, Rodrigues Miguéis, Manuel Mendes, Câmara Reis, além do próprio David Ferreira. A constituição do grupo ficaria oficializada a 25 de junho de 1926, dias após o afastamento de Cabeçadas do poder147.

A organização revolucionária acabaria por se sediar no Porto, à qual se juntariam o Capitão Sarmento Pimentel, o Tenente Pereira de Carvalho e o Capitão Nuno Cruz. Seriam indicados para chefiar a Junta Revolucionária o General Sousa Dias e o Coronel Freiria148.

Neste seguimento, deram-se vários movimentos revolucionários ao longo dos anos: a revolta de 3 a 9 de fevereiro de 1927, que saiu do Porto para a capital; a insurreição de 20 de julho de 1928; a revolta das Ilhas (4 de abril de 1931) e o levantamento de 26 de agosto de 1931. Este constante despoletar de revoluções demonstra que Portugal viveu

144 FARINHA, Luís – O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo, p. 33. 145 FARINHA, Luís – O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo, p. 33-34. 146 FARINHA, Luís – O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo, p. 34. 147 FARINHA, Luís – O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo, p. 37. 148 FARINHA, Luís – O Reviralho. Revoltas Republicanas contra a Ditadura e o Estado Novo, p. 37-38.

num clima de guerra civil entre 1927 e 1931149, que resultou em fracasso para a causa dos seus defensores.

Uma vez que o reviralhismo defendia a luta pelos mesmos ideais propagandeados pelo periódico em estudo, O Democrático noticiou e apoiou ferverosamente as investidas do movimento de reação republicana.

O jornal começou por constatar, para além do já anteriormente referido exílio de republicanos opositores da Situação, a prisão de republicanos acusados de conspirar. Esta situação causou desconforto, visto que o periódico se questionava se seria crime conspirar em Portugal no momento de crise generalizada que estava a ser vivido150.

A 5 de fevereiro de 1927, o periódico abriu com a notícia da primeira grande revolta republicana armada à Ditadura Militar, ocorrida entre 3 e 9 de fevereiro, no Porto, liderada pelo General Sousa Dias à frente dos soldados de Caçadores 9. Num momento em que cidade se encontrava a ferro e fogo e o desfecho era ainda incerto, este semanário referia-se ao “momento de ansiedade e nervosismo, em que na cidade do 31 de Janeiro, valorosos soldados da República” combatiam “pela sua integridade e pelo restabelecimento da Constituição”, e colocava-se sem reservas do lado dos revoltosos: “O

Democrático, animado pela mesma fé ardente da vitória, saúda-os”151.

No número seguinte, o jornal reconheceu a “vitória do Governo” após a revolta republicana, garantindo que tal fracasso não significou “o triunfo da Monarquia” e declarando o seu “respeito ante os vencidos e junto dos vencedores”.

Elogiou o “cavalheirismo” e “valentia” dos combatentes republicanos no momento dos confrontos e fez uma avaliação, apesar de tudo positiva, da ação do Governo da Ditadura perante a derrota dos atores da insurreição:

Paladinos da Constituição Republicana, os revoltosos mostraram desassombradamente o seu valor e a sua coragem. Fiéis ao programa ditatorial de 28 de Maio, as forças governamentais, cumpriram o seu dever. Nem uns nem outros vacilaram perante a luta tremenda que durante 5 dias encheu de luto e de

149 RAMOS, Rui – «O fim da República». Análise Social. Lisboa: ICS, 2000, n.º 153, p. 1059. 150 “A Vitória”. O Democrático, nº 630, 03/07/1926, p. 1.

pavor a população citadina. E quando os revoltosos cederam à força irresistível do número, os vencedores mostraram que eram portugueses e que tinham bem radicado no seu espírito o culto da Pátria e da República152.

Contudo, o periódico reconheceu que pertencia ao grupo que o Governo não suportava e a quem eram “atribuídas com incomensurável exagero as vicissitudes da República”. Ainda assim, apelava “aos Ministros republicanos” que estavam no Governo, que fizessem mais e melhor “em favor das instituições” e que não se cansassem “de trabalhar para o bem do país” para que os “republicanos sinceros” jamais tivessem “de recear pela integridade do seu ideal implantado em 1910”153.

Neste seguimento, o jornal considerou oportuno abordar a divisão gritante nas hostes republicanas, num momento caótico a nível político, como não se via desde a implantação da República:

As forças republicanas estão seriamente divididas: de um lado o General Carmona com grande parte do exército, do outro lado os antigos políticos com a grande massa do povo republicano e grande número de oficiais do exército que tomaram parte no movimento revolucionário de 3 de fevereiro154.

No que diz respeito ao seu concelho, especificamente, o jornal condenou a atitude dos vila-condenses apoiantes da Monarquia: “esquecidos ingratamente da afabilidade com que foram tratados pelos republicanos em tempos passados e acreditando parvamente que era chegada a ocasião de satisfazerem os seus ódios represados, têm irritado [...] os republicanos que não lhe[s] reconhecem a menor autoridade para se suporem dentro da atual situação”. No contexto da derrota da revolta republicana, o jornal relembrou que o “Governo venceu a revolução, mas não fez triunfar a monarquia”, obrigando os monárquicos a esperar por uma nova oportunidade de ação na realização das suas convicções políticas. Por outro lado, elogiou a ação do Administrador do

152 “Viva a República – 13 de fevereiro”. O Democrático, nº 660, 13/02/1927, p. 1. 153 “Viva a República – 13 de fevereiro”. O Democrático, nº 660, 13/02/1927, p. 1. 154 “Ainda é tempo”. O Democrático, nº 680, 22/07/1927, p. 1.

Concelho, João Gaio (embora reconhecendo que o criticava em muitas outras circunstâncias) “pela maneira correta e enérgica” como os tinha sabido “conter [aos monárquicos] na sua sanha truculenta de canibais” e felicitava-o por afirmar o seu “indefetível republicanismo”155.

As notícias do levantamento chegavam às freguesias do concelho, nomeadamente a Labruge, onde “o assunto palpitante do dia” continuava “a ser os últimos acontecimentos, sendo os jornais lidos com indivisível sofreguidão”. Era geral “o regozijo por haver terminado as hostilidades, que tantas vítimas estava custando, sendo constantemente louvada a nobre atitude do exército que pôs termo a uma horrorosa carnificina entre irmãos” o que era “sumamente para lamentar”. Adicionalmente, “em sufrágio das almas das vítimas da revolução” foram celebradas “duas missas a que assistiu grande concorrência de fiéis”156.

A 20 de julho de 1928, apesar dos consecutivos fracassos, a oposição reviralhista tentaria uma nova insurreição que “deveria eclodir por volta das 22h30 da noite”. Esta investida teria “início na unidade de Metralhadoras I, localizadas no Castelo de S. Jorge”, local de onde partiria o sinal de começo da nova operação, estando prevista ainda “a sublevação em simultâneo de outras forças localizadas de norte a sul do país, bem como a realização de atos de sabotagens e outros semelhantes como cortes de estradas, o corte da linha férrea ou da linha telegráfica, entre outras”. Contudo, “pressões e hesitações mal conhecidas no decorrer dos últimos detalhes da ofensiva por parte de alguns dos intervenientes” levaram “ao precipitar da operação sem que houvesse tempo para informar as restantes unidades, que esperavam o natural começo do novo golpe para as 21 horas, situação que contribuiu para a rápida desorganização da intentona e para o naturalíssimo fracasso desta”. Assim que a Ditadura se deu conta das novas movimentações revelou-se “extraordinariamente célere na desarticulação dos vários núcleos conspirativos e na detenção e prisão de numerosos implicados no novo golpe,

155 “Viva a República – 13 de fevereiro”. O Democrático, nº 660, 13/02/1927, p. 1. 156 “Monárquicos rancorosos”. O Democrático, nº 661, 19/02/1927, p. 3.

que seriam na sua generalidade presos e sumariamente deportados para as prisões das colónias e das ilhas atlânticas”157.

Por sua vez, embora de forma subtil, O Democrático não deixou passar em branco esta tentativa republicana de derrube do regime ditatorial. Na edição de 3 de agosto de 1928, num artigo intitulado “Viva a República”, considerou que a República atravessava um momento de “grave perigo” porque “tinha os seus mais fervorosos defensores afastados para longínquas terras de África ou exilados no estrangeiro”, enquanto os seus adversários procuravam “a todo o transe alcançar as situações mais predominantes e de confiança para, em momento azarado, poderem, mais facilmente” dar “o golpe final”. Por outro lado, apelou ao Governo da Ditadura Militar que tivesse, “mais do que nunca, bem nítido o pensamento do exército republicano devendo, por isso, procurar uma plataforma a fim de terminarem todas as lutas fratricidas” que deslustravam “a causa republicana e até o próprio país”. Adicionalmente, o seu já largamente patenteado apelo por união continuava: “Neste momento de infortúnio para a família republicana é necessário, mais do que nunca, a união de todos, formando um bloco bem homogéneo contra as arremetidas dos inimigos do regime”158.

Relativamente aos restantes movimentos revolucionários atrás mencionados – ocorridos em 1931 – não se encontraram n’O Democrático referências aos mesmos. Tal pode ter ficado a dever-se, uma vez mais, ao apertado controlo da censura que ia

ganhando cada vez mais força.

157 JESUS, Nuno Miguel Pereira de Sousa Ribeiro de – As Oposições ao Estado Novo entre 1926 e 1949.

Lisboa: [Edição do autor], 2008. Dissertação de Mestrado em Espaço Lusófono, Lusofonia e Relações Internacionais apresentada à Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, p. 33.

4. Representações da figura e ação política de Salazar (1928-